Conteúdo material e culturalmente
inclusivo do Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana
Material and culturally inclusive content of the Principle of the Dignity of the
Human Person
Contenido material y culturalmente inclusivo del Principio de la Dignidad de
la Persona Humana
Silvio Beltramelli Neto¹
RESUMO
Pretende-se, a partir do exame de diferentes abordagens filosóficas da noção de dignidade
humana, apresentar os termos de um conteúdo do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
que se mostre consentâneo com a realidade da desigualdade material e da opressão cultural que
permeiam o modelo societal vigente. Para tanto, foi empregado o método procedimental
bibliográfico, tendo-se por ponto de partida a proposta de Daniel Sarmento sobre as funções e
componentes do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, sobretudo os componentes do
mínimo existencial e do reconhecimento, analisados, neste artigo, à luz de outros autores dos
campos do conhecimento filosófico, sociológico e jurídico. Conclui-se que o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana exige seja dada máxima proteção aos direitos à igualdade material
e ao reconhecimento, o que reclama, necessariamente, a preservação de espaços institucionais
deliberativos que assegurem representação plural de todos os grupos econômica e
culturalmente vulneráveis.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Mínimo
Existencial. Reconhecimento.
ABSTRACT
It is intended, from the examination of different philosophical approaches to the notion of human
dignity, to present the terms of a content of the Principle of the Dignity of the Human Person
that is in line with the reality of material inequality and cultural oppression that permeate the
prevailing societal model. For this purpose, the bibliographic procedural method was used,
having as its starting point Daniel Sarmento's proposal on the functions and components of the
Principle of the Dignity of the Human Person, especially the components of the existential
minimum and recognition, analyzed, in this article, in the light of other authors in the fields of
philosophical, sociological and legal knowledge. It follows that the Dignity of the Human Person
Principle requires that maximum protection be given to the rights to material equality and
recognition, which necessarily calls for the preservation of institutional deliberative spaces that
ensure plural representation of all economically and culturally vulnerable groups.
KEYWORDS: Human Rights. Principle of the Dignity of the Human Person. Existential Minimum.
Recognition.
RESUMEN
Se pretende, a partir del examen de los diferentes enfoques filosóficos de la noción de dignidad
humana, presentar los términos de un contenido del Principio de Dignidad de la Persona Humana
que esté en consonancia con la realidad de la desigualdad material y la opresión cultural que
impregnan el modelo de sociedad actual. Para ello, se utilizó el método procesal bibliográfico,
teniendo como punto de partida la propuesta de Daniel Sarmento sobre las funciones y
componentes del Principio de la Dignidad de la Persona Humana, especialmente los
componentes del mínimo existencial y del reconocimiento, analizados, en este artículo, a la luz
de otros autores del ámbito del conocimiento filosófico, sociológico y jurídico. Concluimos que
el Principio de la Dignidad de la Persona Humana exige que se protejan al máximo los derechos
a la igualdad material y al reconocimiento, lo que exige necesariamente la preservación de
espacios institucionales de deliberación que aseguren la representación plural de todos los
grupos económica y culturalmente vulnerables.
PALABRAS CLAVE: Derechos humanos. Principio de la Dignidad de la Persona Humana. Mínimo
Existencial. Reconocimiento.
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Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
BELTRAMELLI NETO, Silvio. Conteúdo material e culturalmente inclusivo do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Revista
Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-42, 2021.
INTRODUÇÃO
Cogita-se que a primeira aparição da dignidade humana em um texto normativo tenha
se verificado no preâmbulo de decreto de 1848, que aboliu a escravidão na França. Ainda
antes das Guerras Mundiais, as constituições do México de 1917, de Weimar (Alemanha) e da
Finlândia, ambas de 1919, também contemplaram a expressão.
No entanto, no mais das vezes grafada “dignidade da pessoa humana”, a dignidade
humana multiplicou-se, nos documentos jurídicos internacionais e nacionais, dentro do
movimento de afirmação global dos direitos humanos, iniciado após a Segunda Guerra
Mundial.
A dignidade humana, assim, materializa-se no ordenamento jurídico internacional e
nacional como norma positivada do tipo princípio o Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana” —, com estrutura mais aberta, a desafiar reflexões, no campo da dogmática, sobre
a amplitude do seu conteúdo normativo e, por conseguinte, sobre suas possibilidades de
aplicação.
A interpretação da história e dos textos normativos tem convergido, em geral, para
apontar a proteção da dignidade humana como fundamento dos direitos humanos. Todavia,
há de se reconhecer que o conteúdo contemporâneo da dignidade humana, quando tomada
como fundamento dos direitos humanos, é devoto de uma construção histórica
absolutamente influenciada pelo pensamento filosófico de matriz ocidental, com marcadas
origens no pensamento grego clássico e no ideário cristão, embora não seja correto afirmar a
originalidade dessas compreensões, mas sim sua ampla disseminação.
Para fins do estudo que se segue, os termos “dignidade humana” e “dignidade da
pessoa humana” serão utilizados de modo distinto, empregando-se a primeira para designar
a ideia tratada pelos campos não jurídicos do pensamento e reservando-se a última para
referências ao princípio positivado em normas jurídicas constitucionais e internacionais,
comumente conhecido como “Princípio da Dignidade da Pessoa Humana”.
O objetivo deste artigo é, a partir do exame de diferentes abordagens filosóficas da
noção de dignidade humana, aprofundar-se nos elementos de um conteúdo do Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana que se mostre consentâneo com a realidade da desigualdade
3
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Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-42, 2021.
material e da opressão cultural que permeiam o modelo societal vigente. Para tanto, foi
empregado o método procedimental bibliográfico, tendo-se por ponto de partida a proposta
de Daniel Sarmento sobre as funções e componentes do Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana, sobretudo os componentes do mínimo existencial e do reconhecimento, analisados
à luz de outros autores dos campos do conhecimento filosófico, sociológico e jurídico.
1. Precedentes históricos da noção de dignidade humana
Do pensamento grego clássico, passando pela doutrina cristã medieval, a noção de
dignidade construiu-se com foco na superioridade do ser humano em relação aos demais
seres vivos, justificada ora pela razão e livre-arbítrio, ora pela criação divina, ora pela
associação de ambos os atributos. Tais construções não incorporaram, todavia, uma ideia de
dignidade como critério de tratamento igualitário entre os seres humanos. A igualdade,
portanto, não era um elemento do conteúdo da noção pré-moderna de dignidade humana.
1
Na Antiguidade Clássica, Protágoras, ao vaticinar que “O homem é a medida de todas
as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são",
sumariou a ideia corrente de superioridade do humano sobre os outros seres vivos, o que se
pode associar a uma noção de dignidade da espécie humana, compreendida como
coletividade.
2
Todavia, na perspectiva individual, conquanto a racionalidade do ser humano tenha
sido exaltada como qualidade distintiva fundamental à busca da verdade e do
autoconhecimento, como defendido por Sócrates, a ideia de dignitas comportava gradação
(pessoas mais ou menos dignas), porquanto explicava-se pela posição socialmente
reconhecida por determinado indivíduo.
3
Basta recordar que, no contexto da antiguidade
helenística, a dignitas dos cidadãos gregos era a chave para a condição de cidadão, atribuída
1
FRIAS, Lincoln; LOPES, Nairo. Considerações sobre o conceito de dignidade humana. Revista Direito GV, v. 11,
n. 2, p. 649670, dez. 2015, p. 654.
2
SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2020, p. 27-28.
3
SARLET, Ingo W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4.
ed. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2006, p. 30.
4
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Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-42, 2021.
apenas a alguns e admitida como fundamento, de um lado, para uma participação seletiva nas
deliberações sobre a pólis e, de outro, para a legitimação da escravidão e subjugação dos
demais integrantes do círculo familiar (esposa, filhos, etc.). A respeito, não se pode esquecer
que Aristóteles, célebre precursor da justiça distributiva e sua máxima “tratar igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais”, aquiesceu com a escravidão, encorpando a noção de
vigência de uma desigualdade natural, manifestada na divisão social do trabalho entre seres
superiormente capacitados para a liberdade e para a cidadania (também em sentido político)
e indivíduos inferiores, destinados ao trabalho forçado.
4
A dignitas sem igualdade também se fez presente na Roma Antiga, dado que atrelada
à posição socialmente distinguida de determinadas pessoas com privilégios morais e materiais
em relação aos demais. Conquanto o estoicismo, sobretudo de Cícero, ao preceituar a
dignidade como decorrência da razão humana, seja frequentemente lembrado como uma das
primeiras propostas universalistas de dignitas
5
, a escravidão também era aceita por aquele
filósofo e advogado clássico, que se limitava a condenar excesso de violência cometida contra
os escravos.
6
Na Idade Média, sobressai a compreensão cristã de dignidade humana, calcada na
superioridade do ser humano em face das demais criaturas vivas e inanimadas do mundo
como resultado da criação por Deus à sua imagem e semelhança. Santo Agostinho exaltara a
racionalidade humana como atributo distintivo concedido por obra divina, tendo, todavia,
desenvolvido o conceito de “graça divina” enquanto circunstância também oferecida por Deus
ao ser humano, mas não a todos, senão apenas a certos eleitos, a quem será conferida a
salvação. Já São Tomás de Aquino fez uso da expressão “dignidade humana” como atributo
divino que dota o ser humano de liberdade intrínseca à sua natureza, conformada por sua
4
SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2020, p. 30.
5
SARLET, Ingo W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4.
ed. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2006, p. 31.
6
SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2020, p. 31.
5
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Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-42, 2021.
autodeterminação (livre arbítrio), contudo, aquiesceu com a vigência de uma ordem
hierárquica entre as pessoas, determinada pela Providência Divina.
7
A Era Pré-Moderna, portanto, testemunhou propostas de dignidade da espécie
humana, mas sem que isso significasse seu reconhecimento e atribuição a todos indivíduos.
Faltava o traço da igualdade.
A Idade Moderna, com Pico Della Mirandola e seu “Discurso sobre a Dignidade do
Homem”, vê a noção de dignidade humana começar a ceder aos impulsos antropocêntricos
do movimento renascentista, na medida em que entende o ser humano uma criação de Deus
de natureza indefinida e senhor de seu destino, inclusive com o poder de legislar sobre si, em
contraste com os outros seres vivos, de natureza definida e absolutamente regidos pelas leis
divinas.
8
O indivíduo, assim, começa a ter sua dignidade humana completamente assentada em
seu livre-arbítrio e não propriamente em sua condição de criatura de Deus. Nem por isso, tal
ideário traduziu-se em imperativo ético-jurídico de igualação das pessoas para efeitos de
direitos e obrigações, independentemente de sua posição ou reconhecimento social, o que
apenas viria a ocorrer, séculos adiante, com as proposições jusnaturalistas iluministas, que
consolidaram o processo de racionalização e laicização da noção de dignidade humana. É o
tempo da dignidade da pessoa humana.
9
Antes de Kant, porém, cumpre mencionar a contribuição de Samuel Pufendorf à
laicização da dignidade humana, na medida em que a descreveu como liberdade de ação de
todo ser humano segundo sua razão e preferências, intangível até mesmo pelo monarca.
10
7
SARLET, Ingo W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4.
ed. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2006, p. 31-32.
8
SARLET, Ingo W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4.
ed. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2006, p. 32; LAUXEN, Elis Cristina Uhry; BARRETTO, Vicente de Paulo. A
(re)construção da ideia de dignidade humana. Revista Quaestio Iuris, v. 11, n. 1, p. 6788, 11 jan. 2018, p. 69.
9
SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2020, p. 28. Como sumaria Maluschke: “Na Antiguidade greco-romana, ‘dignidade’ era, em primeiro
lugar, um termo sócio-político; na Idade Média, aparece como princípio teológico, e isto tanto na perspectiva
política (teologia política) quanto no contexto de uma antropologia teológica. Na Idade Moderna, finalmente se
faz valer como conceito da ética, e isto particularmente na filosofia de Immanuel Kant (MALUSCHKE, Günther.
A dignidade humana como princípio ético-jurídico. NOMOS - Revista do Curso de Mestrado da UFC, v. 37, n. 1,
p. 95117, jun. 2017, p. 99)
10
SARLET, Ingo W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4.
ed. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2006, p. 32.
6
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Segundo Pufendorf, a dignidade é traço positivo da superioridade do ser humano que atine à
sua moralidade, pois é dado às pessoas distinguir entre bem e mal em sua tomada livre de
decisão, devendo se comportar, racionalmente, segundo uma norma geral baseada na
associação entre dignidade e autoestima: quem se respeita, respeita seu semelhante.
11
Mas é na filosofia iluminista de Immanuel Kant que a noção de dignidade humana se
desgarra por completo de seu veio cristão e propõe-se universal por meio de dois elementos
teóricos: a racionalidade como fundamento da existência humana, enquanto finalidade em si,
e a enunciação da ideia de imperativos categóricos como comportamentos universalmente
válidos e esperados de toda pessoa, em qualquer situação ou espaço.
Em sua célebre obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, de 1785, Kant
consagra a ideia segundo a qual a dignidade humana encontra esteio na racionalidade que
distingue o ser humano dos demais seres do mundo, porquanto o capacita a tomar decisões
livres sobre seu destino de acordo com suas preferências, portanto, com sua moralidade. Dito
de outro modo, o filósofo iluminista explica a dignidade humana a partir da ideia de
autodeterminação do indivíduo, conduzida por sua racionalidade, por sua vez influenciada
por diretrizes (leis) morais universalmente aceitas, denominadas imperativos categóricos.
12
Partindo da afirmação de um imperativo categórico (moral) de respeito absoluto e
incondicional à autodeterminação dos indivíduos, Kant formula a clássica e ainda
extremamente difundida afirmação do ser humano como fim em si mesmo, circunstância que
lhe atribui dignidade
13
. Consagra-se, assim, a máxima moral
14
universal proibitiva da
objetificação ou coisificação de qualquer pessoa.
A dignidade humana kantiana, representativa dos ideais do iluminismo revolucionário
do século XVIII, universalizou e, assim, generalizou os direitos humanos, desde uma
11
MALUSCHKE, Günther. A dignidade humana como princípio ético-jurídico. NOMOS - Revista do Curso de
Mestrado da UFC, v. 37, n. 1, p. 95117, jun. 2017, p. 100.
12
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Trad. Leopoldo Holzbach.
São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 45.
13
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Trad. Leopoldo Holzbach.
São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 65.
14
“Ora, a moralidade é a única condição capaz de fazer que um ser racional seja um fim em si, pois só mediante
ela é possível ser um membro legislador no reino dos fins. Pelo que, a moralidade, bem como a humanidade,
enquanto capaz de moralidade, são as únicas coisas que possuem dignidade” (KANT, Immanuel. Fundamentação
da metafísica dos costumes e outros escritos. Trad. Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 65).
7
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perspectiva jusnaturalista de viés igualitário, ao preceituar que todas as pessoas ostentam
dignidade, independentemente de sua posição social ou filiação religiosa. Trata-se da
dignidade como consectário da razão humana e de sua capacidade de autodeterminação. Tal
ideário logo se afirmou no campo político, adotado pelo liberalismo, e, consequentemente,
no campo jurídico, sobretudo por obra da Declaração de Independência dos Estados Unidos
da América (1776), sucedida da Constituição dos EUA (1787), bem como da Declaração do
Homem e do Cidadão da França (1789), e vige como grande referencial filosófico, político e
jurídico até os dias atuais.
15
Conquanto perene, a visão kantiana vem experimentando, ao longo dos séculos,
relevantes críticas, as quais, em geral, acusam-lhe de excessiva abstração do ser humano, do
exercício de sua racionalidade, da vigência e observância de imperativos categóricos
universalmente aceitos e, por conseguinte, da concepção natural e igualitária de dignidade
humana.
Hegel contestou a naturalização da dignidade humana, ao condicioná-la, no campo da
realidade dos indivíduos, ao reconhecimento e respeito pela sociedade que o circunda. A
dignidade humana e a igualdade, neste passo, para Hegel, são resultados do campo prático
das relações humanas
16
. Por conseguinte, diferentemente de Kant, Hegel não atrela a
dignidade à racionalidade, tampouco reconhece sua inerência à condição de humanidade,
senão apenas admite que dignidade é prerrogativa ou privilégio daquele que se vê
reconhecido pela sociedade em que vive como cidadão.
Inicialmente um discípulo de Hegel, Karl Marx e seu materialismo histórico que viria
torná-lo um dissidente opositor do idealismo hegeliano
17
refutaram, desde sempre, a
15
No Brasil, proeminentes análises sobre o princípio jurídico da dignidade da pessoa humana ainda são realizadas
sob o prisma kantiano, com frequente eco na jurisprudência nacional, sobretudo do Supremo Tribunal Federal.
A respeito, cf. SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana com valor supremo da democracia. Revista
de direito administrativo, v. 212, p. 8994, 1998; BARCELLOS, Ana Paula de. Normatividade dos princípios e o
princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição de 1988. Revista de direito administrativo, v. 221, p.
159188, 2000; SARLET, Ingo W. Notas sobre a dignidade da pessoa humana na jurisprudência do STF. In
SARMENTO, Daniel; SARLET, Ingo W. (Coord.). Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: balanço e
crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
16
HEGEL, G. W. Princípios da Filosofia do Direito. Trad. Orlando Vitorino. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.
XXXIV.
17
“Em completa oposição à filosofia alemã, a qual desce do céu à terra, aqui sobe-se da terra ao céu” (MARX,
Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia ale. Trad. Álvaro Pina. São Paulo: Expressão Popular, 2009, p. 31).
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admissão de uma dignidade de cunho igualitário derivada da condição humana, incompatível
com as opressões sociais reais concretizadas em subjugação de pessoas à sanha do capital,
tendo por consequência o aprofundamento das desigualdades materiais, representado pela
tensão entre quem detém meios de produção e aqueles que têm na venda da força de
trabalho a única alternativa para a sobrevivência.
Na visão de Marx, a livre autodeterminação do indivíduo pela sua razão é uma ilusão,
porquanto o exercício da razão é diretamente condicionado pelas relações materiais
(concretas) que medeiam as ações e pensamentos desse indivíduo, tendo asseverado que “a
consciência [das Bewusstein] nunca pode ser outra coisa senão o ser consciente [das bewusste
Sein], e o ser dos homens é o seu processo real de vida”
18
. Daí que “não é a consciência que
determina a vida, é a vida que determina a consciência”.
19
Por conseguinte, para Marx, a ideia
kantiana de dignidade humana intensifica a autopercepção individualista das pessoas, que
interessa à manutenção da desigualdade econômica capitalista, ao tempo em que também
obstaculiza a conscientização do ser humano enquanto ser social, necessária para a superação
da desigualdade material imposta pelo sistema capitalista.
Outro ferrenho crítico da concepção da igualdade humana como atributo natural da
dignidade foi Friedrich Nietzsche, para quem, em suma, o cânone liberal de igualdade não
passa de discurso político, transmutado em paradigma moral, tóxico e vazio, porque busca
nivelar e aniquilar as diferenças que são próprias de cada individualidade, ao mesmo tempo
em que invisibiliza as condições desiguais de vida dos seres humanos.
20
18
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Trad. Álvaro Pina. São Paulo: Expressão Popular, 2009
19
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia ale. Trad. Álvaro Pina. São Paulo: Expressão Popular, 2009, p.
32.
20
NIETZSCHE, Friedrich. Escritos sobre Política. Trad. Noéli Correia de Melo Sobrinho. São Paulo, SP: Loyola,
2007. Repetidas e ácidas críticas a diversas formulações kantianas são encontradas em NIETZSCHE, Friedrich.
Genealogia da moral: uma polêmica. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Para
um exame das críticas de Nietzsche à igualdade em termos liberais e sua disseminação no campo da educação,
cf. MENDONÇA, Samuel. Objeções à igualdade e à democracia: a diferença como base da educação aristocrática.
ETD - Educação Temática Digital, v. 14, n. 1, p. 332350, 2012.
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2. Ideia versus concreto: sentido amplo e complexo da dignidade humana
Entre os séculos XIX e XX, ao tempo em que o capitalismo foi se estabelecendo como
um modo societal, não apenas atinente às possibilidades econômicas, mas verdadeiramente
respeitante à vida em sociedade, com seus imperativos de consumo, dinâmicas de
acumulação patrimonial e lógicas geopolíticas expansionistas e colonialistas, a percepção ideal
da igualdade natural entre os seres humanos foi se desvanecendo frente à crueza dos fatos, à
medida em que a desigualdade social crescia e se aprofundava. A escravidão africana colonial
do século XIX, o avanço da exploração da mão de obra assalariada pós Segunda Revolução
Industrial, os regimes políticos autocráticos e os genocídios perpetrados nas duas Guerras
Mundiais do século XX não foram evitados pelas declarações e constituições contemplativas
das liberdades individuais, da autodeterminação pessoal e da igualdade formal dos seres
humanos.
O descumprimento da promessa liberal moderna de preservação da
autodeterminação e da igualdade enquanto decorrência natural da razão humana
21
desvelou
a necessidade de reconstrução do conteúdo da dignidade humana, a partir da consideração
de sua concretude, ou seja, de suas condições materiais de vivência e sobrevivência, como
reivindicado, sob distintas propostas, pelas correntes marxista, socialista utópica, anarquista
e até da doutrina social da Igreja Católica. Isso porque a realidade impõe a constatação,
segundo a qual, a autodeterminação está completamente adstrita às possibilidades materiais
de seu exercício, diante do descompasso entre faculdade ideal do uso da razão e condições e
oportunidades reais de fa-lo.
Nessa perspectiva, o fenômeno da desigualdade social, que exclui, ainda que em
diferentes níveis, seres humanos da condição de plena autodeterminação, não pode mais ser
alijado da perquirição sobre o conteúdo da dignidade humana. E o fenômeno da exclusão
21
Boaventura de Sousa Santos afirma que a modernidade teria anunciado e não cumprido duas importantes
promessas: a solução dos problemas de distribuição, os quais levam populações inteiras à privação de condições
mínimas de sobrevivência, e a “democratização política do sistema democrático”, entendida esta como a
inserção livre das classes populares no sistema político. Sustenta que modernidade ocidental legou uma
realidade de fragmentação extrema, que tem como faceta mais desumana o aprofundamento da exclusão social
(SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 14. ed. São Paulo:
Cortez, 2013, p. 127).
10
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social é multifacetado, na medida em que se verifica segundo distintos critérios ou
circunstâncias agregadoras de pessoas em determinadas condições de insegurança. Dito de
outro modo, a exclusão social subjuga diferentes grupos vulneráveis.
Eduardo Bittar relembra a publicação científica “Atlas da exclusão social no Brasil” de
2003, que revela a passagem de uma velha a uma nova exclusão social, mais ampla, que
propiciou a “expansão das populações atingidas e dos contingentes humanos envolvidos em
situações limítrofes entre vida e morte, dignidade e indignidade, cidadania e exclusão
completa”. A velha exclusão se revela pelos baixos níveis de renda e escolaridade que assolam,
notadamente, negros, mulheres, migrantes, analfabetos e famílias mais numerosas. Já a nova
exclusão social se sobrepõe à velha e amplia as populações socialmente vulneráveis, assim
como multiplica as formas de manifestação da exclusão, alcançando as esferas cultural,
econômica e política, de modo a atingir novos segmentos sociais até então relativamente
preservados do processo excludente, a exemplo de jovens com elevada escolaridade, pessoas
com mais de 40 anos, homens negros e famílias monoparentais, em face de quem o
desemprego e a precarização dos postos de trabalho disponíveis afirmam-se como novos
instrumentos excludentes.
22
Boaventura De Sousa Santos distingue desigualdade e exclusão social, embora as
aponte como dois tipos ideais modernos e concomitantes, que se estabelecem de modo
permanente, a partir da convergência entre modernidade e capitalismo, estabelecida no
século XIX. Segundo o sociólogo português, a desigualdade não é exatamente excludente,
porque existe em um quadro relacional e hierarquizado de privilégios, cujo critério de
diferenciação é essencialmente econômico. O princípio que rege a desigualdade é o da
integração social, pois pessoas estão inseridas em um contexto de fruição de direitos, ainda
que em distintas intensidades. Já a exclusão social rege-se pelo princípio da segregação,
porquanto o excluído encontra-se fora do quadrante em que apenas desigualdade, sendo
alijado da possibilidade de fruir direitos e de reivindicá-los. O critério excludente vai além do
22
CAMPOS, André de. et. al. Atlas da exclusão social no Brasil, volume 2: dinâmica e manifestação territorial.
São Paulo: Cortez: 2003, p. 43 e 49; BITTAR, Eduardo C. B. Ética, Cidadania e Constituição: o direito à dignidade
e à condição humana. Revista Brasileira de Direito Constitucional, v. 8, n. 1, p. 125-155155, 31 dez. 2006, p.
128.
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aspecto econômico, alcançando atributos socioculturais interseccionais como gênero, raça,
sexualidade, crença religiosa, etnia, nacionalidade, deficiência física ou mental, ficha criminal
etc.
23
O sofrimento concreto impingido a corpos humanos pelas dominações e opressões
interseccionais infla as críticas mais ferozes contra o valor intrínseco do ser humano e a
autonomia enquanto designativos únicos da dignidade humana. No marco do pensamento
decolonial, critica-se a atual e disseminada reprodução desse conceito pelos chamados
(neo)kantianos, no campo jurídico da atualidade, atribuindo-lhe manutenção daquelas
mesmas opressões, que permanecem operantes nas sociedades mais desiguais e excludentes,
notadamente nos países em que, a despeito do formal reconhecimento de sua
autodeterminação, se verifica a perpetuação de dinâmicas coloniais econômicas, políticas e
culturais.
24
É importante perceber que a complexa e multifacetada chaga da exclusão social,
inevitavelmente, conduz sua abordagem à esfera da política institucional e, por conseguinte,
da democracia.
25
Adverte Aieta que na busca por uma definição etimológica de democracia, há que
considerar que essa expressão admite exame sob duas perspectivas, quais sejam, uma
descritiva (analítica) e outra prescritiva (axiológica). Nesta linha, a distinção entre democracia
direta (Grécia clássica) e democracia representativa (“moderna”) e suas formas de operação
pertencem à perspectiva descritiva, enquanto os modelos democráticos liberal e socialista
comportam indagação dentro da perspectiva prescritiva.
26
A análise descritiva da democracia representativa como “forma de governo” pode ser
atribuída a Heródoto, ao tratar do sorteio de “magistrados” como forma de nomeação de
23
SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. 2. ed. Porto: Edições
Afrontamento, 2010.
24
GOMES, Camilla de Magalhães. Os sujeitos do performativo jurídico relendo a dignidade da pessoa humana
nos marcos de gênero e raça. Revista Direito e Práxis, v. 10, n. 2, p. 871905, jun. 2019.
25
BELTRAMELLI NETO, Silvio. Exclusão social, regulação do trabalho e crise do sindicalismo nas perspectivas
crítica e utópica de Boaventura de Sousa Santos. Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 3, p. 18151844, set. 2020;
BELTRAMELLI NETO, Silvio; BONAMIM, Isadora Rezende; VOLTANI, Julia de Carvalho. Trabalho Decente segundo
a OIT: uma concepção democrática? Análise crítica à luz da teoria do contrato social. Revista Eletrônica do Curso
de Direito da UFSM, v. 14, n. 1, p. 136, 6 maio 2019.
26
AIETA, Vânia S. Democracia. In: BARRETO, Vicente de P. (Coord.). Dicionário de filosofia do direito. São
Leopoldo/Rio de Janeiro: Editora Unisinos; Livraria Editora Renovar, 2009, p. 191-192.
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grupo designado para a tomada de decisão, no exercício da representação do povo. Todavia,
coube a Rousseau categorizar as formas de governo
27
, tendo-o feito sob inspiração solidarista
subjacente à noção de Contrato Social (ou Pacto Social).
O Contrato Social é, antes de tudo, um ato de associação orientado à autopreservação,
pois a vida em sociedade é, prima facie, predatória ao ser humano. Na impossibilidade de que
novas forças “extra-humanas” reguladoras sejam criadas, impende a agregação das forças de
cada indivíduo, a resultar uma soma harmônica de forças dirigidas. Busca-se, assim, um
sistema de organização social “que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os
bens de cada sócio, e pela qual, unindo-se cada um a todos, não obedeça, todavia, senão a si
mesmo e que fique tão livre como antes”.
28
O traço solidarista e essencialmente inclusivo do Contrato Social evidencia-se na
enunciação que Rousseau empregou para definir a esncia do Pacto idealizado: “Cada um de
nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sobre a suprema direção da vontade geral,
e recebemos enquanto corpo cada membro como parte indivisível do todo”. Segue-se que tal
associação enseja um “corpo moral e coletivo”, produto da soma dos interesses comuns de
todas as pessoas que o compõe, por isso que corpo coletivo (Soberano) e as individualidades
jamais poderão ter, por princípio, interesses colidentes.
29
Importa notar que o Contrato Social, segundo o seu autor, não é produto da renúncia
à liberdade, como em Hobbes, senão a única maneira de maximizá-la na vida em sociedade
30
.
O Soberano é, por definição, o porta-voz da vontade geral, a qual não se confunde com a
vontade de todos, embora resulte de sua média
31
. A primeira só compreende o interesse
comum e, por isso, tão somente põe-se ao proveito do bem comum; a última, de seu turno,
não passa de uma soma de vontades particulares. Já o Governo atua por delegação do
Soberano, podendo ser exercido por todos os indivíduos (democracia no sentido grego
clássico), por uma parcela deles (aristocracia) ou a apenas uma pessoa (monarquia).
27
AIETA, Vânia S. Democracia. In: BARRETO, Vicente de P. (Coord.). Dicionário de filosofia do direito. São
Leopoldo/Rio de Janeiro: Editora Unisinos; Livraria Editora Renovar, 2009, p. 191.
28
ROUSSEAU, Jean-Jaques. Do contrato social. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 31.
29
ROUSSEAU, Jean-Jaques. Do contrato social. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 31-33.
30
SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 2 ed. Porto:
Edições Afrontamento, 2002, p. 121.
31
ROUSSEAU, Jean-Jaques. Do contrato social. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 41.
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Partindo das premissas rousseaunianas para desenvolver seu pensamento,
Boaventura de Sousa Santos examina, a miúde, a questão da exclusão social sob a perspectiva
da democracia. Inicia afirmando que a regulação social se assenta em 3 (três) princípios: do
Estado, do Mercado e da Comunidade.
32
A associação da modernidade ocidental com o
capitalismo consagrou a ascensão do princípio do Mercado sobre os demais, em um processo
gradual que se confunde com o próprio processo de transformação e desenvolvimento do
capitalismo como padrão societal.
O princípio da Comunidade, tal como acatado por Boaventura, é lastreado na teoria
do Contrato Social de Rousseau, fundada na obrigação vertical cidadão-Estado, típica do
modelo liberal, mas assenta-se em uma obrigação horizontal cidadão-cidadão, fundante de
uma associação política participativa, que exige, para além da igualdade formal, a igualdade
substancial
33
, inadmitindo, portanto, a exclusão social.
Lançando luzes sobre a contemporaneidade, Boaventura denuncia a crise atual do
Contrato Social, dado que a coesão subjacente à vontade geral desvaneceu-se, ante a perda
da centralidade do Estado e do direito estatal como artífices da regulação face à
instantaneidade dos interesses do mercado financeiro globalizado, que impulsiona um tempo
de contratualização, não de cunho social, mas de natureza eminentemente liberal-individual
e, por isso, efêmera, conformando uma espécie de “Contrato Social Neoliberal” ou “Contrato
Social Pós-Moderno Leonino”, onde predomina a exclusão social sobre os processos
inclusivos.
34
Pontualmente apoiado em Kant, aduz Boaventura, que a noção moderna de
democracia, ao limitá-la ao direito de voto, é reducionista e perigosamente liberal, portanto,
dissonante do comunitarismo rousseauniano, na medida que o governo exercido pelos
representantes eleitos deve fazer coincidir a vontade coletiva dos particulares com a vontade
32
SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 2 ed. Porto:
Edições Afrontamento, 2002, p. 122; SANTOS, Boaventura de Sousa. Do pós-moderno ao pós-colonial. E para
além de um e de outro. Travessias, n. 6/7, p. 1536, 2008, p. 21.
33
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 14. ed. São Paulo:
Cortez, 2013, p. 228.
34
SANTOS, Boaventura de Sousa, A gramática do tempo: para uma nova cultura política. 2. ed. Porto: Edições
Afrontamento, 2010, p. 301-304.
14
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geral, que, por definição, conforma-se pela média da vontade de todos e não apenas da
maioria.
Segundo a teoria liberal predominante, a sociedade civil está baseada na igualdade
plena de exercício de liberdade, autonomia e interesses de todos os indivíduos, ocultando a
desigualdade material inerente ao capitalismo, que limita a própria formação da vontade
individual, nos espaços públicos e privados de exercício da cidadania e do trabalho.
35
Tal
ocultação favorece a percepção ilusória de que a democracia se perfaz, integralmente, com a
faculdade do voto, escondendo as relações de poder e dominação que fazem dissociar-se as
vontades de Soberano e Governo.
A insuficiência da gestão democrática da sociedade, nos moldes atuais, torna esse
sistema político conveniente ao capitalismo que faz sucumbir Estado e Comunidade, abrindo-
se as portas para a disseminação do maior risco advindo da crise do Contrato Social, o
fenômeno denominado por Boaventura de Fascismo Social. Sua diferença para o Fascismo dos
anos trinta e quarenta do século XX reside no fato de não designar apenas um regime político,
mas um “regime social e civilizacional”.
36
Neste contexto, o fascismo social eleva a níveis
altíssimos a discricionariedade (ou o poder de veto) dos socialmente mais poderosos sobre as
chances de vida dos excluídos e dos mal posicionados na escala da desigualdade, minando,
como nunca visto, a regra formal da igualdade.
37
A prevalência do Mercado sobre o Estado e a Comunidade e a crise do Contrato Social
aprofundaram e conferiram novos contornos a um tipo de divisão social perceptível desde o
século XVI, denominada por Boaventura de divisão entre relações “metropolitanas” e
“coloniais”, separadas pela “linha abissal”. As relações sociais metropolitanas perfazem-se
dentro da tensão regulação versus emancipação e nelas a todo indivíduo se atribui algum
direito e algum tipo de oportunidade de realização pessoal. Já as relações sociais coloniais
vivem sob a dualidade violência versus apropriação e contemplam a mais intensa exclusão
35
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 14. ed. São Paulo:
Cortez, 2013, p. 228.
36
SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política, 2. ed. Porto: Edições
Afrontamento, 2010, p. 310-313.
37
SANTOS, Boaventura de Sousa. The resilience of abyssal exclusions in our societies: toward a post-abyssal law.
Tilburg Law Review, v. 22, n. 1-2, 2017, p. 237-258.
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social de pessoas absolutamente desprovidas de direitos realisticamente reivindicáveis,
embora até possam ser formalmente reconhecidos. Antes perceptíveis geograficamente, ao
tempo do colonialismo histórico (norte/sul), a linha abissal, hoje, perdeu o referencial
geográfico, na medida que relações metropolitanas e coloniais convivem em espaços mais
reduzidos, como dentro das divisas de países centrais ou mesmo no interior de cidades.
38
O sociólogo português identifica seis modos de produção da prática social, todos
cindidos pela linha abissal e a cada um correspondendo uma forma de poder específica:
espaço doméstico (poder do patriarcado), espaço da produção (poder da exploração e da
“natureza capitalista”), espaço do mercado (poder do fetichismo das mercadorias), espaço da
comunidade (poder da diferenciação desigual), espaço da cidadania (poder da dominação) e
o espaço mundial (poder da troca desigual)
39
.
Diante desse cenário, Boaventura propõe uma nova teoria da democracia, que reclama
a urgência da democratização de todos os espaços cindidos pela linha abissal excludente
40
,
observado o sentido solidarista rousseauniano de asseguramento de participação deliberativa
a todos os grupos socialmente excluídos e vulneráveis à desigualdade social por qualquer
circunstância ou critério, ainda que quaisquer desses grupos não represente maioria
quantitativa em determinado ambiente político-institucional. Uma democracia, portanto,
inclusiva que, por isso, jamais poderá ser reduzida ao “governo da maioria” como paradigma
tanto para políticas de governo quanto para produção e aplicação de leis.
Rousseau e Boaventura evidenciam que igualdade no concreto só admite ser
vislumbrada em um ambiente democrático, que assegure participação ativa e consideração
permanente dos interesses de todos os indivíduos, mas, sobretudo, dos desvalidos e
ultrajados pela desigualdade e pela exclusão social. No mundo atual, contudo, ambientes
assim vão se mostrando cada vez mais implausíveis, à vista da perpetuação do ideário
neoliberal de ampla concorrência individual, patrocinada pelo Estado e introjetada pelas
subjetividades inclusive dos excluídos , onde prevalece o radical individualismo sobre a
38
SANTOS, Boaventura de Sousa. The resilience of abyssal exclusions in our societies: toward a post-abyssal law.
Tilburg Law Review, v. 22, n. 1-2, 2017, p. 237-258, p. 251 e 254.
39
SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 2 ed. Porto:
Edições Afrontamento, 2002, p. 254.
40
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade, cit., p. 270-271.
16
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percepção da solidariedade social. Valendo-se da obra de Ulrich Beck, Pierre Dardot e
Christian Laval exclamam a destruição, sob o ideário neoliberal, da “dimensão coletiva da
existência”, porquantoassistimos a uma individualização radical que faz com que todas as
formas de crise social sejam percebidas como crises individuais, todas as desigualdades sejam
atribuídas a um responsável individual”.
41
A concretude da desigualdade e da exclusão social exigem, portanto, uma noção de
dignidade humana cujo conteúdo as considere em todas as suas causas e dimensões
individuais e coletivas, para que assim (e só assim) possa refletir, de modo adequado, o caráter
universalizante entrevisto idealmente por Kant, sem deixar de contemplar a viabilização das
condições materiais (concretas) para que cada indivíduo vivencie, de modo livre e pleno, suas
singularidades, de acordo com suas preferências.
Impulsionado por reflexões sobre o combate à fome e à miséria como manifestações
mais radicais da exclusão social, o economista e filósofo indiano Amartya Sen propôs, com
ampla aceitação nos meios acadêmicos e de organizações internacionais de direitos humanos,
como ONU e OIT, a ideia de “Desenvolvimento Humano” como norte para o enfrentamento
da exclusão social e suas manifestações mais cruéis: a fome e a miséria. Desenvolvimento
Humano, nesse contexto, é entendido como a busca da ampliação das capacidades das
pessoas.
Sen formula uma teoria própria das capacidades (capability approach), a partir da
retomada de inspiração aristotélica da associação entre ética e economia. A teoria das
capacidades de Sen preceitua que o desenvolvimento de um indivíduo é resultado direto da
conjugação de suas capacidades, entendida capacidade (capability) como “a liberdade
substantiva de realizar combinações alternativas de funcionamentos (ou, menos
formalmente, a liberdade para ter estilos de vida diversos)”. Os citados “funcionamentos”
representam as diversas coisas que uma pessoa pode desejar fazer ou ser. O conjunto de
capacidades pode ser delimitado pelo leque mais restrito ou mais amplo de oportunidades de
aquisição de distintos funcionamentos, ou seja, de bens e caminhos que, por livre decisão da
41
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. trad. Mariana
Echalar. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 348.
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própria pessoa (“agência”), representem meios para seu bem-estar segundo suas preferências
pessoais.
42
Perceba-se que, no horizonte teórico seniano, o exercício dos funcionamentos, em um
contexto mais ou menos limitado das capacidades, não tem no fator econômico sua única
influência, mas admite outras circunstâncias, como é o caso, no plano individual estrito, de
deficiência física ou mental, ou, ainda, no plano individual afetado por condições sociais, de
adoecimentos evitáveis, déficit formação educacional e discriminações diversas (gênero, raça,
etnia, etc.). Ademais, o avanço coletivo das capacidades individuais, diz Sen, depende da
preservação de um ambiente político democrático, que dê visibilidade e atenção às demandas
das pessoas com severas limitações em suas capacidades, ou seja, os socialmente excluídos.
43
Face às reflexões apresentadas, uma noção de dignidade humana consentânea com
propósitos de salvaguarda da existência humana em termos igualitários não pode se limitar a
uma compreensão que naturaliza a autodeterminação e a igualdade como atributos da razão
humana. O conteúdo da dignidade humana é muito mais complexo e exige que
autodeterminação e igualdade sejam percebidas e contempladas à luz da concretude da vida,
por sua vez indissociável das condições materiais em que cada pessoa está imersa e do que
isso representa enquanto limites e oportunidades para que, livremente, seja quem deseja ser.
A amplitude e a complexidade do conteúdo da dignidade humana, inevitavelmente,
oferecem desafios hermenêuticos à sua expressão jurídica e, em verdade, é preciso admitir
que as manifestações jurisprudenciais pelo mundo e, notadamente, no Brasil, não ressoam o
quanto aqui proposto, no mais das vezes encontrando-se interpretações casuísticas, sem que
se possa entrever esforço jurisdicional na direção de uma mínima delimitação conceitual da
questão.
42
SEN, Amartya. Sobre ética e economia. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p.
18-19 e 56-60; SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010, p. 105.
43
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010, p. 16-53.
18
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3. Conteúdo normativo do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
A compressão da dignidade humana no plano concreto da existência não parece se
conformar com um conceito atemporal. É que as condições materiais da existência humana
se estabelecem de modo dinâmico, no curso da História. A sociedade antiga se estabeleceu
sob pressupostos éticos, políticos e econômicos distintos dos da sociedade feudal e essa, de
seu turno, apresentou uma conformação totalmente diferente do perfil societal liberal
capitalista em relação àqueles mesmos três pressupostos.
Admitir a historicidade da dignidade humana provoca desconforto e incompreensão
na comunidade jurídica, sempre ávida por categorias, institutos e conceitos hermeticamente
delimitados, o que ajuda a propiciar, de um lado, uma aversão que, no limite, chega à
negação da normatividade da dignidade da pessoa humana, a despeito da expressa
previsão constitucional e internacional; e, de outro, falta de rigor metodológico na aplicação
desse princípio jurídico a casos concretos, dando ensejo à sua banalização.
Melhor seria se, reconhecida a historicidade da dignidade humana, juristas da
academia e da práxis assumissem, em sua totalidade e dentro da institucionalidade vigente, a
missão da construção dialógica de um sentido normativo para o Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana que, longe de reclamar um conceito pronto e acabado, necessita, em verdade,
de consenso metodologicamente acessível e aplicável à casuística sobre as funções que aquele
princípio cumpre em determinada ordem jurídica, bem como sobre os elementos da
existência humana que não podem estar à margem de sua proteção, para o quê as condições
de determinada quadra histórica hão de ser consideradas.
A chave, portanto, para a delimitação do conteúdo do princípio jurídico da dignidade
da pessoa humana está em perscrutar as razões históricas de sua positivação e, com isso,
definir suas funções e seu âmbito de proteção e, então, diretrizes metodológicas para sua
aplicação a casos concretos. Variadas propostas para cada uma dessas questões encontram-
se disponíveis no plano acadêmico e algumas poucas no plano jurisdicional, sobretudo
comparado (de outros países).
Aqui interessa cumprir este itinerário sob o ponto de vista da ordem jurídica brasileira,
composta por normas nacionais (sobretudo constitucionais) e internacionais incorporadas de
19
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direitos humanos, tomada no contexto social, político e econômico do Brasil e alinhada com
a percepção encampada acima sobre a amplitude de uma noção de dignidade humana atenta
à concretude do ser humano.
A profunda e rigorosa pesquisa realizada por Daniel Sarmento, publicada sob o título
“Dignidade da Pessoa Humana: conteúdo, trajetórias e metodologia”, atende a esse critério,
pois, recusando limitar-se à visão ideal e naturalista da dignidade humana, examina, com
detalhes, seu princípio jurídico correlato sob contexto social e normativo nacional, sem
descurar das normas internacionais, fazendo-o sob declarada influência da percepção da
sociedade brasileira como perpetuadora de um veio histórico escravocrata e uma moral
patriarcal, agudizados por uma desigualdade multidimensional, que é fortemente
naturalizada tanto por privilegiados quanto por oprimidos.
44
Quanto às funções cumpridas pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na ordem
jurídica, aqui são acolhidas três principais e quatro decorrentes, a despeito de Sarmento as
apresentar como sete funções autônomas
45
.
A primeira função é a de legitimação do Estado e do Direito, isto é, fundamento da
ordem jurídica e política, conforme declarado pelo art. 1.º, III, da Constituição Federal e
afirmado nas diversas declarações e tratados internacionais de direitos humanos, que dá
suporte à legitimação moral da máxima segundo a qual Estado e ordem jurídica existem em
razão da pessoa humana (e não o contrário).
A segunda é a função de condicionante da hermenêutica jurídica, conferindo
legitimação ao uso da dignidade da pessoa humana como guia da interpretação, aplicação e
integração do Direito. Desta função decorrem quatro outras afetas ao exercício da aplicação
do Direito: diretriz para a ponderação entre interesses colidentes, por meio da técnica da
ponderação; critério justificador da limitação de direitos humanos de certa pessoa em razão
da dignidade humana de outra pessoa ou em virtude de sua própria dignidade humana;
44
SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2020, p. 59-68.
45
SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2020, p. 77-89. Adotando classificação igual a essa, na substância, embora expressada em um rol mais
enxuto, Carvalho Ramos registra exemplos da jurisprudência do STF que corroboram o desempenho das funções
assinaladas (RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020,
p. 83-85).
20
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paradigma para o controle da validade jurídica de atos administrativos, legislativos e
jurisdicionais de todo e qualquer agente estatal (“eficácia negativa”), bem assim de atos
jurídicos particulares; e critério para a identificação de direitos humanos juridicamente
protegidos enunciados no texto constitucional ou de outra norma e queo constam do rol
expresso de direitos fundamentais enunciados em trecho específico do Título II da
Constituição Federal.
A terceira função é a de fonte de direitos não enumerados (“eficácia positiva”) na
Constituição Federal ou em normas internacionais vigentes, mas que demandem proteção por
dizerem evidente respeito a alguma dimensão da dignidade humana, com isso sanando
lacunas ou incompletudes de certa ordem jurídica.
As funções do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana permitem afirmar que não se
trata de um direito humano autônomo¸ a despeito do quão confortável isso possa soar do
ponto de vista retórico. Em verdade, sob o prisma jurídico-pragmático, afigura-se mais
plausível tomar a dignidade, segundo sugere a segunda função enunciada, como fonte
subjacente a todos os direitos humanos positivados e não positivados (mas que venham a ser
reconhecidos por força de derivação hermenêutica do princípio em questão).
46
Nesse caso, é
possível pensar na figura inusual de ummetadireito”. Em sendo assim, não faz sentido
classificar a dignidade da pessoa humana como direito humano absoluto, pois, a uma, lhe falta
autonomia e, a duas, compreendido a partir dos direitos humanos específicos nos quais
subjaz, estará, tanto quanto esses, suscetível a limitações e restrições legal e
jurisprudencialmente estabelecidas. É de se advertir, contudo, que:
(...) o reconhecimento desses direitos não enumerados “filhotes”, por
assim dizer, da dignidade humana , deve ser feito com cautela e critério.
Afinal, a afirmação de um direito fundamental gera graves impactos na
ordem jurídica e na sociedade, ao ensejar deveres correlatos para o Estado
e para particulares. Mais que isso, tal reconhecimento impõe limites para a
deliberação das maiorias políticas (...) Vários riscos devem ser evitados nessa
atividade, especialmente o decisionismo na “invenção” de novos direitos, a
banalização da dignidade e o recurso ao princípio para fundamentar
46
SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2020, p. 88-89.
21
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privilégios não universalizáveis ou promover agendas autoritárias e
conservadoras.
47
Tal advertência remete, então, à definição do âmbito de proteção do Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana. Por âmbito de proteção de uma norma entende-se o conjunto
de situações que se encontram abrangidas pelo direito sob exame. O estudo das funções e a
conclusão pela ausência de autonomia do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana já
permite entrever que não há propriamente um âmbito de proteção a ser precisamente
identificado, senão um campo mais vasto, que permita identificar quais dimensões da
existência humana concreta estão ao alcance do raio de ação desse princípio jurídico, no
cumprimento de suas funções.
Sarmento usa a expressão “componentes” e descreve cinco deles como
conformadores do princípio da dignidade da pessoa humana: valor intrínseco da pessoa
humana, igualdade, autonomia, mínimo existencial e reconhecimento.
A igualdade, entendida como rejeição de qualquer discriminação ou tratamento social
ou cultural hierarquizado, mas que também demanda ações positivas para superação das
condutas discriminatórias, já é objeto de disposição normativa específica de direitos humanos,
tanto na condição de direito fundamental contemplado em diversas passagens da
Constituição Federal (com previsão geral no caput do art. 5.º), quanto na de direito humano
em incontáveis normas internacionais. Em sendo assim, aos demais componentes incumbe o
propósito de iluminar o conteúdo do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, nas situações
de desempenho de suas funções.
3.1. Valor intrínseco da pessoa da pessoa humana
O valor intrínseco da pessoa da pessoa humana é o componente da dignidade humana
que mantém vivo o vínculo com o registro kantiano de matriz ideal universalizante,
apresentado em oposição às concepções que admitiam a possibilidade de seres humanos sem
47
SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2020, p. 89.
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dignidade, seja pela posição social, seja em razão de determinados comportamentos éticos
(com ou sem vinculação religiosa).
Decorre do valor intrínseco da pessoa humana a máxima da vedação da
instrumentalização (objetificação) de qualquer pessoa, resultando na proibição incontornável
de quaisquer tratamentos públicos e privados que não observem o ser humano como fim em
si mesmo, afastando-se, por conseguinte, as vetustas noções que preceituavam que o
indivíduo deve se sacrificar pela sociedade como fizeram a ideologia organicista
48
e aqueles
que a usaram para justificar regimes políticos autocráticos.
Redução da pessoa à condição análoga à de escravo e outras formas de exploração
desmedida da força de trabalho, tráfico humano, assédio moral, tortura decorrente de maus
tratos (a exemplo do encarceramento em condições aviltantes) e formas variadas de
vilipêndio do corpo alheio estupro, importunação sexual, assédio sexual, pornografia
infantil, divulgação não consentida de fotos e vídeos íntimos de outrem, entre outras
consubstanciam, com muita clareza, graves situações de negação do valor intrínseco da
pessoa humana e, consequentemente, configuram afronta direta à dignidade humana.
3.2. Autonomia (Autodeterminação)
A autonomia ou autodeterminação do ser humano envolve duas dimensões: privada e
pública.
49
48
Pertence sobretudo ao campo da teoria política a clássica dicotomia entre as concepções organicistas e
individualistas sobre e relação entre governantes e governados. Uma as primeiras formulações organicistas, se
não a primeira, é encontrada em “A República” de Platão, com o estabelecimento da compreensão segundo a
qual o “todo” é mais importante que suas partes (cidadãos) e, assim, a unidade da pólis é anterior às próprias
pessoas e prevalece sobre o interesse dessas. Já sob o contexto contratualista, as diretrizes organicistas mantêm-
se dentro da figura d’O Leviatã de Hobbes, embora a subjacência dos indivíduos reconhecida pelo modelo
hobbesiano ofereça as primeiras pistas para o individualismo que, em oposição ao organicismo, viria a ser
desenvolvido pelos contratualistas subsequentes, Locke e Rousseau, a ponto de, não raro, haver uma associação
fatalista (não verificada, sempre, na História) entre contratualismo e individualismo, como se pode verificar, por
exemplo, das propostas utilitaristas do século XVIII, no contexto do nascimento da economia política. O
pensamento individualista inverte a lógica organicista e coloca o Estado (a pólis, o Leviatã, o Soberano etc.) como
resultado dos e submissão aos interesses privados dos indivíduos. Em suma, para organicistas, ex parte principis,
e para individualistas, ex parte populi (BOBBIO, Norberto. Organicismo e individualismo. Este País, v. 74, n. 9, p.
1–10, maio 1997).
49
SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2020, p. 140. A autonomia privada de que se trata não é propriamente aquela pensada por Kant,
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A autonomia privada é aquela condizente com a liberdade plena do ser humano
quanto às escolhas que faz nas várias dimensões de sua existência (afetivas, profissionais,
políticas etc.), segundo seus próprios valores, preferências e razões morais. Por certo, na
prática, tal autonomia poderá vir a comportar restrições circunstanciais seja por força da
referida autonomia da vontade, seja por força de intervenção do Estado, que edita leis
restritivas ou julga casos de colisão de direitos humanos, em ambos os casos com a devida
justificativa relativa ao respeito, promoção ou proteção de outra dimensão da dignidade
humana.
Já a autonomia pública é, ao mesmo tempo, instrumental e constitutiva da dignidade
humana, como ensina Amartya Sen, dentro de sua teoria das capacidades. Em favor da
importância da preservação a qualquer custo da liberdade política, em contexto democrático,
por meio da “preeminência geral dos direitos políticos e civis básicos, apresenta Sen três
considerações: (i) importância direta para a vida humana em si, no que diz respeito à
capacidade de participação política e social; (ii) papel instrumental de incremento da
consideração atribuída a reivindicações políticas, como as de cunho econômico; e (iii) função
construtiva na definição de “necessidades” coletivas.
50
Por óbvio, a democracia em questão
deve ser aquela inclusiva e igualitária, já tratada anteriormente.
Nesta esteira, a autonomia pública é instrumental, porque a livre e plena participação
na formação da vontade do Estado confere ao ser humano a necessária possibilidade de influir
nos rumos da administração pública da vida em sociedade, que, em grande medida, dita as
condições materiais oferecidas para que essa mesma pessoa exerça sua autonomia privada
afinal, políticas públicas de educação, cultura, saúde, moradia, trabalho e distribuição de
renda (para citar apenas algumas), mais do que influenciar, definem obstáculos e
possibilidades das escolhas pessoais.
tampouco a autonomia da vontade, tão cara aos civilistas. A concepção kantiana admite o exercício da autonomia
apenas dentre as escolhas compatíveis com os imperativos morais, excluindo, portanto, a possibilidade de um
optar plenamente livre, segundo critérios próprios do indivíduo. Já a autonomia da vontade, enquanto instituto
civilista de direito obrigacional, remete à capacidade de se obrigar por força de negócios jurídicos, cuidando-se
de noção bem mais limitada e conceitualmente específica de determinado campo do Direito.
50
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010, p. 195.
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É também constitutiva a autonomia pública porque viabiliza, de um lado, a
necessidade básica do ser humano de viver ativamente em sociedade, e, de outro, a
participação na discussão pública definidora de valores e preferências coletivas que, adiante,
poderão ascender sobre as preferências e oportunidades para efetivão das escolhas
pessoais.
A autonomia do ser humano, em ambas as suas dimensões, envolve respeito
(“liberdade negativa”) e promoção (“liberdade positiva”). O respeito à autonomia fundamenta
o impedimento de intervenções (limitações) injustificadas na liberdade que qualquer pessoa
deve ter de fazer escolhas para a própria vida e de participar da formação da vontade do
Estado que administra a vida da sociedade em que se insere. Já sua promoção suscita a adoção
de medidas orientadas à sua concretude, exigindo sejam providos os meios para seu exercício,
meios esses não apenas materiais, mas também culturais atinentes à ampliação das escolhas
pessoais privadas e políticas, o que demanda medidas estatais e comportamentos privados
orientados à reprovação e superação de tradicionais barreiras culturais à plena
autodeterminação de grupos vulneráveis, como é o caso do racismo, do patriarcalismo, da
homotransfobia e da xenofobia, entre outras barreiras culturais.
É certo, ainda, que a autodeterminação real (autonomia concreta) também é
prerrogativa das pessoas com desenvolvimento cognitivo ainda incompleto ou
permanentemente deficiente, que deverão ter sua vontade considerada, na medida do
possível de fato, bem como deverão receber do Estado e da sociedade civil ações de promoção
dessa autonomia.
Os problemas práticos, com complexas repercussões jurídicas, a respeito sobretudo da
autonomia não são poucos e se agudizam em contextos históricos como o atual, permeados
por intensa polarização política, com graves desdobramentos no campo moral. Eutanásia,
suicídio assistido, prostituição, transfusão de sangue à revelia da crença do paciente, incesto
entre adultos, consumo de drogas (lícitas e ilícitas) são apenas alguns dos temas que acaloram
debates e atormentam a aplicação do Direito, em especial sob o ponto de vista da intervenção
estatal por meio de leis ou da jurisdição.
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3.3. Mínimo existencial
O Mínimo Existencial, tal como ordinariamente abordado por doutrina e
jurisprudência, se refere às condições materiais de vida conforme os padrões basais de uma
existência digna, em determinada conjuntura histórica, ou seja, possibilidade real de plena
experimentação dos outros componentes do princípio jurídico da dignidade da pessoa
humana. Em sendo assim, o mínimo existencial suscita distintas pretensões positivas ou
negativas, muitas já expressamente previstas em outras normas de direitos humanos.
Embora inexista uma disposição legal expressa sobre o mínimo existencial, a promoção
de condições materiais de existência aos seres humanos decorre dos objetivos de “erradicar
a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “ promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação”, consagrados pelo art. 3.º, III e IV, da Constituição Federal, na forma de
objetivos impostos à República Federativa do Brasil.
Para além dos objetivos, a Carta Constitucional pátria estabelece, por obra dos poderes
constituintes originário e derivado, diversos direitos sociais específicos, como os direitos à
educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência
social, proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados (art. 6.º ao 11).
Demais disso, lembre-se, sempre, dos direitos econômicos, sociais, culturais e
ambientais (DESCA) garantidos em normas internacionais oponíveis ao Estado brasileiro e
que, quando previstos em tratados internacionais devidamente ratificados, complementam o
rol constitucional, por força do art. 5.º, § 2.º, da Constituição Federal v.g. Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU) e Protocolo Adicional à
Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais - "Protocolo de São Salvador" (OEA).
Não obstante, como visto, é da função do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
fundamentar pretensões jurídicas ainda não contempladas em normas jurídicas específicas,
desde que atinentes aos componentes de seu conteúdo. Em uma circunstância como essa,
por certo, caberá ao Poder Judiciário declarar a procedência de dada pretensão jurídica a certo
bem da vida ligado à condição material de existência não respaldada por norma específica,
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como já fez o STF ao reconhecer, como base no mínimo existencial, o direito ao acesso à água
(STF, AgReg em RE 658.171/DF, de 2014) ou, do mesmo modo, o STJ, em relação à rede de
tratamento de esgoto (STJ, Resp. 1366331/RS, de 2014).
Seja como for, a implementação de direitos atinentes ao mínimo existencial
comumente enseja pródiga controvérsia sobre dois pontos sensíveis, um decorrente do outro:
(i) sua implicação orçamentária, ainda que se trate de discussão relativa a determinado
indivíduo, sempre travada com argumentos que remetem aos impactos econômicos da
replicação da medida para o restante da população deficitária na experimentação do direito
social em debate; (ii) possível usurpação pelo Poder Judiciário de sua competência, com
afronta à tripartição de Poderes, ao intervir na gestão do erário público, entregue ao Poder
Executivo.
A limitação econômica para a implementação em caráter geral de direitos correlatos
ao mínimo existencial compõe o argumento conhecido como “reserva do possível”, segundo
o qual direitos econômicos sociais e culturais devem ser satisfeitos gradual e
progressivamente, na medida das possibilidades orçamentárias. No STF, decisão monocrática
de 2004 do então Ministro Celso de Mello para a ADPF 45/DF-MC é considerada leading case
acerca do tema. A ação versava sobre a validade de veto presidencial à disposição da Lei de
Diretrizes Orçamentárias anual de 2004, que assegurava um patamar de recursos financeiros
para investimentos na área da saúde. A referida decisão monocrática extinguiu-a por perda
de objeto decorrente do envio de proposta substitutiva daquela Lei ao Congresso Nacional,
todavia, não deixou de se referir a ambos os pontos sensíveis do debate, ao explicitar que a
atuação do Poder Judiciário em relação às ações estatais de implementação de direitos
correlatos ao mínimo existencial deve ser excepcional e pautada em omissão ou ação
inadequada predatória dos demais Poderes e que o argumento da reserva do possível não
pode ser acatado a priori, devendo estar calcado em demonstração inequívoca (fática) de sua
procedência, à luz do caso concreto sob análise judicial.
Desde então, pode-se se dizer que o STF abraçou a noção de mínimo existencial, tendo
desse se valido para fundamentar o deferimento de pretensões de diversas naturezas.
51
51
Exemplificativamente: RE 592.581/RS, de 2015, ADPF 347/DF-MC, de 2015, RE 580.252/MS, de 2015 e RE
482.211/SC, de 2010.
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A definição das condições materiais e pretensões albergadas pelo mínimo existencial
é outro assunto que provoca candentes discussões. Na linha de uma identificação a priori
dessas condições materiais e observando o cabimento do argumento da reserva do possível,
contanto que faticamente comprovado, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
da ONU, responsável por interpretar e monitorar o cumprimento pelos Estados Partes do
Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, editou, em 1990, o Comentário-
Geral n.º 3, cujo item 10 preceitua que:
(..) um núcleo mínimo de obrigações para assegurar a satisfação de níveis
mínimos essenciais de cada um dos direitos é incumbência de cada Estado
Parte. Assim, por exemplo, um Estado Parte em que qualquer número
significativo de indivíduos é privado de gêneros alimentícios essenciais, de
cuidados essenciais de saúde, de abrigo e habitação básicos ou das mais
básicas formas de educação está, à primeira vista, falhando para
desincumbir-se de suas obrigações em relação ao Pacto. Se o Pacto fosse
interpretado no sentido de não estabelecer tal núcleo mínimo de
obrigações, seria largamente privado de sua razão de ser. Além disso, deve
ser observado que, em relação a qualquer avaliação no sentido de verificar
se o Estado se desincumbiu desse núcleo mínimo de obrigações, deve-se
também levar em conta as restrições de recursos disponíveis no país
considerado. O artigo 2º (1) obriga cada Estado Parte a tomar as medidas
necessárias “até o máximo de seus recursos disponíveis”. Para que um
Estado-Parte atribua seu fracasso em cumprir seu núcleo mínimo de
obrigações à falta de recursos disponíveis, ele deve demonstrar que todo
esforço foi feito para usar todos os recursos que estão à disposição num
empenho para satisfazer, como matéria de prioridade, essas obrigações
mínimas.
52
Entretanto, não são poucos os autores que se recusam a admitir a existência de um rol
exauriente de pretensões e situações conformadoras do mínimo existencial, o que se mostra
mais adequado, em termos de preservação de uma efetividade mais ampla do que se
pretende com a afirmação de sua faceta jurídica, portanto, obrigacional.
53
52
Tradução livre de: UNITED NATIONS. COMMITTEE ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIGHTS. General
comment No. 3: The nature of States parties’ obligations (art. 2, para. 1, of the Covenant). Genebra, 1990.
Disponível em:
https://tbinternet.ohchr.org/Treaties/CESCR/Shared%20Documents/1_Global/INT_CESCR_GEC_4758_E.doc.
Acesso em: 30 out. 2020.
53
SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2020, p. 219.
28
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A relação entre mínimo existencial e democracia é direta e de implicação. É que a
implementação de adequadas condições materiais de existência depende, no geral, de
políticas públicas estatais formuladas e, em larga medida, executadas por governantes eleitos.
Se por um lado, pessoas com mais acesso à saúde, educação e cultura tendem a melhor
exercitar seu papel dentro da democracia indireta, com isso elevando o grau de exigência
junto a candidatos e representantes eleitos, por outro, é fundamental a garantia da
participação democrática e deliberativa da sociedade civil notadamente dos econômica e
culturalmente vulneráveis nos processos de formulação e acompanhamento da execução
das políticas públicas que visam, justamente, incrementar as condições materiais de vida das
pessoas.
54
Trata-se de um círculo virtuoso: a participação da sociedade civil na definição e
monitoramento da execução de medidas de promoção e salvaguarda do mínimo existencial
acarreta aperfeiçoamento da participação política de indivíduos, a resultar, por conseguinte,
em políticas públicas mais adequadas à elevação das condições materiais de existência
humana, em sentido coletivo.
Ainda dentro das reflexões sobre o conteúdo e o alcance do mínimo existencial,
interessante distinção tem sido verificada na Alemanha entre “mínimo existencial fisiológico”
e “mínimo existencial sociocultural”. O primeiro denota as condições materiais mínimas de
uma vida digna, enquanto o segundo realça a promoção da inserção igualitária das pessoas na
vida em sociedade, instigando, para além do acesso a bens materiais de existência adequada,
a promoção desse acesso de modo não discriminatório, segundo qualquer tipo de critério
distintivo e não apenas o econômico
55
. O aspecto cultural da igualdade material conduz ao
exame do reconhecimento, último componente do princípio jurídico da dignidade da pessoa
humana.
54
Acerca do imperativo da participação democrática deliberativa (com poder de voz e voto) da sociedade civil
na formulação e acompanhamento de execução de políticas púbicas, cf. ALVES, Felipe Dalenogare; FRIEDRICH,
Denise Bittencourt. O necesrio empoderamento do cidadão à efetivação das políticas públicas no Brasil: a
contribuição do capital social à efetiva participação nos instrumentos democrático-participativo-deliberativos.
Revista de Direito da Cidade, v. 9, n. 2, p. 725753, 26 abr. 2017.
55
SARLET, Ingo W.; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde.
Revista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça, v. 1, n. 1, p. 171213, 2007, p. 181.
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3.4. Reconhecimento
O reconhecimento não significa simplesmente a identificação cognitiva de uma
pessoa por outra, mas sim, tendo esse ato como premissa, a atribuição de um valor positivo à
pessoa reconhecida, algo próximo do que entendemos por respeito”.
56
O tema entra para o debate filosófico pelas mãos de Hegel, o qual, na obra
“Fenomenologia do Espírito”, mas especificamente na seção “Senhorio e Escravo”, o aponta
como algo a ser conquistado, diferentemente de Kant, para quem o reconhecimento da
importância de outrem decorre da ideia de pessoa como fim em si mesma e de sua
pressuposta autonomia, ao feitio de um atributo pré-concebido.
Hegel parte do pressuposto segundo o qual a individualidade de cada consciência no
mundo não reconhece qualquer autonomia de outras consciências, bem por isso tendendo a
impor suas convicções e projetos como condição de reconhecimento dos demais. Todavia,
para Hegel, o reconhecimento como resultante da imposição de uma convicção moral e
prática, embora comportamento ínsito ao estado de natureza hobbesiano, não é, de fato,
reconhecimento, senão apenas subjugação. Em sendo assim, só haverá reconhecimento em
circunstâncias nas quais quem reconhece o valor do outro também tem seu valor reconhecido
por esse último. Em suma, a reciprocidade é condição para o reconhecimento e sua obtenção
jamais pode ser pressuposta, por tratar-se de uma situação obtida apenas a partir de
processos concretos de conquista, nos âmbitos da sociedade, do mercado e do Estado. Tal
processo é denominado por Hegel “luta pelo reconhecimento”
57
.
A proposta hegeliana da luta por reconhecimento somente viria a ser resgatada, na
contemporaneidade, pelo filósofo canadense Charles Taylor, que chama a atenção para a
grave consequência do não reconhecimento nos campos da família, da sociedade civil e do
Estado, qual seja, a redução da capacidade da pessoa não reconhecida de construir
autoestima e, por conseguinte, de perceber-se em sua individualidade, assim como de ser
56
ASSY, Bethânia; FERES JÚNIOR, João. Reconhecimento (verbete). In BARRETTO, Vicente de Paulo (Org.).
Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2006, p. 705.
57
ASSY, Bethânia; FERES JÚNIOR, João. Reconhecimento (verbete). In BARRETTO, Vicente de Paulo (Org.).
Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2006, p. 706-707.
30
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percebida como sujeito de direitos.
58
A recuperação do tema por Taylor suscitou a
disseminação dos debates e reflexões sobre reconhecimento, em especial na seara da teoria
crítica contemporânea.
De enorme relevo é a teoria do reconhecimento do filósofo alemão Axel Honneth,
formulada, de modo interdisciplinar, a partir da associação de conceitos hegelianos com
contribuições da psicologia social do filósofo norte-americano George Herbert Mead,
pretendendo-se dar à proposta de Hegel uma “inflexão materialista”.
59
Reeditando, à sua
maneira, a ideia hegeliana de amor, direito e solidariedade como etapas do reconhecimento,
Honneth identifica três formas progressivas ou modos de reconhecimento: dedicação
emotiva, respeito cognoscitivo e estima social. O reconhecimento pela dedicação emotiva, de
natureza carencial/afetiva, revela-se nas relações primárias de amor e amizade, que ensejam
autoconfiança. O reconhecimento pelo respeito cognoscitivo experimenta-se pela atribuição
de direitos, que propiciam autorrespeito. Já o reconhecimento pela estima social -se pela
consideração recíproca (“estima simétrica”) entre indivíduos autônomos, dentro de um
sistema de valores em que as “capacidades e propriedades” do outro sejam significativas para
a praxe comum, consubstanciando um ambiente de solidariedade, que dá azo à autoestima.
Sob uma perspectiva negativa individual, a ausência de dedicação emotiva agride a
integridade física e emocional, a negação de direitos provoca exclusão e o déficit de estima
social degrada e ofende a honra. É exatamente essa conjuntura negativa que move, segundo
Honneth, a luta por reconhecimento.
60
A necessidade de se pensar e agir para o reconhecimento desde uma perspectiva
efetivamente material - ou seja, que parta da concretude dos fatores reais de desigualdade
que influem nos déficits de reconhecimento - levou a filósofa estadunidense Nancy Fraser a
criticar o que classifica como excessiva psicologização da teoria de Honneth.
61
58
ASSY, Bethânia; FERES JÚNIOR, João. Reconhecimento (verbete). In BARRETTO, Vicente de Paulo (Org.).
Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2006, p. 706.
59
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Sérgio Repa. São
Paulo: Ed. 34, 2011, p. 23-26 e 155.
60
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Sérgio Repa. São
Paulo: Ed. 34, 2011, p. 155-211.
61
“Lutas pelo reconhecimento ocorrem num mundo de exacerbada desigualdade material desigualdades de
renda e propriedade; de acesso a trabalho remunerado, educação, saúde e lazer; e também, mais cruamente,
de ingestão calórica e exposição à contaminação ambiental; portanto, de expectativa de vida e de taxas de
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Em sua teoria da justiça, que congrega a análise distintiva, mas interativa, entre
injustiças econômicas e culturais, sustenta Fraser que a luta por reconhecimento
(eminentemente cultural) não pode substituir a luta por redistribuição (em face da
desigualdade socioeconômica), tratando-se de reivindicações que devem seguir juntas.
Segundo tal proposta, a luta por redistribuição abrange “não só a transferência de
rendimentos, mas também a reorganização da divisão do trabalho, a transformação da
estrutura da posse da propriedade e a democratização dos processos através dos quais se
tomam decisões relativas ao investimento”. Já a luta por reconhecimento contempla, por um
lado, “a revalorização das identidades desrespeitadas e os produtos culturais de grupos
discriminados” e os “esforços de reconhecimento e valorização da diversidade”, e, por outro,
“os esforços de transformação da ordem simbólica e de desconstrução dos termos que estão
subjacentes às diferenciações de estatuto existentes, de forma a mudar a identidade social de
todos”.
62
Cuidam-se, portanto, de lutas com pautas próprias, mas que podem se retroinfluenciar
para o bem ou para o mal
63
, sendo desejável que a primeira situação seja buscada nas
estratégias reivindicatórias, contudo, sua possibilidade torna-se concretamente viável apenas
em contexto democrático que garanta, nos dizeres de Fraser, o “princípio normativo da
paridade de participação", a saber:
O que é preciso é um único princípio normativo que inclua as reivindicações
justificadas quer de redistribuição, quer de reconhecimento, sem reduzir
umas às outras. Com este propósito, proponho o princípio de paridade de
participação, segundo o qual a justiça requer arranjos sociais que permitam
a todos os membros (adultos) da sociedade interagir entre si como pares.
São necessárias pelo menos duas condições para que a paridade
participativa seja possível. Primeiro, deve haver uma distribuição de
recursos materiais que garanta a independência e “voz” dos participantes.
Esta condição impede a existência de formas e níveis de dependência e
desigualdade econômicas que constituem obstáculos à paridade de
participação. Estão excluídos, portanto, arranjos sociais que
institucionalizam a privação, a exploração e as flagrantes disparidades de
morbidade e mortalidade” (FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era
“pós-socialista”. Trad. Júlia Assis Simões. Cadernos de Campo, v. 15, n. 14–15, p. 231239, 2006, p. 231).
62
FRASER, Nancy. A justiça social na globalização: redistribuição, reconhecimento e participação. Trad. Teresa
Tavares. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 63, p. 0720, 1 out. 2002, p. 11-12.
63
FRASER, Nancy. A justiça social na globalização: redistribuição, reconhecimento e participação. Trad. Teresa
Tavares. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 63, p. 0720, 1 out. 2002, p. 237-239.
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riqueza, rendimento e tempo de lazer que negam a alguns os meios e as
oportunidades de interagir com outros como pares. Em contraponto, a
segunda condição para a paridade participativa requer que os padrões
institucionalizados de valor cultural exprimam igual respeito por todos os
participantes e garantam iguais oportunidades para alcançar a consideração
social. Esta condição exclui padrões institucionalizados de valor que
sistematicamente depreciam algumas categorias de pessoas e as
características a elas associadas. Portanto, excluem-se padrões
institucionalizados de valor que negam a alguns o estatuto de parceiros
plenos nas interacções quer ao imputar-lhes a carga de uma “diferença”
excessiva, quer ao não reconhecer a sua particularidade.
64
Aliás, a participação democrática em espaços deliberativos como instrumento
essencial ao reconhecimento ganha centralidade no pensamento da cientista política e
filósofa turca Seyla Benhabib influenciado por Hanna Arendt e Jürgen Habermas , cuja
obra enfatiza a alta diversidade de demandas no campo do reconhecimento, uma vez que
identidades e práticas culturais não são estanques, mas fluidas, interpenetrando-se,
sobretudo após as interações favorecidas pela globalização. Deste modo, o reconhecimento
não se atém à valorização desse ou daquele grupo cultural, senão deve, igualmente, permitir
suas intersecções, de forma a que a pessoa possa, inclusive, recusar-se a seguir o padrão
cultural prestigiado, por exemplo, pelo Estado que rege a sociedade em que está inserida.
Para Benhabib, é possível e desejável que se conjuguem direitos humanos
estabelecidos pela comunidade internacional, com sentido de universalidade, e reivindicações
e direitos de pessoas que lutam por reconhecimento, inclusive de identidades e práticas
culturais localizadas e delimitadas, contanto que exista a garantia de representatividade aos
grupos culturalmente vulneráveis em todos os níveis de espaços institucionais de deliberação,
desde o patamar local até o global
65
.
64
FRASER, Nancy. A justiça social na globalização: redistribuição, reconhecimento e participação. Trad. Teresa
Tavares. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 63, p. 0720, 1 out. 2002, p. 13. Salienta-se, contudo, que a
proposta de paridade de participação deve respeitar a natureza das reivindicações, dos espaços e dos agentes
envolvidos, não havendo uma fórmula universal a ser observada, mas sim, nas palavras da pensadora, “uma
multiplicidade de enquadramentos” relativos a pautas e interações (FRASER, Nancy. A justiça social na
globalização: redistribuição, reconhecimento e participação. Trad. Teresa Tavares. Revista Crítica de Ciências
Sociais, n. 63, p. 0720, 1 out. 2002, p. 18-19).
65
BENHABIB, Seyla. The claims of culture: equality and diversity in the Global Era. Princeton: Princeton University
Press, 2002, p. 178-186; BENHABIB, Seyla. Another Universalism: On the Unity and Diversity of Human Rights.
Proceedings and Addresses of the American Philosophical Association, v. 81, n. 2, p. 732, 2007.
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Diante desse cenário teórico, o reconhecimento se revela o componente do Princípio
da Dignidade da Pessoa Humana que fundamenta o argumento em favor da existência, na
esfera jurídica, de um direito geral de todo ser humano e de um correlato dever do Estado e
da sociedade civil de reconhecimento, respeito e valorização à identidade subjetiva, com
consequente proteção de estigmatizados por conta de diferenças identitárias advindas do que
possa ser compreendido como padrões de existência socialmente predominantes e, por isso,
pretensamente recomendáveis.
Esse direito impõe aos obrigados públicos e privados a abstenção de intervenções em
relação à identidade de quem quer que seja e a promoção de ações inclusivas dessas pessoas,
considerando os déficits em relação aos demais componentes do Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana, experimentados justamente pela opressão cultural impingida aos
vulneráveis em questão, dentre os quais mulheres, negras e negros, indígenas, pessoas que
integram a comunidade LGBTQIA+, migrantes, adeptos de distintas religiões ou mesmo de
nenhuma delas.
A diversidade cultural, compreendida em sentido lato, encontra-se robustamente
protegida pelas normas internacionais de direitos humanos, quer por cláusulas gerais de
afirmação da igualdade no gozo de direitos, quer por disposições ou mesmo documentos
normativos específicos.
66
Com vistas a dissipar qualquer dúvida sobre o alcance das regras gerais de igualdade,
na esteira da aprovação pela Assembleia Geral da ONU da Resolução n.º 2435, de 2008,
intitulada “Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero” pela qual os
Estados Membros manifestaram preocupação com os atos de violência e violações aos
direitos humanos correlatas à condição das pessoas que compõem o grupo LGBTQIA+ , o
Comitê que monitora o cumprimento do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais editou, em 2009, o Comentário Geral n. 20, o qual fixa a interpretação
66
Exemplo de norma geral de proteção da igualdade no contexto do reconhecimento é o artigo 2.º da Declaração
Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião,
opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra
condição”. A expressão “outra condição” denota abertura do rol de situações de discriminação reprovadas pelos
direitos humanos, admitindo, consequentemente, ampliação decorrente da própria dinâmica social.
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segundo a qual é aberto o horizonte subjetivo de proteção da cláusula geral de proibição de
discriminação, abarcando, segundo rol não exaustivo examinado pelo Comitê, deficiência,
idade, nacionalidade, estado civil e familiar, orientação sexual e identidade de gênero, estado
de saúde, local de residência e situação econômica e social de pobreza ou desabrigo.
67
Já tratados internacionais específicos sobre grupos afetados por déficit de
reconhecimento há nos diferentes sistemas de proteção dos direitos humanos, cabendo citar,
ilustrativamente, alguns aprovados na seara dos sistemas aos quais o Estado brasileiro rende
contas.
A ONU tem vigentes a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a Convenção
Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e suas
Famílias (única das citadas ainda não ratificada pelo Brasil) e a Declaração sobre os Direitos
das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas.
Já a OEA conta com a Convenção Interamericana sobre Concessão dos Direitos
Políticos à Mulher, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher (“Convenção de Belém do Pará"), a Convenção Interamericana contra o
Racismo, a Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância, a Convenção
Interamericana Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância e a Convenção
Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas com
Deficiência.
Especificamente no campo da identidade de gênero e sexualidade, no ano de 2006,
um grupo culturalmente diverso de vinte e nove eminentes especialistas em direitos
humanos, provenientes de vinte e cinco países, após reunirem-se na Universidade Gadjah
Mada, em Yogyakarta, Indonésia, editaram, tornaram público e encaminharam ao Conselho
de Direitos Humanos da ONU documento intitulado “Princípios sobre a Aplicação da
67
UNITED NATIONS. COMMITTEE ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIGHTS. General comment No. 20:
Non-discrimination in economic, social and cultural rights (art. 2, para. 2, of the International Covenant on
Economic, Social and Cultural Rights). Geneve, 2009. Disponível em:
https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno=E%2fC.12%2fGC%2f2
0&Lang=en. Acesso em: 30 out. 2020.
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Legislação Internacional de Direitos Humanos em Relação à Orientação Sexual e Identidade
de Gênero”, que veio a ser expandido em 2017, para considerar aspectos de
interseccionalidade e incluir mais formas de expressão de gênero e características sexuais,
além de 10 (dez) novos princípios. Mais conhecido como Princípios de Yogyakarta, o referido
documento não consubstancia norma jurídica vinculante, mas trata exatamente do alcance
das normas gerais e específicas internacionais de direitos humanos vigentes.
Tendo sua relevância reconhecida pela comunidade internacional em sentido amplo
(ONU, ONGs e academia), os Princípios de Yogyakarta reconhecem que: “há um valor
significativo em articular de forma sistemática a legislação internacional de direitos humanos
como sendo aplicável à vida e à experiência de pessoas de orientações sexuais e identidades
de gênero diversas”. O documento salienta deveres dos Estados em relação ao respeito,
promoção e proteção de dezenas de direitos humanos em face de pessoas discriminadas em
razão de diversidade de orientação sexual e identidade de gênero.
68
No plano nacional, inexiste, na Constituição Federal brasileira, um dispositivo que
declare, expressamente, a existência de um direito fundamental ao reconhecimento. Todavia,
para além de um direito geral albergado pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o
texto constitucional pátrio conta com previsões gerais e específicas sobre respeito, promoção
e proteção da igualdade, no campo da luta pelo reconhecimento, a saber: erradicação das
desigualdades sociais e promoção do bem de todos, sem discriminação de qualquer natureza
(art. 3.º, III e IV); reprovação, inclusive criminal, do racismo (arts. 3.º, IV; 4.º, VIII; 5.º, XLII),
dever de punição legal à discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (art.
5.º, XLI), proteção à cultura indígena e afro-brasileira (art. 215, § 1.º) e assistência e ações
inclusivas dirigidas a pessoas com deficiência (arts. 7.º, XXXI; 23, II; 24, XIV; 37, VIII, 40, § 4.º;
100, § 2.º; 201, I; 203, IV e V; 207, III; 227, II e § 2.º, 244).
Diante deste cenário teórico e normativo, é possível afirmar que a luta por
reconhecimento é uma realidade no campo jurídico, tendo obtido relevantes avanços nos
68
COMISSÃO INTERNACIONAL DE JURISTAS; SERVIÇO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS.
Princípios de Yogyakarta: princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em
relação à orientação sexual e identidade de gênero. Indonésia: Universidade Gadjah Mada, 2006. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/direitos/sos/gays/principios_de_yogyakarta.pdf
. Acesso em: 19 nov. 2020.
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espaços regulatórios nacional e internacional, conquanto ainda haja um longo caminho para
que os mandamentos legais se verifiquem, de modo prevalente, nas relações sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A complexidade da determinação do alcance do Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana é diretamente proporcional à amplitude de seu conteúdo e à diversidade de suas
funções.
A abordagem mais acurada das transformações históricas do sentido da dignidade
humana revela que, embora comumente tratada como atributo inerente ao ser humano, à
feição kantiana, sua verificação dá-se no contexto das relações sociais (histórico-político-
culturais) em que inserida a pessoa, sofrendo influências e, por isso, comportando
individualização. Dito de outro modo, todo ser humano tem dignidade, mas cada qual a
ostenta com características e sob condições pessoais e materiais próprias, particulares.
Um olhar para os componentes do conteúdo do Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana corrobora sua dualidade universal/particular, na medida em que o valor intrínseco e
sua autonomia dizem respeito a atributos a serem salvaguardados a todos, indistintamente e
na mesma intensidade. Por outro lado, o mínimo existencial e o reconhecimento se
estabelecem como componentes do princípio em questão exatamente porque
particularidades da experiência humana, ligadas à desigualdade material e à identidade, se
afirmam como condenáveis motivos de negação dos dois primeiros componentes.
Compreende-se, bem por isso, que os componentes do Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana são absolutamente interrelacionados, influenciando-se mutuamente.
A dignidade humana é, portanto, multifacetada porque emerge das distintas esferas
da existência humana, dentro das quais manifestam-se situações fáticas atinentes a cada qual
dos quatro componentes do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Por ostentar um
conteúdo multifacetado associado a funções também complexas legitimação do Estado e
do Direito, condicionante da hermenêutica jurídica e fonte de direitos não enumerados , o
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana oferece enormes desafios à sua aplicação aos casos
concretos.
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A própria natureza do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana enquanto direito
humano específico é objeto de intensa controvérsia doutrinária. É certo que os textos dos
tratados internacionais de direitos e da própria Constituição Federal brasileira não enunciam
a dignidade da pessoa humana como direito fundamental específico.
Pensa-se que o mais adequado tratamento à questão advém da própria compreensão
da qualidade de metadireito, combinada com as funções do Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana que dizem respeito ao condicionamento da interpretação/aplicação das normas
vigentes e à fundamentação para novos direitos humanos específicos ainda não explicitados
em lei, de modo extraordinário apenas e tão somente nos casos concretos em que sua
admissão seja imperativo de salvaguarda de quaisquer daqueles componentes que
conformam o princípio de que se cuida.
Razoavelmente assentado em termos doutrinários e jurisprudenciais é o uso do
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como valor moral e jurídico fundante de todos os
direitos humanos específicos positivados, de forma expressa, em normas escritas nacionais e
internacionais. Nessa hipótese, a aplicação de determinado direito humano tem no Princípio
da Dignidade da Pessoa Humana uma metanorma (a que corresponde um metadireito)
subjacente, cuja invocação se justifica como parâmetro condutor do exercício hermenêutico
de extração de sentido daquela norma específica de direito humano, orientada à solução do
caso concreto. Em casos de colisão de normas de direitos humanos, o Princípio da Dignidade
da Pessoa Humana também pode ser suscitado para o direcionamento da análise demandada
pelas técnicas de ponderação e proporcionalidade (examinadas em seus detalhes em capítulo
posterior).
A questão é mais tormentosa, porém, quando se cuida de decisão que aplica o
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana de forma autônoma, pois envolve, mais
imediatamente, a celeuma sobre os contornos da atividade criativa de juízes e juízas e, em
última instância, o debate sobre os limites da competência do Poder Judiciário frente ao
devido equilíbrio do sistema de freios e contrapesos, que deve permear a relação entre os
Três Poderes.
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana não se presta a ser utilizado como
instrumento discricionário bloqueador a priori da aplicação de qualquer norma jurídica
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vigente. Outrossim, não convém “inflacionar” a aplicação do Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana, banalizando-o. Bem por isso, reafirma-se a necessidade de critérios fundamentados
de aplicação, que se mostrem claros e precisos, a serem estabelecidos pelas autoridades
jurisdicionais, pois, dessa maneira, estipular-se-á uma referência que, a um só tempo, servirá
como diretriz e moldura hermenêuticas, dotadas de possibilidades e limites vislumbráveis,
assim como espelho para a discussão pública das razões de decidir pelas partes e pela
sociedade.
O que tais critérios jamais podem olvidar, todavia, é que o Princípio da Pessoa Humana
exige seja dada máxima proteção aos direitos à igualdade material e ao reconhecimento, o
que reclama, necessariamente, a preservação de espaços institucionais deliberativos que
assegurem representação plural de todos os grupos econômica e culturalmente vulneráveis.
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