Dossiê “Significado e impactos da reforma trabalhista no mundo do trabalho”
APRESENTAÇÃO: A REFORMA TRABALHISTA, ENTRE A FRAUDE E A ESPERANÇA
Resumen
Muito já foi dito e escrito sobre a reforma trabalhista. O próprio termo “reforma” já passou por uma espécie de reforma: há os que o escrevem com aspas, enquanto outros o traduzem por “deforma”, ou seja, exatamente pelo seu oposto.
Na verdade, o nosso tempo não inventou apenas os clones de ovelhas, mas tem produzido falsificações de todo tipo. Muitas são explícitas e inocentes, como acontece com os grupos que imitam os Beatles. Outras são ocultas e dolosas, como o tênis de marca fabricado num quintal clandestino.
Entre essas últimas falsificações se inserem, também, as imateriais, não palpáveis, como, por exemplo, no caso do político que se faz de democrata mas incentiva a violência; ou no da imprensa que noticia um crime ambiental como se fosse um acidente.
Na mesma hipótese poderíamos incluir a avalanche de fake news que invadiu o País, a ponto de convencer multidões de que na Holanda os bebês são treinados para o sexo ou no Brasil os professores têm trocado a atividade de pesquisa por práticas como o incentivo à “baderna”, à revolução comunista e até mesmo à pedofilia.
Ora, não nos parece exagero dizer que a reforma – ou deforma – trabalhista se insere na segunda hipótese. Ou seja, entre as falsificações dolosas, praticadas com o propósito de deturpar a realidade, tornando-a, ao mesmo tempo, ainda mais cruel. O legislador não peca apenas por equívocos pontuais, ligeiras distrações ou falta de técnica: substancialmente, ele joga com a fraude.
Assim é que, conhecendo a quantidade crescente de contratações de falsos autônomos, ele se aproveita para facilitar a onda, inventando a figura do “autônomo exclusivo”; sabendo que as normas do Direito Civil têm, em regra, um espírito diferente, suprime as palavras que exigiam compatibilidade para a sua aplicação ao Direito do Trabalho; não ignorando que no Brasil há quase uma tradição de violações à lei, culpa o próprio trabalhador pelo número de ações, e busca diminui-las dificultando o acesso à Justiça. E assim por diante.
Em tudo, ou em quase tudo, o legislador ignora a lição da melhor doutrina, no sentido de que os princípios do Direito do Trabalho não servem apenas ao intérprete ou aplicador. Eles atuam, ou devem atuar, também no momento pré-jurídico, quando a lei está por fazer, não só inspirando como condicionando os seus autores.
A reforma se utiliza ainda, de forma pouco honesta, de alguns elementos do nosso tempo, que celebram a participação, a liberdade e a igualdade. Nesse sentido, revaloriza de várias formas o contrato, seja em nível coletivo, seja em nível individual, mas fazendo de conta que as relações de poder são iguais, exatamente num período histórico em que elas voltaram a ser especialmente desiguais. Portanto, também aqui, fantasia a neutralidade para agir em detrimento do mais fraco.
Mas os efeitos mais destrutivos da nova lei talvez sejam outros. De um lado, ela acentua a tendência de mercantilização ampla e massiva do trabalho humano e do próprio homem que trabalha, sobretudo por intermédio das terceirizações. De outro, fere profundamente a principal fonte do Direito do Trabalho – ou seja, a luta coletiva – num contexto em que o sindicato já se encontrava fragilizado, em razão de outras tantas causas importantes.
Quanto ao último aspecto, não custa notar que o Direito do Trabalho, basicamente, foi sempre, em grande parte, construção da classe trabalhadora. Mesmo no Brasil, onde a presença do Estado foi inegavelmente importante, os sindicatos sempre estiveram presentes. De mais a mais, até as normas que importamos no passado trouxeram as marcas do sangue dos operários europeus; assim, seja aqui ou ali, o protegido teceu ou ajudou a tecer a sua própria proteção.
Esse é, talvez, o traço mais marcante do Direito do Trabalho; é o seu ponto forte, que responde por sua autonomia. No entanto, paradoxalmente, é também esse o seu ponto fraco, o seu Calcanhar de Aquiles. Pois indica que o Direito do Trabalho depende de sindicatos fortes não só para crescer, como para se tornar efetivo, ou seja, para viver.
Assim, como se vê, a divisão que se costuma fazer, na área trabalhista, entre o Direito Individual e o Coletivo não tem fins apenas didáticos ou metodológicos; nem se explica só pelo fato de que no primeiro os protagonistas são empregado e patrão, e no segundo são a empresa e o sindicato profissional. A diferença maior está em que o Direito Coletivo é instrumento de construção do Direito Individual, seja em termos diretos ou indiretos, seja em termos de preceito como de sanção.
E a reforma – ou deforma – não age apenas no plano do Direito Positivo. Ela atua também no campo ideológico, e até mesmo no aspecto psicológico, passando a ideia de que o trabalhador já não precisa de proteção, e reforçando a falsa tese de que o Direito do Trabalho prejudica o Direito ao Trabalho. Por essas e por outras, e tal como acontece, hoje, no plano das armas, o Poder Público autoriza tacitamente o empregador a praticar mais violências ainda, descumprindo ainda mais a lei.
Pois bem. Como dizíamos, muito já se escreveu e se disse sobre esse tema – e em várias áreas do conhecimento, do Direito à Sociologia, à História e à Economia. No entanto, poucas vezes se produziu uma mistura de ciências e olhares como a que estamos propondo.
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Citas
BIAVASCHI, Magda de Barros. O Direito do Trabalho no Brasil: 1930/1942: a construção do sujeito de direitos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2007.
COUTURE, Eduardo. Introdução ao Estudo do Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1998.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2018.
MAIOR, Jorge Luiz Souto. A reforma trabalhista era para retirar direitos, reconhecem os donos da bola. Available at: < https://www.jorgesoutomaior.com/blog/a-reforma-trabalhista-era-para-retirar-direitos-reconhecem-os-donos-da-bola>. Accessed on: 01 jul. 19.
MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Available at: <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/esperar/>. Accessed on: June 25, 2019.
VIANA, Márcio Túlio. Livrem-nos da livre negociação: aspectos subjetivos da reforma trabalhista. Belo Horizonte: RTM, 2019.