Cenário das migrações internacionais no
Brasil: antes e depois do início da
pandemia de Covid-19
Scenario of international migration in Brazil: before and after the beginning
of the Covid 19 pandemic
Escenario de las migraciones internacionales en Brasil: antes y después del
comienzo de la pandemia del Covid-19
Rosana Baeninger¹
Natália Belmonte Demétrio²
Duval Magalhães Fernandes³
Jóice Domeniconi
4
RESUMO
Este trabalho analisa o cenário das migrações internacionais no Brasil no século XXI e traz os
resultados de pesquisa acerca da inserção laboral de imigrantes frente à pandemia de Covid-19
nos primeiros meses de 2020. Busca, sobretudo, subsidiar ações e políticas voltadas à essa
população que tem o país como destino possível, especialmente àqueles oriundos do Sul Global.
Para tanto, foram utilizados registros administrativos brasileiros e os resultados da pesquisa
Impactos da Pandemia de Covid-19 nas Migrações Internacionais no Brasil, a qual contou com
2.475 imigrantes respondentes em um plataforma on-line e multilíngue. Os resultados
apresentados refletem, especialmente, a vulnerabilidade laboral dos imigrantes que se agrava
diante do enfrentamento à pandemia.
PALAVRAS-CHAVE: Migração Internacional; Inserção Laboral; Pandemia.
ABSTRACT
This paper analyzes the scenario of international migration in Brazil in the 21st century and brings
the results of research on the labor insertion of immigrants in the face of the Covid-19 pandemic
in the first months of 2020. Above all, it seeks to subsidize actions and policies focused on this
population that has the country as a possible destination, especially those from the Global South.
For this purpose, Brazilian administrative records and the results of “The Impacts of the COVID
19 Pandemic on International Migration in Brazil survey were used, with 2,475 immigrants
responding on an online, multilingual platform. The results presented reflect, especially, the labor
vulnerability of immigrants that worsens in the face of the pandemic.
KEYWORDS: International Migration; Labor Insertion; Pandemic.
RESUMEN
Este trabajo analiza el escenario de las migraciones internacionales in Brasil in the siglo XXI e
presenta los resultados de investigación sobre la inserción laboral de imigrantes frente a la
pandemia en los meses iniciales de 2020. Sobre todo, busca subvencionar acciones y políticas
dirigidas a esta población que tiene al país como posible destino, especialmente a los del Sur
Global. Con ese fin, se utilizaranlos registros administrativos brasileños y los resultados de la
encuesta sobre El Impacto de la Pandemia de Covid-19 en la Migración Internacional en Brasil”,
que 2.475 inmigrantes respondieron en una plataforma en línea y multilingüe. Los resultados
presentados reflejan, especialmente, la vulnerabilidad laboral de los inmigrantes frente a la
pandemia.
PALAVRAS-CLAVE: Migración internacional; Inserción laboral; Pandemia.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
BAENINGER, Rosana; DEMÉTRIO, Natália Belmonte; FERNANDES, Duval Magalhães; DOMENICONI, Jóice. Cenário das migrações
internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
Introdução
As análises apresentadas no artigo buscam (re)contextualizar as tendências das
migrações internacionais no Brasil antes e depois do início da pandemia de Covid-19 em março
de 2020, destacando o panorama dessas migrações, as restrições à mobilidade impostas pela
pandemia e os impactos da crise sanitária e econômica na inserção laboral de imigrantes no
país.
Para a compreensão das tendências dos fluxos migratórios internacionais, nos últimos
vinte anos, o artigo destaca, na primeira seção, a configuração do Brasil na rota das migrações
Sul-Sul, em especial pelo impedimento à entrada de imigrantes do Sul no Norte Global. A nova
configuração geopolítica das migrações internacionais no país engendra processos
migratórios relacionados às migrações de refúgio e ao incremento das solicitações de refúgio
no país, em especial dos países do Sul Global. As análises das informações do Sistema
Migratório Nacional permitem acompanhar as migrações internacionais para o Brasil, no
período referente ao ano 2000 até março de 2020, momento em que se inicia as medidas de
isolamento social e restrições à mobilidade da população no mundo.
A pandemia de Covid 19 marca um novo contexto nas migrações internacionais com o
fechamento das entradas e das fronteiras, com a imposição de medidas sem acordos bilaterais
diante da ameaça do vírus. No Brasil, a relação entre segurança nacional e as migrações
internacionais também se tornou mais evidente: foram vinte e uma portarias do Governo
Federal que impediram a entrada de pessoas pelas fronteiras internacionais, ao longo dos
meses de 2020, impactando principalmente a entrada e saídas por fronteiras terrestres. Desse
modo, a segunda seção do artigo acompanha as portarias publicadas pelo governo brasileiro
para o impedimento da entrada e saída de pessoas nas fronteiras internacionais de março a
novembro de 2020, em particular as fronteiras terrestres, revelando a seletividade migratória
Sul-Sul, com a manutenção da restrição à mobilidade de venezuelanos e venezuelanas na
fronteira com o Brasil no decorrer de 2020.
Diante desse cenário de crise sanitária, crise econômica e crise migratória, a última
seção do artigo apresenta os resultados de pesquisa empírica realizada com 2.475 imigrantes
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internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
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no país nos primeiros meses da pandemia - maio a julho de 2020, apontando a expressiva
perda do emprego para imigrantes em todas as regiões do Brasil. Conhecer as migrações
internacionais no Brasil e a situação desses imigrantes nesta pandemia possibilita subsidiar
ações e políticas voltadas para essa população, diante do enfrentamento da crise sanitária.
1. Imigrantes, refugiados e solicitantes de refúgio no século XXI: tendências antes da
pandemia
O despontar dos anos 20 do século XXI trouxe muitas novidades em relação às
migrações internacionais no Brasil, evidenciando o novo lugar do país nos processos
migratórios contemporâneos. Os últimos dez anos deste século consolidaram-se como a
década em que o Brasil entrou para a era das migrações
1
, a qual se vincula às tendências dos
processos globais da mobilidade do capital e da força de trabalho
2
, às crises econômicas e
políticas em diferentes partes do mundo, aos acordos bilaterais geopolíticos, aos processos
resultantes da periferia do capitalismo global
3
e às migrações de crise
4
.
De fato, as migrações internacionais apresentam, cada vez mais, dimensões
transnacionais à medida que conectam contextos locais e regionais a processos globais
5
.
Nesse contexto, as explicações advindas do nacionalismo metodológico se esgotam diante de
um cenário tão complexo, explicitando os desafios que se impõem à política migratória e à
sua governança e que se traduzem no âmbito dos estados-nação
6
.
1
CASTLES, Steven; MILLER, Mark. The Age of Migration. Hampshire and London: MacMillan Press ltd:
Houndmills, Basingstoke, 2003.
2
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3
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4
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Disponível em: https://journals.openedition.org/echogeo/1696
. Acesso em: 05 dez. 2020.
5
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Transnational Political Action among Contemporary Migrants. In: American Journal of Sociology, Vol. 108, No.
6, 2003, p. 1211-1248.
6
GUARNIZO, Luis; PORTES, Alejandro; HALLER, William. Assimilation and Transnationalism: Determinants of
Transnational Political Action among Contemporary Migrants. In: American Journal of Sociology, Vol. 108, No.
6, 2003, p. 1211-1248.
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Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
É nesse cenário que o Brasil se tornou espaço das migrações transnacionais Sul-Sul, em
especial pelas restrições, cada vez mais rigorosas, à entrada de imigrantes do Sul no Norte
Global. A compreensão da chegada de fluxos migratórios para o país em contexto de pouco
dinamismo da economia brasileira rompe com os paradigmas explicativos baseados na
atração econômica das áreas de destino
7
. O Sistema Nacional Migratório (SISMIGRA) do
Ministério da Justiça-Polícia Federal, registrou entre 2000 e março de 2020, a entrada de
1.504.736 novos imigrantes no país, de 227 localidades diferentes (Estados-Nacionais e
territórios autônomos), das quais 137 com origem em países do Sul Global (Tabela 1).
Tabela 1 - Imigrantes internacionais registrados no Sistema de Registro Nacional
Migratório-SISMIGRA, de 2000 a março de 2020 segundo país de nascimento no Norte
Global e no Sul Global
Ano/País de
Nascimento
Norte Global
Sul Global
País indefinido/
sem informação
Total
%
n
%
n
%
2000
53,25
10.948
46,73
3
23.427
100
2001
58,00
8.722
42,00
0
20.766
100
2002
54,50
9.937
45,50
0
21.840
100
2003
54,37
11.733
45,61
5
25.726
100
2004
55,17
12.227
44,82
2
27.278
100
2005
52,86
15.540
47,13
5
32.976
100
2006
38,80
27.164
61,19
2
44.391
100
2007
44,26
21.807
55,73
5
39.133
100
2008
46,44
21.298
53,56
0
39.765
100
2009
28,63
62.352
71,37
1
87.362
100
2010
43,78
30.492
56,22
1
54.237
100
2011
39,58
44.915
60,42
1
74.339
100
2012
34,98
63.715
65,01
4
98.001
100
2013
34,13
69.930
65,87
1
106.167
100
2014
32,46
77.352
67,54
3
114.527
100
2015
28,92
81.369
71,08
1
114.473
100
2016
20,03
100.327
79,96
3
125.467
100
GLICK-SCHILLER, Nina. The centrality of ethnography in the study of transnational migration seeing the wetland
instead of the swamp. In: SAHOO, Ajaya. Kumar; MAHARAJ, Brij. Sociology of Diasporaa reader. India: Rawat
Publications, 2007, p. 118-155.
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http://remhu.csem.org.br/index.php/remhu/article/view/229
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7
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5
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internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
2017
20,22
81.944
79,77
4
102.721
100
2018
14,21
104.462
85,78
7
121.774
100
2019
8,71
166.931
91,25
61
182.931
100
2020
5,89
44.610
94,04
29
47.435
100
Total
29,03
1.067.775
70,96
138
1.504.736
100
Nota: Considerou-se como países do Norte Global os EUA, Canadá, Europa (exceto Rússia), Oceania e Japão.
Já o Sul Global representa a América Latina, África, Ásia (exceto Japão) e Rússia.
Fonte: Sistema de Registro Nacional Migratório-SISMIGRA. Departamento da Polícia Federal - Ministério da
Justiça e Segurança Pública do Brasil/OBMigra. Tabulações Observatório das Migrações em São Paulo
NEPO/UNICAMP-CNPq.
A dinâmica dessas migrações transnacionais aponta, no âmbito global, processos
migratórios compostos por diferentes grupos sociais e modalidades migratórias
8
. No caso do
Brasil, as migrações qualificadas do Norte Global têm forte presença vinculadas,
particularmente, às empresas transnacionais, desde o início do século XXI. De fato, essas
migrações registraram os maiores volumes de entrada documentada de imigrantes no Brasil
até 2005 com imigrantes dos Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido, Japão,
Dinamarca, dentre outros; entre 2000 a março de 2020 foram 436.823 novos imigrantes dos
países do Norte Global que entraram no Brasil. Porém, há que se destacar, nessas migrações
qualificadas, a presença de imigrantes do Sul Global, especialmente de sul coreanos, chineses,
argentinos, chilenos, argentinos e, mesmo, venezuelanos, que chegaram em ondas
migratórias anteriores aos fluxos da fronteira com Roraima.
Compreende-se, nesse processo, a reconfiguração dos espaços de circulação da
migração internacional qualificada
9
como espaços de origem, destino e trânsito das migrações
internacionais. Especialmente diante da emergência de novos polos regionais nos países do
Sul capazes de impulsionar e reconfigurar antigas relações de poder estabelecidas com os
países do Norte Global
10
. As migrações internacionais de profissionais altamente qualificados
8
WENDEN, Catherine Wihtol. Un essai de typologie des nouvelles mobilités. In: Hommes & migration, n. 1233,
2001, p. 5-12.
DUMONT, Gerard Françios. Les nouvelles logiques migratoires au XXIe siècle. In: Outre-Terre, n. 17, p. 15-25,
2006. Disponível em: www.cairn.info/revue-outre-terre-2006-4-page-15.htm
. Acesso em: 10 de ago.2020.
9
DE HAAS, Hein.; SILVA, Carlos Vargas.; VEZZOLI, Simona. Global Migration Futures - A conceptual and
methodological framework for research and analysis. In: International Migration Institute Network, University of
Oxford, jul./2010.
10
MELDE, Susanne et al. Introduction: the SouthSouth migration and development nexus. In: ANICH, Rudolf et
al. (Eds.) A new perspective on human mobility in the South. Heidelberg: Springer, 2014.
6
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internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
- seja por sua experiência laboral em setores próprios à sociedade do conhecimento
11
ou pela
alta escolaridade passa a compor, nesse contexto, parte dos grupos populacionais que o
colocados em movimento a partir das necessidades e demandas impostas pela divisão
espacial internacional do trabalho
12
e pelo lugar desses espaços na produção global
13
.
Williams e Baláz afirmam que há uma condição potencialmente híbrida das migrações
qualificadas, à medida que a própria qualificação e o status migratório do imigrante envolvem
critérios socialmente construídos e politicamente negociados
14
. É de se ressaltar as condições
de inserção ocupacional desigual dentro das migrações qualificadas com hierarquias
socioprofissionais e de nacionalidades no mercado de trabalho
15
.
Aspecto relevante, ainda, se refere aos imigrantes com escolaridade e qualificação,
mas que não compõem esta “migração qualificada”. São imigrantes e refugiados
especialmente do Sul Global com qualificações técnicas para as ocupações do topo da
estrutura ocupacional, mas que têm nodesperdício de cérebro”
16
seu lugar no Brasil;
situação esta ainda mais agravada diante da pandemia
17
.
Assim, no contexto das migrações Sul-Sul, o Brasil se insere na rota das migrações
internacionais no século XXI, com a chegada crescente de imigrantes do Haiti, da Síria, da
Venezuela, de países africanos (Egito, República Democrática do Congo, Senegal, Gana, Butão,
Sudão, dentre outros) e asiáticos (Irã, Vietnã, Emirados Árabes, Líbano, Filipinas, Bangladesh
e outros). Entre 2000 a março de 2020, as migrações Sul-Sul corresponderam a 70% de todos
os imigrantes registrados na Polícia Federal brasileira, o que representa mais de um milhão de
novos imigrantes internacionais no país, nos últimos vinte anos, com enorme diversidade
ético-racial, cultural, linguística e religiosa. Essa heterogeneidade dos fluxos migratórios
11
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede a era da informação: economia, sociedade e cultura (vol.1). Trad.
Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 1999.
12
HARVEY, David. Os limites do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.
13
HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. Editora Loyola, São Paulo, 1992.
14
WILLIAMS, Allan.; BALÁZ, Vladimir. International Migration and Knowledge. Londres: Routledge Studies in
Human Geography, 235p., 2008.
15
PIORE, Michael. Birds of Passage: Migrant Labor Industrial Societies. Cambridge University Press. New York,
1979.
16
OZDEN, Çaglar. Educated Migrants - Is There Brain waste? In: OZDEN, Ç; Schiff, M. (Eds) International
Migration, Remittances and the Brain Drain. Washington: The world Bank, 2006, p. 227-244.
17
Pesquisa de campo realizada entre maio a julho de 2020.
7
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internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
reflete os imigrantes periféricos na periferia do capital
18
e a posição geopolítica do Brasil na
configuração dos espaços das migrações Sul-Sul.
A presença de imigrantes internacionais na indústria de carnes no Brasil, por exemplo,
reflete sua posição periférica no capitalismo global, com a reestruturação produtiva da
atividade agropecuária, cada vez mais, inserida em um espaço transnacional Sul-Sul de intensa
circulação de capitais, mercadorias e pessoas
19
. Esse cenário conecta redes internas e
internacionais de recrutamento de trabalhadores, fazendo dos estados da Fronteira Norte do
país, em especial a rota amazônica
20
, um reservatório da migração interna das migrações
internacionais
21
. No entendimento desse processo, é fundamental a dinâmica de reprodução
no agronegócio como fenômeno conectado à reestruturação produtiva global, articulando-a,
localmente, à produção de novos espaços da migração internacional no Brasil
22
.
As migrações Sul-Sul no Brasil também precisam ser compreendidas a partir de suas
conotações político-jurídicas, tendo em vista que a migração refugiada é um componente
importante dos processos migratórios neste século. A trajetória histórica do país no direito ao
reconhecimento de refúgio se pauta na adoção da Convenção do Estatuto do Refugiado de
1951 que ainda limitava ao refúgio os acontecimentos ocorridos antes de 1 de janeiro de
1951 e com origem nos países europeus - e do Procotocolo de 1967 das Nações Unidas, que
não impunha mais as restrições temporais e geográficas para a definição de refugiado. Nesses
18
BASSO, Pietro. Sviluppo diseguale, migrazioni, politiche migratorie. In: BASSO, Pietro. PEROCOO, Fabio (A cura
di). Gli imigrati in Europa: desiguaglianze, razzismo, lotte. Parte Prima. Milano: Franco Angeli, 2003, p. 82-117.
19
DEMÉTRIO, Natália Belmonte. Espaços regionais da agricultura globalizada e as novas migrações do
agronegócio no Brasil. In: Textos NEPO 89. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP, 2020. Disponível em:
https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/textos_nepo/textos_nepo_89.pdf
. Acesso em: 05 dez. 2020.
20
SILVA, Sidney Antônio. Fronteira Amazônica: Passagem Obrigatória para Haitianos? In: Revista Interdisciplinar
da Mobilidade Humana (REMHU). Brasília, ano XXIII, n.44, 2015, p.119-134. Disponível
em:https://www.scielo.br/pdf/remhu/v23n44/1980-8585-REMHU-23-44-119.pdf
. Acesso em: 05 dez. 2020.
21
BAENINGER, Rosana. Migrações internacionais e a pandemia de covid-19: mudanças na era das migrações? In:
BAENINGER, Rosana; VEDOVATO, Luís Renato; NANDY, Shailen. (Coords.). Migrações Internacionais e a
pandemia de Covid-19. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP, 2020. Disponível em:
https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/miginternacional/miginternacional.pdf
. Acesso em: 05
dez.2020.
22
BAENINGER, Rosana; GOMES, Rafael de Araújo; DEMÉTRIO, Natália Belmonte (Coords.). População e Cidades
- Espaços Regionais da Agricultura Globalizada: Trabalhadores Rurais e Imigrantes Internacionais no
Agronegócio em São Paulo. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP, 2020. 200p. Disponível em:
https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/pop_cidades_agro/pop_cidades_agro.pdf
. Acesso em: 05
dez. 2020.
8
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internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
instrumentos jurídicos, a concessão do refúgio ainda estava baseada nas questões
relacionadas às guerras, perseguições políticas e religiosas nos países de origem; porém com
a Declaração de Cartagena de 1984, o Brasil passou a conceder refúgio baseado também no
direito humanitário e nos direitos dos refugiados
23
. De acordo com o artigo III da Declaração
de Cartagena:
[...] a definição ou o conceito de refugiado recomendável para sua utilização
na região é o que, além de conter os elementos da Convenção de 1951 e do
Protocolo de 1967, considere também como refugiados as pessoas que
tenham fugido dos seus países porque a sua vida, segurança ou liberdade
tenham sido ameaçadas pela violência generalizada, a agressão estrangeira,
os conflitos internos, a violação maciça dos direitos humanos ou outras
circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem
24
.
Em 1997, o Brasil estabelece o Estatuto do Refugiado, Lei n.9474
25
, que cria o Conselho
Nacional de Refugiados (CONARE) em 1998. Segundo as prerrogativas dessa legislação:
Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I devido a fundados
temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo
social ou opiniões políticas, encontre-se fora de seu país de nacionalidade e
não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II não tendo
nacionalidade e estando fora do país onde antes teve a residência habitual,
não possa ou não queira a ele regressar, em função das circunstâncias
descritas no inciso anterior; III devido à grave e generalizada violação de
direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar
refúgio em outro país
26
.
23
BARRETO, Luiz Paulo Teles Ferreira; LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. O Brasil e o espírito da Declaração de
Cartagena. In: Forced Migration Review, Oxford, edição 35, jul. 2010. Disponível em:
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2010/fmr_35_minifeature_brasil_20
10.pdf?view=1. Acesso em: 22 set. 2020.
24
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Colômbia: ONU, 1984. Disponível em:
https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/BD_Legal/Instrumentos_Internacionais/Declaracao
_de_Cartagena.pdf?view=1. Acesso em: 05 dez. 2020.
25
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. Acesso em: 05 dez. 2020.
26
BRASIL. Lei nº 9.474 de 22 de julho de 1997. Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos
Refugiados de 1951, e determina outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, art.1. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9474.htm
. Acesso em: 05 dez. 2020.
9
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
BAENINGER, Rosana; DEMÉTRIO, Natália Belmonte; FERNANDES, Duval Magalhães; DOMENICONI, Jóice. Cenário das migrações
internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
Os conflitos, guerras, disputas de poder, desastres ambientais, mobilidade do capital
e da força de trabalho revelam as migrações de crise nos países de origem
27
, mas também
indicam a outra face desse processo que é a crise migratória no país de destino, como no caso
do Brasil
28
, expressa no volume elevado de solicitações de refúgio em análise no CONARE. O
acesso à mobilidade global, sua permanência e reconhecimento de direitos correspondem a
uma nova forma de estratificação social
29
.
Até maio de 2019, o Brasil havia reconhecido mais de 10 mil refugiados, dos quais
6.554 permaneceram com residência no país (Tabela 2). Entre junho de 2019 e agosto de 2020,
o CONARE deferiu 47.062 outros pedidos de reconhecimento da condição de refugiado. Ainda
assim, as pendências para decisões de solicitação de refúgio permanecem altas, com quase
187.981 pessoas à espera de uma deliberação do CONARE (Tabela 2). O Sul Global representa
quase a totalidade dos 53.616 refugiados no Brasil, com apenas 19 refugiados do Norte Global.
As solicitações de refúgio de imigrantes oriundos do Sul Global alcançam 187.479 pedidos à
espero de análise pelo CONARE em 23 de novembro de 2020.
A Venezuela representa o principal país dos novos reconhecimentos de refúgio no
Brasil, a partir de dezembro de 2019, uma vez que o país atribui à grave violação de direitos
humanos para a concessão do refúgio a esses imigrantes; houve aprovação em bloco no
CONARE de 46.100 refugiados da Venezuela entre dezembro de 2019 a agosto de 2020. Já os
refugiados da Síria que ocupavam a primeira posição desde 2012 - correspondem a apenas
5% dos refugiados residentes no Brasil em agosto de 2020 (2.687 refugiados sírios) e 1% das
solicitações de refúgio ativas em 23 de novembro de 2020 (2.139 solicitações pendentes).
27
CLOCHARD, Olivier. Les réfugiés dans le monde entre protection et illégalité. In: EchoGéo, v. 2, 2007, p. 1-17.
Disponível em: https://journals.openedition.org/echogeo/1696
. Acesso em: 05 dez. 2020.
28
BAENINGER, Rosana. Migrações transnacionais de refúgio no Brasil. In: LUSSI, Carmem (org.). Migrações
internacionais: abordagens de direitos humanos. v. 1. 1 ed. Brasília, Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios,
2017a, p. 13-29.
29
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
10
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BAENINGER, Rosana; DEMÉTRIO, Natália Belmonte; FERNANDES, Duval Magalhães; DOMENICONI, Jóice. Cenário das migrações
internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
Tabela 2 - Imigrantes transnacionais de refúgio no Brasil de acordo com os países de
nascimento do Norte Global e Sul Global, 2000-2020
Nacionalidade/País
de origem
Refugiados com
registro ativo em
24 maio de 2019
Solicitações de
refúgio deferidas
entre junho de 2019
e agosto de 2020
Solicitações de
refúgio ativas em
23 de novembro de
2020
Norte Global
18
1
412
Portugal
0
1
100
Ucrânia
6
0
47
Espanha
1
0
37
Estados Unidos
1
0
30
Outros países
10
0
198
Sul Global
6.389
47.061
187.479
Síria
2.374
313
2.139
Venezuela
206
46.100
99.290
Haiti
24
0
34.705
Cuba
96
123
10.532
China
8
2
4.912
Outros países
3.681
523
38.040
Nacionalidade
indefinida/apátrida
147
0
90
Total
6.554
47.062
187.981
Fonte: Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) - Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil.
Tabulações Observatório das Migrações em São Paulo NEPO/UNICAMP-CNPq.
Nota-se, portanto, que os últimos anos trazem também, com maior vigor, a mobilidade
interna das Migrações Sul-Sul na região da América Latina e Caribe: as solicitações de refúgio
de imigrantes da Venezuela (99.290 imigrantes), do Haiti (34.705) e de Cuba (10.532),
correspondem a 77% das solicitações de refúgio no Brasil até 23 de novembro de 2020.
Imigrantes de 160 países estavam à espera de uma deliberação do CONARE nesta data, das
quais 99,7% do Sul Global.
Assim, as migrações transnacionais marcam, no século XXI, o novo contexto da
chegada de imigrantes internacionais no Brasil com a ampliação de países de origem, de etapa
e de trânsito migratório, incluindo também a presença das migrações transnacionais de
refúgio. Os últimos cinco anos, portanto, deixam evidentes a importância da documentação
migratória para o Brasil se consolidar na rota das migrações internacionais.
11
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internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
Nesse sentido, o Estatuto do Refugiado (Lei 9.474/97)
30
e a nova Lei de Migração (Lei
13.445/2017)
31
, além do acordo de residência do Mercosul de 2009, possibilitam a
permanência documentada de imigrantes, tornando o Brasil, muitas vezes, o país possível e
não o desejado nos projetos migratórios. A nova Lei de Migração é um marco na história
democrática do Brasil, mesmo que tenha sido aprovada transcorridos 30 anos da Constituição
de 1988. Em substituição ao Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980)
32
, a nova lei rompeu
com a categoria estrangeiro e se assenta nos princípios dos diretos humanos.
A permanência documentada no Brasil retrata a análise de Arendt
33
: cabe ao Estado
definir os direitos dos cidadãos por meio de sistemas jurídicos, sendo que tais direitos
somente serão respeitados com o pertencimento ao Estado. Esse ponto é importante na
complexidade das migrações internacionais no Brasil, pois, de um lado, através do sistema
jurídico as migrações no país passam a ter um caráter documentado - retirando a
criminalização dessa imigração porém, de outro lado, as políticas migratórias ainda se
revestem do caráter assimilacionista - entre os imigrantes desejados e os indesejados
34
,
30
BRASIL. Lei nº 9.474 de 22 de julho de 1997. Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos
Refugiados de 1951, e determina outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9474.htm
. Acesso em: 05 dez. 2020.
31
BRASIL. Lei nº 13.445 de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. Brasília, DF: Presidência da República.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13445.htm
. Acesso em: 30 out.
2020.
32
BRASIL. Lei nº 6.815 de 19 de agosto de 1980. Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o
Conselho Nacional de Imigração. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6815.htm#:~:text=L6815&text=LEI%20N%C2%BA%206.815%2C%20
DE%2019%20DE%20AGOSTO%20DE%201980.&text=Define%20a%20situa%C3%A7%C3%A3o%20jur%C3%ADdi
ca%20do,6.964%2C%20DE%2009.12.1981. Acesso em: 30 out. 2020.
33
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Florense Universitária, 2002.
34
SEYFERTH, Giralda. Imigração e nacionalismo: o discurso da exclusão e a política imigratória no Brasil. In
CASTRO, Mary Garcia (coord.). Migrações Internacionais: Contribuições para políticas. Brasília: CNPD, 2001, p.
137-150.
POVOA NETO, Helion. Imigração na Europa: Desafios na Itália e nos Países da área mediterrânea. In: Migrações
Internacionais: Desafios para o Século XXI São Paulo: Memorial do Imigrante, 2007.
12
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BAENINGER, Rosana; DEMÉTRIO, Natália Belmonte; FERNANDES, Duval Magalhães; DOMENICONI, Jóice. Cenário das migrações
internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
configurando migrações desiguais
35
, tanto para “populações protegidas” refugiadas e
solicitantes de refúgio
36
quanto para imigrantes documentados.
De fato, diante da diversidade de modalidades migratórias no século XXI no Brasil, no
panorama geral das migrações internacionais destacam-se:
(i) a inserção do Brasil no contexto das migrações internacionais da América Latina
e Caribe, de países africanos e asiáticos;
(ii) a presença do Estado em diferentes modalidades migratórias, quer seja pela
mobilidade do capital, quer seja de caráter “humanitário”;
(iii) a crescente polarização da hierarquia das ocupações, condicionando processos
migratórios “bimodais”, nos quais a concentração de “trabalhadores de baixos
salários e pouca formação educacional” contrasta-se com a crescente
circulação de profissionais com elevada escolaridade
37
;
(iv) a hierarquia das nacionalidades na inserção laboral;
(v) a preponderância da informalidade
38
;
(vi) o fortalecimento de um novo segmento de trabalho para imigrantes
internacionais no Brasil: os frigoríficos
39
;
(vii) a possibilidade da documentação migratória que garante direitos aos
imigrantes, incluindo a mobilidade espacial da população imigrante no país.
35
HEYMAN, J. Construccción y uso de tipologías: movilidad geográfica desigual en la frontera México-Estados
Unidos. In: ARIZA, Marina; VELASCO, Laura (Coords.). Métodos cualitativos y su aplicación empírica: por los
caminos de la investigación sobre migración internacional. México: UNAM, Instituto de Investigaciones Sociales,
2012.
36
AGIER, Michel. Refugiados Diante da Nova Ordem Mundial. Tempo Social. In: Revista de Sociologia da USP, v.
18, n. 2, 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ts/v18n2/a10v18n2
. Acesso em 05 dez.2020.
37
SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Porto Alegre: Editora Artmed, 2010, p. 125.
38
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION (ILO). ILO Monitor: COVID-19 and the world of work. Third Edition:
Updated estimates and analysis. Geneve: ILO, 2020. Disponível em:
https://www.ilo.org/global/topics/coronavirus/impacts-and-responses/WCMS_743146/lang--en/index.htm
.
Acesso em 05 dez. 2020.
39
DEMÉTRIO, Natália Belmonte. Espaços regionais da agricultura globalizada e as novas migrações do
agronegócio no Brasil. In: Textos NEPO 89. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP, 2020. Disponível em:
https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/textos_nepo/textos_nepo_89.pdf
. Acesso em: 05 dez. 2020.
13
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BAENINGER, Rosana; DEMÉTRIO, Natália Belmonte; FERNANDES, Duval Magalhães; DOMENICONI, Jóice. Cenário das migrações
internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
2. A pandemia de Covid-19 e as restrições às migrações internacionais
A pandemia de Covid-19 modificou, mesmo que temporariamente, o panorama na
mobilidade global da população
40
. Segundo Peixoto
41
, a crise sanitária recrudesceu a agenda
de securitização na gestão das migrações internacionais no mundo, fortalecendo seletividades
migratórias que impulsionam, ainda mais, as migrações entre os países do Sul Global
42
.
A pandemia de Covid-19, a partir de março de 2020, escancarou a seletividade dessas
migrações desiguais, com a estratificação social do acesso à mobilidade espacial
43
. No caso
brasileiro, a pandemia traz à tona a securitização das migrações internacionais, com a
delimitação imposta pelo Estado de imobilidade, em especial nas fronteiras, e com as disputas
por direitos para imigrantes e refugiados. Esse novo contexto das restrições às migrações
internacionais se expressa no Brasil com as 21 portarias publicadas pelo governo brasileiro
para o impedimento da entrada de pessoas nas fronteiras internacionais de março a
novembro de 2020. A sistematização das referidas portarias apresentadas por Leão e
Fernandes
44
; permite identificar restrições mais severas para imigrantes que venham da
Venezuela; a saber:
40
DUMONT, Georges. Covid-19: fim da geografia da hipermobilidade? Espaço e Economia (Online), 18, 2020.
http://journals.openedition.org/espacoeconomia
. Acesso em: 07 dez.2020.
BAENINGER, Rosana. Migrações internacionais e a pandemia de covid-19: mudanças na era das migrações? In:
BAENINGER, Rosana; VEDOVATO, Luís Renato; NANDY, Shailen. (Coords.). Migrações Internacionais e a
pandemia de Covid-19. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP, 2020. Disponível em:
https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/miginternacional/miginternacional.pdf
. Acesso em: 05
dez.2020.
41
PEIXOTO, João. O que nos ensina a pandemia sobre migrações internacionais? O caso português e o contexto
mundial. In: BAENINGER, Rosana; VEDOVATO, Luís Renato; NANDY, Shailen. (Coords.). Migrações Internacionais
e a pandemia de Covid-19. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP, 2020. Disponível em:
https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/miginternacional/miginternacional.pdf
. Acesso em: 05
dez.2020.
42
BAENINGER, Rosana. Migrações internacionais e a pandemia de covid-19: mudanças na era das migrações? In:
BAENINGER, Rosana; VEDOVATO, Luís Renato; NANDY, Shailen. (Coords.). Migrações Internacionais e a
pandemia de Covid-19. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP, 2020, p. 217 Disponível em:
https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/miginternacional/miginternacional.pdf
. Acesso em: 05
dez.2020.
43
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
44
LEÃO, Augusto Veloso; FERNANDES, Duval Magalhães. Políticas de imigração no contexto da pandemia de
Covid-19. In: BAENINGER, Rosana.; FERNANDES, Duval Magalhães. (Coords.) Impactos da pandemia de Covid-19
nas migrações internacionais no Brasil Resultados de Pesquisa. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP, 2020.
Disponível em:
14
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BAENINGER, Rosana; DEMÉTRIO, Natália Belmonte; FERNANDES, Duval Magalhães; DOMENICONI, Jóice. Cenário das migrações
internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
1. Portaria nº 120 de 17 de março de 2020 Impedimento para a entrada por vias
terrestres pessoas vindas da Venezuela.
2. Portaria nº 125 de 19 de março de 2020 - Impedimento para a entrada por vias
terrestres pessoas vindas da Argentina, Bolívia, Colômbia, Guiana Francesa, Guiana,
Paraguai, Peru, Suriname.
3. Portaria nº 126 de 19 de março de 2020 - Impedimento para a entrada por vias aéreas
para pessoas vindas da China, União Europeia, Islândia, Noruega, Suíça, Reino Unido,
Austrália, Japão, Malásia, Coreia.
4. Portaria nº 132 de 22 de março de 2020 - Impedimento para a entrada por vias
terrestres pessoas vindas do Uruguai.
5. Portaria nº 133 de 23 de março de 2020 - Impedimento para a entrada por vias aéreas
de pessoas vindas do Irã
6. Portaria nº 47 de 26 de março de 2020 - Impedimento para a entrada por transporte
aquaviário
7. Portaria nº 152 de 27 de março de 2020 Impedimento para a entrada por vias aéreas
de todas as nacionalidades
8. Portaria nº 158 de 31 de março de 2020 - Impedimento para a entrada por vias
terrestres pessoas vindas da Venezuela.
9. Portaria nº 8 de 2 de abril de 2020 - Impedimento para a entrada por vias terrestres
vindos da Argentina, Bolívia, Colômbia, Guiana Francesa, Guiana, Paraguai, Peru,
Suriname.
10. Portaria nº 195 de 20 de abril de 2020 - Impedimento para a entrada por vias terrestres
vindos do Uruguai (prorrogação por mais 30 dias)
11. Portaria nº 201 de 24 de abril de 2020 - Impedimento para a entrada por transporte
aquaviário (30 dias)
12. Portaria nº 203 de 28 de abril de 2020 - Impedimento para a entrada por vias aéreas
de todas as nacionalidades (30 dias)
13. Portaria nº 204 de 29 de abril de 2020 Impedimento para a entrada por visa
terrestres de todas as nacionalidades; restrições para pessoas vindas da Venezuelana
mesmo tendo RNE (30 dias)
14. Portaria nº 255 de 22 de maio de 2020 - Impedimento para a entrada por vias aéreas,
terrestres e transportes aquaviários; restrições para pessoas vindas da Venezuelana
mesmo tendo RNE (30 dias)
15. Portaria nº 319 de 20 de junho de 2020 prorrogação das restrições à entrada por
vias aéreas, terrestres e transportes aquaviários; restrições para pessoas vindas do
mesmo tendo RNE (30 dias)
16. Portaria nº 340 de 30 de junho de 2020 - Impedimento para a entrada por vias aéreas,
terrestres e transportes aquaviários; restrições por transporte terrestre e aquaviários
para pessoas vindas da Venezuelana mesmo tendo RNE. Permite a entrada por via
aérea para estada de curta duração e a entrada de pessoas com visto temporário para
https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/impactos_pandemia/COVID%20NAS%20MIGRA%C3%87%C3
%95ES%20INTERNACIONAIS.pdf. Acesso em: 05 dez. 2020.
15
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internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
pesquisa, estudo, trabalho, investimento, reunião familiar, e atividades artísticas (em
4 aeroportos determinados) com apresentação de declaração médica atestando que a
pessoa não está infectada com Covid-19 (30 dias)
17. Portaria nº 1 de 29 de julho de 2020 - Impedimento para a entrada por vias aéreas,
terrestres e transportes aquaviários; restrições por transporte terrestre e aquaviários
para pessoas vindas da Venezuelana mesmo tendo RNE. Permite a entrada por via
aérea de pessoas que cumpram requisitos migratórios e de visitantes de curta duração
com seguro de saúde. Impede entrada por aeroportos em Mato Grosso do Sul, Paraíba,
Rondônia, Rio Grande do Sul e Tocantins (30 dias).
18. Portaria nº 419 de 26 de agosto de 2020 - Impedimento para a entrada por vias
terrestres e transportes aquaviários; restrições por vias terrestres e transporte
aquaviários para pessoas vindas da Venezuelana mesmo tendo RNE. Permite a entrada
por via aérea de pessoas que cumpram requisitos migratórios e de visitantes de curta
duração com seguro de saúde conforme especificado na Portaria. Impede entrada por
aeroportos em Goiás, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Roraima, Rio Grande do Sul e
Tocantins (30 dias).
19. Portaria nº 456, de 24 de setembro de 2020 - Restringe pelo prazo de trinta dias, a
entrada no País de estrangeiros de qualquer nacionalidade, por rodovias, por outros
meios terrestres ou por transporte aquaviário, fazendo as seguintes exceções: (i)
brasileiros; (ii) imigrante com residência de caráter definitivo; (iii) profissional
estrangeiro em missão a serviço de organismo internacional; (iv) funcionário
estrangeiro acreditado junto ao Governo brasileiro; (v) cônjuge, companheiro, filho,
pai ou curador de brasileiro; (vi) pessoas cujo ingresso seja autorizado especificamente
pelo Governo brasileiro em vista de interesse público ou por questões humanitárias;
(vii) portador de Registro Nacional Migratório; e (viii) transporte de cargas.
20. Portaria nº470, de 2 de outubro de 2020 - Prorroga as restrições importas pela Portaria
456 por mais 30 dias
21. Portaria nº 518, de 12 de novembro de 2020 - Prorroga as restrições impostas pela
Portaria 470 por mais 30 dias
De modo geral, as portarias sempre dão destaque para o impedimento da entrada e
saída de imigrantes da Venezuela e de países periféricos. No caso da Venezuela, o
impedimento da entrada já está presente na primeira Portaria n. 120, de março de 2017,
inclusive restringindo a circulação na área fronteiriça entre os dois países; restrição esta que
não foi imposta para demais espaços de fronteira com o Brasil. Este impedimento ainda segue
presente na Portaria nº 518, de 12 de novembro de 2020, que penaliza a entrada
16
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principalmente de não nacionais, ingressos no país por fronteiras terrestres, sem Registro
Nacional Migratório, ou seja, solicitantes de refúgio
45
.
A questão da segurança nacional diante da crise sanitária mundial se reforça nas
portarias do governo brasileiro, apelando para a contenção da entrada do vírus no país. De
fato, nas portarias também constam que o não cumprimento do impedimento de entrada
implica em responsabilização civil, administrativa e penal, repatriação ou deportação imediata
e inabilitação de pedido de refúgio
46
.
De acordo com Cavalcanti, Oliveira e Tonhati
47
, as informações do Sistema de Tráfego
Internacional para as entradas no Brasil por portos, aeroportos e vias terrestres apontaram
que “em janeiro foram registrados 3,4 milhões de movimentos, esse número reduziu para
98,5 mil em maio”, sendo que despencou de 17,0 mil naquele mês, para 374 regularizações
no mês de maio”, refletindo o impedimento da entrada de pessoas no Brasil nos primeiros
meses da pandemia em 2020. Ou seja, os solicitantes de refúgio constituem o grupo imigrante
mais afetado por essas medidas, expressando as conotações políticas dessas restrições à
mobilidade da população e o desrespeito às obrigações internacionais assumidas pelo
governo brasileiro. Contudo, mesmo com estes impedimentos impostos pelo Governo
brasileiro, cerca de 23 mil novas solicitações de refúgio foram protocoladas no Brasil entre
janeiro de novembro de 2020, ao mesmo tempo que o Programa de Interiorização dos
45
RAMOS, André de Carvalho. Construindo muralhas: o fechamento de fronteiras na pandemia do covid-19. In:
BAENINGER, Rosana; VEDOVATO, Luís Renato; NANDY, Shailen. (Coords.). Migrações Internacionais e a
pandemia de Covid-19. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP, 2020. Disponível em:
https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/miginternacional/miginternacional.pdf
. Acesso em: 05
dez.2020.
46
LEÃO, Augusto Veloso; FERNANDES, Duval Magalhães. Políticas de imigração no contexto da pandemia de
Covid-19. In: BAENINGER, Rosana.; FERNANDES, Duval Magalhães. (Coords.) Impactos da pandemia de Covid-19
nas migrações internacionais no Brasil Resultados de Pesquisa. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP, 2020.
Disponível em:
https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/impactos_pandemia/COVID%20NAS%20MIGRA%C3%87%C3
%95ES%20INTERNACIONAIS.pdf . Acesso em: 05 dez. 2020.
DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO (DPU). Pedido de Tutela de Urgência. Deportação Coletiva. Portaria CC-
PR/MJSP/MINFRA/MS nº 1, de 29 de julho de 2020. Rio Branco-AR: DPU, 2020. 38 p. Não publicado.
47
CAVALCANTI, Leonardo; OLIVEIRA, Tadeu; TONHATI, Tânia. A pandemia da covid-19 e as migrações
internacionais: impactos e desafios. In: BAENINGER, Rosana; VEDOVATO, Luís Renato; NANDY, Shailen. (Coords.).
Migrações Internacionais e a pandemia de Covid-19. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP, 2020, p. 377-378.
Disponível em: https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/miginternacional/miginternacional.pdf
.
Acesso em: 05 dez.2020.
17
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
BAENINGER, Rosana; DEMÉTRIO, Natália Belmonte; FERNANDES, Duval Magalhães; DOMENICONI, Jóice. Cenário das migrações
internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
Venezuelanos, que parte de Roraima para outros estados do país, alcançou 16.794 imigrantes,
sendo 10.674 entre março a outubro de 2020
48
.
O cenário atual da pandemia no Brasil, transcorridos dez meses das restrições de
entrada das migrações internacionais e circulação fronteiriça, traz muitos desafios, em
especial no caso da imigração venezuelana com novas rotas de entradas terrestres na
fronteira, arriscadas e perigosas, e com os impactos da pandemia nos imigrantes residentes
no país. A pesquisa, apresentada a seguir, realizada entre maio a julho de 2020 possibilita
apreender, especialmente para este artigo, os impactos da pandemia na inserção laboral de
imigrantes internacionais no Brasil.
3. Inserção Laboral de Imigrantes no Brasil antes e depois do início da pandemia evidências
de pesquisa
A pesquisa “Impactos da Pandemia de Covid-19 nas Migrações Internacionais no
Brasil” foi elaborada a partir de experiências internacionais com pesquisas remotas sobre
migrações internacionais na pandemia
49
. Assim, a partir do conhecimento dos limites e
potencialidades de levantamento de pesquisas empíricas com instrumentos de coletas on-line
para o estudo das migrações internacionais na pandemia iniciamos a pesquisa em 12 de maio
de 2020 até 06 de julho de 2020
50
. Para os desafios metodológicos de uma pesquisa on line
em meio a pandemia, a pesquisa baseou-se nos conceitos da teoria ator-rede de Latour
51
,
definindo: a) como agentes intermediários, pesquisadores em rede no estudo das migrações
internacionais de 15 universidades brasileiras com o importante papel de identificar, através
de sua rede social, imigrantes que pudessem responder à pesquisa; b) como agentes
48
Para as informações sobre solicitações de refúgio, cf. BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA.
COMITÊ NACIONAL PARA REFUGIADOS. Observatório da Migração Internacional - OBMigra, 2020. Disponível
em: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/dados/refugio-em-numeros
. Acesso em: 05 dez. 2020. As
informações sobre o Programa de Interiorização são provenientes de BRASIL. MINISTÉRIO DA CIDADANIA.
Operação Acolhida. Organização Internacional para as Migrações-OIM. Informe de Interiorização novembro,
2020. Disponível em:
http://aplicacoes.mds.gov.br/snas/painel-interiorizacao/. Acesso em: 05 dez. 2020.
49
PEIXOTO, João et al. (Orgs). Regresso ao futuro: a nova emigração e a sociedade portuguesa. Lisboa, PT:
Gradiva Publicações. 2016.
50
Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMinas) com o Protocolo CAAE
32032620.5.0000.5137.
51
LATOUR, Bruno. Reagregando o social. Salvador, BA: EDUFBA, EDUSC; 2012.
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mediadores, imigrantes identificados pelos pesquisadores para se tornarem entrevistadores
on-line e acionando suas redes. As escolhas dos agentes intermediários foram intencionais,
pois se tratam de pesquisadores com os quais temos afinidades e redes nos estudos
migratórios e, assim, contamos com 16 especialistas. As entrevistas realizadas/mediadas por
imigrantes-mediadores representam associações, cooperações e limitações das próprias
redes, e para tanto contamos com 22 imigrantes-mediadores nos diferentes estados do Brasil.
O levantamento de campo remoto teve três frentes: a) manteve o link disponível para
respostas espontâneas; b) os agentes intermediários/instituições também realizaram
entrevistas (especialmente por whatsapp); e, c) imigrantes-mediadores impulsionaram a
realização da pesquisa nas diferentes regiões do Brasil na articulação intermediários-
mediadores-sujeitos da pesquisa. Destaca-se, portanto, que a pesquisa teve escolha
intencional de redes e foi de caráter qualitativo, sem definição amostral, chegando a um total
de 2.475 questionários respondidos para o conjunto do Brasil.
Para as análises deste artigo, destacam-se os resultados referentes às questões
laborais, que buscou informações acerca da inserção laboral da população imigrante
entrevistada, especialmente, no que diz respeito ao recorte temporal do início da pandemia
da COVID-19. As respostas quanto à classificação das ocupações foram codificadas de acordo
com os parâmetros estabelecidos no Código Brasileiro de Ocupações (CBO) para grandes
grupos ocupacionais.
A pesquisa alcançou imigrantes em 179 municípios no Brasil, em quase todas as
Unidades Federativas do Brasil; apenas em Alagoas, Piauí, Maranhão e Tocantins não contam
com entrevistas (Tabela 3).
Tabela 3 - Imigrantes internacionais participantes da pesquisa segundo condição de
trabalho e regiões do Brasil, 2020
IMIGRANTES INTERNACIONAIS ENTREVISTADOS
Regiões
Total
Respondentes
Respostas válidas
para o quesito
Trabalho
Trabalhando antes
da pandemia (%)
Perderam o
emprego após o
início da
pandemia
(%)
Norte
420
360
56,94
47,80
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Nordeste
166
162
32,72
52,83
Sudeste
1.193
1.118
46,78
54,49
Sul
599
550
65,45
34,72
Centro
Oeste
97 88 48,86 55,81
Brasil
2.475
2.278
51,98
47,3
Fonte: Pesquisa Impactos da Pandemia de Covid-19 nas Migrações Internacionais no Brasil.
PUCMINAS/Observatório das Migrações em São Paulo-NEPO/UNICAMP, maio a julho de 2020.
A Região Sudeste concentrou 48,1% dos entrevistados (1.193 imigrantes), a Região Sul
respondeu por 24,2% (599 imigrantes entrevistados), a Região Norte correspondeu a 17% dos
imigrantes da pesquisa (420 participantes), a Região Nordeste teve 6,7% dos participantes
(166 imigrantes entrevistados) e a Região Centro-Oeste, 4% dos imigrantes entrevistados (97
participantes). No estado de São Paulo participaram da pesquisa 946 imigrantes, no Rio de
Janeiro foram 102 imigrantes entrevistados e em Minas Gerais, 144 imigrantes. A Região Sul
desponta como área de inserção transnacional intensa, sobretudo, pelos frigoríficos. As
regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste são áreas que entram para o cenário das migrações
internacionais no país, com maior ímpeto, a partir da presença de imigrantes da Venezuela e,
em particular, pelo programa de interiorização desde Roraima, do Governo Federal.
As análises resultantes da pesquisa revelam imigrantes em processos migratórios
desiguais
52
. São imigrantes principalmente do Sul Global, com uma composição étnico-racial
muito diferente dos fluxos migratórios históricos
53
, com dinâmicas socioeconômicas que
corroboram distintas vulnerabilidades diante da crise sanitária e econômica provocada pela
pandemia de Covid-19.
As nacionalidades dos participantes da pesquisa para o conjunto do Brasil refletem as
tendências atuais das migrações internacionais no país: do total de 2.475 questionários
constam 1.209 imigrantes da Venezuela e do Haiti são 684 pessoas. Destacam-se, ainda,
52
HEYMAN, J. Construccción y uso de tipologías: movilidad geográfica desigual en la frontera México-Estados
Unidos. In: ARIZA, Marina; VELASCO, Laura (Coords.). Métodos cualitativos y su aplicación empírica: por los
caminos de la investigación sobre migración internacional. México: UNAM, Instituto de Investigaciones Sociales,
2012.
53
SEYFERTH, Giralda. Imigração e nacionalismo: o discurso da exclusão e a política imigratória no Brasil. In
CASTRO, Mary Garcia (coord.). Migrações Internacionais: Contribuições para políticas. Brasília: CNPD, 2001, p.
137-150.
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internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
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senegaleses, colombianos, cubanos, guineenses, angolanos, congoleses, sírios, dentre as 60
nacionalidades que integraram a investigação. Há também a participação de apátrida dentre
os imigrantes entrevistados, expressando a extrema heterogeneidade das imigrações
internacionais contemporâneas. A pesquisa concentrou a participação das migrações Sul-Sul,
embora respondentes do Norte Global também tenham participado da pesquisa, contudo,
sobressaem os rumos da migração periférica no mundo
54
.
Além das novas origens, a pesquisa também reforçou os novos destinos da migração
internacional no Brasil, dentre os quais despontam os tradicionais espaços da migração
internacional do Sul e do Sudeste do país, porém agora dinamizados por novos fluxos
55
. Às
capitais e municípios imersos em dinâmicas metropolitanas (como São Paulo, Manaus,
Curitiba, Rio de Janeiro, Porto Velho, Boa Vista, Belo Horizonte, Campinas e Salvador), somam-
se as regiões de fronteira (como Uruguaiana, no extremo sul do Rio Grande do Sul, Amajari,
em Roraima, e Oiapoque, no Amapá), áreas no litoral e no interior do território nacional,
sobretudo em localidades importantes do agronegócio, como Chapecó e Dourados, onde se
concentram inúmeros frigoríficos.
As informações sobre inserção laboral dos imigrantes participantes da pesquisa
reiteram a vulnerabilidade que marca a vida de parte importante dos imigrantes
internacionais no Brasil, já em situação de desemprego desde antes da pandemia (Tabela 3).
Dos 2.475 entrevistados, 1.184 trabalhavam antes do início da crise sanitária (52% dos
imigrantes entrevistados), sendo que 1.094 já não trabalhavam nesse momento (48%).
As desigualdades econômicas regionais no Brasil se reproduzem na capacidade de
absorção laboral de imigrantes nas diferentes regiões. Apenas 32,7% dos imigrantes
participantes da pesquisa na Região Nordeste trabalhavam antes da pandemia. Nas regiões
Sudeste e Centro-Oeste cerca de 47% dos imigrantes entrevistados estavam trabalhando
54
BASSO, Pietro. Sviluppo diseguale, migrazioni, politiche migratorie. In: BASSO, Pietro. PEROCOO, Fabio (A cura
di). Gli imigrati in Europa: desiguaglianze, razzismo, lotte. Parte Prima. Milano: Franco Angeli, 2003, p. 82-117.
55
BAENINGER, Rosana. Migrações transnacionais na fronteira: novos espaços da migração Sul-Sul. In:
BAENINGER, Rosana; CANALES, Alejandro. (Coords.). Migrações Fronteiriças. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP,
2018. Disponível em: https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/mig_fronteiricas.pdf
. Acesso em: 05
dez. 2020.
21
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internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
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antes da pandemia. No Norte, 57% dos imigrantes trabalhavam antes da pandemia, mas cabe
destacar que esta inserção laboral está bastante apoiada na política federal e dos atores locais
que conformam a Operação Acolhida. Já a Região Sul aponta a maior proporção de imigrantes
que responderam estarem com trabalho antes da pandemia, 65% dos entrevistados, em
função da expressiva inserção nas atividades vinculadas aos frigoríficos
56
. De fato, o
agronegócio sobretudo o setor de frigoríficos constitui um dos setores menos atingidos
pela crise econômica e sanitária
57
, ao mesmo tempo em que tem empregado, cada vez mais,
imigrantes internacionais
58
.
As dinâmicas dos processos migratórios na fronteira Norte, com a presença de
diferentes organizações internacionais e sociedade civil, e na região Sul, com o emprego nos
frigoríficos contribuíram para que a perda de emprego após o início da pandemia fosse
proporcionalmente menor para os imigrantes entrevistados nestas regiões: 47,8% dos
imigrantes entrevistados na região Norte perderam o emprego com o início da pandemia e
34,7% dos imigrantes da região Sul. Já para as regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste mais
da metade dos imigrantes entrevistados perderam seus empregos com a pandemia. Se antes
da Covid 19, 1.184 imigrantes participantes da pesquisa estavam trabalhando, depois do início
da crise sanitária esse número caiu para 624 imigrantes. Nesse sentido, o total de imigrantes
sem trabalho saltou de 1.094 para 1.558 dentre os imigrantes entrevistados.
56
FRAGA, Aline; OUTRAMARI, Andrea. Imigrantes Internacionais no Estado do Rio Grande do Sul. In: BAENINGER,
Rosana.; FERNANDES, Duval Magalhães. (Coords.) Impactos da pandemia de Covid-19 nas migrações
internacionais no Brasil Resultados de Pesquisa. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP, 2020. Disponível em:
https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/impactos_pandemia/COVID%20NAS%20MIGRA%C3%87%C3
%95ES%20INTERNACIONAIS.pdf. Acesso em: 05 dez. 2020.
BORDIGNON, Sandra; HENZEL, Karin; PADOVA, Sandra. Imigrantes Internacionais no Estado de Santa Catarina.
In: BAENINGER, Rosana.; FERNANDES, Duval Magalhães. (Coords.) Impactos da pandemia de Covid-19 nas
migrações internacionais no Brasil Resultados de Pesquisa. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP, 2020. Disponível
em:
https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/impactos_pandemia/COVID%20NAS%20MIGRA%C3%87%C3
%95ES%20INTERNACIONAIS.pdf. Acesso em: 05 dez. 2020.
57
NEVES, Marcos Fava. O Agronegócio nos tempos de coronavírus. In: AgriForum. Disponível em:
http://agriforum.agr.br/o-agronegocio-nos-tempos-de-coronavirus
. Acesso em: 25 mai. 2020.
58
MAGALHÃES, Luís Felipe Aires. A imigração haitiana em Santa Catarina: perfil sociodemográfico do fluxo,
contradições da inserção laboral e dependência de remessas no Haiti. Tese (doutorado) - Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, 2017, 355 p. Disponível em:
http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/322136.
Acesso em: 25 abr. 2019.
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internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
A estrutura do mercado de trabalho polarizada no Brasil reforça a tendência já
apontada pela Organização Internacional do Trabalho
59
da preponderância da informalidade
na inserção laboral também para imigrantes internacionais (Tabela 4). Contudo, é de se
destacar, para o caso brasileiro que a menor participação de imigrantes no setor formal antes
da pandemia (58%), expressa tanto a forte presença do Estado nas migrações venezuelanas
com a possibilidade de empregos formais, quanto o emprego de imigrantes nos frigoríficos
(Tabela 4).
Tabela 4 - Imigrantes internacionais participantes da pesquisa segundo setor do mercado
de trabalho e regiões do Brasil, 2020
Setor Brasil
Região
Norte
Região
Nordeste
Região
Sudeste
Região
Sul
Região
Centro-
Oeste
Antes da pandemia
Setor formal
57,89
37,56
44,23
54,83
77,36
45,24
Setor informal
42,11
62,44
55,77
45,17
22,64
54,76
Respostas válidas
1.147
197
52
507
349
42
Começaram a trabalhar depois da pandemia
Setor formal
55,00
25,00
16,67
57,14
60,87
83,33
Setor informal
45,00
75,00
83,33
42,86
39,13
16,67
Respostas válidas
60
4
6
21
23
6
Fonte: Pesquisa Impactos da Pandemia de Covid-19 nas Migrações Internacionais no Brasil.
PUCMINAS/Observatório das Migrações em São Paulo-NEPO/UNICAMP, maio a julho de 2020.
Nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste em torno da metade dos imigrantes
entrevistados estavam no setor informal antes da pandemia. No caso da região Norte, polo
da entrada de imigrantes da Venezuela, a maior participação de imigrantes trabalhando antes
e depois da pandemia se concentra na inserção informal no mercado laboral, com 63% dos
59
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION (ILO). ILO Monitor: COVID-19 and the world of work. Third Edition:
Updated estimates and analysis. Geneve: ILO, 2020. Disponível em:
https://www.ilo.org/global/topics/coronavirus/impacts-and-responses/WCMS_743146/lang--en/index.htm
.
Acesso em 05 dez. 2020.
BELTRAMELLI NETO, Silvio; MENACHO, Bianca Braga. Covid-19 e a vulnerabilidade socioeconômica de migrantes
e refugiados à luz dos dados das organizações internacionais. In: BAENINGER, Rosana; VEDOVATO, Luís Renato;
NANDY, Shailen. (Coords.). Migrações Internacionais e a pandemia de Covid-19. Campinas, SP: NEPO/UNICAMP,
2020. Disponível em: https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/miginternacional/miginternacional.pdf
.
Acesso em: 05 dez. 2020.
23
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internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
respondentes da pesquisa inseridos na informalidade antes da pandemia. E embora tenham
sido poucos os imigrantes que responderam terem começado a trabalhar depois da pandemia
(2%), esta situação de informalidade do trabalho se agravou nas regiões Norte e Nordeste. A
Região Sul apresentava 77% dos imigrantes entrevistados no setor formal antes da pandemia,
refletindo a inserção laboral nos frigoríficos.
Dentre os 1.112 imigrantes que responderam à pergunta “Qual sua ocupação antes do
início da pandemia de Covid 19”, mais da metade declararam ser trabalhadores dos serviços,
vendedores do comércio em lojas e mercados, mais especificamente empregados no ramo de
alimentação, bebidas, hotelaria, trabalhos domésticos, vendedores em domicílio e/ou
ambulantes e nos servos de embelezamento e higiene em todas as regiões brasileiras
(Tabela 5). De fato, o setor de serviços e atividades autônomas constitui uma importante
forma de inserção laboral de imigrantes internacionais no Brasil e no mundo
60
, seja pela
relativa facilidade de entrada nesse mercado de trabalho, seja pelos “baixos requisitos de
escolaridade, qualificação, tecnologia e capital” exigidos
61
.
Assim, nas regiões Norte e Centro Oeste há maior concentração dos imigrantes
internacionais nos serviços domésticos, respondendo por cerca de 10% da inserção laboral, e
nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul em ocupações ligadas a outros serviços gerais. No caso da
Região Sul é de se destacar, a participação de 11% dos imigrantes entrevistados como
magarefes, em função da dinâmica do agronegócio dos frigoríficos. O Brasil, na condição de
um dos maiores produtores de carnes do mundo
62
, tem assistido a expansão do setor em
ritmos inéditos, mesmo em um contexto de crise econômica e na crise sanitária
63
. A
60
SASSEN, Saskia. Sociologia da Globalização. Porto Alegre: Editora Artmed, 2010.
61
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Inserção Laboral de Migrantes Internacionais:
transitando entre a economia formal e informal no município de São Paulo. Brasília, DF: OIT, set./2017, p.8.
62
CÔRREA, Domingos Sávio. Fusões e Aquisições nos Segmentos Carne Bovina, Óleo de Soja e Sucroalcooleiro.
(Tese de Doutorado) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-
USP), 2012. Disponível em:
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-21082012-
100332/publico/2012_DomingosSavioCorrea_VRev.pdf. Acesso em 05 dez. 2020.
ESPÍNDOLA, Carlos José. Trajetórias do progresso técnico na cadeia produtiva de carne de frango do Brasil. In:
Geosul, Florianópolis, v. 27, n. 53, 2012, p 89-113. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/geosul/article/view/2177-5230.2012v27n53p89
. Acesso em: 05 dez. 2020.
63
NEVES, Marcos Fava. O Agronegócio nos tempos de coronavírus. In: AgriForum. Disponível em:
http://agriforum.agr.br/o-agronegocio-nos-tempos-de-coronavirus/
. Acesso em: 25 mai. 2020.
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internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
participação de imigrantes internacionais neste setor, restrita a 12 registros na RAIS, em 2003,
subiu para quase 7 mil em 2018.
Tabela 5 - Imigrantes internacionais participantes da pesquisa segundo ocupações e
regiões do Brasil, 2020
Trabalho antes da pandemia
famílias ocupacionais
Brasil
Região
Norte
Região
Nordeste
Região
Sudeste
Região
Sul
Região
Centro-
Oeste
Operadores do comércio em lojas
e mercados
14,12 7,50 - 22,47 9,06 2,70
Outros trabalhadores dos serviços
8,27
8,00
10,00
9,31
6,95
5,41
Trabalhadores no atendimento
em estabelecimentos de serviços
de alimentação, bebidas e
hotelaria
7,73 8,50 4,00 8,50 6,65 8,11
Trabalhadores dos serviços
domésticos em geral
5,67 10,50 4,00 4,45 3,93 13,51
Magarefes e afins
4,05
1,00
-
0,81
11,48
2,70
Vendedores em domicílio
3,33
4,00
-
4,25
2,11
2,70
Trabalhadores nos serviços de
manutenção de edificações
3,06 4,50 2,00 1,62 4,53 2,70
Professores nas áreas de língua e
literatura do ensino superior
2,61 - 8,00 3,85 1,81 -
Trabalhadores auxiliares nos
serviços de alimentação
2,61 3,50 - 2,43 2,72 2,70
Vendedores ambulantes
2,52
9,00
6,00
0,81
0,91
-
Trabalhadores nos serviços de
embelezamento e higiene
2,43 1,50 4,00 3,04 0,91 10,81
Outras ocupações
43,62
42,00
62,00
38,46
48,94
48,65
Total respostas válidas
1.112
200
50
494
331
37
Total imigrantes participantes
2.475
420
166
1.193
599
97
Fonte: Pesquisa Impactos da Pandemia de Covid-19 nas Migrações Internacionais no Brasil.
PUCMINAS/Observatório das Migrações em São Paulo-NEPO/UNICAMP, maio a julho de 2020.
A despeito dos elevados índices de formalização, o emprego nos frigoríficos destaca-
se pela alta rotatividade e precariedade, inclusive com redução média dos salários auferidos
64
.
64
VASCONCELOS; Marly de Cerqueira; PIGNATTI, Marta Gislene; PIGNATI, Wanderlei Antonio. Emprego e
Acidentes de Trabalho na Indústria Frigorífica em Áreas de Expansão do Agronegócio, Mato Grosso, Brasil. In:
Saúde Soc. São Paulo, v.18, n.4, 2009, p.662-672. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/sausoc/v18n4/10.pdf
. Acesso em: 05 dez. 2020.
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Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
Aos acidentes causados pelo manuseio de facas, somam-se as lesões por esforços repetitivos
e os problemas de saúde associados ao trabalho nas câmaras frias
65
. A pandemia de Covid-19
trouxe ainda mais um risco à saúde desse trabalhador: a contaminação em massa dentro dos
frigoríficos, seja pela proximidade dos funcionários ao longo das esteiras de produção, seja
por falta de ventilação nesses ambientes
66
. No Rio Grande do Sul, quase um terço dos casos
confirmados de Covid-19 está entre trabalhadores deste setor
67
.
A pesquisa possibilitou ainda captar a hierarquia do emprego para imigrantes
internacionais no Brasil com destaque para professores de línguas e do ensino superior (214
imigrantes respondentes), evidência que reforça a existência de processos migratórios
representativos tanto da globalização por cima, como da globalização por baixo
68
. Reflete a
expansão das ocupações que envolvem alto nível de conhecimento, próprias da economia da
informação
69
, que convive e contribuiu com o aprofundamento das formas de exclusão e
desigualdade social, características da globalização
70
.
Os resultados do impacto da pandemia de covid-19 para imigrantes internacionais no
Brasil denotam a centralidade do trabalho na crise sanitária para essa população,
desvendando, de um lado, a ausência de políticas de emprego para essa população mesmo
antes da pandemia e, de outro lado, o agravamento do desemprego com a metade dos
imigrantes entrevistados declararem ter perdido o emprego após o início da pandemia.
65
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internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
Considerações Finais
O artigo buscou analisar a tríade ´panorama das migrações internacionais-restrições à
mobilidade - impactos laborais para imigrantes no Brasil´. Assim, o cenário das migrações
internacionais no Brasil, antes e depois do início da pandemia de Covid-19, aponta para a
consolidação de fluxos migratórios Sul-Sul. Essa tendência é um marco importante para a
recontextualização das fronteiras com os países limítrofes e a posição geopolítica do Brasil na
dinâmica global.
Diante da pandemia, a contenção desse fluxo Sul-Sul, em particular via fronteira
terrestre, tornou evidente a questão da segurança nacional, com a publicação pelo governo
federal de portarias que se assentando na “ameaça do vírus”, desvenda sua posição política
diante das migrações fronteiriças. As restrições à mobilidade de entrada e saída de pessoas
entre os países vizinhos, as aberturas de determinadas fronteiras e a permanência das
restrições de mobilidade da população terrestre com a Venezuela são indicativos do que se
pode prever com o futuro da Operação Acolhida.
Assim, esse panorama geral das migrações internacionais e as restrições de entrada e
saída de pessoas no Brasil conduziram ao olhar para os impactos da pandemia para imigrantes
residentes no país. A pesquisa empírica, com 2.475 imigrantes no período de maio a julho de
2020, permitiu identificar as condições de vulnerabilidade laboral antes e depois da pandemia
e a expressiva participação no setor informal, com 42% de imigrantes respondentes da
pesquisa inseridos no setor informal antes da pandemia. Já a desagregação por regiões do país
expressa as economias mais avançadas do Sudeste e Sul com 55% e 77%, respectivamente, de
imigrantes inseridos no setor formal do mercado de trabalho. No setor informal da economia
estavam inseridos antes da pandemia, predominantemente, os imigrantes das regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste. Poucos foram os imigrantes entrevistados (60 imigrantes) que
conseguiram emprego após o início da pandemia, apontando a dura realidade da crise
econômica diante da crise sanitária.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
BAENINGER, Rosana; DEMÉTRIO, Natália Belmonte; FERNANDES, Duval Magalhães; DOMENICONI, Jóice. Cenário das migrações
internacionais no Brasil: antes e depois do início da pandemia de Covid-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 4, p. 1-35, 2021.
De fato, a crise sanitária recrudesceu desigualdades regionais, econômicas e sociais no
Brasil ao expor parte importante da população imigrante ao desemprego ou a uma inserção
laboral em segmentos marcados pela rotatividade, por condições degradantes de trabalho e
com extremo risco de contaminação pela Covid-19, como o caso dos frigoríficos.
Assim, o cenário atual das migrações internacionais no Brasil após o início da pandemia
convive: a) com a restrição da entrada na fronteira com a Venezuela, com as prorrogações das
portarias do Governo Federal, e com isso outras travessias perigosas têm sido realizadas; b)
com a continuidade da migração interna da migração internacional, com o programa de
interiorização de venezuelanos do Governo Federal e, portanto, com diferentes regiões
recebendo esta população imigrantes e, muitas vezes, sem a articulação com os poderes
públicos locais; c) com o forte desemprego que afeta a população imigrante; d) com a
expressiva participação de imigrantes nos setores informais.
É nesse cenário de ausência de políticas sociais para esta população imigrante na
pandemia, portanto, que os imigrantes internacionais no Brasil terão acirradas suas
vulnerabilidades com o risco de se submeterem às condições de trabalho escravo para sua
sobrevivência neste momento de pandemia
71
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