Recebido em: 29/11/2024
Aprovado em: 13/12/2024
Dossiê Ecologia, Sindicalismo e Direito do Trabalho:
apresentação1
Ecology, Unionism and Labor Law -
Presentation
Ecología, Sindicalismo y Derecho del
Trabalho - Presentación
Gustavo Seferian
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6051232864493698
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5587-6734
Michael Löwy
Centre National de la Recherche Scientifique (Paris, França)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5679-0927
RESUMO
Apresentação do Dossiê “Ecologia, Sindicalismo e Direito do
Trabalho”. O texto propõe trazer elementos na articulação entre
ecologia, sindicalismo e direito do trabalho. Passa pelo desvelar dos
traços ecológicos desde o irromper dos conflitos de classe na
modernidade capitalista, assumindo a questão ambiental lugar
central das demandas sindicais e a imprescindibilidade de
reconhecermos o modo desigual como recaem os efeitos da dimensão
climática da crise de civilização no conjunto da população da terra,
inclusive no seio da classe trabalhadora, dada a sua heterogênea
composição. Aponta pautas historicamente assumidas pelo
movimento sindical e registra a importância de que as lutas táticas
por direitos trabalhistas possam assumir um horizonte estratégico
ecossocialista.
PALAVRAS-CHAVE: meio-ambiente do trabalho; sindicalismo; ecologia;
desigualdades ecológicas; ecossocialismo.
ABSTRACT
Presentation of the Dossier “Ecology, Unionism and Labor Law”. The
text proposes to bring the articulation between ecology, trade
unionism and labor law. It goes through the unveiling of ecological
traits since the emergence of class conflicts in capitalist modernity,
assuming the environmental issue as a central place in union demands
and the essential need to recognize the unequal way in which the
effects of the climatic dimension of the crisis of civilization fall on
1 Texto elaborado por Gustavo Seferian, com colaboração de Michael Löwy.
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the entire population of the earth, including within the working class,
given its heterogeneous composition. It points out historical agendas
impulsed by the trade union movement and records the importance
of tactical struggles for labor rights assuming a strategic ecosocialist
horizon.
KEYWORDS: work environment; trade unionism; ecology; ecological
inequalities; ecosocialism.
RESUMEN
Presentación del Dosier «Ecología, Sindicalismo y Derecho del
Trabajo». El texto propone traer elementos en la articulación entre
ecología, sindicalismo y derecho laboral. Busca develar rasgos
ecológicos desde el estallido de los conflictos de clases en la
modernidad capitalista, con la cuestión ambiental asumiendo un
lugar central en las reivindicaciones sindicales y la indispensabilidad
de reconocer la forma desigual en que los efectos de la dimensión
climática de la crisis de civilización afectan a la población. En su
conjunto, incluso dentro de la clase trabajadora, dada su
composición heterogénea. Señala las directrices adoptadas
históricamente por el movimiento sindical y señala la importancia de
que las luchas tácticas por los derechos laborales adopten un
horizonte estratégico ecosocialista.
PALABRAS CLAVE: ambiente de trabajo; sindicalismo; ecología;
desigualdades ecológicas; ecosocialismo.
O esforço editorial construído com o dossiê “Ecologia, Sindicalismo e Direito
do Trabalho” aponta, de forma inédita no Brasil, a necessidade de que acumulemos
teoricamente acerca da articulação dos três eixos que servem de título à publicação.
A proposta de um texto introdutório à presente edição guarda consigo o
desafio de escancarar ligações que, muito embora tenham sido histórica e
propositalmente escamoteadas, conectam, no passado, presente e futuro, as lutas
sindicais, sua mediação jurídica e a construção de modos de vida em que a
humanidade e o restante da natureza subsistam de forma mais harmônica.
O escrito vem a público em momento que a concentração de eventos
climáticos extremos encontra escala sem precedentes na história brasileira. Não só
a população trabalhadora sul-rio-grandense segue vivendo todas as angústias
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resultantes da destruição provocada pelas intensas chuvas e enchentes ocorridas no
fim do primeiro semestre de 2024, como também a floresta amazônica enfrenta uma
das suas mais drásticas estiagens, que leva rios caudalosos a secar e à escassez de
condições de existência da flora e fauna, impactando largamente a vida de
populações indígenas, ribeirinhas e também os habitantes da Amazônia urbana. Isso
tudo enquanto o país arde com queimadas inauditas, em sua massa maioria já
comprovadamente de origem criminosa, matando infindos animais, reduzindo as
áreas florestais e de plantio de alimento sobretudo da agricultura familiar e
assentamentos da reforma agrária , sufocando com suas fumaças a população que,
hoje, em diversos centros urbanos brasileiros, respira o ar de pior qualidade de todo
o planeta.
De norte a sul do Brasil a tomarmos exemplo local, que caso projetado à
escala internacional por certo nos proporcionaria cenário ainda mais repleto de casos
alarmantes , a Mãe-Terra agoniza ante a ação violenta do agronegócio, das
mineradoras e da grande indústria, que, em compasso acelerado de predação e busca
pela garantia das suas margens de lucro, não só intensifica a exploração da força de
trabalho como da apropriação da natureza, sabidas que são estas ao menos desde
a Crítica ao Programa de Gotha2as únicas fontes de toda riqueza social.
Revelam, assim, sintomáticas manifestações da dimensão ambiental da
contemporânea crise da civilização capitalista, industrial, moderna e ocidental, que
não pode ser compreendida senão como uma conjugão de sismos em todos os
alicerces de sustentação deste modo de vida (ou seria de destruição de vida?), com
facetas econômicas, políticas, morais, da reprodução social e, como não poderia
deixar de ser, a particularidade de contar com pronunciada feição climática. Ocorre,
porém, que dado o afã de afirmação em escala global desta civilização, erigida à
imagem e semelhança da mercadoria e suas necessidades, bem como por sua
capacidade autodestrutiva, guarda consigo um potencial de eliminação de todas as
demais civilizações humanas que ainda hoje resistem à expansão capitalista, ou
mesmo de interdição da continuidade da vida humana na Terra sob outros registros
2 MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2012.
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civilizacionais. Daí que a necessidade da articulação ora proposta se faz ainda mais
urgente.
***
Iniciamos registrando que a assim chamada “questão social” guarda,
inerentemente, uma dimensão socioambiental. Pareceria ociosa a menção, não fosse
a tamanha omissão existente na percepção dos conflitos sociais postos no âmbito da
modernidade capitalista quanto ao tema da ecologia e do meio ambiente. Poucas
são as palavras e articulações presentes, historicamente, nas agendas políticas das
organizações da classe trabalhadora ainda que estas se verifiquem atualmente em
uma crescente , e reduzidas também são as formulações de caráter teórico-
acadêmico acerca da realidade social. Essa afirmação torna-se profundamente
eloquente, porém, quando tomamos a contrapelo a experiência histórica das classes
trabalhadoras no capitalismo. Ou seja, quando a lemos desde suas efetivas tensões,
e não às enfaticamente declaradas disposições.
Mobilizamos, aqui, algumas construções que despontam da obra de Marx e
Engels como referência auto evidente desta articulação.
É, por exemplo, inescapável a percepção que as classes trabalhadoras
contemporâneas assim como a sua contraface exploradora têm origem que
remonta o apartamento de trabalhadores e trabalhadoras de seus meios de produção
no campo e o compulsório evadir à urbe, constituindo as bases das relações sociais
capitalistas contemporâneas. Este processo político e econômico, abordado por Marx
no capítulo XXIV do livro I d'O Capital3, tomado como a “assim chamada acumulação
primitiva”, revela-se desde as próprias percepções do Mouro em fins de sua vida, a
exemplo de seus olhares para a Rússia4, passando pelas importantes contribuições
de Rosa Luxemburgo5, até as contemporâneas discussões sobre seu caráter
permanente o modo por excelência de destruição das condições de ligação
3 MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I, “O processo de produção do capital”.
Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.
4 MARX, Karl. Luta de classes na Rússia (org. LÖWY, Michael). São Paulo: Boitempo, 2013.
5 LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação do capital: estudo sobre a interpretação econômica do
imperialismo. Tradução: Moniz Bandeira. Rio de Janeiro: Zahar 1970.
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material, social e cultural das classes trabalhadoras com o que concebemos enquanto
natureza não-humana, proporcionando fratura concreta originária que sustenta a
difusão ideológica, tipicamente cartesiana e profundamente avessa às percepções
marxianas expostas nos Manuscritos de 18446, de separação entre homem e natureza.
Este processo também projeta nuances ambientais na questão social ao
percebermos a dinâmica da urbanização nascente e crescente até os dias atuais ,
que enseja locais de trabalho e vivenda insalubres, sem qualquer preocupação com
saneamento, sendo, pois, nocivos à saúde dos trabalhadores e trabalhadoras, a
ensejar os germinais processos de organização e luta no âmbito da modernidade. A
clássica obra de Friedrich Engels A situação da classe trabalhadora na Inglaterra7 é
apenas um dos preciosos relatos que se somam a outros, de ordem noticiária,
literária e institucional a revelar, no irromper da industrialização da Europa
Ocidental, o modo como a dimensão ambiental era uma das determinações que
levavam a luta de classes a pulsar, desenhando o rol de reivindicações de um
movimento sindical também então nascente.
Não é de se estranhar, pois, que muito embora sem tratar especificamente de
questões ambientais no crucial capítulo VIII do livro I d'O Capital8, ao tratar da luta
pela jornada normal de trabalho e a conquista das Factory Acts, Marx nos conecta
não só a um dos temas fulcrais quanto a lida do tema como veremos adiante, ao
abordar os tempos de trabalho , mas remete a um repertório normativo que teve
seu primeiro marco em 1802. Nominadas em referência aos temas de Health and
Morals, as Factory Acts daquele ano foram instrumento fundacional do Direito do
Trabalho moderno, que tinha não outra temática que o meio ambiente de trabalho,
tratando da ventilação fabril e a higiene de espaços intensamente castigados pela
poluição de um então nascente contexto industrial.
***
6 MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Trad. Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2004.
7 ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2010.
8 MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I, “O processo de produção do capital”.
Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.
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O movimento sindical modo fundamental de organização e luta dos
trabalhadores e trabalhadoras no cerne da civilização capitalista, industrial,
moderna e ocidental e o sindicato cristalização institucional e instrumental deste
movimento social se conformaram, pois, articulados com demandas de caráter
ecológico ainda que avant la lettre, ou seja, antes mesmo que o termo fosse
cunhado ou tivesse seu uso tornado corrente. As clivagens instituídas entre o
movimento sindical e o movimento ambiental, porém, invariavelmente guardam
artificialidades e propositais intentos de dissociá-los, estranhá-los, e devem ser
guerreadas.
A quadra histórica que nos leva a vivenciar a acentuação da crise climática
em escala global e que marca já meio século proporcionou reviravoltas políticas
na lida com o tema. As classes proprietárias saem de uma completa desconsideração
do tema para um lugar que lhe confere crescente de visibilidade. De um lado pela
inescondível intensificação das lutas socioambientais na periferia da ordem
capitalista, percebido então que era o irromper do moderno movimento
ambientalista, mas de outro também no encontro da urgência de medidas para
contenções dos efeitos destrutivos do planeta no âmbito institucional.
Não é um acaso que justamente em momento correlato ao que nos órgãos de
direito internacional público o tema passe a ser pautado a exemplo da histórica, e
não menos contraditória, Conferência de Estocolmo, de 1972 que no âmbito dos
estados nacionais, sobretudo das nações centrais da ordem capitalista, desponte sob
os discursos de uma terceira via, que ao não aderir às perspectivas de um capitalismo
sem peias, mas solapando simultaneamente a luta pelo socialismo, a consolidação
da proposta de partidos “Verdes” que tem sua primeira instituição no mesmo ano
de 1972, na Austrália, e que, nas décadas subsequentes, se espalhará sob as mesmas
vestes ideológicas por todo mundo.
As elaborações teóricas não poderiam deixar de se impactar por esse
movimento social e político de caráter preponderantemente ecológico. Sem
desconsiderar suas potências sobretudo postas na denúncia de destruição do
planeta, no mais das vezes focada em um ou outro aspecto (poluição dos oceanos,
extinção de espécies, enfrentamento ao risco de um hecatombe nuclear etc) , não
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desconsideramos que no mais das vezes se viu repleto de contradições,
marcadamente pela característica de abandonar toda a herança de lutas
emancipatórias construída por séculos pelos oprimidos e oprimidas sob a égide do
capital. Por essa razão, patinou em seus intentos transformadores, ao se reclamar
novo, novíssimo, reinventor da roda, projetando aos seus intérpretes teóricos
correlata leitura.
Não por outra razão Alain Touraine9principal e mais referenciado intérprete
dos movimentos sociais do período, voltando-se não só às lutas ambientais, mas a
outras tantas caracterizar o movimento ambientalista como um dos “novos
movimentos sociais”. A formulação traz consigo sua contraface: existindo “novos”
movimentos sociais, por certo estes se anteporiam a “velhos”. A identidade de
classe, associada aos “velhos” movimentos sociais, é tida por ultrapassada, a criar
um apartamento forçoso entre trajetos, intentos e a própria eficácia da ação política
de cada um destes “troncos” do movimento social.
A abordagem do fenômeno a partir de desvios próprios do academicismo
contemporâneo que pautado pelo afã da de caracterizações fragmentárias e
pretensamente inovadoras, ancorada em leituras de manifestações aparentes e
pontuais dos fenômenos sociais, descuidando dos processos subjacentes e
estruturantes da ordem social capitalista vem ao encontro da própria agenda
liquidacionista promovida pelo capital que intenta reduzir o potencial crítico e
emancipatório das lutas sociais às perspectivas acomodadas à ordem capitalista e
que, quando muito, no seu seio promove reformas. Para tanto, a fratura em
estilhaços das agendas da luta social se faz imprescindível. Porém, como
demonstramos no item acima sintomaticamente a partir de formulações de Marx e
Engels , a imbricação entre as lutas da classe trabalhadora em seus sindicatos com
as lutas ambientalistas assim como as lutas antimachistas, antirracistas,
antiLGBTfóbicas, antixenófobas, entre outras é irredutível aos intentos teóricos de
promoção de sua fratura.
É a luta ecológica dos trabalhadores e trabalhadoras que, inclusive, nos faz
reconhecer as desigualdades ambientais que subsistem e se aprofundam sob o
9 TOURAINE, Alain. A Sociedade Post-Industrial. Trad. Ruth Delgado. Lisboa: Moraes, 1971.
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capitalismo. Não foi por outro caminho que o da luta sindical de negros e negras no
condado de Warren, Estados Unidos, que se pode cunhar a síntese do “racismo
ambiental”. A luta de camponesas na Índia, Nigéria, Brasil e outros rincões do globo
reclamou o reconhecimento do pronunciado efeito da crise climática sobre mulheres
dada a desigual recaída social e histórica do trabalho reprodutivo, constituindo todo
um campo de “ecofeminismos”. Um “ecologismo dos pobres”, como reclama Joan
Martinez-Alier10, ou dos trabalhadores pobres, que nos parece mais oportuno, denota
o quanto o centro e a periferia da ordem sofrem de modo diversos o prenúncio do
fim engendrado pelo capital.
As lutas ambientais são tão “velhas” quanto as lutas sindicais, e a estas se
emaranham no campo e na cidade no seio do modo de produção capitalista. A
necessidade de reatar esse nó pulsa desde as lutas sociaisque fazem cair por terra
artificiais separações e que reclama sua maturação no âmbito teórico.
***
De forma declarada ou subjacente, a questão ecológica desponta em um
conjunto de pautas e reivindicações do movimento sindical também na
contemporaneidade, encontrando no âmbito do Direito do Trabalho uma mediação
jurídica e institucional que serve de alicerce para passos na conquista de melhores
condições de vida, indispensáveis ao aprofundamento das condições organizativas e
mobilizadoras da classe trabalhadora no alçar de uma outra sociabilidade, socialista
e ecologicamente referenciada.
A primeira e mais evidente destas reivindicações é justamente à concernente
aos tempos de trabalho, que tem na definição da jornada normal de trabalho sua
baliza conformadora mais elementar, ainda que ali não se esgote: comporta os
intervalos remunerados, os dias de descanso (semanais, anuais, férias, feriados), e o
próprio cômputo do tempo de trabalho para fins de aposentadoria.
10 MARTÍNEZ-ALIER, Joan. L’écologisme des pauvres: une étude des conflits environnementaux dans
le mond. Trda. André Verkaeren. Paris: Les petits matins/Institut Veblen, 2014.
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É impossível dissociar a irrupção das lutas classistas no âmbito da modernidade
dos embates pela definição e redução das jornadas diárias11. A pauta pela jornada
normal de trabalho limitada a 8 horas sintetizada na campanha dos “três oitos”
articulou internacionalmente nossa classe e alcançou saldos concretos e
institucionalmente consagrados bastante significativos. Não é ocioso mencionar que
a Convenção n. 1 da Organização Internacional do Trabalho trata especificamente
sobre o tema e balizou a acomodação nacional da luta de classes em diversas partes
do planeta.
O tema traz consigo outras marcas importantes e atuais: coloca em questão,
por certo, o produtivismo que contamina tanto as perspectivas capitalistas como
até mesmo algumas referências de sociabilidade amparadas no marxismo, no pós-
capitalismo e na ação revolucionária , na medida que enfrenta a produção mercantil
pela simples produção, sem alcançar as necessidades e usos da massa maioria da
população, senão proporcionando o agrilhoar da vida de quem trabalha ao
assalariamento produtor de supérfluos. Coloca em xeque a subjugação capitalista do
tempo de vida, e abre horizontes para outras dimensões da vida e o empenho de
nossas energias: lúdicas, eróticas, artísticas, políticas etc. Ademais, é uma demanda
que se alinha diretamente à perspectiva da luta pelo pleno emprego da classe, o que
por si só traz impactos estruturais imensos ao desenho da contratação coletiva do
trabalho.
Soma-se ao tema o conjunto reivindicatório de demandas voltadas à
participação social no controle da produção e seus destinos naquilo que nomeia
Alexis Cukier um “trabalho democrático”12, que vão desde a luta por comissões de
fábrica à autogestão operária, que tem também no âmbito jurídico-institucional o
seu encontro. É na tomada de rédeas e definição dos processos produtivos e
reprodutivos da vida que o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras podem e
devem tomar consciência, testar os horizontes de sua existência, inclusive calibrando
o planejamento da atenção dos bens de vida de modo a se harmonizar com a
existência de toda vida humana e não humana.
11 LÖWY, Michael. BESANCENOT, Olivier. A jornada de trabalho e o “reino da liberdade”. Trad. Luiz
Antonio Oliveira de Araújo. São Paulo: Unesp, 2021.
12 CUKIER, Alexis. Le travail démocratique. Paris: PUF, 2018.
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Afinal, esse ajuste não virá da “benevolência” ou consciência do capital...
Pela própria referência ao originário processo de conformação juslaboral, é
inescapável ter em conta o quanto que a garantia de condições elementares de
saúde, segurança e higiene no trabalho não só mobilizam a classe, como guardam um
potencial imenso de transformação das relações humanas com seu ambiente. Isso
passa não só pela preservação de condições sanitárias mínimas para sustentação da
vida humana e não-humana no espaço de trabalho, como também o conferir de
segurança às vizinhanças das plantas industriais, áreas de mineração, fazendas etc,
compreendendo que os temas têm um alcance que transborda a subjetividade dos
próprios trabalhadores e trabalhadoras que se implicam no processo de
assalariamento e produção.
Demais disso, perceber que tais condições devem ser garantidas pelos
tomadores da força de trabalho, levando o conjunto de trabalhadores e
trabalhadoras a não se sujeitar a uma lógica de “compensação” monetária pela
violência às suas condições de vida haja vista se encontrar bastante distante de
uma possível equivalência ou da reparação de potenciais danos, como por meio, por
exemplo, do pagamento de adicionais de insalubridade, periculosidade e horas extras
aponta uma inflexão qualitativa importante, que assenta na garantia de uma boa
vida, não sujeita a riscos no trabalho, a principal referência, distante das
possibilidades de “venda” da saúde e sujeição a riscos laborais.
Desmercadorizar, pois, a saúde, segurança e higiene no trabalho são
imprescindíveis13.
Outra pauta histórica do movimento de trabalhadores e trabalhadoras é o da
estabilidade no posto de trabalho. Garantia fundamental da organização e
mobilização políticas dos trabalhadores e trabalhadoras, hoje é tomada por exceção
ao menos na realidade brasileira. Seu encontro com o enfrentamento da crise
climática aponta, porém, a necessidade de resgate da garantia desse direito, em
uma perspectiva de transição ecológica, a ser conferida aos postos de trabalho que
tendem a fenecer dada a inviabilidade estrutural de perpetuação de atividades
13 SEFERIAN, Gustavo. Onze Proposições sobre o Direito do Trabalho desde a Perspectiva
Ecossocialista. Teoria Jurídica Contemporânea, [s.l.], v. 4, n. 1, p. 89110, 2019.
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inerentemente ecocidas. São os casos dos postos de trabalho na indústria petrolífera
e petroquímica, nas minas de carvão e produtos nocivos à saúde humana a exemplo
do asbesto-amianto , nas usinas nucleares ou outros postos de trabalho perigosos e
insalubres que poderão ser mecanizados em outro arranjo de vida.
Ademais, o atravessamento da questão ecológica às lutas travadas no âmbito
do mundo do trabalho é capaz de trazer outras tantas medidas socioecológicas de
relevo. É o caso da efetivação de políticas públicas de fiscalização de condições de
trabalho, de viabilização de transporte público gratuito e de qualidade, da garantia
da existência autônoma e independente de outros modos de vida (como é o caso de
indígenas, quilombolas, ribeirinhos etc), da promoção de formações sindicais acerca
de questões ecológicas, podendo contemplar ainda outras tantas agendas, que não
dispensam nem podem dispensar a luta sindical na tarefa de construção de uma
transição ecológica necessária para nosso mundo.
***
O Direito do Trabalho pode ser tomado taticamente, assumindo por horizonte
a superação das condições materiais que o engendraram14. Ainda que no mais das
vezes as questões ecológicas, em seu atravessamento juslaboral, busquem se
coadunar com uma lógica que reclama a perpetuação do modo de produção
capitalista a exemplo da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e o apelo
posto desde os órgãos internacionais pela criação de green jobs, o atual estágio da
crise de civilização e a iminência de um colapso climático coloca em um outro
patamar de urgência a necessidade de que todos os esforços de mobilização social e
luta empenhada pelas classes trabalhadora possam se voltar ao combate da crise
climática.
Nesta aposta política, o horizonte civilizacional que tomamos por referência
é o que se convencionou chamar de ecossocialismo. Para além de uma alternativa
14 SEFERIAN, Gustavo. Direito do Trabalho como barricada: sobre o uso tático da proteção jurídica
das trabalhadores e trabalhadores. Belo Horizonte: RTM, 2021.
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civilizacional15, deve ser também percebido enquanto corrente política, que como
em outro escrito foi definido:
Trata-se de uma corrente de pensamento e de ação ecológica que faz suas as
aquisições fundamentais do marxismo ao mesmo tempo que o livra das suas
escórias produtivistas. Para os ecossocialistas a lógica do mercado e do lucro
assim como a do autoritarismo burocrático de ferro e do ‘socialismo real’
são incompatíveis com as exigências de preservação do meio ambiente
natural. Ainda que critiquem a ideologia das correntes dominantes do
movimento operário, eles sabem que os trabalhadores e as suas organizações
são uma força essencial para qualquer transformação radical do sistema, e
para o estabelecimento de uma nova sociedade, socialista e ecológica.”16.
Há, pois, um lugar fundamental para o movimento sindical, não só na luta por
direitos, mas na construção de um outro modo de vida que faça cair por terra esse
arranjo podre, doente, que é o capitalista. Suas ferramentas, suas táticas e modos
de organização institucionais ou não são imprescindíveis nesse redesenho de rumos
posto para a construção. O movimento sindical não pode se descolar das demandas
ecológicas, e muito menos podem o movimento ambientalista descurar de seu perfil
de classe.
***
Ambientada no contexto fabril do ABC Paulista no fim dos anos 1970, a
belíssima peça teatral “O pão e a pedra”, criada e dirigida por Sérgio de Carvalho
para a brechtiana Companhia do Latão17, tem seu desfecho marcado por um coro. A
“Canção de Eclesiaste” traz em seus versos, em transgressora inspiração bíblica,
como foi também a motivação de parte significativa do movimento operário que ficou
conhecido como “novo sindicalismo”, as seguintes palavras:
De manhã semeia tua semente
Até o cair da noite, não descanse tua mão
15 LÖWY, Michael. Crise ecológica, crise capitalista, crise de civilização: a alternativa ecossocialista.
Caderno CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 79-86, jan/abr 2013.
16 LÖWY, Michael.O que é ecossocialismo? 2a.ed. São Paulo: Cortez, 2014, p. 44.
17 CARVALHO, Sérgio de. O pão e a pedra. São Paulo: Temporal, 2019.
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SEFERIAN, Gustavo; LÖWY, Michael. Ecologia, Sindicalismo e Direito do Trabalho: Apresentação. Revista Jurídica
Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 7, p. 1-15, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.266.
Pois não te é dado o saber
Se esta ou aquela vingará
Ou se das duas cada uma será boa
Que doçura, a luz!
E como é bom nos olhos ver o sol!
Que os anos sejam numerosos na vida de um homem (3X)
Em um segundo entoar, há sutil, mas não menos importante, mudança nas
palavras do coro. Ao invés do último verso se repetir por três vezes, suas palavras
mudam: os anos já não devem ser apenas “numerosos”, devem ser também
“proveitosos”. Não devem ser apenas “numerosos”, devem ser “menos trabalhosos”.
Não devem apenas ser “numerosos”, devem ser “luminosos”.
A menção ao “homem”, também passa a ser à “mulher18.
Trabalho, aposta, ação transformadora e o imperioso reconhecimento da
heterogeneidade de nossa classe se entremeiam no coro que em sua forma e
conteúdo rompe as marcas do crescimento quantitativo e aponta ao saldo
qualitativo. A mudança dos versos revela o quanto não podemos ansiar apenas por
mais, mas construir algo melhor. Uma vida não apenas longa, mas digna de ser vivida.
Uma boa vida para todas e todos.
Compete ao movimento sindical, em seus imensos e complexos desafios de
reorganização na contemporaneidade, incidir diretamente na lida com a dimensão
climática da crise de civilização, com a urgência que o colapso que se anuncia impõe.
Esperamos com esse documento e com o dossiê ora apresentado possamos contribuir
com essa agenda de lutas.
18 Transformada em esperançosa canção de ninar, pode também ganhar o nome da criança embalada
para sonhos de um novo mundo...
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
SEFERIAN, Gustavo; LÖWY, Michael. Ecologia, Sindicalismo e Direito do Trabalho: Apresentação. Revista Jurídica
Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 7, p. 1-15, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.266.
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SEFERIAN, Gustavo; LÖWY, Michael. Ecologia, Sindicalismo e Direito do Trabalho: Apresentação. Revista Jurídica
Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 7, p. 1-15, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.266.
Gustavo Seferian
Professor da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). Bacharel, mestre e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Foi
pesquisador convidado, em sede pós-doutoral, do Centre d’Études en Sciences Sociales du Religieux do Centre
National de la Recherche Scientifique (CéSor/EHESS/CNRS) e do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal da Bahia (UFBA). Presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino
Superior (ANDES-SN). Lattes: http://lattes.cnpq.br/6051232864493698 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-
5587-6734. E-mail: seferianacad@gmail.com.
Michael Löwy
Doutor pela Universidade de Paris-Sorbonne. Diretor emérito de pesquisas do Centre National de la Recherche
Scientifique (CNRS). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5679-0927. E-mail: michael.lowy1@gmail.com.