O tráfico de pessoas para fins de
trabalho escravo no Brasil e no Chile:
uma análise comparativa
The trafficking in persons for purposes of slavery in Brazil and Chile: a
comparative analysis
La trata de personas con fines de trabajo esclavo en Brasil y Chile: un
análisis comparativo
Paulo César Corrêa Borges
Ana Paula Mittelmann Germer
RESUMO
O presente artigo aborda o tráfico de pessoas e o trabalho escravo, temáticas que infelizmente
se mostram atuais e cuja discussão é importante para que o combate ao problema seja
fortalecido. Os direitos humanos desses indivíduos explorados são constantemente violados em
prol do lucro e o tráfico de pessoas, por exemplo, é uma das atividades mais lucrativas
hodiernamente. Um importante documento que buscou combater tal crime é o Protocolo de
Palermo, criado em 2000, sendo considerado um marco no combate ao tráfico de pessoas,
prevendo inclusive suas diversas finalidades. Assim, analisa-se o tráfico de pessoas para fins de
trabalho escravo no Brasil, realizando um estudo de nossa legislação e das formas de combate
utilizadas no país. Também será apresentado um estudo do tráfico de pessoas para fins de
trabalho escravo no Chile, averiguando da mesma forma sua legislação e formas de combate.
Destaca-se a escolha pelo Chile também como objeto de estudo por se tratar do país da América
Latina com os menores índices de escravidão moderna. Por fim, será realizada uma comparação
entre ambos os países em relação ao combate ao tráfico de pessoas para fins de trabalho
escravo.
PALAVRAS-CHAVES: Tráfico de pessoas. Trabalho Escravo. Brasil. Chile.
ABSTRACT
This article discusses about trafficking in persons and slavery, a topic that unfortunately remains
current and whose discussion is important for the fight against the problem to be strengthened.
The human rights of these exploited individuals are constantly violated for the sake of profit,
trafficking in persons, for example, is one of the most lucrative activities nowadays. An important
document that sought to combat this crime is the Palermo Protocol, created in 2000, which is
considered a milestone in the fight against trafficking in persons, including several purposes.
Thus, the analysis of trafficking in persons for the purpose of slavery in Brazil, carrying out a
study of our legislation and the forms of combat used in the country. And a study will also be
carried out on trafficking in persons for the purpose of slavery in Chile, investigating in the same
way its legislation and forms of combat. The choice for Chile as an object of study with Brazil is
noteworthy as it is the country in Latin America with the lowest rate of modern slavery. Finally,
a comparison will be made between both countries in relation to combating trafficking in
persons for the purpose of slavery.
KEYWORDS: trafficking in persons. slavery. Brazil. Chile.
RESUMEN
Este artículo aborda la trata de personas y el trabajo esclavo, temas que desafortunadamente
demuestran ser actuales y cuya discusión es importante para fortalecer la lucha contra el
problema. Los derechos humanos de estas personas explotadas son constantemente violados
con fines de lucro, la trata de personas, por ejemplo, es una de las actividades s rentables en
la actualidad. Un documento importante que buscó combatir esto delito es el Protocolo de
Palermo, creado en 2000, y se considera un hito en la lucha contra la trata de personas,
previendo incluso varios otros propósitos. Así, analizase la trata de personas con fines de trabajo
esclavo en Brasil, realizando un estudio de nuestra legislación y las formas de combate utilizadas
2
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Chile: uma análise comparativa. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-30, 2021.
en el país. Y también se realizará un estudio sobre la trata de personas con fines de trabajo
esclavo en Chile, investigando de la misma manera su legislación y formas de combate. Destaca-
se la elección de Chile como objeto de estudios juntamente con Brasil por ser el país de América
Latina con las tasas más bajas de esclavitud moderna. Finalmente, se realizará una comparación
entre ambos los países en relación con la lucha contra la trata de personas con fines de trabajo
esclavo.
PALABRAS CLAVE: trata de personas. trabajo esclavo. Brasil. Chile.
INTRODUÇÃO
O presente artigo objetiva uma análise acerca do tráfico de pessoas para fins de
trabalho escravo no Brasil e no Chile, em especial às formas de combate adotadas pelos dois
países. Em pleno século XXI, pessoas ainda são traficadas e submetidas a trabalhos análogos
ao escravo. Há uma clara violação dos direitos humanos e da dignidade dessas pessoas e o
lucro por trás dessa exploração é enorme. Tendo em vista essa permanente presença do
trabalho escravo em muitos países do mundo, inclusive no Brasil, o tema se mostra de grande
importância para fomentar a discussão acerca das estratégias de combate deste problema.
Ressalta-se que se escolheu o Chile como objeto de estudo devido ao seu menor índice de
escravidão moderna, como será demonstrado.
O método utilizado é o dialético, que permite uma análise das normas jurídicas como
construções sociais, tornando possível a crítica, diante de sua insuficiência para a garantia dos
direitos humanos dos trabalhadores explorados. Ainda permite um estudo crítico das
realidades dos países em questão, Chile e Brasil, possibilitando comparar seus arcabouços
jurídicos. Utilizou-se também de um estudo comparado entre as legislações dos dois países
referente à temática do tráfico de pessoas para fins de trabalho escravo. Para tanto,
empregou-se uma revisão bibliográfica de doutrinas, artigos acadêmicos, legislação dos países
em análise, pesquisas já realizadas e demais obras importantes para o tema, tendo por
paradigma jurídico as definições do Protocolo de Palermo, na medida em que trouxe os
estandartes para a criminalização e medidas de prevenção e assistência à vitima do tráfico de
pessoas, e complementou a Convenção contra o Crime Organizado Transnacional, chamada
de Convenção de Palermo, realizada em 2000.
3
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O Protocolo de Palermo entrou em vigor em 2003 e teve como objetivo a persecução
criminal no marco da luta efetiva contra o crime organizado transnacional, além de ações para
a proteção e promoção dos direitos humanos das pessoas afetadas por esse delito. O
Protocolo estabelece ações concretas para a prevenção, repressão dos autores do delito e
assistência às vítimas, bem como, medidas de reparação
1
. São três os objetivos traçados:
prevenir e combater o tráfico de pessoas, dando particular atenção às mulheres e às crianças;
proteger e assistir às vítimas de tal tráfico, com respeito aos direitos humanos; e promover a
cooperação entre os Estados Membros, de forma a cumprir esses objetivos
2
. Esse protocolo
constitui-se no primeiro instrumento internacional que trata da temática do tráfico a trazer a
definição da expressão “tráfico de pessoas”, que ao longo da história foi algo polêmico.
Antes do Protocolo de Palermo, as vítimas ficavam em uma situação ambígua, como
se fossem criminosas. Aquela regulamentação internacional busca garantir que sejam tratadas
como pessoas que sofreram graves abusos e, sendo assim, os países devem criar serviços de
assistência e mecanismos de denúncia
3
.
O art. 3º do Protocolo de Palermo traz a definição de tráfico de pessoas, que será
utilizado como parâmetro internacional, para comparação entre Brasil e Chile:
A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a
transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à
ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao
engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à
entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o
consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins
de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da
prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou
1
SOUZA, Mércia Cardoso de. Tráfico de pessoas para trabalho forçado no âmbito do MERCOSUL: Direito e
Política para os Direitos Humanos. 2016. 556 f. Tese (Doutorado) - Universidade de Fortaleza. Programa de
Doutorado em Direito Constitucional, Fortaleza, p. 45-46.
2
SOUZA, Mércia Cardoso de. Tráfico de pessoas para trabalho forçado no âmbito do MERCOSUL: Direito e
Política para os Direitos Humanos. 2016. 556 f. Tese (Doutorado) - Universidade de Fortaleza. Programa de
Doutorado em Direito Constitucional, Fortaleza, p. 21.
3
CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. Política
Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. 2007. Ministério da Justiça. Disponível em:
http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/trafico-de-
pessoas/artigo_trafico_de_pessoas.pdf. Acesso em: 25 abr. 2020, p. 5.
4
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serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão
ou a remoção de órgãos
4
.
Inicialmente, será analisado o tráfico de pessoas com a finalidade de submissão ao
trabalho escravo no Brasil. Posteriormente, será estudado o tráfico de pessoas, com foco no
trabalho escravo, no Chile. Em cada país serão destacadas sua legislação e principais formas
de combate. Por fim, será realizada uma comparação entre ambos os países, buscando um
aperfeiçoamento das estratégias de combate utilizadas no Brasil.
1. O tráfico de pessoas para fins de trabalho escravo no Brasil
O Brasil possui, segundo índice divulgado pela Walk Free Foundation, uma estimativa
de 369 mil vítimas de escravidão moderna, com 1,8 vítimas a cada mil habitantes. O termo
escravidão moderna engloba outros como trabalho forçado, tráfico humano e escravidão.
Além disso, em uma classificação que coloca os países em categorias D, C, CC, CCC, B, BB, BBB
e A, sendo que no grupo A estão os países com as melhores respostas do governo à escravidão
moderna, o Brasil aparece no grupo BB, onde estava em 2016 e se manteve em 2018
5
.
O Trafficking in Persons Report 2018, que subdivide os países em quatro faixas, coloca
o Brasil na faixa 2, composta por países em que o governo não cumpre totalmente as
exigências para proteger as vítimas de tráfico, mas que estão fazendo esforços significativos
para obedecer a esses padrões
6
.
Sabe-se que a escravidão já foi abolida há muitos anos, porém os casos de trabalho
análogo ao escravo ainda são encontrados tanto na zona rural como na urbana de diversos
países, incluindo o Brasil. O trabalho escravo e o tráfico de pessoas são algumas das mais
4
BRASIL. Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de
Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Brasília, 12 de mar. de 2004. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5017.htm.
Acesso em: 26 abr. 2020.
5
WALK FREE FOUNDATION. The global slavery index 2018. Perth, Austrália, 2018. Disponível em:
https://downloads.globalslaveryindex.org/ephemeral/GSI-2018_FNL_190828_CO_DIGITAL_P-1593063388.pdf
.
Acesso em: 10 mar. 2020.
6
USA. Department of State. Trafficking in Persons Report: June 2018. United States of America, 2018. Disponível
em: https://www.state.gov/wp-content/uploads/2019/01/282798.pdf
. Acesso em: 10 abr. 2020.
5
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antigas violações de direitos humanos, remontando à época da escravidão e do tráfico
negreiro.
Em uma sociedade capitalista e globalizada, o lucro está acima de tudo e inclusive da
dignidade humana. O trabalhador é explorado de diversas formas, no intuito de maximizar os
ganhos. Como indica Vito Palo Neto
7
, o aumento de denúncias relacionadas à escravidão
coincide com o avanço da globalização, intuindo-se, assim, uma correlação de piora das
condições de trabalho como decorrência desse fenômeno mundial. Além disso, a imigração,
interna e externa, também favorece essa exploração.
Como enfatizam Villatore e Wülfing
8
, para que o tráfico humano e o trabalho escravo
ou em situação análoga à escravidão sejam enfrentados “é preciso repensar a globalização e
a precarização das relações de trabalho, as políticas migratórias, as desigualdades de classes,
a realidade da prostituição”. Seu enfrentamento exige uma proteção integral aos
trabalhadores.
O tráfico de pessoas e o trabalho escravo possuem profunda relação, tendo em vista
que umas das finalidades do tráfico é o trabalho em condições análogas ao escravo, a servidão
por dívida ou trabalhos forçados. A relação entre ambos os crimes é de instrumentalidade do
tráfico para diversas finalidades apontadas pelo Protocolo de Palermo e pela legislação
brasileira, tendo sido feito o recorte metodológico, neste artigo, em relação ao trabalho
escravo.
O resultado do tráfico em geral é a escravidão, que pode se apresentar de diversas
formas. Os fins ou resultados da escravidão tendem a ser mais semelhantes no tempo e nas
culturas, já suas formas são menos semelhantes. A exploração é seu resultado e a condição
de controle potencialmente violento de uma pessoa sobre outra é seu núcleo. Há uma
7
PALO NETO, Vito. Conceito jurídico e combate ao trabalho escravo contemporâneo. São Paulo: LTr, 2008. p.
96.
8
VILLATORE, Marco Antônio César; WÜLFING, Juliana. Garantia dos direitos fundamentais frente ao tráfico
humano e ao trabalho escravo. Revista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça, Belo Horizonte, ano 11,
n. 37, p. 67-104, jul./dez. 2017. Disponível em:
http://dfj.emnuvens.com.br/dfj/article/view/124/50. Acesso em:
04 fev. 2020, p. 100.
6
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apropriação do indivíduo para atividades que resultarão em ganhos econômicos ao
explorador, como por exemplo, para a utilização de mão de obra escrava
9
.
No Brasil, o trabalho escravo e o tráfico de pessoas possuem previsão no Código Penal,
nos artigos 149 e 149-A, respectivamente. O art. 149 define o delito de redução a condição
análoga à de escravo. A Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003, trouxe uma nova redação
ao artigo, passando a identificar as hipóteses em que se configura o mencionado delito: a
submissão a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva; a sujeição a condições degradantes de
trabalho; a restrição, por qualquer meio, de sua locomoção em razão de dívida contraída com
o empregador ou preposto; o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte
do trabalhador, com o fim de re-lo no local de trabalho; e a manutenção de vigilância
ostensiva no local de trabalho ou o apoderamento de documentos ou objetos pessoais do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho
10
.
O entendimento dos tribunais brasileiros é de que, além da supressão da liberdade, o
crime de condições análogas à de escravo fere o princípio da dignidade da pessoa humana. O
Supremo Tribunal Federal tem estabelecido corrente no sentido de que as violações que
ensejam a configuração do trabalho escravo não se resumem apenas à restrição da liberdade,
devendo ser analisado, no caso concreto, se há também hipóteses de violação à dignidade do
trabalhador, majoritariamente verificadas na imposição de jornada exaustiva e condições
degradantes no ambiente de trabalho. Assim, os tribunais superiores brasileiros convergem
para o entendimento de que a dignidade humana é o elemento central tutelado pelo tipo
penal de redução à condição análoga à de escravo
11
.
Nesse sentido, oportuno observar que o TST, quanto à caracterização do trabalho
escravo, está alinhado à jurisprudência do STF e do STJ e demonstra compreender exatamente
9
BALES, Kevin. Testing a Theory of Modern Slavery. Yale University, Connecticut, 2004. Disponível em:
http://glc.yale.edu/sites/default/files/files/events/cbss/Bales.pdf. Acesso em: 22 abr. 2020, p. 1- 2.
10
BRASIL. Lei n
o
10.803, de 11 de dezembro de 2003. Altera o art. 149 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro
de 1940 - Código Penal, para estabelecer penas ao crime nele tipificado e indicar as hipóteses em que se configura
condição análoga à de escravo. Brasília, 11 de set. 2003. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.803.htm#art149
. Acesso em: 22 abr. 2020.
11
TRINDADE, Daniel Souza da. Conceito de trabalho escravo no Brasil: a necessária aplicação do Princípio da
Proibição do Retrocesso Social. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso (pós-graduação lato sensu em Direito
Legislativo) - Senado Federal, Instituto Legislativo Brasileiro, Brasília, 2014. Disponível em:
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/513251/TCC%20-
%20Daniel%20Souza%20da%20Trindade.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 22 jun. 2020.
7
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o que configura o trabalho escravo, ou seja, a violação, principalmente, da dignidade da
pessoa humana, pela instrumentalização do trabalhador e pela sua equiparação à condição
de coisa, além disso, reconhece que não é somente o trabalho forçado que configura o
trabalho escravo
12
.
O Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004, promulgou o Protocolo Adicional à
Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção,
Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, também
chamado de Protocolo de Palermo, no Brasil. Aproximadamente 12 anos após sua edição, foi
sancionada a Lei nº 13.344, de 6 de outubro de 2016, dispondo sobre a prevenção e repressão
ao tráfico interno e internacional de pessoas, criando o crime de tráfico de pessoas, tipificado
no art. 149-A do Código Penal, bem como revogando as infrações penais previstas nos artigos
231 e 231-A do mesmo diploma, que tipificavam, respectivamente, o tráfico internacional de
pessoa para fim de exploração sexual e o tráfico interno de pessoa para fim de exploração
sexual
13
.
Antes da Lei nº 13.344/2016, que adequou o ordenamento jurídico brasileiro ao
Protocolo de Palermo, o tráfico de pessoas apenas estava relacionado com a prostituição ou
exploração sexual. Entretanto, com a redação da nova lei, o legislador trouxe as mesmas
preocupações previstas no Protocolo de Palermo, além de prever um rol mais amplo de
finalidades do tráfico de pessoas, facilitando sua punição, sendo de se destacar a prevenção e
a repressão do tráfico de pessoas, e a proteção e a assistência às vítimas.
Atualmente, no Brasil, comete o crime de tráfico de pessoas aquele que agenciar,
aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave
ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de remoção de órgãos, tecidos
ou partes do corpo, submissão a trabalho em condições análogas à de escravo, submissão a
qualquer tipo de servidão, adoção ilegal ou exploração sexual
14
.
12
BRITO FILHO, José Claudio M. de; PEREIRA, Sarah G. O Tribunal Superior do Trabalho e o trabalho escravo.
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 1, n. 1, p. 151-172, 2018. Disponível em:
http://www.revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/view/3/1
. Acesso em: 17 dez. 2020, p. 169.
13
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II: introdução à teoria geral da parte especial:
crimes contra a pessoa. 14. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2017, p. 501.
14
BRASIL. Lei nº 13.344, de 6 de outubro de 2016. Dispõe sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e
internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas; altera a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980,
8
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A Constituição Federal de 1988 é um marco na garantia de direitos dos cidadãos. O
texto constitucional elenca entre os princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana e
os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. É evidente a importância dada à dignidade
da pessoa humana em nossa Carta Magna e este princípio é incessantemente violado, na
medida em que indivíduos são reduzidos a escravos. Em seu artigo , tem-se: “XIII - é livre o
exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais
que a lei estabelecer”
15
. Destaca-se também o art. 170, que traz que a ordem econômica será
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados diversos princípios.
Além disso, a Constituição traz uma sanção à utilização do trabalho escravo quando seu artigo
243 prevê a expropriação das propriedades urbanas e rurais em que houver a exploração de
trabalho escravo, bem como a cultura ilegal de plantas psicotrópicas.
Oportuno, ainda, ressaltar o sistema interamericano de proteção dos direitos
humanos. O Pacto de São José da Costa Rica, também chamado de Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, foi aprovado em 22 de novembro de 1969. No Brasil, foi promulgado
no Brasil através do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. O tratado internacional
aborda diversos direitos e deveres, como o direito à vida, à integridade pessoal, à liberdade
pessoal e entre outros. Em seu artigo , trata-se da proibição da Escravidão e da Servidão,
tendo-se que “Ninguém pode ser submetido à escravidão ou a servidão, e tanto estas como o
tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as formas”
16
. Bem como,
proíbe-se o constrangimento de alguém para que execute trabalho forçado ou obrigatório.
o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal); e revoga dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal). Brasília, 6 de out. 2016. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2016/Lei/L13344.htm#art13. Acesso em: 22 abr. 2020.
15
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Texto constitucional promulgado
em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nos 1/1992 a 76/2013,
pelo Decreto Legislativo nº 186/2008 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nºs 1 a 6/1994. 40.ed. com
índice. Brasília: Centro de Documentação e Informação (CEDI), 2013. 464 p. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/constituicao1988. Acesso em: 22 jun. 2020.
16
BRASIL. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Brasília, 6 de nov. 1992. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm
. Acesso em: 22 jun. 2020.
9
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Neste sentido, destaca-se uma decisão importante da Corte Interamericana de Direitos
Humanos envolvendo o tema no Brasil. É o caso Fazenda Brasil Verde, que teve grande
repercussão devido à condenação do Brasil pela Corte Interamericana, em 2016. Durante anos
houve denúncias da existência de trabalho escravo naquela região, porém o Estado demorou
em agir.
Os primeiros registros do caso datam de 1988, ano em que a Comissão
Pastoral da Terra reportou o caso à Polícia Federal. Houve denúncia do MPF
em 1997, mas a punibilidade foi reconhecida extinta em razão da prescrição
pela Justiça Federal do Pará em 2008. [...] A Corte IDH entendeu que o Estado
brasileiro tinha o dever de assegurar proteção aos trabalhadores da Fazenda
Brasil Verde e a obrigação de coibir a violação a seus direitos, e que, no
entanto, não agiu a tempo e modo para evitar as condutas ilícitas. Ademais,
não responsabilizou os acusados, nem reparou as vítimas. Assim, a Corte
condenou o Brasil pelas infrações aos arts. 6.1 (proibição a escravidão ou a
servidão e ao tráfico de pessoas), 8.1 (direito às garantias judiciais) e 25
(direito à proteção judicial) da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos em prejuízo dos trabalhadores resgatados nos anos de 1997 e
2000
17
.
Outro caso que também foi objeto de atenção internacional é o do trabalhador José
Pereira Ferreira, vítima da escravidão por dívida em uma fazenda no Pará. A investigação
começou em 1989, mas apenas em 1998 o gerente da fazenda foi condenado, porém não
cumpriu a pena, pois o crime havia prescrito. Assim, o caso de trabalho escravo ficou impune
no país. Sendo esse de grande destaque por ser o primeiro deste tipo de violação de direitos
humanos, no Brasil, levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e no qual o Brasil
reconheceu sua responsabilidade.
Esse caso ganhou notoriedade após a denúncia realizada pela Comissão
Pastoral da Terra com o Centro pela Justiça e o Direito Internacional perante
a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que levou o Estado
brasileiro a assinar, pela primeira vez, no ano de 2003, um acordo
17
SILVA, Andressa Corsetti. A condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso
“Fazenda Brasil Verde”. In: BARBOZA, Márcia Noll (org.). Escravidão contemporânea. Coletânea de artigos. v. 1.
Brasília: MPF, 2017. Disponível em:
http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/publicacoes/coletaneas-de-
artigos/003_17_coletanea_de_artigos_escravidao_conteporanea.pdf. Acesso em: 22 jun. 2020, p. 77.
10
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reconhecendo sua responsabilidade internacional pela violação de direitos
humanos praticada por particulares
18
.
Em 2003, o Brasil firmou uma solução amistosa perante a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, pela qual reconheceu sua responsabilidade internacional pelas violações,
visto que os órgãos governamentais competentes não preveniram o trabalho forçado e não
aplicaram a devida punição aos envolvidos. Além disso, criou-se a Comissão Nacional de
Erradicação do Trabalho Forçado (CONATRAE), tendo as partes se comprometido a manterem
sigilo sobre a identidade da vítima nas declarações públicas e o Estado se comprometido a
continuar com esforços para cumprimentos dos mandados judiciais de prisão contra os
acusados pelos crimes em questão. O Brasil, ainda, pagou uma indenização de R$ 52.000,00
por danos morais e materiais. O Estado brasileiro, por fim, cumpriu as determinações do
acordo e adotou outras medidas buscando erradicar a prática do trabalho escravo
19
.
Além da legislação, podem-se destacar algumas medidas de combate ao trabalho
escravo e ao tráfico de pessoas adotadas pelo Brasil. Uma delas é o Grupo Especial de
Fiscalização Móvel, ligado ao Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (GETRAF) e
à Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), criado pelo então ativo Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE), em 1995. Este grupo tem o auxílio da Polícia Federal para realizar inspeções
em locais onde haja denúncia de trabalhadores em situação análoga à de escravo.
Na sociedade civil, uma importante fonte de dados e agente de combate ao trabalho
escravo é a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que foi fundada, em 1975, como resposta diante
da “grave situação vivida pelos trabalhadores rurais, posseiros e peões, sobretudo na
Amazônia, explorados em seu trabalho, submetidos a condições análogas ao trabalho escravo
e expulsos das terras que ocupavam
20
.
Outro instrumento que merece destaque é a chamada “lista suja”, criada pela Portaria
540 do MTE, em 2004, e que visava impedir que os proprietários incluídos na lista recebessem
18
PALO NETO, Vito. Conceito jurídico e combate ao trabalho escravo contemporâneo. São Paulo: LTr, 2008, p.
56.
19
SCAFF, Luma Cavaleiro de Macêdo. Estudo do caso - José Pereira: o Brasil na Comissão Interamericana de
Direitos Humanos. Revista Acadêmica Direitos Fundamentais, Osasco, n. 4, p. 197 - 212, 2010. Disponível em:
http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/492-1518-1-pb.pdf
. Acesso em: 22 jun. 2020.
20
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Histórico. 2010. Disponível em: https://www.cptnacional.org.br/sobre-
nos/historico. Acesso em: 10 abr. 2020.
11
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
BORGES, Paulo César Corrêa; GERMER, Ana Paula Mittelmann. O tráfico de pessoas para fins de trabalho escravo no Brasil e no
Chile: uma análise comparativa. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-30, 2021.
financiamentos públicos. A lista incluía empregadores que submeteram trabalhadores a
condições análogas à de escravidão. O cadastro não foi atualizado por três anos, devido a uma
cautelar do Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em janeiro de
2019, finalmente, foi publicada uma atualização dessa lista, em que consta 204 nomes de
empregadores de 22 estados brasileiros, com destaque em Minas Gerais, com 55 casos
registrados, e Pará, com 27. No total, 2.463 trabalhadores e trabalhadoras haviam sido
vítimas
21
.
No tocante ao tráfico de pessoas, o Decreto nº 5.948, de 26 de outubro de 2006,
aprovou a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e instituiu Grupo de
Trabalho Interministerial com o objetivo de elaborar proposta do Plano Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
Em 2008, foi aprovado, por meio do Decreto n. 6.347, de 8 de janeiro, o Plano Nacional
de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Já o II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico
de Pessoas foi aprovado por meio da Portaria Interministerial n. 634, de 25 de fevereiro de
2013. Este segundo plano trouxe a Coordenação Tripartite da Política Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, a proposta de criação do Comitê Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (CONATRAP) e o Grupo Interministerial de
Monitoramento e Avaliação do II PNETP
22
. E o mais atual, o III Plano Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (2018-2022), aprovado pelo Decreto nº 9.440 de 2018,
dividiu-se nos seguintes eixos temáticos: gestão da política; gestão da informação;
capacitação; responsabilização; assistência à vítima; e prevenção e conscientização pública.
Foram instituídas 58 metas destinadas à prevenção, repressão ao tráfico de pessoas no
território nacional, responsabilização dos autores e atenção às vítimas
23
.
21
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. `Lista suja´ tem 204 empregadores com 2.500 pessoas em situação de
escravidão. 2019. Disponível em:
https://www.cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/trabalho-escravo/4600-
lista-suja-tem-204-empregadores-com-2-500-pessoas-em-situacao-de-escravidao. Acesso em: 22 abr. 2020.
22
SOUZA, Mércia Cardoso de. Tráfico de pessoas para trabalho forçado no âmbito do MERCOSUL: Direito e
Política para os Direitos Humanos. 2016. 556 f. Tese (Doutorado) - Universidade de Fortaleza. Programa de
Doutorado em Direito Constitucional, Fortaleza.
23
BRASIL. Decreto nº 9.440, de 3 de julho de 2018. Aprova o III Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas. Brasília, 3 de julho de 2018. Disponível em: https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-
pessoas/politica-brasileira/dec-9440-18-iii-plano.pdf. Acesso em: 26 jun. 2020.
12
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
BORGES, Paulo César Corrêa; GERMER, Ana Paula Mittelmann. O tráfico de pessoas para fins de trabalho escravo no Brasil e no
Chile: uma análise comparativa. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-30, 2021.
Em 2006, os Estados do MERCOSUL aprovaram o “Plano de Ação do MERCOSUL para
a luta contra o Tráfico de Pessoas”, com o objetivo criar um mecanismo operacional e eficiente
de cooperação, coordenação e acompanhamento, contra o tráfico de pessoas. Em 2007, a
Reunião de Ministros (RMJ) aprovou um Guia de Boas Práticas para a Assistência Jurídica em
relação à assistência judiciária mutual no tocante ao tráfico de pessoas entre os Estados Partes
e Associados do MERCOSUL. Em 2008, as Forças de Segurança Pública e Policiais do
MERCOSUL e Chile se reuniram, em Foz do Iguaçu, na Oficina Cooperação e Coordenação
Policial no MERCOSUL e Chile para o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. O Brasil também
conta com a Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e desenvolve diversas ações de
prevenção e assistência às vítimas
24
.
A participação da sociedade civil também é muito importante para o combate dessa
forma de exploração. Neste sentido, pode-se destacar a Repórter Brasil Organização de
Comunicação e Projetos Sociais, uma importante organização não governamental, que atua
no combate ao trabalho escravo no Brasil. Foi fundada, em 2001, por jornalistas, cientistas
sociais e educadores com o objetivo de fomentar a reflexão e ação sobre as diversas situações
de injustiça presentes em nossa sociedade, tanto nos casos de flagrante desrespeito aos
direitos humanos, como nas condições sociais e estruturais sub-humanas de vida. São quatro
os eixos de sua atuação: jornalismo social, projetos de educação e comunicação, combate à
escravidão e pesquisa sobre agrocombustíveis
25
.
Analisado o tráfico de pessoas e o trabalho escravo no Brasil, especificamente a
legislação brasileira, a repercussão internacional e as estratégias de combate utilizadas pelo
país, passa-se para o estudo da problemática no Chile.
24
SOUZA, Mércia Cardoso de. Tráfico de pessoas para trabalho forçado no âmbito do MERCOSUL: Direito e
Política para os Direitos Humanos. 2016. 556 f. Tese (Doutorado) - Universidade de Fortaleza. Programa de
Doutorado em Direito Constitucional, Fortaleza.
25
REPÓRTER BRASIL. A história da Repórter Brasil. Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/quem-
somos/historia/. Acesso em: 25 abr. 2020.
13
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
BORGES, Paulo César Corrêa; GERMER, Ana Paula Mittelmann. O tráfico de pessoas para fins de trabalho escravo no Brasil e no
Chile: uma análise comparativa. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-30, 2021.
2. O tráfico de pessoas para fins de trabalho escravo no Chile
Inicialmente, neste tópico, é necessário destacar o índice global da escravidão
moderna divulgado, em 2018, pela organização Walk Free Foundation. De uma lista de 27
países das Américas, o Chile aparece como o 26º colocado, sendo que quanto mais próximo
do topo da lista maior o número de escravos contemporâneos naquele país. Os dados
mostram que o Chile possui uma estimativa de 14 mil vítimas diante de uma população de
17.163.000, o que corresponde a 0,8 vítimas do trabalho escravo para cada mil habitantes.
Além disso, ainda sobre os dados daquela organização, tem-se que a classificação do Chile
mudou de B para BBB em 2018, segundo critério já mencionado (D, C, CC, CCC, B, BB, BBB e
A), estando muito próximo do grupo A
26
, onde estão os países com as melhores respostas do
governo à escravidão moderna
27
.
Outro dado importante é o Trafficking in Persons Report 2018, que subdivide os países
em quatro faixas, sendo que o Chile está na faixa 1
28
, que corresponde aos governos dos países
que atendem plenamente aos padrões mínimos de proteção às vítimas do tráfico
29
.
Quanto à legislação chilena, a Constituição Política da República do Chile, de 1980, no
Capítulo III, dos direitos e deveres constitucionais, o § 2º do art. 19 estabelece: “A igualdade
perante a lei. No Chile não há nenhuma pessoa ou grupo de privilegiados. No Chile não há
escravos e aquele que pise em seu território está livre. Homens e mulheres são iguais perante
a lei” (tradução livre)
30
.
26
Nos dados de 2018, apenas a Holanda estava nesta categoria A.
27
WALK FREE FOUNDATION. The global slavery index 2018. Perth, Austrália, 2018. Disponível em:
https://downloads.globalslaveryindex.org/ephemeral/GSI-2018_FNL_190828_CO_DIGITAL_P-1593063388.pdf
Acesso em: 10 mar. 2020.
28
O Brasil, como já referido anteriormente, está na faixa 2 (USA. Department of State. Trafficking in Persons
Report: June 2018. United States of America, 2018. Disponível em:
https://www.state.gov/wp-
content/uploads/2019/01/282798.pdf. Acesso em: 10 abr. 2020).
29
USA. Department of State. Trafficking in Persons Report: June 2018. United States of America, 2018. Disponível
em: <https://www.state.gov/wp-content/uploads/2019/01/282798.pdf
> Acesso em: 10 abr. 2020.
30
La igualdad ante la ley. En Chile no hay persona ni grupo privilegiados. En Chile no hay esclavos y el que pise
su territorio queda libre. Hombres y mujeres son iguales ante la ley” (CHILE. Constitución Política de la República
de Chile. Santiago, 11 septiembre de 1980. Disponível em:
https://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=242302&idParte=. Acesso em: 11 fev. 2020).
14
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
BORGES, Paulo César Corrêa; GERMER, Ana Paula Mittelmann. O tráfico de pessoas para fins de trabalho escravo no Brasil e no
Chile: uma análise comparativa. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-30, 2021.
O Protocolo de Palermo, importante instrumento internacional de combate ao tráfico
de pessoas, entrou em vigor internacional em 2003. No Chile, foi promulgado, em 2004, pelo
Decreto Supremo 342. Em 2005, foi apresentado o projeto de lei que, após longo tempo de
discussão, deu origem à Lei 20.507, tipificando o tráfico de pessoas somente em 8 de abril de
2011, com a inclusão do artigo 411 no Código Penal chileno. Não há nenhum artigo que aborde
direta e isoladamente o trabalho escravo, no entanto, o artigo acerca do tráfico de pessoas
traz como uma de suas finalidades a conduta de submeter a vítima à condição de objeto de
trabalhos forçados, servidão ou escravidão e práticas análogas a essa. O artigo traz diversos
termos, ou seja, um conceito amplo do trabalho escravo.
Aquele que mediante violência, intimidação, coação, engano, abuso de
poder, aproveitamento de uma situação de vulnerabilidade ou de
dependência da vítima, ou a concessão ou recepção de pagamentos ou
outros benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha
autoridade sobre outra capte, transfira, acolha ou receba pessoas para que
essas sejam objeto de alguma forma de exploração sexual, incluindo a
pornografia, trabalhos ou serviços forçados, servidão, escravidão ou práticas
análogas a esta, ou extração de órgãos, será castigado com a pena de
reclusão maior em seus graus mínimo a médio e multa de cinquenta a cem
unidades tributárias mensais.
Se a vítima for menor de idade, ainda que não ocorra violência, intimidação,
coação, engano, abuso de poder, aproveitamento de uma situação de
vulnerabilidade ou de dependência da vítima, ou a concessão ou
recebimento de pagamentos ou outros benefícios para obter o
consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra, se
imposta as penas de reclusão maior em seu grau médio e multa de cinquenta
a cem unidades tributárias mensais.
Aquele que promova, facilite ou financie a execução das condutas descritas
neste artigo será sancionado como autor do delito (tradução livre)
31
.
31
El que mediante violencia, intimidación, coacción, engaño, abuso de poder, aprovechamiento de una situación
de vulnerabilidad o de dependencia de la víctima, o la concesión o recepción de pagos u otros beneficios para
obtener el consentimiento de una persona que tenga autoridad sobre otra capte, traslade, acoja o reciba personas
para que sean objeto de alguna forma de explotación sexual, incluyendo la pornografía, trabajos o servicios
forzados, servidumbre o esclavitud o prácticas análogas a ésta, o extracción de órganos, será castigado con la
pena de reclusión mayor en sus grados mínimo a medio