Recebido em: 29/11/2024
Aprovado em: 17/12/2024
[Tradução]
TRABALHO: Corpos de extração e a produção de ambientes
urbanos
LABOR: Bodies of extraction and the
making of urban environments
TRABAJO: Cuerpos de extracción y la
creación de entornos urbanos
Martín Arboleda
Universidad Diego Portales, Santiago (CHILE)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8612-763X
VERSÃO ORIGINAL
ARBOLEDA, Martín. LABOR: Bodies of Extraction and the Making of Urban
Environments. Planetary mine: territories of extraction under late
capitalism. London: Verso, 2020.
TRADUÇÃO
Gustavo de Oliveira Correa [tradução]
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5090987787444945
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8136-3369
Gustavo Seferian [revisão]
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6051232864493698
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-5587-6734
RESUMO
O texto questiona a condição atual da extração de riquezas por meio de uma
ênfase nas geografias do trabalho resultantes de uma base tecnológica
atualizada de produção e circulação de minerais. Por meio do caso
específico da cadeia de suprimentos de mineração no Chile, e de uma
perspectiva da teoria de valor, este artigo desafia a ideia de que a
automação significará o fim do trabalho. Ele mostra como a expansão dos
atributos produtivos dos trabalhadores responsáveis pelas partes mais
complexas do processo de mineração (modelagem geológica, engenharia,
programação de equipamentos, etc.) está diretamente conectada à
degradação daquele contingente cada vez maior de trabalhadores precários,
não assalariados, racializados e generificados. Sugerimos que o todo
produtivo que resulta da polarização interna das capacidades produtivas dos
órgãos do trabalhador coletivo não é conscientemente regulado, mas se
torna uma forma de existência do capital. Com isso, revela-se a centralidade
da mercantilização da força de trabalho para a produção capitalista do
espaço. A exploração de uma multiplicidade diversificada de trabalhos
2
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concretos se manifesta espacialmente por meio da produção de um tecido
de urbanização desigual e em expansão: cidades cosmopolitas, verdes e
inteligentes para os trabalhadores altamente qualificados da indústria de
mineração; cidades poluídas, favelas e acampamentos superlotados para
suas forças de trabalho invisíveis e suas populações excedentes em
expansão.
PALAVRAS-CHAVE: cadeia de produção de minerária; geografias do
trabalho; produção capitalista do espaço; teoria do valor.
ABSTRACT
The text questions the present condition of resource extraction through an
emphasis on the geographies of labor resulting from an upgraded
technological basis of mineral production and circulation. Through the
specific case of the mining supply chain in Chile, and from a value-
theoretical perspective, this article challenges the idea that automation will
spell the end of work. It shows how the expansion of the productive
attributes of the workers in charge of the most complex parts of the mining
process (geological modeling, engineering, programming of equipment,
etc.) is directly connected to the degradation of those of an ever increasing
contingent of precarious, non-wage, racialized, and gendered workers. It is
suggested that the productive whole that results from the internal
polarization of the productive capacities of the organs of the collective
laborer is not consciously regulated but becomes a form of existence of
capital. With this, I reveal the centrality of the commodification of labor-
power to the capitalist production of space. The exploitation of a diverse
multiplicity of concrete labors manifests itself spatially through the
production of an uneven, expanding fabric of urbanization: cosmopolitan,
green, and smart cities for the highly skilled workers of the mining industry;
polluted towns, shanty towns, and overcrowded camp sites for its invisible
workforces and its expanding surplus populations.
KEYWORDS: capitalist production of space; geographies of labor; mining
supply chain; theory of value.
RESUMEN
El texto cuestiona la condición actual de la extracción de recursos a través
de un énfasis en las geografías del trabajo resultantes de una base
tecnológica mejorada de producción y circulación de minerales. A través del
caso específico de la cadena de suministro minera en Chile, y desde una
perspectiva de teoría del valor, este capítulo desafía la idea de que la
automatización significará el fin del trabajo. Muestra cómo la expansión de
los atributos productivos de los trabajadores a cargo de las partess
complejas del proceso minero (modelado geológico, ingeniería,
programación de equipos, etc.) está directamente relacionada con la
degradación de un contingente cada vez mayor de trabajadores precarios,
no asalariados, racializados y generizados. Es sugerido que el conjunto
productivo que resulta de la polarización interna de las capacidades
3
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productivas de los órganos del trabajador colectivo no está regulado
conscientemente, sino que se convierte en una forma de existencia del
capital. Con esto, revelo la centralidad de la mercantilización de la fuerza
de trabajo para la producción capitalista del espacio. La explotación de una
multiplicidad diversa de trabajos concretos se manifiesta espacialmente a
través de la producción de un tejido de urbanización desigual y en
expansión: ciudades cosmopolitas, verdes e inteligentes para los
trabajadores altamente calificados de la industria minera; pueblos
contaminados, barrios marginales y campamentos superpoblados para su
fuerza de trabajo invisible y su población excedente en expansión.
PALABRAS CLAVE: cadenas de producción minera; geografías del trabajo;
producción capitalista del espacio; teoría del valor.
INTRODUÇÃO
A mina é apenas homem,
o minério não emerge da terra,
ele sai do peito humano,
lá, toca-se a floresta morta,
as artérias do vulcão suspenso,
a veia é identificada, a perfuração acontece e a dinamite explode,
a rocha é derramada, purificada:
o cobre está nascendo.
Ninguém nunca saberá como diferenciar ele da mãe rocha
Neruda
1
1
Tradução nossa do original:
The mine is only man,
the mineral doesn’t emerge from the earth,
it leaves the human chest,
there one touches the dead forest,
the arteries of the suspended volcano,
the vein is identified, perforation takes place and dynamite explodes,
the rock is spilled, purified:
copper is being born.
No one will know how to differentiate it from the mother rock
NERUDA, Pablo. All the odes. New York: Farrar Straus Giroux, 2017, p.168-169.
4
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O Chile é o maior fornecedor de cobre para o mundo, responsável por 40% de
todas as exportações mundiais
2
. Também abriga alguns dos maiores depósitos de
lítio, o que significa que muito das baterias elétricas que sustentam a vida urbana
contemporânea se origina das paisagens secas dos platôs andinos. A maior parte da
extração mineral é realizada através de mineração a céu aberto e em larga escala,
e localizada na parte norte do país, especialmente na região biogeográfica que se
configura em torno do Deserto do Atacama. Da região orientada para a exportação,
Antofagasta é o principal centro econômico no sistema urbano. As minas de cobre
próximas produzem 30% das exportações chilenas, os reservatórios de lítio e
refinarias localizadas na região vizinha, Salar del Carmen, produz 130 toneladas de
carbonato de lítio todos os dias. Isso é aproximadamente 48.000 toneladas de lítio
por ano, o suficiente para produzir cerca de 43 bilhões de Iphones
3
. Em decorrência
da escala de extração mineral, Antofagasta possui quatro portos internacionais que
operam com tecnologia de ponta para manuseio de carga, com dedicação quase
exclusiva para a indústria mineradora.
Assemelhando-se a uma versão menos exagerada dos universos urbanos
distópicos como Sandstorm de Ai Weiwei e Mad Max de George Miller, a
infraestrutura tecnológica que constantemente bombeia minerais para os portos
antofagastinos cruzam uma paisagem desconcertante, árida e fraturada, na qual
riqueza e miséria coexistem lado a lado. Por conta de 96% das exportações de
Antofagasta serem minérios
4
, a paisagem urbana foi fragmentada entre zonas
diretamente ligadas à cadeia produtiva de extração e outras que aspiram fazer o
mesmo, mas foram deixadas de lado. Os quarteirões ricos da cidade intercalam-se
entre shoppings centers e residências suntuosas com piscinas, quadras de tênis e
carros de luxo. Em oposição aos pequenos condomínios fechados de consumo
opulento destinados aos trabalhadores assalariados da indústria mineradora estão as
2
ARIAS, Martín; ATIENZA, Miguel; CADEMARTORI, Jan. Large mining enterprises and regional
development in Chile: between the enclave and cluster. Journal of Economic Geography, v. 14, n.
1, 2013, p. 82.
3
MERCHANT, Brian. The one device: the secret history of the iPhone. New York: Back Bay
Books/Little, Brown And Company, 2018, p. 119.
4
ARIAS, Martín.; ATIENZA, Miguel.; CADEMARTORI, Jan. Large mining enterprises and regional
development in Chile: between the enclave and cluster. Journal of Economic Geography, v. 14, n.
1, 2013, p. 82.
5
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periferias escuras dos trabalhadores terceirizados, precarizados e informais. A
crescente desigualdade de rendimentos resultante da capitalização da indústria
mineradora e o crescimento da complexidade na divisão técnica do trabalho
empurrou a maior parte da população local em direção a periferias empobrecidas
dessa Potosí
5
dos dias atuais.
Enfrentando aluguéis crescentes, uma parte considerável dessas comunidades
deslocadas não tiveram outra escolha senão habitarem favelas abarrotadas ou
acampamentos precários, conhecidos informalmente como campamentos
6
. Os altos
salários oferecidos pela indústria mineradora, entretanto, continuam a atrair as
classes baixas empobrecidas do país e da América Latina, especialmente da Bolívia,
Peru, Equador e Colômbia
7
. O fluxo de trabalho migrante barato deu luz a novas
preocupações econômicas e raciais dentro do já sobrecarregado mercado de trabalho
e têm sido fundamentais para diferenciar os trabalhadores por atributos como
cidadania, gênero e raça. Mais do que um resultado direto da circulação de riqueza
mineral, esses espaços polarizados e fraturados de urbanização são melhor
entendidos como manifestações de modos de mercadorização da força de trabalho,
gravados nos corpos dos habitantes da cidade, seus prédios, ruas e infraestrutura.
Longe de ser uma formação socioespacial anômala ou uma tipologia urbana
específica da produção de produtos primários, Antofagasta é um verdadeiro
microcosmo que encapsula as reconfigurações recentes na composição socio-técnica
da classe trabalhadora global, trazidas pelas mudanças tecnológicas e concentração
da riqueza social que são próprias da era industrial atual. Contudo, as mudanças
geográficas do trabalho que seguiram os crescentes níveis de automação na produção
5
Nota do tradutor (N.T.): Potosí é uma região da Bolívia, conhecida desde o período colonial por ter
sido um dos principais centros de mineração de prata. Por conta da forte ocupação colonial na região,
a violência contra a natureza e as populações originárias da região gerou um exemplo de degradação
pela mineração.
6
THODES MIRANDA, Emilio. Segregación socioespacial en ciudades mineras: el caso de Antofagasta,
Chile. Notas de Población, v. 43, n. 102, p. 203227, 2016; TECHO. Catastro de Campamentos 2016:
el número de famílias en campamentos no deja de aumentar. 2016. Disponível em:
https://issuu.com/techochile/docs/catastro_campamentos_2016. Acesso em: 28 set. 2024.
7
LIBERONA CONCHA, Nanette. La frontera cedazo y el desierto como aliado: Prácticas institucionales
racistas en el ingreso a Chile. Polis (Santiago), v. 14, n. 42, p. 143165, 2015; ECHEVERRI, María
Margarita. Otredad racializada en la migración forzada de afrocolombianos a Antofagasta (Chile).
Nómadas, n. 45, p. 91103, 2016.
6
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de produtos primários estão longe de apontar para uma virada em direção a uma
sociedade “pós-trabalho” e, consequentemente, para uma dissolução da classe
trabalhadora, como Merrifield
8
- revisitando o trabalho de Lefebvre de 1972 “La
pensée marxiste et la ville” - supunha
9
. Nesse sentido, o objetivo deste capítulo é o
de trazer para primeiro plano a (contínua) centralidade do trabalho vivo para a
produção do espaço na sociedade moderna. Com isso, também busco problematizar
a distinção entre a extração de minerais da natureza inorgânica e a extração de mais
valor do corpo humano no processo do trabalho. De acordo com Mbembe
10
, a
transformação dos camponeses, anteriormente livres, em corpos de extração - isto
é, corpos que extraem minérios e também se tornam depósitos vivos para a extração
de valor - tem sido um elemento intrínseco ao capitalismo desde sua gênese sombria
no tráfico de pessoas escravizadas transatlântico.
Ao destacar o papel dos corpos humanos no processo de extração, este
capítulo argumenta que a especificidade da mineração moderna tem como premissa,
acima de tudo, a organização, engenharia e até reinvenção da subjetividade
produtiva humana
11
. Usando transformações recentes na indústria de mineração
8
MERRIFIELD, Andy. The planetary urbanization of non-work. City, v. 17, n. 1, p. 2036, 2013.
9
A ideia de uma sociedade pós-trabalho tem como premissa uma correlação direta e mecanicista entre
automação e destruição de empregos, em que a primeira é vista como invariavelmente
desencadeadora da segunda. Entre certas variantes da esquerda acadêmica, a ideia da “sociedade
pós-trabalho” tem sido fundamental para uma rubrica de socialismo utópico (e até mesmo
prometeico), em que as máquinas ou outros sistemas tecnológicos realizam a maior parte do trabalho
necessário para a reprodução da sociedade e os seres humanos têm mais tempo para se dedicar à
“atividade livre” (para uma visão geral: FRASE, Pete. Post-Work: A Guide for the Perplexed. Jacobin,
2013. Disponível em: https://jacobin.com/2013/02/post-work-a-guide-for-the-perplexed. Acesso
em: 28 set. 2024) (para uma visão mais recente e sistemática ver: SRNICEK, Nick; WILLIANS, Alex.
Inventing the Future: Postcapitalism and a World without Work. London: Verso, 2015). Lefebvre
[1972] desenvolve uma versão espacializada da hipótese do pós-trabalho ao afirmar, em um tom um
tanto enigmático, que a aceleração da automação provocaria o desaparecimento simultâneo da
cidade e do trabalho (LEFEBVRE, Henri. Marxist Thought and the City. Minneapolis: University of
Minnesota Press, 2016). Merrifield constrói a partir desse pensamento lefebvriano, sugerindo que o
desemprego é estruturalmente inseparável da dinâmica de urbanização e sua expansão em escala
planetária (MERRIFIELD, Andy. The planetary urbanization of non-work. City, v. 17, n. 1, p. 2036,
2013).
10
MBEMBE, Joseph-Achille. Crítica de la razón negra: ensayo sobre el racismo contemporáneo.
Barcelona: Futuro Anterior Ediciones, 2016.
11
O termo “subjetividade produtiva” tem como objetivo capturar a dupla dimensão da força de
trabalho à medida que ela é incorporada pelo corpo de seu portador vivo. Por um lado, os atributos
produtivos dos trabalhadores envolvem as características estritamente materiais ou técnicas exigidas
pela complexidade e particularidade das tarefas executadas. Por outro lado, a subjetividade
produtiva também diz respeito aos “atributos morais”, entendidos como as formas gerais de
7
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como um ponto de partida analítico e a partir de uma perspectiva teórico-valorativa,
meu objetivo é de ilustrar como o aumento da composição orgânica do capital
acarreta uma tendência simultânea de redução do número de trabalhadores
envolvidos no trabalho produtivo (isto é, o trabalho que produz mais valor) e expandir
o número envolvido no trabalho improdutivo (isto é, o trabalho envolvido na
realização do valor). Como Maria Mies
12
aponta, o lado invisível e escondido do
sistema salarial capitalista inclui todas as formas de trabalho não remunerado
realizado por mulheres, agricultores de subsistência, trabalhadores sob contrato de
servidão, escravizados e populações excedentes relativas. Longe de ser exterior a
ele - ou “pós-trabalho - como geralmente é considerado, essas constelações
crescentes de trabalho improdutivo (a partir de uma perspectiva teórico-valorativa)
são, na realidade, o alicerce sobre o qual o sistema salarial como um todo é
construído e se torna possível.
Talvez um dos aspectos mais negligenciados, porém geradores, da tese da
produção da natureza de Neil Smith
13
seja o fato de ele considerar que a produção
da natureza inclui as configurações assumidas pela consciência humana no processo
de trabalho. A produção da natureza, daqui em diante, também se preocupa
fundamentalmente com a produção e até mesmo com a reinvenção do ser humano
como sujeito produtivo. Pelo fato de o trabalho ser o “caldeirão” onde a unidade
entre as naturezas humana e não humana é concretamente realizada, a questão do
trabalho vivo é fundamental para compreender plenamente a produção e a
destruição criativa do espaço social sob o capitalismo. Foi a leitura profundamente
relacional e pós-cartesiana de Marx da realidade social que colocou o trabalho vivo
no centro do metabolismo da sociedade moderna, afirmando que, por meio do
consciência e auto compreensão que tornam determinados trabalhadores adequados a tipos
específicos de atividade produtiva (STAROSTA, Guido. Revisiting the New International Division of
Labour Thesis. In: CHARNOCK, G.; STAROSTA, G. (Orgs.) The New International Division of Labour.
International Political Economy Series. Palgrave Macmillan, London. 2016, p. 19).
12
MIES, Maria. Patriarchy and Accumulation on a World Scale: Women in the International Division
of Labour. London: Zed Books Ltd., 2014.
13
SMITH, Neil. Uneven development: nature, capital, and the production of space. Londres: Verso,
1984.
8
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trabalho, o indivíduo “agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio
desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza.
14
A reorganização da indústria de mineração em cadeias produtivas globais,
como irei argumentar posteriormente, depende da produção de um organismo
industrial alienado e polarizador - o trabalhador coletivo - cuja constituição material
depende da distribuição desigual de atributos produtivos entre seus órgãos. A
existência dessa forma de vida socio-material é baseada, simultaneamente, na
expansão da subjetividade produtiva dos trabalhadores encarregados das partes mais
complexas do processo de trabalho (i.e., engenheiros, cientistas, geólogos,
financistas) e na degradação dos trabalhadores que atuam como meros apêndices
das infraestruturas tecnológicas ou que executam tarefas manuais ou de baixa
qualificação nas “economias de serviços” em expansão que gravitam em torno das
empresas de mineração (i.e., vendedores ambulantes, jardineiros, trabalhadores da
alimentação, prostituição). A consolidação desse segundo grupo, como esse capítulo
irá ilustrar, depende do ataque sistemático às formas de sociabilidade rural,
comunitária e agrária que foram associadas ao superciclo das commodities - um
fenômeno que é parte integrante do fator de impulso socioespacial generalizado ao
qual os estudiosos dos estudos agrários se referem como “descampezinação
global”
15
. Com base em reinterpretações recentes da noção marxiana de trabalhador
coletivo
16
, argumento que a capacidade produtiva que resulta desse organismo
14
Conforme a tradução para o português em: MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política,
Livro I: O processo de produção do capital. Trad. Rubens Enderle, São Paulo, Boitempo, 2013, p. 327.
N.T.: os trechos mais longos de citação direta deste texto são do livro 1 do Capital. Por conta de as
traduções para o inglês serem substancialmente diferentes das brasileiras, entendemos ser mais
adequado nos utilizarmos da principal tradução circulada hoje no Brasil, a tradução realizada pela
Boitempo. Este trecho no original: “acts upon external nature and changes it, and in this way …
simultaneously changes his own nature.”
15
ARAGHI, Farshad. Global Depeasantization: 1945-1990, Sociological Quarterly, Vol. 36, No. 2, p.
337-368, 1995; ARAGHI, Farshad. Accumulation by Displacement: Global Enclosures, Food Crisis, and
the Ecological Contradictions of Capitalism. Review (Fernand Braudel Center), 32(1), p. 113146,
2009
; MCMICHAEL, Philip. Peasant prospects in the neoliberal age. New Political Economy, v. 11, n.
3, p. 407418, set. 2006;
VANHAUTE, Eric. Peasants, Peasantries and (de) Peasantization in the
Capitalist World-System. Routledge, p. 313-321, 2012; KAY, Cistóbal. La transformación neoliberal
del mundo rural: procesos de concentración de la tierra y del capital y la intensificación de la
precariedad del trabajo. Revista Latinoamericana de Estudios Rurales, v. 1, n. 1, p. 126, 16 jul.
2016.
16
POSTONE, Moishe. Time, labor, and social domination: a reinterpretation of Marx’s critical theory.
Cambridge England ; New York: Cambridge University Press, 2006
; IÑIGO CARRERA, Juan. El Capital:
9
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industrial multiescalar, heterogêneo e transnacional, funcionando como um todo,
não é conscientemente regulada por nenhum de seus órgãos, mas sim capturada e
invertida em poderes de um sistema alienígena de dominação social.
Ao colocar a questão da exploração da mão de obra no centro de uma teoria
do desenvolvimento geográfico desigual, minha intenção é oferecer um contraponto
às ideologias externalistas da natureza que Smith considerava tão difundidas, até
mesmo na teoria social crítica e voltada para o meio ambiente
17
. Também se
demonstra que, não se trata da dissolução da classe trabalhadora global, as
mudanças tecnológicas e a expansão industrial desencadeadas pela era industrial
atual implicaram em um grau de proletarização e de subsunção real da humanidade
ao capital sem precedentes na história humana. A manifestação espacial desse
processo tem sido um tecido de urbanização fragmentado e em expansão, no qual
cidades globais ricas, metrópoles tecnológicas, e uma constelação de favelas em
franca expansão se misturam fortemente por meio de uma miríade de fluxos
metabólicos. Uma medição estatística precisa do tamanho do trabalhador coletivo
global seria, obviamente, impossível, dado o dinamismo que é intrínseco à noção de
classe. Contudo, Ferguson e Mcnally
18
alegam que, em números aproximados, a
classe trabalhadora global cresceu pelo menos dois terços (e possivelmente até
mesmo dobrou) durante o período neoliberal, de algo entre 1,5 bilhão que
razón histórica, sujeto revolucionario y consciencia. Buenos Aires: Imago Mundi, 2013; STAROSTA,
Guido. Revisiting the New International Division of Labour Thesis. In: CHARNOCK, G.; STAROSTA, G.
(Orgs.) The New International Division of Labour. International Political Economy Series. Palgrave
Macmillan, London. 2016.
17
Uma concepção externalista da natureza, de acordo com Smith, envolve considerar o processo de
vida humana como ontologicamente diferente daquele das naturezas extra-humanas. Uma abordagem
verdadeiramente dialética e pós-cartesiana da natureza deveria, então, incluir o humano e o não-
humano na natureza: uma unidade diferenciada, mas, ainda assim, uma unidade. A espécie humana
seria uma entre muitas outras na totalidade dinâmica e variada da natureza. Os estudos urbanos e os
estudos geográficos críticos, mesmo em suas variantes marxistas/marxistas, em grande parte
negligenciam o papel central das condições de mudança na materialidade do processo de trabalho
para a produção e reprodução contínuas dos mundos socio-naturais urbanos. O foco analítico
geralmente é colocado nos componentes fixos do capital (ou seja, infraestruturas, recursos naturais,
ambientes construídos, sistemas de maquinário), enquanto a verdadeira força alquímica, a fonte de
todo o mais-valor - e, portanto, do movimento interno de toda a riqueza social - é ignorada (SMITH,
Neil. Uneven development: nature, capital, and the production of space. Londres: Verso, 1984).
18
FERGUSON, Susan.; MCNALLY, David. Precarious migrants: gender, race and the social reproduction
of a global working class. Socialist Register, 2015. Disponível em:
https://maal3mal.wordpress.com/wp-content/uploads/2017/05/sue-ferguson-david-mcnally-
precarious-migrants.pdf. Acesso em: 27 set. 2024, p. 9.
10
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dependiam da venda de sua força de trabalho em 1980 para 3 bilhões em 2015 - com
mais de metade desse número compondo o exército de reserva global. A próxima
seção, portanto, começa desenvolvendo algumas ferramentas conceituais e
metodológicas para dar sentido à base territorial desses processos de
mercantilização da força de trabalho.
1 O Trabalhador Coletivo e a Produção da Natureza
De acordo com Neil Smith
19
, com o desenvolvimento de tecnologias industriais
para a produção capitalista, a unidade material da sociedade e da natureza se
reproduz em uma forma mais avançada do que nunca. Portanto, com a generalização
das relações de produção e troca de mercadorias, indivíduos e geografias
anteriormente isolados, tornaram-se unidos em um conjunto social complexo. Como
resultado de sua natureza intrinsecamente auto expansiva, o capital tem a tendência
imanente de revolucionar as condições materiais da produção social e englobar
extensões cada vez maiores do espaço geográfico. Na medida em que o processo de
revolucionar as forças de produção é necessariamente o resultado de uma maior
cooperação social, Van der Pijl
20
observa como a sociedade capitalista se desenvolve
sob dois aspectos contraditórios: desigualdade social resultante da extrapolação de
fronteiras de mercadorização através do espaço, e interdependência planejada ou
socialização do trabalho (Vergesellschaftung). Expansão capitalista é, desde o
princípio, dependente dos ímpetos de cooperação e associação que são intrínsecos à
espécie humana.
Se a produção de consciência é parte integrante da produção da vida material
geral, como Smith está certo em sugerir, então, a produção dos trabalhadores e suas
formações subjetivas específicas são uma condição prévia para sua socialização.
Embora o trabalho e a produção dos trabalhadores não sejam específicos da
19
SMITH, Neil. Uneven development: nature, capital, and the production of space. Londres: Verso,
1984. p.65.
20
PIJL, Kees van der. International Relations and Capitalist Discipline. In: ALBRITTON, R.; ITOH, M.;
WESTRA, R.; ZUEGE, A. (Orgs.) Phases of Capitalist Development. Palgrave Macmillan, London.
2001.
11
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e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 7, p. 1-51, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.267.
sociedade moderna, é importante destacar que, nos Manuscritos de Paris
21
, o jovem
Marx considera que a especificidade da atividade produtiva sob o capitalismo emana
do caráter alienado do trabalho. Como ela vende sua única mercadoria (força de
trabalho) ao capitalista para reproduzir sua vida material, o/a trabalhador(a) não
possui o produto de seu trabalho e, em vez disso, está relacionado(a) a ele como um
objeto estranho. Isso significa não apenas que o trabalho se torna uma existência
externa para os trabalhadores, mas que ele existe fora deles e começa a confron-
los como um poder externo e antagônico. Por esse motivo, e como observa Starosta
22
,
o processo de reprodução da vida humana sob o capitalismo é uma forma concreta
de existência essencialmente invertida, em que o objeto domina o sujeito. Conforme
essas formas de alienação das potências da espécie humana evoluem, explica
Postone
23
, os trabalhadores são subsumidos ao capital, tornando-se um modo
particular de sua existência.
A forma do capital depende da apropriação das capacidades e potencialidades
vitais dos trabalhadores individuais e do poder coletivo que resulta da sua
socialização. Quando os trabalhadores cooperam de acordo com um plano, como
ilustrado por Marx no volume 1 de O Capital, as forças produtivas do indivíduo
aumentam e seus “espíritos vitais”
24
são estimulados, mas isso também resulta na
“criação de uma força produtiva que tem de ser, por si mesma, uma força de
massas”
25
. Com o desdobramento progressivo dessas formas de interação
cooperativa, continua Marx, o trabalhador “supera suas limitações individuais e
desenvolve sua capacidade genérica [Gattungsvermögen]”
26
. O resultado, destaca
21
N.T.: no Brasil, foram publicados como “Manuscritos Econômicos-Filosóficos de 1844”.
22
STAROSTA, Guido. Marx’s Capital, Method and Revolutionary Subjectivity. Boston: Brill, 2015.
23
POSTONE, Moishe. Time, labor, and social domination: a reinterpretation of Marx’s critical theory.
Cambridge England; New York: Cambridge University Press, 2006. p. 328.
24
N.T.: no original “animal spirits”, mantivemos “espíritos vitais” no texto, mantendo a unidade com
a tradução da editora Boitempo (MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política, Livro I: O
processo de produção do capital. Trad. Rubens Enderle, São Paulo, Boitempo, 2013).
25
N.T.: no original: “the creation of a new productive power, which is intrinsically a collective one.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política, Livro I: O processo de produção do capital. Trad.
Rubens Enderle, São Paulo, Boitempo, 2013. p. 498.
26
N.T.: “strips off the fetters of his individuality and develops the capability of his species.” MARX,
Karl. O Capital: crítica da economia política, Livro I: O processo de produção do capital. Trad. Rubens
Enderle, São Paulo, Boitempo, 2013. p 502.
12
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Postone
27
, é a criação de um trabalhador coletivo, um tipo de “máquina” formada a
partir da combinação de trabalhadores individuais especializados. A tomada ou
apropriação da força de massas que emerge da cooperação entre indivíduos,
entretanto, não é historicamente específica. Através da noção de megamáquina,
Mumford
28
mostra que os princípios arquetípicos da automação, mais tarde
consolidados no início da primeira revolução industrial, foram introduzidos nas
sociedades antigas como um meio de aprimorar e sistematizar o trabalho humano. A
aplicação de medidas precisas, regularidade compulsiva e cálculos científicos
abstratos para organizar o esforço humano, observa Mumford
29
, possibilitou as obras
colossais de engenharia que marcaram a Era das Pirâmides no Egito e na
Mesopotâmia.
Não obstante as características trans-históricas que sustentam o
aproveitamento das forças socio-naturais que emergem da cooperação humana, é
importante enfatizar a especificidade histórica da noção marxiana de trabalhador
coletivo. Na esteira das revoluções tecnológicas que se seguiram à introdução
original de sistemas de maquinário automatizado nos séculos XVIII e XIX, o conjunto
de trabalhos vivos e mortos alcançou uma nova síntese. Com o desenvolvimento da
base socio-cnica da produção capitalista moderna, a natureza humana abstrata,
isto é, o trabalhador coletivo assume configurações cada vez mais sofisticadas e
inovadoras, exercendo seu comando sobre uma quantidade maior de trabalhos
individuais concretos
30
. As inovações em tecnologias de transporte, transporte de
carga e conteinerização, em particular, combinadas com as possibilidades
possibilitadas pela revolução da TI, permitiram um grau de integração sem
precedentes entre geografias de trabalho anteriormente desconectadas. Como
27
POSTONE, Moishe. Time, labor, and social domination: a reinterpretation of Marx’s critical
theory. Cambridge England; New York: Cambridge University Press, 2006. p.331.
28
MUMFORD, Lewis. Tool-Users vs. Homo Sapiens and the Megamachine. In: SCHARFF, Robert;
DUSEK, Val. (Orgs.), Philosophy of Technology: The Technological Condition. Malden: Blackwell,
2003.
29
MUMFORD, Lewis. Tool-Users vs. Homo Sapiens and the Megamachine. In: SCHARFF, Robert; DUSEK,
Val. (Orgs.), Philosophy of Technology: The Technological Condition. Malden: Blackwell, 2003.
30
Na realidade, uma das premissas gerais no debate sobre o Antropoceno é ver a espécie humana
como uma força da natureza (ALTVATER, Elmar. The Capitalocene, or, Geoengineering against
Capitalism’s Planetary Boundaries. In: MOORE, Jason W. (Org.), Anthropocene or Capitalocene?
Nature, History, and the Crisis of Capitalism. Oakland, CA: PM Press, 2016).
13
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e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 7, p. 1-51, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.267.
observa Deborah Cowen
31
, esses grandes saltos nas tecnologias industriais
“estenderam a fábrica” para muito além de si mesma, obscurecendo direta e
deliberadamente os limites entre o transporte e outras formas de trabalho produtivo.
Nessa “fábrica social global”, a qual foi totalmente materializada pela
mudança geoeconômica em direção ao Oceano Pacífico - discutida no capítulo
anterior
32
-, a construção de um proletariado global tornou-se, pela primeira vez na
história, uma possibilidade concreta. De acordo com Starosta
33
, essa mudança
histórica implicou a transformação dos modos de existência da classe trabalhadora
internacional, girando em torno de uma diferenciação qualitativa quádrupla.
Primeiramente, envolveu a expansão dos atributos produtivos dos trabalhadores
assalariados que executam as partes mais complexas do processo de trabalho - todas
as tarefas intelectuais e científicas exigidas pela automação da maquinaria. Como
Mandel
34
observou no início da terceira era da máquina, o ritmo frenético da
inovação tecnológica, característico da terceira revolução tecnológica, era
diretamente ligada à proletarização generalizada do trabalho intelectual e a
transformação da ciência em uma esfera independente de acumulação de capital por
si só.
Com a “explosão universitária”, fomentada por rápidos avanços no
investimento em pesquisa e desenvolvimento, observou Mandel
35
, a principal tarefa
das universidades não era mais produzir pessoas instruídas, mas sim assalariados
intelectualmente qualificados para a produção e circulação de mercadorias. O
resultado disso foi uma especialização excessiva que se traduziu em “idiotice
especializada” e em divisões intelectuais do trabalho arraigadas, o que, para
31
COWEN, Deborah. The deadly life of logistics: mapping violence in global trade. Minneapolis:
University Of Minnesota Press, 2014. p. 104.
32
N.T.: o presente texto, publicado como artigo neste dossiê, foi publicado originalmente como o 3º
capítulo do livro “Planetary mine: territories of extraction under late capitalism, portanto, em
alguns momentos o autor refere-se a outros capítulos do livro. Neste caso especificamente, refere-se
ao debatido no 2º capítulo, no qual o autor debate a relação entre a industrialização da China e dos
Tigres Asiáticos e a presença do imperialismo na América Latina, exercendo importante pressão
política e econômica, principalmente via obras de infraestrutura.
33
STAROSTA, Guido. Revisiting the New International Division of Labour Thesis. In: CHARNOCK, G.;
STAROSTA, G. (Orgs.) The New International Division of Labour. International Political Economy
Series. Palgrave Macmillan, London. 2016.
34
MANDEL, Ernest. Late capitalism. London; New York: Verso, 1978.
35
MANDEL, Ernest. Late capitalism. London ; New York: Verso, 1978, p. 261.
14
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Mandel
36
, tornou os trabalhadores intelectuais incapazes de compreender a
sociedade como um todo. A proliferação de assistentes de pesquisa, estudantes de
pós-graduação e professores adjuntos aguentando três empregos para poder cobrir
seus custos de reprodução, encarna a afirmação de Marx e Engels
37
de que a
burguesia retirou a auréola até mesmo das profissões mais honradas e respeitadas.
A noção de Ursula Huws
38
sobre o cibertariado descreve essa força de trabalho
intelectual emergente, cujos atributos produtivos expandidos contrastam com a
precariedade de suas condições de vida. Smith
39
argumenta que as teorias existentes
sobre a subsunção real da natureza tendiam a desviar desse elemento crucial, porque
a subordinação do mundo natural à ciência e à tecnologia capitalistas também
envolve a reinvenção da biologia humana e a dominação dos impulsos cooperativos
intrínsecos a ela.
Além do trabalho puramente intelectual, Starosta
40
mostra que a
mercantilização do trabalho científico também abrangeu a multiplicação da
capacidade humana de incorporar a ciência no processo imediato de produção. Esse
desenvolvimento será ilustrado na próxima seção, que discutirá a evolução da
composição técnica da mão de obra na indústria de mineração. Em segundo lugar, a
tendência de aprimorar os atributos produtivos de alguns órgãos do trabalhador
coletivo foi acompanhada pela desqualificação de outros, porque o conhecimento
codificado passou a ser incorporado mais diretamente às tecnologias industriais e,
portanto, o maquinário se emancipou ainda mais do trabalho vivo. Como Mumford
advertiu profeticamente, a vida após a morte da megamáquina na era da técnica
moderna estava destruindo as capacidades de atividades autônomas adquiridas pela
espécie humana ao longo de milênios, já que a massa residual de trabalhadores era
deixada para as tarefas triviais de “observar botões e mostradores e responder à
36
MANDEL, Ernest. Late capitalism. London ; New York: Verso, 1978, p. 265.
37
MARX, Karl.; ENGELS, Friedrich. The Communist Manifesto. Londres: J E Burghard, 1848.
38
HUWS, Ursula. Labour in the Global Digital Economy: The Cybertariat Comes of Age. Nova Iorque:
NYU Press, 2014.
39
SMITH, Neil. Nature as Accumulation Strategy. Socialist Register. v. 43, p. 1636, 2007.
40
STAROSTA, Guido. Revisiting the New International Division of Labour Thesis. In: CHARNOCK, G.;
STAROSTA, G. (Orgs.) The New International Division of Labour. International Political Economy
Series. Palgrave Macmillan, London. 2016.
15
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comunicação unidirecional e ao controle remoto”
41
. Uma terceira tendência
consistiu, então, na produção ampliada de processos de reintegração vertical, em
que as tarefas não mecanizadas atuam como um departamento externo da indústria
de grande escala. Como as centenas de milhares de trabalhadores que montam iPads
na Foxconn City, no Delta do Rio das Pérolas, exemplificam de forma paradigmática,
alguns setores continuam a depender muito das habilidades manuais dos
trabalhadores
42
. Outros setores, como o têxtil e certas formas de extração de
recursos (mineração de coltan - columbita-tantalita-, extração de borracha), têm
sido particularmente resistentes à mecanização, dada a impossibilidade de substituir
a sutileza dos movimentos da mão humana e outras restrições “naturais” do processo
de trabalho
43
.
Por fim, uma quarta camada desse padrão de diferenciação implica na
produção sistemática de populações excedentes que não são formalmente
empregadas, mas atuam como um “exército industrial de reserva”. Em geral
composta por camponeses anteriormente livres, migrantes precários e subclasses
urbanas, a população excedente tem funcionado tradicionalmente como um
mecanismo demográfico para pressionar os salários para baixo, garantindo um
suprimento constante de mão de obra barata (geralmente comercializada a um preço
abaixo do custo de reprodução) e para disciplinar a força de trabalho
44
. Por conta de
a população excedente relativa ser um subproduto da concentração da riqueza social
na sociedade capitalista, ela é geralmente interpretada como uma “externalidade”
da luta de classes propriamente dita. Contudo, por ter sido sistematicamente
41
MUMFORD, Lewis. Tool-Users vs. Homo Sapiens and the Megamachine. In: SCHARFF, Robert; DUSEK,
Val. (Orgs.), Philosophy of Technology: The Technological Condition. Malden: Blackwell, 2003. p.
350.
42
MCKAY, Steven. Satanic Mills or Silicon Islands? The Politics of High-Tech Production in the
Philippines. Ithaca: Cornell University Press, 2006; STAROSTA, Guido. The Outsourcing of
Manufacturing and the Rise of Giant Global Contractors: A Marxian Approach to Some Recent
Transformations of Global Value Chains. New Political Economy, v. 15, p. 543 - 563, 2010.
43
STAROSTA, Guido. Revisiting the New International Division of Labour Thesis. In: CHARNOCK, G.;
STAROSTA, G. (Orgs.) The New International Division of Labour. International Political Economy
Series. Palgrave Macmillan, London. 2016.
44
COWEN, Deborah; SICILIANO, Amy. Surplus Masculinities and Security. Antipode, v. 43, n. 5, p.
15161541, 2011; MCINTYRE, Michael. Race, Surplus Population and the Marxist Theory of Imperialism.
Antipode. V. 43, n. 5, p. 14891515, 2011; SOEDERBERG, Susanne. Debtfare States: Money, Discipline,
and the Relative Surplus Population. New York: Routledge, 2014.
16
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aproveitada como um instrumento para quebrar a solidariedade dos trabalhadores e
disciplinar as forças de trabalho, Marx a considera um elemento interno de
acumulação por si mesma. Para Marx:
[...] se uma população trabalhadora excedente é um produto necessário da
acumulação ou do desenvolvimento da riqueza com base capitalista, essa
superpopulação se converte, em contrapartida, em alavanca da acumulação
capitalista, e até mesmo numa condição de existência do modo de produção
capitalista.
45
Como resultado dessas transformações na materialidade do processo de
trabalho, duas tendências conflitantes explicam a produção e a reprodução contínua
do trabalhador coletivo global como uma forma de natureza planetária ou organismo
de trabalho. Primeiro, essas formas de exercício da força de trabalho humana não
existem isoladamente, mas têm como premissa uma interdependência e socialização
sem precedentes. Portanto, não é possível pensar na subjetividade produtiva dos
trabalhadores degradada em uma mina de coltan ou em uma fábrica de montagem
da Foxconn sem que os assalariados intelectuais em outros pontos da cadeia de
suprimentos codifiquem o conhecimento a ser incorporado aos instrumentos de
produção dos primeiros. Em segundo lugar, a tendência à socialização do trabalho se
desenvolve conjuntamente com a polarização interna do trabalhador coletivo, de
acordo com os diferentes atributos produtivos que seus membros incorporam. De
acordo com Starosta
46
, essa diferenciação crescente tem sido a base da formação de
espaços de acumulação nacionais e regionais distintos nas últimas quatro décadas.
Mas esses padrões de mercadorização da força de trabalho também foram projetados
no ambiente constrdo, gerando novas constelações de intensificação do uso da
terra, mudanças socioambientais e áreas de assentamento em escalas locais e
regionais.
45
N.T.: no original: “if a surplus population of workers is a necessary product of accumulation or the
development of wealth on a capitalist basis, this surplus population also becomes, conversely, the
lever of capital accumulation, indeed it becomes the condition for the existence of the capitalist
mode of production.”. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política, Livro I: O processo de
produção do capital. Trad. Rubens Enderle, São Paulo, Boitempo, 2013.
46
STAROSTA, Guido. Revisiting the New International Division of Labour Thesis. In: CHARNOCK, G.;
STAROSTA, G. (Orgs.) The New International Division of Labour. International Political Economy
Series. Palgrave Macmillan, London. 2016.
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Embora de âmbito planetário, a entidade socio-natural, que é o trabalhador
coletivo global, está longe de ser homogênea. Ela sempre depende da produção de
diferenciação interna com base em raça, gênero, diferença étnico-religiosa e
cidadania. Como Chibber
47
mostra em seu relato sobre a industrialização tardia na
Índia, a reprodução ampliada do capital depende da diferenciação racial e
sociocultural e, às vezes, cria até deliberadamente essa diversificação para garantir
sua reprodução contínua. Esse é um dos aspectos em que a imposição de
diferenciação racial, característica dos antigos imperialismos ocidentais, foi
reformulada e intensificada substancialmente para formas mais implacáveis e
abrangentes do que nunca. A produção de um “outro” cultural, típico da mentalidade
cartesiana do colonialismo ocidental, pode ter produzido certos efeitos econômicos
em estágios anteriores do desenvolvimento capitalista. Esses efeitos, entretanto,
existiam em relações de exterioridade com o movimento central da acumulação de
capital. Como demonstram Ferguson e McNally
48
, a produção de um mercado global
hierarquicamente estruturado de força de trabalho humana vinculou geografias do
trabalho em um todo social complexo, constituído por formas racializadas de
cidadania e não pertencimento. Quando vista nesses termos, sugerem esses autores,
a reprodução social da classe trabalhadora global denota processos de migração e
racialização que não são incidentais, mas inseparáveis da classe e do gênero
49
. Por
isso, Mezzadra e Neilson
50
argumentam que, em vez de ser um fenômeno colateral,
a racialização está no coração das modalidades pelas quais os portadores de força
de trabalho tornam-se estruturalmente produzidos como trabalhadores.
47
CHIBBER, Vivek. Postcolonial Theory and the Specter of Capital. London: Verso, 2013; TSING,
Anna. Supply Chains and the Human Condition. Rethinking Marxism, v. 21, n. 2, p. 148176, abr.
2009.
48
FERGUSON, Susan.; MCNALLY, David. PRECARIOUS MIGRANTS: GENDER, RACE AND THE SOCIAL
REPRODUCTION OF A GLOBAL WORKING CLASS. Socialist Register, 2015. Disponível em:
<https://maal3mal.wordpress.com/wp-content/uploads/2017/05/sue-ferguson-david-mcnally-
precarious-migrants.pdf>. Acesso em: 27 set. 2024.
49
FERGUSON, Susan.; MCNALLY, David. Precarious migrants: gender, race and the social reproduction
of a global working class. Socialist Register, 2015. Disponível em:
https://maal3mal.wordpress.com/wp-content/uploads/2017/05/sue-ferguson-david-mcnally-
precarious-migrants.pdf. Acesso em: 27 set. 2024. p. 3.
50
MEZZADRA, Sandro; NEILSON, Brett. On the multiple frontiers of extraction: excavating
contemporary capitalism. Cultural Studies, v. 31, n. 2-3, p. 185204, 17 mar. 2017, p. 20.
18
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A própria existência de espaços contemporâneos de produção, como
maquilas
51
, sweatshops na indústria têxtil, fábricas de montagem de componentes
eletrônicos e limpeza doméstica industrial, estão entre os produtos genuínos desse
processo de “alteridade” etno-racial como algo interno à produção da mercadoria
força de trabalho. As hodiernas geografias de extração, como veremos nas seções
seguintes, também são profundamente atravessadas pela diferenciação étnica, racial
e de gênero, bem como pela fragmentação e pelo desenvolvimento desigual dos
atributos produtivos dos trabalhadores.
2 Espaços e escalas do proletariado da mineração
O local de extração realiza uma dupla transformação alquímica. Ele alimenta
remotamente a vida de cidades distantes a partir do fornecimento de matérias-
primas que mais tarde serão remodeladas em forma urbana, assumindo a forma social
de mercadorias. No entanto, os espaços de extração também constituem um locus
de urbanização em si mesmos, pois exercem uma marca definitiva na geografia como
resultado de transferências de tecnologia, fluxos de investimento, mudanças nas
estruturas de interação e reconfiguração do ambiente construído. Desde o
surgimento da técnica moderna, quando os métodos e ideais da mineração se
tornaram o principal padrão para o esforço industrial em todo o mundo ocidental,
todo o ânimo e a mentalidade da mineração se expandiram para revolucionar todo o
organismo econômico e social no mundo rural
52
. Além de seus efeitos radicais sobre
o ambiente construído, Mumford
53
observou como a imprudência definitiva da
atitude de “enriquecimento rápido” da mineração estava desmantelando
sistematicamente a vida e a cultura rurais pré-modernas. Em uma linha semelhante,
51
N.T.: uma breve definição de maquilas: é um modelo industrial, fortemente aplicado na América
Latina, no qual compra-se matéria e componentes de países que os produzem, para aproveitando-se
de tecnologias de alta taxa de emprego de trabalho vivo, em países com baixos custos para tal, criam-
se produtos de maior valores agregados, que posteriormente são exportados.
52
MUMFORD, Lewis. Technics and civilization. Chicago: The University of Chicago Press, 2010.
53
MUMFORD, Lewis. Technics and civilization. Chicago: The University of Chicago Press, 2010.
19
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Van der Pijl
54
explica que a característica comum da imposição da disciplina do
capital à medida que coloniza seu exterior constitutivo reside na quebra do molde
tradicional da existência agrária pela mercadorização. Esse processo, sugere Van der
Pijl
55
, se manifesta de forma mais evidente na urbanização do campo. Nos espaços
contemporâneos de extração, a extensão da relação de mercadoria - e, portanto, do
espaço-temporalidade do capital - para a vida rural assumiu novas configurações
cada vez mais abrangentes. A evolução da composição social e técnica da mão de
obra no setor de mineração da América Latina reflete as mudanças tecnológicas
qualitativas que são intrínsecas à configuração atual do modo de produção capitalista
em geral. Talvez uma das tendências mais marcantes do setor de mineração seja sua
propensão a espelhar os regimes de organização industrial implementados no setor
de eletrônicos, especialmente no que diz respeito à crescente relevância e
participação de grandes empresas de prestação de serviço transnacionais no negócio
principal. O aumento da capitalização e da sofisticação tecnológica, desencadeado
pelo declínio dos teores minerais, aliado a estratégias gerenciais financeiramente
orientadas para agilizar e reduzir sistematicamente os custos operacionais, fez com
que a cadeia de suprimentos de mineração se assemelhasse às redes de produção
“modular” e “chave na mão”
56
descritas no capítulo anterior
57
. Em linhas gerais, isso
significa que o setor de mineração avançou em direção a uma combinação de
54
PIJL, Kees van der. International Relations and Capitalist Discipline. In: ALBRITTON, R.; ITOH, M.;
WESTRA, R.; ZUEGE, A. (Orgs.) Phases of Capitalist Development. Palgrave Macmillan, London.
2001.
55
PIJL, Kees van der. International Relations and Capitalist Discipline. In: ALBRITTON, R.; ITOH, M.;
WESTRA, R.; ZUEGE, A. (Orgs.) Phases of Capitalist Development. Palgrave Macmillan, London.
2001.
56
N.T: redes modulares diz respeito a ideia de que por meio de componentes basilares que possam
ser readaptados, produtos e indústrias possam se adaptar às necessidades de um mercado sem grandes
alterações estruturais. O aspecto de “chave na mão” ou turn-keys, versa sobre os setores,
principalmente ligados aos componentes mais básicos, que conseguem entregar todo um conjunto de
serviços enquanto fornecedores para outras empresas, sem a necessidade de possuírem toda uma
gama de tecnologias, trabalhadores especializados e até mesmo setores inteiros. Costumam ser
altamente automatizados e acabam por gerar uma separação entre a fabricação e o desenvolvimento
de tecnologia (STURGEON, Timothy J. Modular production networks: a new American model of
industrial organization. Industrial and Corporate Change, v. 11, n. 3, p. 451496, 2002. pp. 466; 467;
483).
57
STURGEON, Timothy J. Modular production networks: a new American model of industrial
organization. Industrial and Corporate Change, v. 11, n. 3, p. 451496, 2002; STAROSTA, Guido. The
Outsourcing of Manufacturing and the Rise of Giant Global Contractors: A Marxian Approach to Some
Recent Transformations of Global Value Chains. New Political Economy, v. 15, p. 543 - 563, 2010.
20
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flexibilidade operacional com reintegração vertical no topo da cadeia de
suprimentos. Embora a terceirização tenha tradicionalmente figurado como um
componente-chave da atividade de mineração, os últimos anos marcaram uma
mudança em direção a uma maior dependência de uma indústria de prestadores de
serviço em larga escala. Devido a essa nova configuração organizacional, as empresas
de mineração conseguiram tornar mercadoria forças de trabalho de complexidade
heterogênea sob uma visão industrial sistêmica.
Em 2004, a indústria de mineração de cobre no Chile investiu US$5 bilhões em
despesas operacionais, dos quais US$1,3 bilhão foi destinado à aquisição de bens e
insumos e US$1,7 bilhão a serviços não estratégicos
58
. Conforme a industrialização
no Leste Asiático avançou junto com a demanda internacional por matérias-primas,
as empresas de mineração tornaram-se cada vez mais dependentes de da indústria
de prestação de serviço. Em 2013, as empresas de mineração estavam alocando 60%
de seus custos operacionais para a aquisição de bens e serviços de terceiros
59
. Am
de ser um setor relativamente novo na economia chilena, a indústria de prestação
de serviços para mineração também se tornou muito dinâmica. Em 2010, havia 4.643
empreiteiros registrados, enquanto em 2012 o número subiu para 5.998, o que
significa que em apenas dois anos o setor cresceu 29%
60
. Além de seu dinamismo, o
tamanho do setor atesta a crescente relevância de prestadores de serviço para a
indústria de mineração como um todo. Em 2012, o setor foi responsável por 7,4% do
PIB do Chile, enquanto o setor de mineração como um todo foi responsável por 12%
61
.
Também em 2012, as prestadoras de serviço empregavam 712.697 trabalhadores sob
contrato de trabalho direto, o equivalente a 10% da população ativa do Chile
62
.
58
COCHILCO, Oportunidades de Negocios para Proveedores de Bienes, Insumos y Servicios Mineros
en Chile. Santiago: COCHILCO, 2005. p. 268, figura 1.
59
INNOVUM/FUNDACIÓN CHILE. Proveedores de la minería chilena: Estudio de caracterización 2014.
Santiago: Fundación Chile, 2014. p. 2.
60
INNOVUM/FUNDACIÓN CHILE. Proveedores de la minería chilena: Estudio de caracterización 2014.
Santiago: Fundación Chile, 2014. p. 2.
61
INNOVUM/FUNDACIÓN CHILE. Proveedores de la minería chilena: Estudio de caracterización 2014.
Santiago: Fundación Chile, 2014. p. 2 e 11.
62
FUNDACIÓN CHILE. Proveedores de la minería chilena: Estudio de caracterización 2012. Santiago:
Fundación Chile, 2012. p. 8.
21
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e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 7, p. 1-51, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.267.
As tarefas inicialmente terceirizadas no setor de mineração eram intensivas
em mão de obra e marginais à operação principal, como alimentação, albergues e
perfuração de poços, mas gradualmente começaram a incluir serviços mais
complexos, como previsão mineral, modelagem geológica e engenharia. A tendência
em direção a um maior grau de diversificação dos serviços prestados parece ter
decolado no setor de mineração sul-africano durante a década de 1990, quando poços
inteiros começaram a ser terceirizados
63
. No Chile, essa tendência evoluiu a ponto
de as grandes corporações transnacionais agora figurarem entre os principais atores
do setor de prestação de serviços para mineração. A Komatsu, a Siemens e a Finning
Cat estão entre as empresas que comumente operam ao lado de corporações
extrativistas em poços, minas e instalações industriais para processamento de
minerais
64
. A distribuição dos serviços terceirizados para prestadoras de serviço
ilustra a composição técnica em evolução da mão de obra nos setores extrativistas.
Tarefas de mão de obra intensiva, como transporte, alimentação e segurança,
constituem a maior porcentagem dos serviços prestados. As tarefas mais complexas
e capital-intensivas como construção, engenharia mecânica, equipamentos
industriais e elétricos, perfuração, esmagamento de minerais, explosivos e análises
laboratoriais, representam apenas 9% dos serviços terceirizados (veja figura 1)
63
KENNY, A.; BEZUIDENHOUT, B. Contracting, complexity and control: An overview of the changing
nature of subcontracting in the South African mining industry. Journal of the Southern African
Institute of Mining and Metallurgy, v. 99, n. 4, p. 185-191, 1999.
64
INNOVUM/FUNDACIÓN CHILE. Proveedores de la minería chilena: Estudio de caracterización 2014.
Santiago: Fundación Chile, 2014.
22
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e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 7, p. 1-51, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.267.
Figura 1: Distribuição dos serviços prestados ao setor de mineração no Chile.
Fonte: Innovum/Fundación Chile
65
Esses números revelam uma tendência que não é específica do setor de
mineração, mas sintomática de uma mudança geral na organização global do
trabalho, em que a tendência à automação se desenvolve juntamente com a
polarização interna entre os vários órgãos do trabalhador coletivo, de acordo com
seus atributos produtivos. Serviços de alta qualificação, como engenharia,
consultoria e análise laboratorial, dependem da expansão das capacidades
produtivas de um segmento da força de trabalho, de modo que as operações
principais da mina tendem a ser realizadas por um grupo de trabalhadores
assalariados bem remunerados e qualificados. Como as minas tendem a ser
geograficamente distantes das cidades, esse órgão “privilegiado” do trabalhador
coletivo é, quase sem exceção, composto por moradores da cidade com treinamento
acadêmico especializado e sem conexão com os locais de extração. Como observou
um funcionário da Codelco:
65
INNOVUM/FUNDACIÓN CHILE. Proveedores de la minería chilena: Estudio de caracterización 2014.
Santiago: Fundación Chile, 2014, p.8.
23
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[...] as novas gerações de engenheiros e técnicos não querem passar 12 horas
por dia presos no ambiente sujo e macabro de um poço ou cava de
mineração. Eles são “tecnológicos por natureza” e, por isso, preferem
operar a mina em locais remotos, usando joysticks e plataformas digitais
66
.
Quanto mais especializado for o trabalhador, mais longe ele geralmente mora
do local de extração. Os engenheiros mais qualificados geralmente moram em
Santiago ou em outras capitais latino-americanas e se deslocam para os locais de
extração quando necessário. Quando esses engenheiros visitam os locais, observa
Merchant
67
, eles se hospedam em “acampamentos de base luxuosos”, semelhantes a
“um pequeno hotel cinco estrelas com cerca de dez quartos e um chef particular
instalado em um estranho deserto alienígena”. O estilo de vida rico e extravagante
dos engenheiros de minas talvez não seja algo específico do século XXI. Como mostra
Gray Brechin
68
, a profissão de engenheiro de minas adquiriu uma estatura heroica,
quase divina, após a onda de inovação tecnológica e mecanização ligada à introdução
do motor de combustão interna no final do século XIX. O engenheiro de minas das
fases anteriores da mecanização, de acordo com Brechin, era “duro, mas refinado,
movendo-se tão facilmente em meio às fundições de Rand e Butte da África do Sul
(...) quanto nos palácios e bolsas das capitais europeias ou na Bolsa de Valores de
Nova York”
69
. Para um jovem ambicioso daquela época, Brechin considera que “uma
carreira na mineração oferece a chance de ganhar a riqueza capaz de impulsioná-lo
para a mesma casta olimpiana dos homens e mulheres para quem ele trabalhava”
70
.
Santiago do Chile, em particular, tornou-se uma das cidades mais atraentes
da América Latina para os trabalhadores altamente qualificados, financistas e
pessoal executivo do setor de mineração. Muitas empresas transnacionais e
empreiteiras se estabeleceram nessa movimentada cidade moderna. De acordo com
66
Entrevista com um executivo da mineração chileno realizada em 10 de janeiro de 2017.
67
MERCHANT, Brian. The one device: the secret history of the iPhone. New York: Back Bay
Books/Little, Brown And Company, 2018.
68
BRECHIN, Gray. Imperial San Francisco: Urban Power, Earthly Ruin. Berkeley: University of
California Press, 2006.
69
BRECHIN, Gray. Imperial San Francisco: Urban Power, Earthly Ruin. Berkeley: University of
California Press, 2006. p. 53.
70
BRECHIN, Gray. Imperial San Francisco: Urban Power, Earthly Ruin. Berkeley: University of
California Press, 2006. p. 53.
24
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e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 7, p. 1-51, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.267.
De Mattos
71
, os fatores que tornaram Santiago um centro atraente para as redes
corporativas transnacionais são suas infraestruturas de comunicação/transporte, sua
proximidade física com outras empresas, a disponibilidade de uma ampla gama de
serviços de produção, seus mercados de trabalho altamente diversificados e
qualificados e sua base industrial relativamente diversificada. Como resultado da
modernização urbana que se seguiu às transformações neoliberais do Chile após a
década de 1970, explica De Mattos, Santiago se posicionou cada vez mais como um
centro organizacional para operações econômicas globais, semelhante a outras
“cidades globais”
72
. De acordo com Riffo Pérez
73
, Santiago é onde as empresas e os
grupos econômicos que planejam, coordenam e controlam os setores orientados para
a exportação do Chile estabeleceram suas sedes. Talvez espelhando a crescente
terceirização de serviços e tarefas no setor de mineração, o setor de serviços
apresentou as taxas de crescimento mais rápidas em Santiago. Em termos gerais,
argumentou-se que a introdução de Santiago nas redes corporativas transnacionais
melhorou a composição técnica da força de trabalho local
74
. Não é de surpreender,
portanto, que 62% prestadoras de serviço do setor de mineração estejam sediadas
em Santiago
75
.
71
DE MATTOS, Carlos, Santiago de Chile: metamorfosis bajo un nuevo impulso de modernización
capitalista. In: DE MATTOS, Carlos; DUCCI, María Elena; RODRIGUEZ Alfredo; WARNER Gloria Yáñez
(Orgs.), Santiago en la globalización: una nueva ciudad?. Santiago: Ediciones SUR, 2005.
72
DE MATTOS, Carlos, Santiago de Chile: metamorfosis bajo un nuevo impulso de modernización
capitalista. In: DE MATTOS, Carlos; DUCCI, María Elena; RODRIGUEZ Alfredo; WARNER Gloria Yáñez
(Orgs.), Santiago en la globalización: una nueva ciudad?. Santiago: Ediciones SUR, 2005.
73
PÉREZ, Luis Riffo. Impactos de la globalización sobre los mercados de trabajo metropolitanos: El
caso de Santiago de Chile en la década de los noventa. Instituto Nacional de Estadísticas, 2004.
74
PÉREZ, Luis Riffo. Impactos de la globalización sobre los mercados de trabajo metropolitanos: El
caso de Santiago de Chile en la década de los noventa. Instituto Nacional de Estadísticas, 2004,
figura 2.
75
INNOVUM/FUNDACIÓN CHILE. Proveedores de la minería chilena: Estudio de caracterización 2014.
Santiago: Fundación Chile, 2014. p. 10.
25
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Figura 2: Crescimento do emprego em Santiago de acordo com o grupo ocupacional, 1992-2002,
expresso em milhares.
Fonte: Los impactos de la globalización
76
.
Para sua própria autopreservação, explica Mandel, o capital nunca poderia se
dar ao luxo de transformar todos os trabalhadores em cientistas, assim como o
poderia transformar toda a produção em automação
77
. Assim, concomitantemente
às formas expandidas de subjetividade produtiva necessárias para operar sistemas
mecanizados altamente sofisticados de extração e processamento de minerais, o
restante da cadeia de suprimentos de mineração gira em torno de tipos degradantes
de força de trabalho. Como na indústria de eletrônicos
78
, esse processo social se
sobrepõe às mediações formais de cidadania, raça, gênero e etnia às diferenciações
materiais de frações do proletariado da mineração. As formas degradadas de força
76
PÉREZ, Luis Riffo. Impactos de la globalización sobre los mercados de trabajo metropolitanos: El
caso de Santiago de Chile en la década de los noventa. Instituto Nacional de Estadísticas, 2004. p.
178.
77
MANDEL, Ernest. Late capitalism. London; New York: Verso, 1978. p. 208.
78
STAROSTA, Guido. The Outsourcing of Manufacturing and the Rise of Giant Global Contractors: A
Marxian Approach to Some Recent Transformations of Global Value Chains. New Political Economy,
v. 15, p. 543 - 563, 2010.
26
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de trabalho que atuam como apêndices dos sistemas industriais ou realizam tarefas
manuais, como limpar ou cozinhar, constituem a massa da força de trabalho. Sua
distribuição territorial muitas vezes entra em conflito com sua composição social, já
que a camada intermediária dessa força de trabalho vem de outros lugares do Chile
e, às vezes, até de países vizinhos. Como os projetos de mineração e energia tendem
a exigir grandes quantidades de mão de obra industrial não qualificada desse tipo
para trabalhar em turnos temporários “sete por sete” (sete dias no local, sete dias
fora), as cidades mineradoras têm recebido um grande número de populações
flutuantes
79
.
Esses trabalhadores temporários - informalmente chamados de faeneros pelas
comunidades locais - vêm de vários locais em caráter temporário, não têm vínculos
com a cidade anfitriã, geralmente são mal pagos e enfrentam acomodações
superlotadas. Como resultado, os males sociais que eram incomuns antes do boom
das commodities, como trabalho sexual, roubo, brigas de rua, abuso de drogas e
agressões sexuais, agora são comuns
80
. Como essas cidades tendem a ser intensivas
em infraestrutura de energia, logística e mineração, elas geralmente são
sobrecarregadas por altos níveis de poluição do ar, da água e sonora, uma
característica que afeta drasticamente a saúde pública e a qualidade de vida em
geral. Informalmente chamadas no Chile de zonas de sacrifício, esses são os
ambientes construídos que passaram a apoiar as modalidades de mercantilização da
força de trabalho, correspondentes aos órgãos do trabalhador coletivo que atuam
como apêndices de infraestruturas pesadas e sistemas de maquinaria. As práticas de
terceirização e subcontratação são predominantes entre esses segmentos da força
de trabalho, aumentando drasticamente nos últimos anos (ver figura 3). No setor de
mineração, assim como em muitos outros setores, os contratos temporários se
tornaram um terreno fértil para a desqualificação e a desigualdade de renda. Como
ilustra Cademartori
81
, em uma das maiores empresas de mineração em operação no
79
ARBOLEDA, Martín. In the Nature of the Non-City: Expanded Infrastructural Networks and the
Political Ecology of Planetary Urbanisation. Antipode. v. 48., n. 2, p. 233-2511, 2016.
80
ARBOLEDA, Martín. In the Nature of the Non-City: Expanded Infrastructural Networks and the
Political Ecology of Planetary Urbanisation. Antipode. v. 48., n. 2, p. 233-2511, 2016.
81
CADEMARTORI, Jan José. Inversión extranjera en el desarrollo de la región minera de
Antofagasta: historia y perspectivas. Antofagasta, Chile: Universidad Católica del Norte, 2010. p. 259.
27
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Chile, os trabalhadores diretamente empregados pela empresa ganham, em média,
254% a mais do que os contratados por prestadoras de serviço externas e locais.
Figura 3: Participação de trabalhadores subcontratados no setor de mineração do Chile, 1975-2004.
Fonte: ARIAS, Martín.; ATIENZA, Miguel.; CADEMARTORI, Jan. Large mining enterprises and regional
development in Chile: between the enclave and cluster. Journal of Economic Geography, v. 14, n.
1, 2013, p. 82.
Por fim, atuando como a camada inferior da força de trabalho da mineração,
há um outro órgão do trabalhador coletivo encarregado de tarefas não
mecanizadas/manuais, que pode ser considerado um “departamento externo” da
indústria de larga escala propriamente dita, conforme discutido na seção anterior.
Esse nível mais baixo abrange uma ampla gama de serviços que incluem atividades
formais, como limpeza, alimentação e segurança, bem como atividades menos
formais, como venda ambulante, empréstimo de dinheiro, turismo e trabalho sexual.
28
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Como observa Charmaine Chua
82
, a sofisticada base socio-técnica da logística
contemporânea está repleta de contradições semelhantes às do setor de mineração.
Por trás das fantasias homogeneizadoras dos aparatos mecânicos cinéticos e
regulados tal qual um relógio dos portos chineses, ela aponta, há uma economia
paralela de trabalhadores precários encarregados de bombear combustível sujo para
fora dos tanques, coletar lixo e sucata acumulados e limpar canos usados.
No setor de mineração chileno, os órgãos degradados do trabalhador coletivo
são polarizados e fragmentados internamente em termos dos atributos produtivos
que o capital exige de cada categoria de força de trabalho. Eles também são
profundamente diferenciados de acordo com aspectos etno-raciais e de gênero. Por
conta de o Chile ter desenvolvido processos relativamente homogêneos de
mestiçagem
83
em comparação com outros países da América Latina (como
Colômbia, Venezuela e Brasil), a questão racial só recentemente despertou o
interesse de acadêmicos e do público em geral. Embora não existam estudos
abrangentes sobre a racialização do trabalho no setor de mineração do Chile ou da
América Latina em geral, as evidências da África do Sul sugerem que as empresas de
mineração tendem a introduzir sistematicamente “códigos de cores”, de fato, para
diferentes categorias de força de trabalho
84
. Argumenta-se que isso constitui uma
estratégia gerencial para pressionar os salários para baixo, fragmentar a força de
trabalho e ampliar a disciplina do capital sobre o trabalho
85
. Conforme ilustrado por
Lüthje, Hürtgen, Pawlicki e Sproll
86
, os atributos etno-raciais e culturais também são
um elemento central na segmentação da força de trabalho no setor de fabricação de
produtos eletrônicos. De acordo com esses autores, as grandes prestadoras de serviço
82
CHUA, Charmaine. The Chinese Logistical Sublime and Its Wasted Remains. The Disorder of Things,
2015. Disponível em: https://thedisorderofthings.com/2015/02/07/the-chinese-logistical-sublime-
and-its-wasted-remains/. Acesso em: 28 set. 2024.
83
N.T.: foi o termo utilizado pelo autor mestizaje.
84
KENNY, A.; BEZUIDENHOUT, B. Contracting, complexity and control: An overview of the changing
nature of subcontracting in the South African mining industry. Journal of the Southern African
Institute of Mining and Metallurgy, v. 99, n. 4, p. 185-191, 1999.
85
KENNY, A.; BEZUIDENHOUT, B. Contracting, complexity and control: An overview of the changing
nature of subcontracting in the South African mining industry. Journal of the Southern African
Institute of Mining and Metallurgy, v. 99, n. 4, p. 185-191, 1999.
86
LÜTHJE, Boy; HÜRTGEN, Stefanie; PAWLICKI, Peter; SPROLL, Martina. From Silicon Valley to
Shenzhen. Lanham: Rowman & Littlefield, 2013.
29
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e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 7, p. 1-51, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.267.
de manufatura tendem a contratar trabalhadores que são migrantes e minorias
raciais para empregos inseguros e de baixa remuneração. Nas alocações de baixo
custo, eles apontam, “o emprego de uma força de trabalho com essas características
é possível devido a sistemas complexos de migração de mão de obra e divisão e
discriminação étnica, religiosa e cultural”
87
.
Visto dessa forma, os padrões de diferenciação de mão de obra que ocorrem
no setor de mineração se assemelham aos que estão sendo sistematicamente
implementados nas grandes prestadoras de serviço globais da indústria de
eletrônicos. Na maioria dos casos, a diferença de remuneração e condições de
trabalho entre os trabalhadores da manufatura e os engenheiros, pessoal técnico e
administrativo, pode ser gigantesca
88
. Nas palavras de Lüthje, Hürtgen, Pawlicki e
Sproll, isso “reflete os esforços das empresas para atrair talentos técnicos e de
engenharia e, ao mesmo tempo, reduzir os custos de mão de obra na fabricação”
89
.
No setor de mineração, essa distribuição desigual de capacidades e atributos
produtivos não é engendrada no vácuo, mas forjada por meio de diversos mecanismos
e estratégias de violência, cercamento, racialização, precarização do trabalho e
desalojamento. Nesse sentido, o proletariado da mineração é um microcosmo de um
processo que abrange todo o globo e consiste na incorporação sistemática de
camponeses e outras comunidades agrárias e indígenas, que antes eram auto-
subsistentes, ao organismo industrial polarizador que é o trabalhador coletivo global.
A próxima seção interroga esse último processo.
3 Produção de commodities primárias e o crepúsculo do campesinato
Conforme observado anteriormente, a universalização da forma de
mercadoria depende de uma maior socialização do trabalho e de uma maior
interdependência entre os indivíduos. Quando a formação social baseada nessa forma
87
LÜTHJE, Boy; HÜRTGEN, Stefanie; PAWLICKI, Peter; SPROLL, Martina. From Silicon Valley to
Shenzhen. Lanham: Rowman & Littlefield, 2013.
p. 155.
88
LÜTHJE, Boy; HÜRTGEN, Stefanie; PAWLICKI, Peter; SPROLL, Martina. From Silicon Valley to
Shenzhen. Lanham: Rowman & Littlefield, 2013. p. 155.
89
LÜTHJE, Boy; HÜRTGEN, Stefanie; PAWLICKI, Peter; SPROLL, Martina. From Silicon Valley to
Shenzhen. Lanham: Rowman & Littlefield, 2013. p. 227-228.
30
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de interdependência se desenvolve plenamente, enfatiza Postone
90
, ela adquire um
caráter necessariamente sistemático e supera outras formas sociais, tornando-se
global em escala. O atual desmantelamento dessas “outras formas sociais”
necessárias para a montagem material do trabalhador coletivo global é o que os
historiadores e sociólogos agrários chamam de descampenização global
91
, ou o que
Eric Hobsbawm evolutivamente chama de “crepúsculo do campesinato”
92
. Para
Hobsbawm, a mudança mais fundamental gerada pelo século XX - até mesmo em
comparação com eventos históricos mundiais como as duas guerras mundiais, a
descolonização, a revolução da TI e a ascensão e queda do socialismo de Estado -
foi, sem dúvida, “o fim da vida camponesa e rural”
93
.
A superação das concepções externalistas da natureza nos estudos da
urbanização exige uma atenção renovada a essas transformações na interação
metabólica dos seres humanos com seu “corpo inorgânico” - a natureza material da
existência sensorial. De acordo com Schmid
94
, além da mera concentração de
ambientes construídos e infraestruturas, o urbano é também uma forma específica
de práxis espacial, entrelaçada por redes de interação na vida cotidiana. Por essa
razão, o processo de urbanização planetária também abrange a expansão contínua
dessas redes de interação (produção, consumo, lazer) além das áreas densamente
povoadas. Assim, o conceito de descampezinação global capta de forma poderosa a
90
POSTONE, Moishe. Time, labor, and social domination: a reinterpretation of Marx’s critical theory.
Cambridge England; New York: Cambridge University Press, 2006.
91
ARAGHI, Farshad. Global Depeasantization: 1945-1990, Sociological Quarterly, Vol. 36, No. 2, p.
337-368, 1995; ARAGHI, Farshad. Accumulation by Displacement: Global Enclosures, Food Crisis, and
the Ecological Contradictions of Capitalism. Review (Fernand Braudel Center), 32(1), p. 113146,
2009; MCMICHAEL, Philip. Peasant prospects in the neoliberal age. New Political Economy, v. 11, n.
3, p. 407418, set. 2006; VANHAUTE, Eric. Peasants, Peasantries and (de) Peasantization in the
Capitalist World-System. Routledge, p. 313-321, 2012; KAY, Cistóbal. La transformación neoliberal
del mundo rural: procesos de concentración de la tierra y del capital y la intensificación de la
precariedad del trabajo. Revista Latinoamericana de Estudios Rurales, v. 1, n. 1, p. 126, 16 jul.
2016.
92
HOBSBAWM, Eric. The Age of Extremes: The Short Twentieth century, 1914-1991. London: Abacus,
1994. p. 289.
93
ARAGHI, Farshad. The great global enclosure of our times: peasants and the agrarian question at
the end of the twentieth century. In: MAGDOFF, Fred; FOSTER, John Bellamy; BUTTEL, Frederick
(orgs.). Hungry for Profit: The Agribusiness Threat to Farmers, Food, and the Environment. p. 145
60 Nova Iorque: NYU Press, 2000. p. 158.
94
SCHMID, Christian. Networks, Borders, Differences: Towards a Theory of the Urban. In: N. Brenner
(Org.), Implosions/explosions: towards a study of planetary urbanization, Jovis, Berlin, 2014.
31
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expansão dessas formas de práxis espacial urbana, pois expressa o ataque
generalizado às populações rurais que se seguiu à industrialização do Sul global.
Araghi
95
observa como, no início do capitalismo neoliberal, os camponeses do
Terceiro Mundo com propriedade direta dos meios de subsistência tornaram-se
sistematicamente expostos às forças do mercado mundial por meio da forma-preço.
Isso implicou uma penetração sem precedentes das relações de mercadorias no
campo, forçando os camponeses a diversificar suas fontes de renda (vendendo sua
força de trabalho para proprietários de terras ou corporações multinacionais) ou até
mesmo a migrar para as cidades.
Araghi afirma que a atual desapropriação maciça dos camponeses do mundo
permitiu que o capital se apropriasse de grandes quantidades de força de trabalho
excedente migratória, bem como acumulasse espaços de natureza excedente - um
processo muitas vezes chamado de “apropriação de terras planetárias”
96
. Essa virada
histórica mundial na composição social da classe trabalhadora internacional foi
baseada no desmantelamento dos subsídios agrícolas, na mecanização da produção
de commodities primárias, na reconstrução das relações de valor que haviam sido
prejudicadas pelo desenvolvimentismo estatal e na redistribuição dos subsídios
financiados com recursos públicos em benefício dos capitais agroindustriais
centralizados
97
. A liberalização econômica consistiu, portanto, no deslocamento
implacável de camponeses, que antes se auto-reproduziam, para um circuito de mão
de obra ocasional em expansão, empregada de forma flexível, isso quando
empregada
98
. A articulação material dessas formas de subjetividade produtiva
degradada contribuiu para o dramático e metastático crescimento das favelas nas
cidades do chamado Sul global, corroeu profundamente os modos de vida agrários e
95
ARAGHI, Farshad. Global Depeasantization: 1945-1990, Sociological Quarterly, Vol. 36, No. 2, p.
337-368, 1995.
96
N.T.: no original o termo usado é landgrab, poderia ser traduzido também como “grilagem”, o que
no nosso contexto brasileiro talvez expressasse mais adequadamente o que o autor quis passar, mas
como é uma expressão que diz sobre um fenômeno globalizado, entendemos ser a tradução mais
fidedigna. ARAGHI, Farshad. Accumulation by Displacement: Global Enclosures, Food Crisis, and the
Ecological Contradictions of Capitalism. Review (Fernand Braudel Center), 32(1), p. 113146, 2009.
97
ARAGHI, Farshad. Accumulation by Displacement: Global Enclosures, Food Crisis, and the Ecological
Contradictions of Capitalism. Review (Fernand Braudel Center), 32(1), p. 113146, 2009.
98
MCMICHAEL, Philip. Peasant prospects in the neoliberal age. New Political Economy, v. 11, n. 3,
p. 407418, set. 2006.
32
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forneceu um suprimento infinito de força de trabalho barata para o capital consumir,
às vezes até abaixo de seu custo de reprodução.
As reestruturações industriais globais da quarta era da máquina, que se
baseiam na implacável e sem precedentes explosão de enclaves manufatureiros,
zonas econômicas especiais, maquilas, agroindústrias no interior de países e minas a
céu aberto, teriam sido impensáveis sem a despossessão generalizada dos
camponeses do mundo. Para começar, o aprimoramento industrial na China pós-
socialista nunca teria se concretizado sem que centenas de milhões de camponeses
tivessem sido separados de seus arredores e transformados em órgãos degradados da
força de trabalho urbano-industrial. No entanto, há outros exemplos igualmente
marcantes dessa tendência. Arundhati Roy
99
mostra que o Corredor Industrial Delhi-
Mumbai, uma área projetada de 1.500 quilômetros de terra com nove megazonas
industriais, está pronto para conjurar forças de produção tão vastas que sua
população agregada passará de 214 milhões em 2014 para 314 milhões em 2019.
Movimentos de pessoas tão vastos estão longe de ser triviais e, no caso da Índia,
exigiram ações conjuntas de tecnocratas, elites governantes, aristocracias
fundiárias, militares e até mesmo esquadrões da morte. Em meio à industrialização
crescente, relata Roy
100
, cerca de 250.000 fazendeiros morreram por suicídio para
fugir dos horrores da dívida punitiva, da proletarização severa e até mesmo da fome.
Embora os números não sejam tão desconcertantes na América Latina quanto
na Ásia, o fenômeno é essencialmente o mesmo. Durante a última década, cerca de
900.000 camponeses no Paraguai foram deslocados por proprietários de terras e
forças estatais para permitir a expansão de monoculturas de capital intensivo
101
. Na
Argentina, estima-se que 200.000 famílias rurais tenham sido deslocadas pela
produção de soja transgênica
102
. Devido a um longo conflito armado, a Colômbia
talvez seja o caso mais marcante de descampezinação na região. Estima-se que 6
99
ROY, Arundhati. Capitalism: a ghost story. London; New York: Verso, 2014. p 17.
100
ROY, Arundhati. Capitalism: a ghost story. London; New York: Verso, 2014.
101
CARNERI, Santi. La codicia por la tierra en Paraguay. El Pais, 2017. Disponível em:
https://elpais.com/elpais/2017/02/07/planeta_futuro/1486488199_675583.html. Acesso em: 28 set.
2024.
102
FEENEY-MCCANDLESS, Ingrid Elísabet. Por una Vida Digna: Science as Technique of Power and Mode
of Resistance in Argentina. Alternautas, v. 4, n. 2, 2017.
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milhões de camponeses tenham sido deslocados por elites agroindustriais e grupos
paramilitares na Colômbia nas últimas décadas para dar lugar a investimentos em
mineração, energia e agroindústria, ou apenas especulação de terras e lavagem de
dinheiro
103
.
Por conta de as economias latino-americanas se especializarem na produção
de commodities primárias, a descampezinação na região está diretamente ligada à
expansão e à reprodução das fronteiras de recursos naturais. De acordo com Ruiz
Ruiz e Santana Rivas
104
, as concessões de mineração concedidas pelo Estado
colombiano desde o final da década de 1990 estão diretamente ligadas à expulsão
violenta de camponeses da terra. As regiões em que os megaprojetos de mineração
e energia tendem a se expandir com mais foa, argumentam esses autores, são
precisamente aquelas em que o deslocamento forçado e a intimidação sistemática
dos camponeses ocorreram de forma mais evidente. Como resultado de um processo
inerentemente racializado e geograficamente desigual, essa massa de humanidade
despossuída é predominantemente indígena e afro-colombiana.
Em termos gerais, assassinatos seletivos, ameaças de morte e intimidação
constante de líderes camponeses e indígenas se tornaram uma característica comum
dos projetos de mineração e agroindustriais em muitos países da América Latina. Em
2015, cinquenta líderes camponeses foram assassinados no Brasil, seguidos por vinte
e seis na Colômbia, doze no Peru, dez na Guatemala, oito em Honduras e quatro no
México
105
. Fugindo da violência, da destruição ambiental ou da fome, esses grupos
foram forçados a migrar para as favelas das cidades ou para outras partes da América
103
HYLTON, Forrest. Evil hour in Colombia. London; New York: Verso, 2006; BALLVÉ, Teo. Everyday
State Formation: Territory, Decentralization, and the Narco Landgrab in Colombia. Environment and
Planning D: Society and Space, v. 30, n. 4, p. 603622, 2012; RUIZ RUIZ, Nubia Yaneth; SANTANA
RIVAS, Luisa Daniel. La nueva geografía de la explotación minero-energética y la acumulación por
desposesión en Colombia entre 1997 y 2012. Notas de población, v. 43, n. 102, p. 249277, 2016.
104
RUIZ RUIZ, Nubia Yaneth; SANTANA RIVAS, Luisa Daniel. La nueva geografía de la explotación
minero-energética y la acumulación por desposesión en Colombia entre 1997 y 2012. Notas de
población, v. 43, n. 102, p. 249277, 2016.
105
N.T.: durante a adequação do capítulo para a revista, esta notícia não foi encontrada. Sendo
proveniente de um site dinâmico como o do Greenpeace, provavelmente não está mais veiculada.
Contudo, são inúmeras as notícias e estudos que demonstram a profunda violência sofrida pelos
camponeses na América Latina e, de forma relevante para nós, a proeminência do Brasil como um dos
países mais perigosos para líderes camponeses, indígenas, ambientalistas, etc. GREENPEACE. Brazil:
The Most Dangerous Country for Environmental Activists. Greenpeace International, 2016.
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Latina, que recentemente passaram a incluir os distritos de mineração do norte do
Chile. Uma parte considerável desses camponeses deslocados, provenientes da
Colômbia e de toda a América Latina, tornou-se subordinada à divisão técnica do
trabalho da prodão de commodities primárias como seu exército industrial de
reserva, aumentando drasticamente as favelas de cidades como Antofagasta e
Calama, uma cidade mineradora no norte do Chile. Estima-se que o número de
famílias que vivem em campamentos em Antofagasta tenha disparado de 632 em
2007 para 6.229 em 2016
106
. Os migrantes de pele escura da Bolívia e do Peru são
normalmente contratados como jardineiros, técnicos e faeneros terceirizados para
a indústria mineira; os migrantes afro-colombianos tendem a trabalhar nas
economias informais das cidades mineiras como vendedores ambulantes,
encanadores e trabalhadores da construção civil.
O gênero é também um elemento constitutivo dos tipos de deslocação forçada
e das tendências migratórias precárias que emergem da produção de produtos
primários. A expansão das fronteiras de recursos levou as mulheres, em alguns casos,
a perderem os maridos devido à violência armada e, depois, a serem intimidadas e
ameaçadas para venderem os seus lotes às empresas de mineração
107
. Esse
fenômeno, conhecido como madresolterismo, tornou-se uma tendência sistemática
no interior da Colômbia. De acordo com um censo das Nações Unidas, 81,6% das
mulheres nas áreas rurais da Colômbia são chefes de família solteiras, o que as coloca
em condições severas de vulnerabilidade social e, muitas vezes, também de extrema
pobreza
108
. Muitas não têm outra opção a não ser migrar, e isso explica, até certo
106
TECHO. Catastro de Campamentos 2016: el número de famílias en campamentos no deja de
aumentar. 2016. Disponível em: https://issuu.com/techochile/docs/catastro_campamentos_2016.
Acesso em: 28 set. 2024. p. 60.
107
BERMÚDEZ RICO. Rosa Emilia. Impactos de los grandes proyectos mineros en Colombia sobre la vida
de las mujeres. In: PÉREZ, Toro; MORALES, Fierro; DELGADO, Coronado Delgado; AVENDAÑO, Roa
(Orgs.). Minería, Territorio y Conflicto en Colombia. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia,
2012.
108
BERMÚDEZ RICO. Rosa Emilia. Impactos de los grandes proyectos mineros en Colombia sobre la vida
de las mujeres. In: PÉREZ, Toro; MORALES, Fierro; DELGADO, Coronado Delgado; AVENDAÑO, Roa
(Orgs.). Minería, Territorio y Conflicto en Colombia. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia,
2012
; ULLOA, Astrid. Feminismos territoriales en América Latina: defensas de la vida frente a los
extractivismos. Nómadas, n. 45, p. 123139, 2016.
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ponto, a feminização da população migrante nas cidades mineradoras do Chile
109
. As
mulheres migrantes geralmente desenvolvem atividades informais, como
adivinhação e serviços de manicure e salão de beleza, e muitas vezes são vítimas das
redes de tráfico de pessoas, sendo forçadas a trabalhar como prostitutas
110
. Elas
tendem a ser vulneráveis à discriminação racial e à violência sexual, pois geralmente
são hipersexualizadas, carregando o peso de estereótipos raciais distorcidos,
especialmente em meio à cultura machista que predomina nas cidades
mineradoras
111
.
Para Iñigo Carrera
112
, processos de racialização que são desencadeados pela
migração tendem a reproduzir as fronteiras nacionais dentro do território estatal por
meio da diferenciação com base na cidadania ou na não afiliação. Ferguson e
McNally
113
observam que os movimentos de populações excedentes através das
fronteiras nacionais trazem uma dupla vantagem para o capital, pois fragmentam a
classe trabalhadora nacional e reduzem o custo da força de trabalho. Eles também
causam um redimensionamento a nível familiar com base em uma separação
109
ECHEVERRI, María Margarita. Otredad racializada en la migración forzada de afrocolombianos a
Antofagasta (Chile). Nómadas, n. 45, p. 91103, 2016.
110
CONNECTAS. El nuevo éxodo latino: de Colômbia a Chile, 2016. Disponível em:
https://www.connectas.org/especiales/exodo/nuevoexodo.html. Acesso em: 27 set. 2024;
FERGUSON, Susan.; MCNALLY, David. Precarious migrants: gender, race and the social reproduction
of a global working class. Socialist Register, 2015. Disponível em:
https://maal3mal.wordpress.com/wp-content/uploads/2017/05/sue-ferguson-david-mcnally-
precarious-migrants.pdf. Acesso em: 27 set. 2024; AMADOR JIMÉNEZ, Mónica. La incesante diáspora
africana: afrocolombianas solicitantes de asilo en el norte chileno. Nomadías, [S. l.], n. 12, 2010.
Disponível em: https://nomadias.uchile.cl/index.php/NO/article/view/15257. Acesso em: 28 set.
2024; ECHEVERRI, María Margarita. Otredad racializada en la migración forzada de afrocolombianos a
Antofagasta (Chile). Nómadas, n. 45, p. 91103, 2016.
111
THODES MIRANDA, Emilio. Segregación socioespacial en ciudades mineras: el caso de Antofagasta,
Chile. Notas de Población, v. 43, n. 102, p. 203227, 2016; LIBERONA CONCHA, Nanette. La frontera
cedazo y el desierto como aliado: Prácticas institucionales racistas en el ingreso a Chile. Polis
(Santiago), v. 14, n. 42, p. 143165, 2015; AMADOR JIMÉNEZ, Mónica. La incesante diáspora africana:
afrocolombianas solicitantes de asilo en el norte chileno. Nomadías, [S. l.], n. 12, 2010. Disponível
em: https://nomadias.uchile.cl/index.php/NO/article/view/15257. Acesso em: 28 set. 2024;
TIJOUX, María Emilia. El Otro inmigrante negro y el Nosotros chileno: un lazo cotidiando lleno de
significaciones. Boletín Onteaiken, n. 17, p. 115. 2015.
112
IÑIGO CARRERA, Juan. El Capital: razón histórica, sujeto revolucionario y consciencia. Buenos
Aires: Imago Mundi, 2013.
113
FERGUSON, Susan.; MCNALLY, David. Precarious migrants: gender, race and the social reproduction
of a global working class. Socialist Register, 2015. Disponível em:
https://maal3mal.wordpress.com/wp-content/uploads/2017/05/sue-ferguson-david-mcnally-
precarious-migrants.pdf. Acesso em: 27 set. 2024.
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transnacional entre produção e reprodução. Os migrantes geralmente deixam suas
famílias para trás e enviam remessas de volta para seus países de origem, reduzindo
drasticamente o custo de reprodução das gerações atuais e futuras de
trabalhadores
114
. Em Antofagasta, Echeverri
115
mostra que as mulheres lideram os
processos migratórios e tendem a trabalhar dois turnos por dia para sustentar a si
mesmas e suas famílias. Isso lhes permite cobrir os custos de reprodução e também
enviar algum dinheiro para os filhos enquanto implementam diversas estratégias para
se reunirem a eles. Nas palavras de uma mulher migrante que vive em Antofagasta,
“muitas mulheres deixam seus filhos lá [na Colômbia], porque com os dois turnos que
precisam fazer para sobreviver e também enviar dinheiro para casa, é impossível
cuidar deles”
116
.
A marca espacial da ampla descampezinação global se manifesta de forma
mais evidente no crescimento impressionante e explosivo de assentamentos
precários e “informais” nas últimas décadas. Araghi
117
, por exemplo, estima que 65%
do crescimento das populações urbanas nas décadas de 1980 e 1990 foi atribuído às
migrações rural-urbanas. Esse fenômeno, que se acelerou acentuadamente durante
o período neoliberal, atingiu seu ápice após o colapso financeiro de 2008. Teresa
Caldeira
118
conceitua essas modalidades de espacialização como “urbanização
periférica”, um tipo de construção de cidade que é sempre improvisada, irregular e
gera ambientes urbanos altamente desiguais e geograficamente irregulares. Essas
114
FERGUSON, Susan.; MCNALLY, David. Precarious migrants: gender, race and the social reproduction
of a global working class. Socialist Register, 2015. Disponível em:
https://maal3mal.wordpress.com/wp-content/uploads/2017/05/sue-ferguson-david-mcnally-
precarious-migrants.pdf. Acesso em: 27 set. 2024; PHILLIPS, Nicola. Migration as development
strategy? The new political economy of dispossession and inequality in the Americas. Review of
International Political Economy, v. 16, n. 2, p. 231259, 26 jun. 2009.
115
ECHEVERRI, María Margarita. Otredad racializada en la migración forzada de afrocolombianos a
Antofagasta (Chile). Nómadas, n. 45, p. 91103, 2016.
116
ECHEVERRI, María Margarita. Otredad racializada en la migración forzada de afrocolombianos a
Antofagasta (Chile). Nómadas, n. 45, p. 91103, 2016, p.95.
117
ARAGHI, Farshad. The great global enclosure of our times: peasants and the agrarian question at
the end of the twentieth century. In: MAGDOFF, Fred; FOSTER, John Bellamy; BUTTEL, Frederick
(orgs.). Hungry for Profit: The Agribusiness Threat to Farmers, Food, and the Environment. p. 145
60 Nova Iorque: NYU Press, 2000. p. 151.
118
CALDEIRA, Teresa. Peripheral urbanization: Autoconstruction, transversal logics, and politics in
cities of the global south. Environment and Planning D: Society and Space, v. 35, n. 1, p. 320, 2016.
HOLSTON, James; CALDEIRA, Teresa. Urban Peripheries and The Invention of Citizenship. Harvard
Design Magazine, n. 28, p. 19-23, 2008.
37
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geografias de trabalho por servidão e precário, nos levam a considerar a estreita
conexão entre o sistema salarial moderno e a extração. Ao escrever sobre o comércio
transatlântico de escravizados, Mbembe descreve como os africanos foram
transformados em “minerais vivos”, de onde a riqueza era extraída à força. Isso deu
origem a uma transição de “homme-minerai para homme-métal para homme-
monnaie
119
.
Na América Latina contemporânea, Ulloa
120
descreve um processo semelhante
pelo qual a violência é cada vez mais empregada contra homens e mulheres à medida
que eles se tornam “corpos-territórios” de apropriação e despossessão. A invasora
“masculinização do espaço”, que é concomitante às cidades mineradoras na América
Latina, destaca Ulloa, reduz as mulheres a trabalhadoras contratadas que, muitas
vezes, trabalham sob condições de baixa remuneração e constante assédio e abuso
sexual. A concretização de um novo período de desenvolvimento tecnológico e
industrial, portanto, não implica, de forma alguma, a erosão ou o afastamento do
movimento inquieto de contradição constituído pelas relações de classe. Como as
interpretações marxianas do colonialismo e da escravização mostraram
recentemente, as relações capitalistas modernas baseadas na mercantilização da
força de trabalho não são um anátema ou mesmo uma iteração de uma forma mais
desenvolvida de coerção e aprisionamento que definiram a escravização por
propriedade
121
. As duas coexistem como um todo orgânico amalgamado.
Como mostra McNally
122
, o processo de abstração que permitiu a consolidação
da forma moderna do dinheiro foi facilitado pelo comércio de escravos. Ser
119
N.T.: deixamos no idiota original porque foi uma escolha do próprio autor, mas para não gerar
dificuldades na leitura, uma tradução direta seria “homem-minério para homem-metal para homem-
dinheiro”. MEZZADRA, Sandro; NEILSON, Brett. On the multiple frontiers of extraction: excavating
contemporary capitalism. Cultural Studies, v. 31, n. 2-3, p. 185204, 17 mar. 2017, p. 191.
120
ULLOA, Astrid. Feminismos territoriales en América Latina: defensas de la vida frente a los
extractivismos. Nómadas, n. 45, p. 123139, 2016, p. 126.
121
MCNALLY, David. The Blood of the Commonwealth. Historical Materialism, v. 22, n. 2, p. 332,
2014; SINGH, Nikhil Pal. On Race, Violence, and So-Called Primitive Accumulation. Social Text, v.
34, n. 3 128, p. 2750, 2016; MBEMBE, Joseph-Achille. Crítica de la razón negra: ensayo sobre el
racismo contemporáneo. Barcelona: Futuro Anterior Ediciones, 2016.
122
MCNALLY, David. The Blood of the Commonwealth. Historical Materialism, v. 22, n. 2, p. 332,
2014.
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escravizado, argumenta McNally
123
, é ser abstraído da humanidade; portanto, a
escravidão carrega uma lógica elementar de abstração social e equiparação entre
pessoas e coisas, que prenuncia a lógica totalizante da mercantilização capitalista.
Essa possibilidade de equiparação serviu de base para o desenvolvimento do sistema
monetário moderno - introduzido pelo Banco da Inglaterra no século XVIII -, de acordo
com McNally, que estava vinculado ao preço dos escravos, especialmente das
mulheres escravizadas
124
. Portanto, a dominação racial e de gênero não deve ser
entendida como uma expressão da lógica territorial do poder do Estado, enquanto a
exploração do trabalho é vista como o domínio da acumulação de capital. Os dois já
estão imbricados no tecido interno da abstração real a tal ponto que não faz sentido
considerá-los separados.
Para além da violência espetacular das escavadeiras, dos caminhões da
polícia, das balas e dos despejos, a descampezinação associada à extração de
recursos se desdobra em temporalidades mais lentas, algumas das quais são quase
imperceptíveis em meses ou até anos. A história da indústria de mineração na
América Latina oferece um ponto de vista relevante para visualizar como o processo
de urbanização está lentamente, mas profundamente, inscrito na composição
subjetiva do trabalhador rural. No Chile, Vergara Marshall
125
relata como as empresas
de mineração introduziram sistemas mecanizados para produção de energia, refino,
perfuração e trituração na década de 1960, juntamente com os princípios tayloristas
de gerenciamento científico. Essas inovações técnicas foram introduzidas não apenas
para aprimorar a produtividade do trabalho morto, mas para quebrar os hábitos e
atitudes obstinadas do trabalho vivo. Comportamentos como absenteísmo,
instabilidade e falta de uma “ética de trabalho” adequada, tipicamente associados
à cultura semiproletária, foram apontados pela gerência corporativa como os
principais obstáculos à produtividade.
123
MCNALLY, David. The Blood of the Commonwealth. Historical Materialism, v. 22, n. 2, p. 332,
2014.
124
GRAEBER, David. Debt: The First 5,000 Years. New York. Melville House, 2014; MOORE, Jason W.
Capitalism in the web of life: ecology and the accumulation of capital. London: Verso Press, 2015.
p. 213.
125
VERGARA MARSHALL, Ángela. Conflicto y Modernización en la Gran Minería del Cobre (1950-1970).
Historia (Santiago), v. 37, n. 2, p. 419436, 2004.
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O relato historiográfico de Álvaro García Linera
126
sobre a evolução do
proletariado mineiro na Bolívia desde o final do século XIX ilustra como a base social
e organizacional da produção social está dialeticamente entrelaçada com a erosão
dos modos de vida rurais. Ele observa como as primeiras iterações da extração
mecanizada de minério de metal estavam associadas à subjetividade produtiva do
artesão-operário
127
, que exercia sua produtividade autônoma dentro do sistema
industrial da mina
128
. Os artesãos-operário mantiveram fortes laços com a estrutura
produtiva comunal-camponesa, evidentes em suas formas de resistência (o motim e
a festa), bem como no uso do tempo e do cajcheo
129
. Nessa configuração socio-
técnica, o trabalho vivo era apenas formalmente subsumido ao capital, e a
subjetividade produtiva humana estava ancorada na temporalidade agrícola ou
ecológica. García Linera
130
ilustra como, durante a fase do capital monopolista, essa
forma de subjetividade produtiva se desgastou com o surgimento do trabalhador
qualificado nas grandes empresas de mineração, cuja habilidade técnica incorporada
126
GARCÍA LINERA, Alvaro. Plebeian Power: Collective Action and Indigenous, Working-Class and
Popular Identities in Bolivia. Leiden: Brill, 2014.
127
N.T.: no original artisan-operator, o que de forma puramente literal seria algo como “artesão-
operador”, contudo, o texto do qual é retirado o termo é o “Plebeian Power” (GARCÍA LINERA, Alvaro.
Plebeian Power: Collective Action and Indigenous, Working-Class and Popular Identities in Bolivia.
Leiden: Brill, 2014. p. 108) é explicado da seguinte forma “In the first period, from 1850 to 1900, the
mining proletariat consisted primarily of artisan manufacturing labourers. These workers were
grouped together in industrial centres that extracted on a large scale, like those in Huanchaca,
Portugalete, Real Socavón, Chorolque and Antequera, but without a comprehensive hierarchical
specialisation of labour. Instead, there was a large concentration of artisan-operators who
individually possessed segmented productive skills. Although the workers started to concentrate in
towns, they had not yet adopted industrial discipline as a custom or a collective preference, and as
such were not prone to corporatist associations that would establish a permanent identity.” ou em
tradução nossa: “No primeiro período, de 1850 a 1900, o proletariado da mineração consistia
principalmente de trabalhadores de manufatura artesanal. Esses trabalhadores estavam agrupados
em centros industriais que extraíam em grande escala, como os de Huanchaca, Portugalete, Real
Socavón, Chorolque e Antequera, mas sem uma especialização hierárquica abrangente do trabalho.
Em vez disso, havia uma grande concentração de artesãos-operários que possuíam individualmente
habilidades produtivas segmentadas. Embora os trabalhadores começassem a se concentrar nas
cidades, eles ainda não haviam adotado a disciplina industrial como um costume ou uma preferência
coletiva e, portanto, não eram propensos a associações corporativas que estabelecessem uma
identidade permanente.
128
GARCÍA LINERA, Alvaro. Plebeian Power: Collective Action and Indigenous, Working-Class and
Popular Identities in Bolivia. Leiden: Brill, 2014..
129
N.T.:Cajcheo é uma prática camponesa/indígena de extração e coleta de minerais sem nenhuma
forma de controle externo ou supervisão.
130
GARCÍA LINERA, Alvaro. Plebeian Power: Collective Action and Indigenous, Working-Class and
Popular Identities in Bolivia. Leiden: Brill, 2014.
p. 109.
40
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mantinha certos elementos de seu antecessor, mas agora estava situada na mudança
da subsunção formal do trabalho para a real. Essa nova realidade socio-técnica levou
ao rompimento dos fortes laços dos trabalhadores com o mundo agrícola e ao
surgimento, do que García Linera
131
chama, de uma “racionalidade industrial”
propriamente dita. Os entendimentos pré-modernos de tempo social, costumes
alimentares, estilos de vida e ética de trabalho foram progressivamente substituídos
por comportamentos típicos da mentalidade industrial, como a disciplina do
trabalho, a associação no local de trabalho, a unidade familiar patriarcal e a
mercantilização das condições de reprodução social.
Nas geografias da mina planetária, a descampezinação acelerou
substancialmente como resultado de novas configurações técnicas da produção
social, bem como do efeito transformador das tecnologias da informação em padrões
de socialização. A pequena produção agrícola artesanal tem desaparecido
gradualmente devido à poluição do ar, da água e sonora, que exerce efeitos
devastadores sobre a integridade dos solos e das colheitas. Além disso, a chegada de
projetos de mineração às áreas rurais cria um terreno fértil para a desigualdade de
renda e a exclusão socioespacial, uma vez que os salários dos faeneros são
substancialmente mais altos do que os ganhos dos pequenos agricultores e
trabalhadores agrícolas. Como resultado, muitos deixam seus empregos na
agricultura para trabalhar em empresas de mineração ou na indústria de prestação
de serviço. As gerações mais jovens aspiram a, um dia, juntar-se a essa força de
trabalho industrial temporária e poder custear estilos de vida urbanos baseados em
fast food, fast fashion e smartphones. Como os capítulos subsequentes ilustrarão em
detalhes, o acesso ao crédito também revolucionou a reprodução social das
comunidades locais nos campos em rápida urbanização durante o superciclo das
commodities. As cidades mineradoras no norte do Chile estão cheias de lojas que
oferecem todo tipo de roupas, dispositivos eletrônicos e serviços. A informatização
do sistema de crédito permitiu que os atores financeiros ampliassem o
endividamento (na forma de cartões de crédito, empréstimos ao consumidor e até
131
GARCÍA LINERA, Alvaro. Plebeian Power: Collective Action and Indigenous, Working-Class and
Popular Identities in Bolivia. Leiden: Brill, 2014.
p. 111.
41
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mesmo adiantamentos salariais) para o cotidiano das populações rurais que
vivenciam mudanças socioespaciais abruptas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como o caso da indústria de mineração ilustra, o trabalhador coletivo reunido
pela atual era industrial liderou uma modalidade de integração e interdependência
humana sem precedentes. A megamáquina, descrita por Mumford
132
para ilustrar os
poderes cooperativos que tornaram possíveis as antigas maravilhas da engenharia no
Egito e na Mesopotâmia, parece insular, mesquinha e insignificante diante das
geografias do trabalho que surgiram sob a égide do capitalismo da cadeia de
suprimentos. Além disso, os espaços contemporâneos de extração oferecem um
ponto de vista relevante para compreender a fragmentação socioespacial e etno-
racial desenfreada que está por trás da crescente socialização do trabalho em
condições de automação avançada. Como Anna Tsing
133
observa, a diferenciação
etno-racial passou a funcionar como um elemento estruturante na reprodução do
capitalismo global, e não apenas como uma “decoração” dele.
Como revela o caso do Deserto do Atacama, a mercantilização sistemática da
força de trabalho de complexidade heterogênea possibilitou a integração funcional
da cadeia de suprimentos de extração, gerando seu próprio registro espacial por meio
de um tecido de urbanização em expansão, porém fragmentado e geograficamente
desigual.
As tendências de mudança na organização industrial no setor de mineração
mostram, especificamente, que um ambiente construído em camadas profundas e
morfologicamente variado foi criado para apoiar e facilitar a exploração de cada
órgão do trabalhador coletivo de acordo com os atributos produtivos e etno-raciais
que ele incorpora. As metrópoles tecnológicas e as cidades globais atraem os
engenheiros que operam os complexos sistemas tecnológicos das minas e das
132
MUMFORD, Lewis. Tool-Users vs. Homo Sapiens and the Megamachine. In: SCHARFF, Robert; DUSEK,
Val. (Orgs.), Philosophy of Technology: The Technological Condition. Malden: Blackwell, 2003.
133
TSING, Anna. Supply Chains and the Human Condition. Rethinking Marxism, v. 21, n. 2, p. 148
176, 2009.
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instalações de processamento de minerais, os cientistas que codificam o
conhecimento incorporado a esses sistemas e os financistas que obtêm a liquidez
necessária para as empresas de mineração. Acampamentos superlotados,
assentamentos temporários e cidades poluídas abrigam faeneros terceirizados e de
baixa qualificação e outros trabalhadores industriais da cadeia de suprimentos da
mineração; campamentos, favelas e outros assentamentos precários abrigam as
populações excedentes racializadas, que prestam serviços baratos aos trabalhadores
e às empresas nas cidades mineradoras, atuam como o “exército de reserva de mão
de obra” da indústria de mineração.
Ao desenvolver uma leitura espacializada de um proletariado de mineração
em evolução e internamente dinâmico, este capítulo se baseou no convite de Ekers
e Loftus
134
para revitalizar a tese da produção da natureza, substituindo a ideia de
Smith de “o trabalhador” em abstrato. Isso, de acordo com esses autores, exige que
historicizemos incessantemente os processos e as relações que influenciam a
produção da natureza e revelemos a criação de “sujeitos com gênero, raça e classe
que operam dentro de divisões de trabalho histórica e geograficamente
específicas”
135
. Afinal, no centro da polarização interna subjacente à distribuição
territorial do trabalhador coletivo da mineração em larga escala, está a tendência
observada por Postone: o aumento do poder produtivo do conjunto de trabalhadores
ocorre às custas da força produtiva do indivíduo. Esse “despotismo da coletividade”,
que, para Postone, é estruturado por considerações de produtividade e eficiência,
acontece às custas do trabalhador individual
136
. Com o desenvolvimento do
organismo capaz de exercer trabalho, que é o trabalhador coletivo, Marx observa
como o indivíduo é fragmentado e transformado em uma “monstruosidade aleijada”
134
EKERS, Michael.; LOFTUS, Alex. Revitalizing the production of nature thesis. Progress in Human
Geography, v. 37, n. 2, p. 234252, 2012.
135
EKERS, Michael.; LOFTUS, Alex. Revitalizing the production of nature thesis. Progress in Human
Geography, v. 37, n. 2, p. 234252, 7 jun. 2012, p. 241.
136
POSTONE, Moishe. Time, labor, and social domination: a reinterpretation of Marx’s critical theory.
Cambridge England; New York: Cambridge University Press, 2006.p. 333.
43
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ao ser forçado a uma qualificação específica em detrimento de um “mundo de
impulsos e capacidades produtivas”
137
.
A forma de universalidade humana, constituída pelo capital como socialmente
fundamentada, elucida uma rica especificidade quanto a uma vasta multidão de
trabalhos concretos e relações sociais. Isso, de acordo com Postone, aponta para a
possibilidade de outro universalismo, baseado não na abstração, mas na
especificidade concreta. As forças hercúleas de produção conjuradas pela
acumulação de capital em escala mundial, afirma Postone, também podem dar
origem à possibilidade histórica de que as pessoas possam reivindicar o que é
produzido socialmente de forma alienada
138
. No caso da produção de mercadorias
primárias, a subsunção real das comunidades camponesas ao capital - a
descampezinação - criou sua própria contra-tendência em direção à
(re)campezinação. Essa nova iteração de experiências e práticas camponesas, no
entanto, tem como premissa não um apego reacionário à fazenda idílica do passado,
mas sinergias e diálogos vibrantes com a ciência moderna, o ambientalismo militante
e os movimentos de trabalhadores
139
. Como McMichael observou, essa forma
emergente de política camponesa “representa a possibilidade de um modernismo
camponês, dedicado a uma ‘cidadania agrária’, por meio de políticas de ecologia e
soberania alimentar ancoradas em uma episteme de lugar politicamente
reconstituído”
140
.
Por essas razões, a própria possibilidade de imaginar e construir coletivamente
um alterglobalismo que seja sensível às necessidades humanas e ecológicas implica
acabar com as interpretações teleológicas da história, em que o progresso e o
137
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política, Livro I: O processo de produção do capital.
Trad. Rubens Enderle, São Paulo, Boitempo, 2013. p. 539.
138
POSTONE, Moishe. Time, labor, and social domination: a reinterpretation of Marx’s critical theory.
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139
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407418, 2006; ALTIERI, Miguel; TOLEDO, Victor Manuel. The agroecological revolution in Latin
America: rescuing nature, ensuring food sovereignty and empowering peasants. Journal of Peasant
Studies, v. 38, n. 3, p. 587612, 2011.
140
MCMICHAEL, Philip. Peasant prospects in the neoliberal age. New Political Economy, v. 11, n. 3,
p. 407418, set. 2006. p. 408.
44
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crescimento são considerados os únicos caminhos para a emancipação. Um projeto
político verdadeiramente radical e emancipatório não será universal, mas
pluriversal, uma unidade de muitos mundos. A pura heterogeneidade sociocultural
da classe trabalhadora global expressa a urgência dessa mudança de visão. Como os
dois últimos capítulos deste livro exploram em detalhes, Marx começou a lidar com
essa questão no final de sua vida, investindo seriamente no estudo de formas antigas
e não ocidentais de vida comunitária para que pudesse experimentar a ideia da multi-
linearidade da história. Infelizmente, o estado atual das coisas nega a possibilidade
de um momento pluriversal de solidariedade dos trabalhadores. Em meio a uma
interdependência material sem precedentes da organização da produção capitalista,
a classe trabalhadora global tem sido atravessada por diversas formas de
fragmentação material e ideológica
141
.
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141
N.T.: o texto, extraído de capítulo de livro, há ainda remissão a outros capítulos com a seguinte
redação: As formas em evolução da fragmentação dos subalternos e das lutas serão tratadas no
capítulo 7. O Capítulo 4 revela como a ênfase no movimento, na velocidade e na conectividade
transformou os espaços de produção de mercadorias primárias nos últimos anos.
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Martín Arboleda
Professor Associado da Faculdade de Sociologia e Diretor do Laboratório de Transformações
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Universidade de Manchester, Reino Unido. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8612-763X. E-
mail: martin.arboleda@udp.cl.