A (im)possibilidade de demissões por força maior e fato do príncipe na crise pandêmica
a descartabilidade de trabalhadores no sistema capitalista sob a perspectiva Arendtiana
Resumo
Analisaram-se se os institutos jurídicos da força maior (art. 502, CLT) e do fato do príncipe (art. 486, CLT) deveriam ser aplicados – ou não – às rescisões de contratos de trabalho e ao inadimplemento pelos empregadores das verbas rescisórias laborais em meio à crise pandêmica, sendo utilizado o pensamento de Hannah Arendt, em “A Condição Humana”, a fim de evidenciar a descartabilidade dos trabalhadores na sociedade de consumo. Concluiu-se que os empregadores não poderiam se basear na força maior para a rescisão dos contratos de trabalho se não houve a extinção da empresa ou do estabelecimento e, ainda que estivesse presente tal hipótese, os empregadores não poderiam se abster de pagar as verbas rescisórias devidas porque o art. 502 da CLT apenas autoriza a redução, pela metade, da indenização rescisória sobre o valor do FGTS (art. 18, §2º, Lei 8.036/1990). O fato do príncipe também não se aplicaria às demissões decorrentes da pandemia de COVID-19 porque o Ente Público não agiu com discricionariedade ao editar os atos normativos em situação de calamidade pública a fim de conter a contaminação do vírus, havendo o exercício legal e o cumprimento de estrito dever de agir para salvar vidas, não incidindo o art. 486 da CLT. Portanto, houve o uso desvirtuado, por parte do empresariado, dos institutos jurídicos de força maior e fato do príncipe para negar, injustificadamente, o pagamento das verbas rescisórias (salariais e indenizatórias) aos trabalhadores demitidos, afrontando o princípio jus laboral da proteção e demais preceitos da Constituição Brasileira de 1988.
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Referências
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