Recebido em: 01/10/2024
Aprovado em: 30/10/2024
O Direito do Trabalho diante da iminência do fim do mundo
Labor Law in the face of the imminent
end of the world
El Derecho laboral ante el inminente fin
del mundo
Valdete Souto Severo
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3431442775934666
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1145-8140
RESUMO
Introdução: O artigo busca promover uma reflexão sobre a importância da
efetividade dos direitos trabalhistas.
Objetivo: O objetivo é provocar uma reflexão acerca da função que o Direito
do Trabalho tem a exercer, diante da precipitação de emergências
climáticas, que revelam o esgotamento de um modelo de sociabilidade
específico.
Metodologia: A metodologia será materialista histórica, pois articulará
pensamentos de autoras e autores que se filiam a uma visão crítica do
capitalismo, partindo de Marx como principal referencial teórico.
Resultados: O estudo evidencia que a questão social é exatamente o que
provoca o Estado, não sem resistências, a admitir a necessidade de acolher
algumas demandas de cuidado, através do Direito. No discurso do Direito do
Trabalho, o Estado reconhece a necessidade de proteção e cria mecanismos
não apenas de contenção, mas também de tensionamento e transgressão da
lógica capitalista. Ao estabelecer limites à jornada e ao salário ou impor
condições saudáveis de trabalho, reconhece-se a necessidade de cuidar das
pessoas, para que elas consigam viver sob a lógica do trabalho obrigatório,
sem adoecer ou morrer precocemente.
Conclusão: A conclusão é de que a efetividade dos direitos trabalhistas é
um caminho para a construção de discursos ainda mais transformadores, que
permitam outras formas de conviver com a natureza e com os demais seres,
de modo saudável e harmonioso.
PALAVRAS-CHAVE: cuidados; direito do trabalho; ecossocialismo;
emergência climática; vida.
ABSTRACT
Introduction: The article seeks to promote reflection on the importance of
the effectiveness of labor rights.
Objective: The aim is to provoke reflection on the role that labor law has
play in the face of climate emergencies that reveal the exhaustion of a
specific model of sociability.
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Methodology: The methodology will be historical materialist, as it will
articulate the thoughts of authors who adhere to a critical view of
capitalism, based on Marx as the main theoretical reference.
Results: The study shows that the social question is precisely what provokes
the State, not without resistance, to admit the need to meet certain
demands for care through the law. In the discourse of Labor Law, the State
recognizes the need for protection and creates mechanisms not only to
contain, but also to tension and transgress the capitalist logic. By setting
limits on working hours and wages or imposing healthy working conditions,
it recognizes the need to take care of people so that they can live under the
logic of compulsory work without falling ill or dying prematurely.
Conclusion: The conclusion is that the effectiveness of labor rights is a way
of building even more transformative discourses that allow other ways of
living with nature and other beings in a healthy and harmonious way.
KEYWORDS: care; climate emergency; ecosocialism; labor law; life.
RESUMEN
Introducción: El artículo pretende promover la reflexión sobre la
importancia de la efectividad de los derechos laborales.
Objetivo: El objetivo es provocar la reflexión sobre el papel que el derecho
del trabajo debe desempeñar frente a las emergencias climáticas que
revelan el agotamiento de un determinado modelo de sociabilidad.
Metodología: La metodología será histórico materialista, ya que articulará
el pensamiento de autores que adhieren a una visión crítica del capitalismo,
basada en Marx como principal referencia teórica.
Resultados: El estudio muestra que la cuestión social es precisamente lo que
provoca que el Estado, no sin resistencias, admita la necesidad de dar cabida
a determinadas demandas de cuidados a través de la ley. En el discurso del
derecho laboral, el Estado reconoce la necesidad de protección y crea
mecanismos no sólo de contención, sino también de tensión y transgresión
de la lógica capitalista. Al establecer límites a la jornada laboral y al salario
o imponer condiciones de trabajo saludables, reconoce la necesidad de
cuidar a las personas para que puedan vivir bajo la lógica del trabajo
obligatorio sin enfermar o morir prematuramente.
Conclusión: La conclusión es que la efectividad de los derechos laborales es
un camino hacia la construcción de discursos aún más transformadores que
permitan otras formas de convivir con la naturaleza y otros seres de forma
sana y armoniosa.
PALABRAS CLAVE: cuidados; derecho laboral; ecosocialismo; emergencia
climática; vida.
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INTRODUÇÃO
O tipo de humanidade zumbi
que estamos sendo convocados a integrar não tolera
tanto prazer, tanta fruição de vida.
Então, pregam o fim do mundo como uma possibilidade
de fazer a gente desistir dos nossos próprios sonhos.
E a minha provocação sobre adiar o fim do mundo
é exatamente sempre poder contar mais uma história.
Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim”.
Ailton Krenak1
Este artigo tem por objetivo provocar uma reflexão acerca da função que o
Direito do Trabalho tem a exercer, diante da precipitação de emergências
climáticas, que revelam o esgotamento de um modelo de sociabilidade específico.
A metodologia será materialista histórica, pois articulará pensamentos de
autoras e autores que se filiam a uma visão crítica do capitalismo, partindo de Marx
como principal referencial teórico.
Será dividido em tópicos. No primeiro, resgato a importância do conceito de
estranhamento em Marx, para reafirmar a centralidade da transformação do trabalho
em necessidade, como uma das razões para a dificuldade que temos em enfrentar a
(ir)racionalidade capitalista, apesar das evidências cada vez mais fortes, de que esse
modo de viver juntos interditará a possibilidade de futuro.
Em seguida, retomo o conceito, também marxiano, de corpo propriedade de
si, que acaba por justificar a troca entre capital e trabalho e sua forma de regulação
até hoje. O objetivo é mobilizar a ideia de violência concreta e simbólica, que a
condição de corpo propriedade de si gera, em termos de laços sociais.
Examino como o medo e a esperança são mobilizados, em uma forma de
convívio social que cotidianamente nos distrai e conduz à reprodução do
metabolismo do capital, de modo ainda mais opressivo e segregador, em um contexto
colonial-escravista como o do Brasil.
1 KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. p. 13.
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A partir disso, discuto, com a brevidade imposta pelo tamanho deste artigo,
os discursos que ao mesmo tempo convencem seres humanos de que são centro e
medida de todas as coisas e mercadoria que deve ser vendida no mercado, a partir
das condições possíveis de troca. Trago, ainda, algumas considerações sobre o que
significou a invasão portuguesa e como outros mundos possíveis ainda resistem,
dando condição de possibilidade para formas de convivência radicalmente diversas.
Por fim, examino o que o Direito do Trabalho tem a contribuir, como elemento de
transgressão à sociabilidade capitalista, pois estou convencida de que há uma função
transgressora que deve ser exercida por esse campo do discurso estatal.
1 O “fim do mundo” capitalista: estranhando a vida
Existem muitos escritos que denunciam a relação entre o capitalismo e a
impossibilidade de futuro, seja porque essa fórmula de convívio social sempre deixa
muita gente à margem, seja porque se fundamenta no esgotamento dos recursos
naturais2. O traço em comum, nesses escritos, é a impossibilidade de seguir pensando
o presente e o futuro, sob a lógica do capitalismo.
Em 2022, publiquei um artigo em que escrevi:
Todo esse desajuste que nos assusta em níveis tão diferentes não é acaso. O
Rio Grande do Sul ferve. Minas Gerais desmorona. A Bahia submerge. A Covid
infectará metade da Europa em poucas semanas. No Brasil, hospitais e
postos de saúde voltam a lotar. Já está cansativo repetir a relação disso com
o desmatamento acelerado da Amazônia, com a poluição dos rios, a emissão
de gases tóxicos, a produção de lixo, de exclusão e de miséria.3
A Bahia vivia uma enchente. Não com a dimensão agora vivida aqui no Rio
Grande do Sul, mas sem dúvida de modo assustador. Sugeri, então, a leitura do livro
Banzeiro Òkòtó, da Eliane Brum4. Ela, há décadas, vem denunciando, em todos os
2 AZAM, Geneviève. Carta à Terra: e a terra responde. Belo Horizonte: Relicário, 2020.
3 SEVERO, Valdete Souto. Nos deram espelhos e vimos um mundo doente. Brasil de Fato. Porto Alegre,
17 de jun. de 2022. Disponível em: https://www.brasildefators.com.br/2022/01/17/nos-deram-
espelhos-e-vimos-um-mundo-doente. Acesso em: 27 nov. 2024.
4 BRUM, Eliane. Banzeiro òkòtó: uma viagem à Amazônia Centro do Mundo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2021.
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seus escritos, o resultado da política ambiental predatória. Já então, eu sustentava
que é impossível seguir fingindo que tudo está bem. Afinal, tragédias climáticas não
são eventos que ocorrem sem a interferência humana. Pelo contrário, situações como
essas decorrem diretamente do modo como nos organizamos “sob a lógica da troca
de dinheiro por trabalho”, e pelo fato de reduzirmos “tudo, inclusive nossas
florestas, à condição de mercadoria”:
Trabalhar não é escolha e sobra quase nada de tempo para todo resto. Nossa
comida está envenenada, nossa água está contaminada. Pode parecer
estranho, mas eleger pessoas mentalmente perturbadas e terraplanistas
diante de uma realidade como essa até que faz algum sentido. Quando tudo
parece estar perdido, o que resta é um agora distópico em que as satisfações
imediatas valem mais do que a preservação do futuro. Afinal, não há futuro.
Em um tal cenário, as propostas de construção de uma sociedade fraterna e
solidária, sem miséria e com a preservação da dignidade dos seres humanos
e não humanos, que aparece no texto da Constituição de 1988, revelam-se
inatingíveis. De que vale tanto esforço para alterar uma sociedade que se
autodestruirá nas próximas décadas? Se não há futuro, não há nada a fazer,
senão esgotar o que ainda resta. (…)
Pensar que não há futuro não deve ser razão para o desespero, mas também
não serve ter esperança se nada em nossa realidade nos autoriza a acreditar
que mudaremos a forma como estamos nos destruindo. A urgência da
superação de uma sociabilidade que esgota seres humanos e não humanos
não se dará com esperança. Também não ocorrerá com o medo, esse outro
afeto tão mobilizado por quem detém poder, especialmente em ano de
eleição.5
A destruição ambiental não é um simples exemplo. Uma realidade de trabalho
obrigatório, fundada no medo, impede a implicação política. Sem trabalho não
conseguimos comprar aquilo de que precisamos para seguir vivendo. As pessoas que
nascem e crescem em uma realidade capitalista pensam a si mesmas e aos demais
de determinada maneira. Como insiste Safatle6, não se deseja, não se goza, não se
vive do mesmo modo dentro e fora do capitalismo. Se crescemos e passamos toda a
nossa vida adulta trocando trabalho por capital (se tivermos a sorte de ter um
trabalho), para obter, por meio dele, o dinheiro e, então, possuir mercadorias, nossa
5 SEVERO, Valdete Souto. Nos deram espelhos e vimos um mundo doente. Brasil de Fato. Porto Alegre,
17 de jun. de 2022. Disponível em: https://www.brasildefators.com.br/2022/01/17/nos-deram-
espelhos-e-vimos-um-mundo-doente. Acesso em: 27 nov. 2024.
6 SAFATLE, Vladimir. O Circuito dos afetos. São Paulo: CozacNaify, 2015.
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relação com os demais seres e objetos, e conosco, será diversa. Ainda estou à procura
de alguém que trate desse tema melhor que Marx. A verdade é que ele é de uma
lucidez que impressiona.
Quando esmiúça seu conceito de estranhamento, Marx não faz apenas o
diagnóstico da sociedade que enxerga. Ele revela o potencial catastrófico do modelo
capitalista de vida. Nos Manuscritos, por exemplo, Marx7 chama a atenção para o
fato de que no trabalhador, “o capital é o homem totalmente perdido de si”, tal
como no capital “o trabalho é o homem totalmente perdido de si”. A relação social,
que passa a ser a condição para existir como ser humano, causa estranhamento,
cisão. Isso revela que o processo de formação de um outro modo de viver juntos
implica um novo discurso sobre ser humano. Um discurso que isola os portadores de
mercadoria não apenas dos demais seres viventes, mas especialmente daquelas
pessoas que sequer terão a possibilidade de fruir desse status de ser que produz
capital.
Como escreve Rolnik8, a dissociação que a forma capitalista de vida opera em
relação a nossa condição de viventes, “nos destitui do saber-do-vivo”, bloqueia
nossas experiências, nossa capacidade de “imaginar um outro mundo e de se
reimaginar distinta do que considera ser seu suposto si mesmo”. É o que a autora
chama de regime de inconsciente colonial-capitalístico e define como “a redução da
subjetividade à sua experiência como sujeito, o que exclui sua experiência imanente
à nossa condição de viventes, o fora-do-sujeito” (grifo nosso)9.
Quando n´O Capital, Marx10 refere que o trabalho é uma forma de interação
com a natureza, é a isso que ele está se referindo. Ao ponto nevrálgico do
capitalismo: tornar o principal modo de conexão (a forma, portanto, de nos
constituirmos como seres entre outros seres) um produto; uma mercadoria que,
7 MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 91.
8 ROLNIK, Sueli. Esferas da Insurreição: notas para uma vida não cafetinada. 2. ed. São Paulo: N-1,
2019. p. 67.
9 ROLNIK, Sueli. Esferas da Insurreição: notas para uma vida não cafetinada. 2. ed. São Paulo: N-1,
2019. p. 110.
10 MARX, Karl. O Capital. (Livro I). São Paulo: Boitempo, 2013.
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embora passe a ser lida como atributo do ser (a força de trabalho, afinal de contas,
não se separa do sujeito que trabalha), não pertencerá a todas as pessoas: isso nos
isola. Impede de perceber que vivemos entre outros seres, cujas vidas importam
inclusive na condição de possibilidade material para continuarmos existindo.
O discurso do capital nos separa artificialmente, enquanto seres com
possibilidade de trocar trabalho por capital, não apenas da natureza, mas também
dos demais seres viventes e das pessoas que, desde o início, já são classificadas
(lidas) como despossuídas da capacidade de vender-se no mercado. O trabalho
assalariado torna-se estranho em relação ao produto do trabalho, que não
permanecerá mais nas mãos do(a) trabalhador(a), mas também em relação ao mundo
natural que se torna matéria prima para consumo. Torna-se estranho, ainda, em
relação ao(à) outro(a) que se apropriará do trabalho e em relação a ele(a) mesmo(a),
pois se compreenderá como propriedade que se vende, em uma relação entre coisas
(e não entre pessoas). Estranho no sentido de perder sua condição de realização da
vida, passando à condição de mercadoria11.
Isso significa, em termos de ressignificação dos vínculos sociais, a
impossibilidade de pensar proteção social, cuidado, continuidade da vida, sem uma
crítica profunda e transformadora do modelo de sociedade em que vivemos. Algo que
tem direta implicação com a questão ambiental. Destruir o planeta, interditar a
possibilidade de futuro, diz com essa noção de que somos senhores de uma vontade
a que todas as demais existências devem se submeter e de que, como sustentou
Locke12, “deus mandando dominar, concedeu autoridade para a
apropriação”. Quando as relações sociais passam a ser compreendidas como relações
entre coisas, as pessoas estabelecem laços sociais a partir da compreensão de que
são “iguais possuidores de mercadorias, com a única diferença de que um é o
11 SEVERO, Valdete Souto. Elementos para o uso transgressor do Direito do Trabalho:
compreendendo as relações sociais de trabalho no Brasil e a função do Direito diante das
possibilidades de superação da forma capital. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo: ESA, 2020.
12 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os limites e os fins
verdadeiros do governo civil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. p. 48.
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comprador e o outro, o vendedor”13. E mercadorias não se implicam, não precisam
cuidar umas das outras.
O vínculo com o(a) trabalhador(a) não se estabelece por qualquer outro
motivo, que não seja o de adquirir o que ele(a) tem a oferecer: a força de trabalho.
Mas aqui é importante fazer uma pontuação. Quase sempre, quando se discute essa
ideia de estranhamento do trabalho em uma sociedade capitalista, com quem tem a
experiência real do trabalho assalariado, surge a objeção de que nessa relação há
muito mais do que duas mercadorias que se encontram. E isso sem dúvida é uma
realidade. O que Marx sustentou é que a escolha de fazer laço se dá a partir da
necessidade. A necessidade de força de trabalho, por quem a toma; a necessidade
de sobrevivência, de quem a vende. Essa necessidade que provoca a existência do
laço não impede, por óbvio, que a partir do momento em que a relação de trabalho
inicia, muitas outras implicações afetivas ocorram.
O efeito que essa disciplina capitalista dos corpos gera em termos de laço
social é, para Marx14, a supervalorização da “essência mesquinha”, que produz a luta
de todos contra todos, a partir de um imperativo de concorrência que dificulta a
possibilidade de desenvolver condições sociais para uma outra forma de viver juntos.
Afinal, se há alguém que se apropria dos frutos do meu trabalho, daquilo que nele é
vida genérica, daquilo que o torna significativo, essa pessoa será necessariamente
alguém contra mim15. E por que deveríamos cuidar de nossos inimigos?
O capitalismo, portanto, potencializa a ruptura com a solidariedade. Ao
reduzir tudo à condição de mercadoria (que circula por meio do uso do dinheiro),
esse sistema se coloca contra o indivíduo e contra os vínculos sociais. A dificuldade
de compreender que estamos todas implicadas, pessoas humanas e não-humanas, em
uma cadeia de relações, a partir das quais o que ocorre com uma formiga interfere
no que poderá ocorrer comigo (refiro-me, aqui, a uma fala em que a Monja Pema
13 MARX, Karl. O Capital. (Livro I). São Paulo: Boitempo, 2013. p. 242-244.
14 MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.
15 MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.
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Chödrön dá exatamente esse exemplo) tem íntima relação com o laço social
fundamental na sociedade capitalista: a relação de emprego.
Essa é uma questão crucial para o enfrentamento da crise ambiental
provocada pelo nosso modo de conviver16, mas também é essencial para a
compreensão da função que normas de proteção social podem e devem exercer, para
tensionar e transgredir essa ordem autofágica. Se queremos adiar o fim do mundo,
como propõe Krenak no livro que serve de epígrafe para este artigo, é preciso lidar
com os instrumentos dessa forma de sociabilidade, para tensioná-la e transformá-la
radicalmente. Aí é que entra o Direito do Trabalho, porque é essa a parte do discurso
do Estado que fundamentalmente sustenta a noção de um sujeito propriedade de si.
2 Ninguém é dono de nada! A falácia do conceito de “propriedade de si
Na materialidade das relações jurídicas, o trabalho é compreendido como
instrumento (minha propriedade), através do qual é possível obter os bens
necessários à sobrevivência. A relação de troca entre trabalho e capital não é apenas
objeto de estudo do Direito do Trabalho; é a principal relação jurídica nesse modelo
de organização social em que vivemos. É preciso trabalhar para ter acesso até mesmo
à água ou ao alimento. Então, o discurso de que força de trabalho é mercadoria e de
que trabalhar é exercer liberdade, instaura uma violência que impede que se
questione a forma como usamos nosso tempo de vida.
Essa é uma violência objetiva: o trabalho perde tanto da sua condição de
realização humana, quanto ganha tornar-se meio para conseguir um salário e, então,
sobreviver. A vida transcorre em um ambiente, de um modo, em condições que não
escolhemos; são determinadas por quem se apropria desse tempo, desse esforço.
Essa troca não é uma possibilidade, nem mesmo uma opção, para muitas pessoas,
pois só alcança os humanos capazes, segundo o discurso do Direito, de vender força
de trabalho. Por consequência, todos os demais seres (humanos ou não) passam,
16 SAITO, Kohei. O Ecossocialismo de Karl Marx. São Paulo: Boitempo, 2021.
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nesse mesmo discurso, à condição de objeto (de consumo, de espoliação). As
mulheres foram inicialmente confinadas no espaço doméstico, realizando um
trabalho não remunerado e, portanto, fora do campo do que passa a ser reconhecido
como ser humano. Do mesmo modo, as pessoas com dificuldades mentais ou físicas,
assim como aquelas lidas como “uma coisa viva e pensante (um corpo-mente) cuja
capacidade produtiva (trabalho) deve ser extraída e pode ser permutada”17 sem
remuneração foram igualmente destituídas, no discurso capitalista, da condição de
seres humanos. Foram simplesmente excluídas por não preencherem o atributo
básico da noção de ser humano: ser um sujeito propriedade de si. Por isso Marx18
escreve que:
A propriedade privada nos fez tão cretinos e unilaterais que um objeto
somente é o nosso [objeto] se o temos, portanto, quando existe para nós
como capital ou é por nós imediatamente possuído, comido, bebido, trazido
em nosso corpo, habitado por nós etc., enfim, usado.
Imagina então se formos pensar nos demais seres viventes, (ab)usados para a
fruição e para a acumulação de uma riqueza artificialmente produzida. Sob a lógica
capitalista, a propriedade privada é tudo o que, em tese, tenho permissão para
possuir. E o sucesso depende de conseguir acumular cada vez mais propriedade.
Todas as vidas, que não sejam aquelas reconhecidas como proprietárias de força de
trabalho, serão reduzidas à condição de objeto. Por isso, Marx19 escreve que o ter
assume o lugar “de todos os sentidos físicos e espirituais”, o lugar do ser. E chama
isso de “absoluta miséria” a que foi reduzida a essência humana.
A violência objetiva está, portanto, no fato de tratar a vida e a todos os seres
vivos como coisas consumíveis, descartáveis. E atribuir às pessoas o dever de
negociar a propriedade força de trabalho (o tempo de vida). O que aparece como
exercício da liberdade de trabalhar é, na realidade, trabalho “forçado”20. Essa
17 SILVA, Denise Ferreira da. A dívida impagável: uma crítica feminista, racial e anticolonial do
capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 2024. p. 38.
18 MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004. p. 108.
19 MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 108-109.
20 LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou revolução? 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
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violência é simbólica, mas também concreta, pois tem efeitos na materialidade da
vida de todas as pessoas.
O medo, que aparece como sintoma da condição humana, é potencializado
nessa forma de organização social que produz mais desamparo, enquanto promete
segurança. O medo de perder o emprego; de não ser suficientemente bom em vender
força de trabalho e, por consequência, perder a possibilidade de seguir vivendo. O
medo que faz pensar que não somos capazes de ocupar determinados espaços
políticos21; que é preciso ter inimigos a quem dominar, explorar ou eliminar22.
3 “Super-homem” ou “resto”: quem é afinal do sujeito do Direito do Trabalho?
Aprendemos que a modernidade é racional e, portanto, fundada em escolhas
realizadas a partir de um pacto, formulado por homens dotados de inteligência. Não
é racional, porém, destruir o ambiente para fazer prédios enormes ou acabar com o
equilíbrio entre as espécies nas zonas costeiras para construir condomínios com
piscinas artificiais. É tudo tão distópico, quanto ver ruas do centro de Porto Alegre
repletas de água com esgoto, ocupadas por embarcações dirigidas por pessoas
voluntárias que resgatam quem está ilhado, algo que vivi pessoalmente, em maio
deste ano de 2024.
Foi a maior enchente da história de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Milhares de pessoas afetadas; dezenas de mortos e tanta gente desalojada23.
Resultado da crise climática, seus efeitos catastróficos têm origem também em
escolhas políticas que privilegiam o lucro, através do desmanche do Estado, da
privatização de serviços essenciais como o de tratamento da água e do esgoto, da
21 FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.
22 AZEVEDO, Celia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites
século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
23 Até o dia 25/5/2024 foram registradas 61 pessoas desaparecidas; 166 mortes confirmadas; 806
pessoas feridas. Mais de 55 mil pessoas estão vivendo nos abrigos instalados em diversas cidades. Logo
após a tragédia havia 581.633 pessoas desalojadas e 71.503 pessoas em abrigos. VEJA os números mais
recentes das enchentes no RS desta terça-feira. Zero Hora, Porto Alegre, 21 maio 2024. Disponível
em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2024/05/veja-os-numeros-mais-recentes-das-
enchentes-no-rs-desta-terca-feira-clwgczzfc00gx012wt6mbbpvs.html. Acesso em: 21 maio 2024.
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destruição de árvores nativas para a construção de prédios e shoppings24. Uma
catástrofe climática que nos impede de seguir, pelo menos por algum tempo, agindo
como se fôssemos imortais, como se nossa rotina garantisse alguma segurança, pois
tudo ficou fora do lugar.
É tanta dor, tanto desajuste, tanto desespero, tanto a nos relembrar a
fragilidade da condição humana. No livro Antropologia do Ciborgue: as vertigens do
pós-humano25, o primeiro texto inicia com a seguinte frase: “a subjetividade humana
é, hoje, mais do que nunca, uma construção em ruínas”. É o sentimento que tenho,
enquanto escrevo esse texto. Reconstruir uma vida cotidiana que aconteça “em
conexão parcial com os outros, em comunicação com todas as nossas partes” 26,
passa a ser o desafio mais urgente.
A catástrofe que estamos vivendo no Rio Grande do Sul precipita a necessidade
de compreender e enfrentar o medo que todo esse desajuste atualiza. Como escreve
Safatle27, a crise ecológica “sempre será acompanhada” da crise psíquica, a exigir
uma negação “do tipo de sujeito que nos tornamos”.
O que chamamos capitalismo é uma organização da vida em grupo, em que
nem a terra, nem a comida é dividida. Tudo é vendido. Logo, a relação social de
troca entre capital e trabalho é aquela que garante o funcionamento de todas as
demais relações sociais. Uma forma de sociabilidade que, segundo Federici28, é o
resultado de um movimento contrarrevolucionário para a manutenção do poder nas
24 São inúmeras as reportagens e pesquisas que demonstram que catástrofes climáticas como essa são
resultado da ação humana: PRAZERES, Leandro. Como troca de vegetação nativa por soja pode ter
agravado as enchentes no Rio Grande do Sul. BBC News Brasil, Brasília, 15 maio 2024.
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cjmkkxzv2k2o. Acesso em: 21 maio 2024; O
negacionismo climático de Eduardo Leite. Blog da Boitempo, 14 maio 2024. Disponível em:
https://blogdaboitempo.com.br/2024/05/14/o-negacionismo-climatico-de-eduardo-
leite/#:~:text=O%20estado%20virou%20o%20grande,%C3%A9%20hora%20de%20procurar%20culpados.
Acesso em: 21 maio 2024.
25 HARAWAY, Donna; TADEU, Tomaz; KUNZURU, Hari. Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-
humano. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. p. 9.
26 HARAWAY, Donna; TADEU, Tomaz; KUNZURU, Hari. Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-
humano. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. p. 99.
27 SAFATLE, Vladimir. Alfabeto das colisões: filosofia prática em modo crônico. São Paulo: Ubu
Editora, 2024. p.103.
28 FEDERICI, Silvia. O Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante,
2017.
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Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 7, p. 1-29, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.260
mesmas mãos. Algumas das iniciativas insurgentes conseguiram prevalecer por algum
tempo29. Era a esperança, acompanhando o medo. Uma esperança que estimulava as
descobertas científicas e as novas compreensões filosóficas sobre quem somos e
porque vivemos.
No Discurso do Método, publicado pela primeira vez em 1637, Descartes30
afirma que se já não podemos confiar nos sentidos, nem no senso comum, nem na
razão, então é possível que tudo o que julgamos ser realidade não passe de um sonho.
Mas, ele continua: “examinado com atenção o que eu era, e vendo que podia supor
que não tinha corpo algum e que não havia qualquer mundo, ou qualquer lugar onde
eu existisse”, pelo fato mesmo de “eu pensar em duvidar da verdade das outras
coisas”, seguia-se “mui certamente que eu existia” 31.
Há, então, uma só certeza: a capacidade racional de duvidar32. Esse
deslocamento do “lugar de enunciação” para o próprio sujeito tem, segundo
Arendt33, o objetivo de fugir dos dois pesadelos da condição humana: o de que tudo
é um sonho e, portanto, não existe realidade; e o pesadelo de que não existe Deus;
estamos sozinhas, entregues à nossa sorte. O problema é que, a partir daí o “mundo
da experimentação científica sempre parece capaz de tornar-se uma realidade
criada pelo homem”. Essa possibilidade, ao contrário de aumentar o poder humano
de criar e de agir, aprisiona-o, “agora com muito mais eficácia”, “na prisão de sua
própria mente”34.
A relação desse discurso com o modelo de circulação e de acumulação de
riquezas que estava se consolidando é bem fácil de perceber. Priorizar a ciência em
lugar da filosofia, é priorizar a produção de mercadorias, o fazer em lugar do
29 FEDERICI, Silvia. O Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante,
2017.
30 DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
31 DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 22-23.
32 DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
33 ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2002.
34 ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p.
301-303.
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pensar35. Um fazer que inicialmente se sustenta no discurso da facilitação da vida,
que a tecnologia consegue proporcionar, mas que irá bem em seguida transformar-
se na produção para a circulação e acumulação de riqueza. Estamos diante de um
super-homem, capaz de obter a verdade, através de procedimentos que ele mesmo
inventa. Descobertas científicas inquietantes, como o telescópio ou a prensa, foram
feitas num período em que o sistema medieval de organização já estava em
esgotamento. A visão cartesiana tornou-se essencial, portanto, para a sustentação
da linguagem capitalista36.
Kant37, na Metafísica dos Costumes, escreve que a humanidade até poderia
subsistir “se ninguém contribuísse para a felicidade dos outros”, mas não poderia
manter-se, caso não houvesse um esforço de cada indivíduo, para contribuir com “os
fins dos seus semelhantes”. Ou seja, embora de perspectiva diversa, também coloca
a razão humana no centro das discussões filosóficas. Mantém, portanto, os dois
problemas fundamentais identificados no cartesianismo: a razão humana (mesmo
que agora universal) é o fundamento da verdade e os demais seres viventes seguem
como objetos de estudo e de fruição. Por isso, Spivak38 refere que o sujeito kantiano
é geográfica e historicamente localizado: é o sujeito burguês europeu, para quem
deus é sua imagem e semelhança, enquanto a natureza e os demais seres vivos são
objetos para seu usufruto. Para essa autora39, toda a construção kantiana acerca do
conhecimento é uma justificativa para que a Europa seja o legislador global” .
Bem, o que as mudanças sociais, econômicas e científicas produziram, nós
conhecemos. Uma sociedade de corpos “submissos e exercitados, corpos dóceis”,
sem força de resistência ao modo capitalista de viver, gerando obediência,
35 ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2002.
36 HARAWAY, Donna. O manifesto das espécies companheiras: cachorros, pessoas e alteridade
significativa. 1. ed. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.
37 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 2007. p. 71.
38 SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Crítica de la razón psconolonial hacia uma historia del presente
evanescente. Madrid: Ediciones Akal, 2010.
39 SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Crítica de la razón psconolonial hacia uma historia del presente
evanescente. Madrid: Ediciones Akal, 2010. pp. 26-34.
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resiliência e mesmo a sensação de que não há outro modo possível de
existir40. Atualmente, melhor seria definir como uma sociedade de corpos adoecidos,
exaustos, entristecidos, sem perspectivas diante da colonização cada vez maior do
tempo de vida pelo trabalho, da conexão a redes sociais que nos desconectam da
realidade material e da inafastável realidade da destruição ambiental41.
Portanto, em lugar de um super-homem, o que efetivamente se produziu,
especialmente em países colonizados, foi um resto, seja de corpos descartáveis, seja
daqueles que detêm o privilégio de trabalhar por salário, cuja existência parece cada
vez mais destituída de sentido.
Nas sociedades racializadas, fica ainda mais evidente a falácia do discurso
moderno. Por aqui, nunca se tratou de disseminar o discurso da igualdade, em
relação às pessoas indígenas e negras. A racialização desses corpos interditou a
possibilidade de considerá-los sem a cor da sua pele. Não há lugar para essas pessoas
“no espaço neutro" do sujeito universal. Se “tudo o que sobra nesse processo, o que
não pode converter-se ou equiparar-se dentro dessa grade equalizadora, é resto”,
como afirma Segato42, por aqui todos somos resto. Também é essa a compreensão
de Denise Ferreira da Silva43, quando afirma que, “não estando em nenhum dos
lados, humano ou coisa”, a pessoa escravizada não tem lugar na estrutura jurídica
que fundamenta o sistema capitalista. Não tem vontade ou desejo, “na condição de
propriedade privada de alguém, ela desafia qualquer tentativa de estabelecer a
autenticidade de qualquer coisa dita para sinalizar interioridade”. Sendo uma
mercadoria entre mercadorias, a pessoa escravizada é objeto de troca e de trabalho,
tal como “o cavalo ou a terra”.
40 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
41 SAFATLE, Vladimir; SILVA JUNIOR, Nelson; DUNKER, Christian (Orgs). Neoliberalismo como gestão
do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.
42 SEGATO, Rita Laura. Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário
estratégico descolonial. e-cadernos CES [Online], 18, 2012. Disponível em
http://journals.openedition.org/eces/1533. Acesso em: 27 nov. 2024.
43 SILVA, Denise Ferreira da. A dívida impagável: uma crítica feminista, racial e anticolonial do
capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 2024. p. 299.
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Essa realidade de violência radical implica outras formas de sociabilidade e
de compreender relações sociais. Dentro do mesmo quadro de referências que cria
o sujeito universal (branco, proprietário, heterossexual), há uma realidade de sua
ausência efetiva. A impossibilidade de encontrar esse sujeito universal na
materialidade das relações sociais em nosso “entre mundos”, implicará outras
relações de poder. A hipótese de que outra racionalidade se instaura a partir da
colonização, no “entre-mundo da modernidade” que habitamos, permite
compreender como “preservam-se as nomenclaturas e ocorre uma miragem, um mal-
entendido, uma falsa impressão de continuidade do velho ordenamento com seu
sistema de nomes, formalidades e rituais que aparentemente permanece, mas que
agora é regido por outra estrutura”44.
Por concordar com isso, tenho me referido a uma racionalidade escravista,
que permeia, condiciona e determina as relações sociais, a partir de outras bases,
criadas com a invasão e o que dela resultou. Então, embora tenhamos importado a
linguagem (contrato; relação de trabalho; sujeito de direitos; etc), somos o resultado
de um processo de mutação em que as vivências que já existiam foram confrontadas
com aquelas impostas pelos invasores e permeadas por novas formas de relação,
determinadas pela invenção da raça. E isso tem influência direta na forma como
pensamos e praticamos regras de proteção social, como as trabalhistas.
O que sobra, entre a razão capitalista europeia e a racionalidade escravista
imposta a partir da invasão das Américas, não é apenas um novo discurso acerca das
relações sociais. É também o que resulta dos afetos que circulam a partir desses
discursos aparentemente conflitantes.
44 SEGATO, Rita Laura. Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário
estratégico descolonial. e-cadernos CES [Online], 18, 2012. Disponível em
http://journals.openedition.org/eces/1533. Acesso em: 27 nov. 2024.
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4 Por uma arqueologia de outros mundos possíveis
Após anos de dominação violenta, para convencer a classe trabalhadora
europeia de que habitava corpos propriedade de si, confrontar-se com povos que
viviam de modo diverso constituiu um grande desafio. As vivências comunitárias no
que os europeus chamaram América eram a antítese da sociedade capitalista, tinham
potencial para comprometer todo o projeto da modernidade. Pessoas vivendo em
comunidade e em harmonia com a natureza. Pessoas que não produziam nem
acumulavam bens, e cujo sentido da vida era completamente diverso. Pessoas que
conversavam com o mar, com o sol, com as árvores, que respeitavam o ciclo biológico
e a razão de existência, dos demais seres. Pessoas que não estavam interessadas em
vestir roupas, comprar joias ou negociar imóveis. E que viviam em um verdadeiro
paraíso, repleto de espécies animais, vegetais e minerais desconhecidas, em uma
vastidão de terras que mais do que duplicou o mundo conhecido até então.
Nas Cartas de Américo Vespúcio à Coroa portuguesa, datada de 15/01/1503,
ele descreve exatamente isso: uma sociedade que vive em comunidade, sem bens
materiais ou vontade de tê-los. Pessoas que desconhecem a riqueza, não usam o
dinheiro como mediador universal das mercadorias. Não há trabalho assalariado. A
comunidade pertence à terra, e não o contrário. A sexualidade é livre, não existem
partes libidinosas ou proibidas nos corpos, “andam por aí nus”45. O que encontraram
aqui, portanto, não foram selvagens, mas pessoas que conviviam em uma
sociabilidade complexa, fundada na interação com a natureza, na percepção de
totalidade, que determinava uma compreensão profundamente diversa sobre o
significado da existência46.
O capitalismo é avesso à proteção dos demais seres, à concepção da Terra
como um lugar que habitamos, à ideia de transcendência e intersubjetividade. É o
45 VESPUCCI, Amerigo. Novo mundo: as cartas que batizaram a América. 1. ed. Rio de Janeiro:
Fundação Darcy Ribeiro, 2013.
46 PÁVON-CUÉLLAR, David. Além da psicologia indígena: concepções mesoamericanas da
subjetividade. São Paulo: Perspectiva, 2022.
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“abuso da vida”, como escreve Rolnik47. O ponto aqui é que não há como
compreender as relações de poder em um país colonizado, da dimensão do Brasil,
sem considerar que a razão europeia que foi imposta por aqui teve de conviver e de
se contaminar com o que já existia, por isso resultou algo novo, para o bem e para o
mal.
O discurso da modernidade colonizadora não se sustentou, portanto, apenas
em um medo real do diferente ou na crença verdadeira da razão europeia, como algo
mais desenvolvido ou melhor. Tratava-se de expurgar um jeito radicalmente
diferente de compreender a vida. Não é um acaso que hoje, diante da crise aguda
dessa forma de viver em comunidade, muitas de nós busquem no misticismo indígena
e nas religiões de matriz africana a reconexão com um modo de existência que já
era praticado, antes da invasão.
No livro A Queda do Céu, Davi Kopenawa48 narra como os “brancos” se
espantaram com a subjetividade indígena e com uma sociabilidade em que "morria-
se pouco”, “morria-se velho”; as mercadorias, chamadas “matihi”, eram apenas “os
adornos com que se arrumavam para as festas”49; a terra era sua casa e o sentido da
vida era totalmente outro. E descreve o processo violento de sujeição a que seu povo
foi submetido.
Eliane Brum50, no texto A conversão dos Povos-floresta em pobres, relata
como a expulsão de famílias ribeirinhas para a construção da usina de Belo Monte em
Altamira significou retirar-lhes toda a possibilidade de viver dentro de uma
racionalidade não-capitalista. Eliane encerra o capítulo com essa frase: “ser pobre é
não ter escolha”51. Esse exemplo mostra como ainda há resistência, ou seja, ainda
47 ROLNIK, Suely. Esferas da Insurreição: notas para uma vida não cafetinada. 2a edição. São Paulo:
N-1, 2019.
48 KOPENAWA, Davi. ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo:
Companhia das Letras, 2015. p. 175.
49 KOPENAWA, Davi. ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo:
Companhia das Letras, 2015. p. 409.
50 BRUM, Eliane. Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2021.
51 BRUM, Eliane. Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2021. p. 116.
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existem pessoas que vivem a vida sob uma lógica oposta àquela do capital, mesmo
quase 500 anos após o início da predação violenta promovida pela lógica
colonizadora. Aliás, essa é uma pista fundamental para engendrar alternativas de
futuro, se quisermos ter um futuro. Não apenas compreender que a sociabilidade
capitalista é insustentável, mas aprender com quem sempre soube e resistiu a isso.
Como escreve Krenak52, para muitas pessoas, o fim do mundo foi no Século
XVI, não só por terem sido eliminadas pelas doenças dos brancos, mas também pela
apropriação violenta da terra e a imposição de um outro modo de vida, radicalmente
diverso e potencialmente capaz de destruir até a sua capacidade de sonhar.
Além disso, o exemplo trazido por Brum retrata de forma muito nítida a
violência do capital; o modo como a sociabilidade capitalista subverte o que
realmente importa para uma vida plena de sentido, promovendo sofrimento e
eliminando as possibilidades de bem viver. É também revelador do que efetivamente
fez os europeus sentirem medo. Depois de séculos de dominação violenta dos corpos,
através de processos políticos e religiosos como o dos cercamentos ou da caça às
bruxas, os europeus chegaram a um local que, além de rico e abundante (em
extensão e diversidade de fauna, flora etc.), vivia sob regimes de sociabilidade que
se opunham, radicalmente, ao capitalismo.
Retomar essas experiências de sociabilidade e, especialmente, conhecer
aquelas que ainda hoje resistem, promovendo outros modos de relação com a terra,
com o alimento e com os demais seres, é talvez a nossa única chance para adiar o
fim do mundo.
5 E o Direito do Trabalho, o que tem a ver com tudo isso?
“Meu corpo, minhas regras” é uma frase que identificou o movimento
feminista liberal (e branco), na luta pelo direito ao aborto. Mas só é possível afirmar
isso, se eu compreendo que o corpo me pertence. É minha propriedade. Do contrário,
52 KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
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se compreendo que eu existo em um corpo, que convive com outros corpos, humanos
e não humanos, não existem “minhas regras”, pois tudo o que faço implica
diretamente na vida dos seres com os quais divido essa existência. É difícil, porém,
construir uma concepção sobre o corpo, dentro de uma estrutura social que já nos
determina ainda antes do nascimento.
Como escreve Preciado53, o “universo inteiro” é cortado em duas partes:
homem ou mulher; humano ou animal, divididos e forçados a escolher um lado, de
tal modo que “a subjetividade não é mais que a cicatriz deixada pelo corte na
multiplicidade do que poderíamos ter sido”. Essa cicatriz assenta-se na noção de
propriedade privada de si e é determinante para a identidade sexual.
A relação com o corpo, mas também com o envelhecimento e a morte, é muito
diferente em outras culturas. Os índios tupis, por exemplo, devoravam seus inimigos,
quando os reconheciam como bravos guerreiros, pois assim acreditavam absorver sua
bravura54. Na cultura capitalista, o corpo é separado da experiência. Adquire uma
subjetividade “desligada do corpo sensível, anestesiada a seus estranhamentos, sem
qualquer liberdade de criação de sentido, totalmente destituída de singularidade”55.
Trago o exemplo dos tupis para mostrar como há uma compreensão profundamente
diversa sobre o sentido do corpo físico, que seria impensável para o pensamento dito
moderno. E isso não significa - é sempre bom lembrar - que os europeus eram
civilizados enquanto os tupis eram bárbaros.
Antes de pensar em alterar práticas e discursos sobre os corpos indígenas,
seria interessante refletir sobre nossa forma de viver e de impor sofrimento e morte.
Muito do sofrimento produzido na sociedade de trabalho obrigatório está relacionado
ao fato de propositadamente não darmos atenção a isso. Vivemos como se fôssemos
53 PRECIADO, Paul Beatrice. Um apartamento em Urano: crônicas da travessia. Rio de Janeiro: Zahar,
2020.
54 ROLNIK, Suely. Subjetividade Antropofágica. Revista Concinnitas, [S. l.], v. 23, n. 44, p. 132149,
2023. DOI: 10.12957/concinnitas.2022.74750. Disponível em: https://www.e-
publicacoes.uerj.br/concinnitas/article/view/74750. Acesso em: 19 nov. 2024.
55 OLNIK, Suely. Subjetividade Antropofágica. Revista Concinnitas, [S. l.], v. 23, n. 44, p. 132149,
2023. DOI: 10.12957/concinnitas.2022.74750. Disponível em: https://www.e-
publicacoes.uerj.br/concinnitas/article/view/74750 Acesso em: 19 nov. 2024. p. 146.
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imortais e tratamos nosso corpo efetivamente como uma propriedade, que deve
estar pronta para a venda, ser atrativa e disponível.
Pois bem, essa diferença no discurso sobre os corpos, a partir da invasão
europeia, é constituída por meio de uma série de saberes, que delimitam/marcam
quais são os lugares, as atitudes ou as competências que podem ser ocupados,
realizados ou desenvolvidos pelos diferentes corpos. E isso sob o imperativo da venda
de força de trabalho, ou seja, do uso do corpo como instrumento para obter o
dinheiro com o qual será possível sobreviver. Ao compreender que a chave para a
manutenção do capitalismo está no discurso que faz dos seres humanos, ao mesmo
tempo, (falsos) protagonistas (sujeitos de direito) e alvos do sistema (corpo-
mercadoria), conseguimos perceber que a função transgressora do Direito do
Trabalho passa pelo desvelamento do que parece estar fora da esfera jurídica.
Quando, em um ambiente de trabalho, uma trabalhadora é preterida por um
colega homem, na escolha para exercer a chefia do setor, com o argumento de que
ele se arrisca mais, fala mais nas reuniões etc., há uma infinidade de discursos (em
relação ao comportamento feminino; à necessidade de esperar a abordagem ou de
conquistar) que já incidiu sobre esses corpos, ao longo da vida. Do mesmo modo, a
pessoa negra que desde cedo ouviu de seus cuidadores que não deve chamar a
atenção (especialmente da polícia), que precisa se comportar etc., provavelmente
terá outra postura, também no ambiente de trabalho.
Uma pessoa com possibilidade reduzida de locomoção, que vive em uma
cidade que não lhe é acessível, compreenderá, sem que precisem dizer-lhe, que
possui uma deficiência, uma incapacidade. Uma pessoa, cuja sexualidade não se
adequa ao que se convencionou chamar heterossexualidade, diante das normas
jurídicas (especialmente do direito de família), se compreenderá como alguém
desviante, fora do padrão. Isso sem falar dos demais seres viventes, cuja condição
de destinatários da ordem jurídica ainda encontra ampla resistência.
Enfim, se toda a história das relações sociais no Brasil é atravessada pela
noção estruturante de que a pessoa negra ou indígena é menos; ou de que a mulher
é um corpo violável; ou ainda de que homossexualidade é uma doença mental (como
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a OMS definia, de 1977 até 17 de maio 1990), por exemplo, nosso olhar para as
relações de trabalho não conseguirá fugir completamente daquilo que esses discursos
(racista, sexista, capacitista, LGBTQUIAfóbicos) inscreveram em nossas
mentes. Essas inscrições incidem sobre os laços sociais, a partir dos corpos56.
No campo das relações de trabalho, portanto, essas opressões são
instrumentais para estabelecer quais serão os corpos preferencialmente
descartáveis. Ainda assim, mesmo as pessoas brancas estarão vendendo força de
trabalho em um contexto de cultura racista, sexista, capacitista, LGBTQUIAfóbica,
androcêntrica, no qual trabalhar por salário constitui uma espécie de benevolência
de quem detém capital.
Como escreve Maria Aparecida Silva Bento57, também o “branco brasileiro
desejava e deseja ainda hoje (vide os meios de comunicação de massa) perder-se no
Outro, o europeu ou o norte-americano” (grifo nosso). A ideologia que opera a partir
dessas opressões interdita a possibilidade de realização da performance ideal do
corpo trabalhador, que precisaria ser o que nunca será: europeu. Nessa palavra,
todas as referências positivas se condensam e a “ausência de corpo” é permitida.
Não se trata, portanto, apenas de perda de identidade negra ou indígena, mas da
impossibilidade de construir uma identidade brasileira que fuja da condição de resto.
Mesmo aqueles corpos que não conseguirão vender trabalho, por sua condição física
ou mental, por sua idade ou pelo fato de estarem cuidando de outros corpos, estarão
sujeitos a essa lógica capitalista, que os reduz à condição de portadores da
mercadoria força de trabalho.
A vulnerabilidade que essa forma de convívio social gera (e que transborda
daquela vulnerabilidade que já nos caracteriza como seres interdependentes) é o
que o Direito do Trabalho busca reduzir, ao estabelecer um mínimo de proteção
social, capaz de permitir uma existência material com possibilidade de morar, comer
56 CARNEIRO, Sueli. Dispositivos de racialidade. São Paulo: Zahar, 2023.
57 BENTO, Maria Aparecida Silva. Branqueamento e branquitude no Brasil. [s. l.]: CEERT, 2001. p.
25. Disponível em: https://www.media.ceert.org.br/portal-3/pdf/publicacoes/branqueamento-e-
branquitude-no-brasil.pdf. Acesso em: 19 nov. 2024.
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Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 7, p. 1-29, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.260
ou vestir. Essas são, por sua vez, condições de possibilidade para pensar, escolher
diferente, implicar-se. Garantem uma certa segurança. A partir desse discurso,
sustentou-se que a relação de emprego regulada pelo Estado é a melhor forma de
viver com segurança (sem medo). Ainda assim, criaram-se categorias para as quais
se atribui a condição de autonomia. Para outras, sequer cogita-se aplicar regras
trabalhistas. Ao mesmo tempo, resiste-se em regulamentar garantias contra a perda
do emprego. Cria-se, então, uma cisão entre a promessa contida no discurso do
Estado e a prática das relações sociais.
Em outras palavras, o Direito do Trabalho no Brasil existe no campo do
discurso, mas não ingressa nos ambientes de trabalho, senão por generosidade do
empregador. Com isso, apazíguam-se (ainda que parcialmente) as tensões de classe,
sem incidir de forma concreta na dominação do trabalho pelo capital. E recalcam-se
práticas de discriminação racial, sexista, capacitista e de tantas outras
ordens. Afinal, não havendo emprego para todas as pessoas, nem garantia contra o
desespero da perda do emprego, não há sequer como exigir uma perspectiva
altruísta, por parte de quem precisa sobreviver. O uso, ainda que inconsciente, dos
benefícios de ser homem, branco, capaz etc., é quase inevitável. Em um tal modelo
de sociabilidade, torna-se questão de sobrevivência.
Como escreve Seferian58, a redução na jornada de trabalho ou o controle dos
trabalhadores sobre os meios de produção, são estratégias para transformações
sociais que permitem “uma vivência mais harmônica entre a humanidade e o restante
do planeta". Outros tantos exemplos podem ser dados. Proteger contra a perda do
emprego; garantir possibilidade efetiva de cuidado; ter um salário mínimo que
garanta tudo o que o artigo 7º da Constituição promete. Esses direitos trabalhistas
são, em realidade, condições de possibilidade para viver com decência, mas também
para ter condições físicas, psíquicas, sociais e políticas de pensar outros mundos
possíveis.
58 SEFERIAN, Gustavo. Onze proposições sobre o direito do trabalho desde a perspectiva ecossocialista.
Teoria Jurídica Contemporânea, Rio de Janeiro, v.4 n.1, p. 89-110, jan./jun. 2019. DOI:
https://doi.org/10.21875/tjc.v4i1.24406 Disponível em:
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SEVERO, Valdete Souto. O Direito do Trabalho diante da iminência do fim do mundo. Revista Jurídica Trabalho e
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Entre as discussões mais importantes para o Direito do Trabalho hoje está a
caracterização do vínculo de emprego, porque não ter emprego é estar sujeito a uma
violência que interdita as possibilidades de vida. Todo o conjunto de regras que
protegem quem vive do trabalho, mantendo a dominação, mas também mantendo as
possibilidades de vida dentro da lógica do capital, depende do reconhecimento de
uma linguagem específica: a linguagem do Direito do Trabalho. Uma linguagem que
se funda na noção de proteção.
Logo, o rebaixamento das condições de vida da classe trabalhadora, através
de um discurso que atribui autonomia privada a quem depende do trabalho, implica
redução da possibilidade de acesso, inclusive a remédios ou a uma alimentação
saudável. Quem trabalha doze horas para receber pouco mais de mil reais, sem
carteira assinada, sabendo que pode perder o trabalho a qualquer momento, sem
motivação alguma, luta diariamente para seguir vivendo59. Não tem condições
materiais e psicológicas para agir politicamente, não tem como alimentar-se com
decência, não consegue se proteger adequadamente de situações que comprometam
sua saúde. Não consegue pensar no que significa ou quais as saídas possíveis para as
catástrofes climáticas que já estão ocorrendo.
É urgente, como escreve Seferian60, a luta por um Direito do Trabalho, que se
preocupe “fundamentalmente com o trabalho vivo, com a existência de quem
trabalha, com a reprodução da sua existência social". Por isso, é possível afirmar que
a precarização da proteção social trabalhista é a potencialização do medo e a
interdição das possibilidades de futuro. Se queremos discutir seriamente a função do
Direito para o cuidado ambiental que se impõe diante da realidade da emergência
climática, é preciso levar a sério o Direito do Trabalho.
59 SEVERO, Valdete Souto. A perda do emprego no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2021.
60 SEFERIAN, Gustavo. Direito do trabalho vivo. Teoria Jurídica Contemporânea, Rio de Janeiro v.6,
2021. DOI: https://doi.org/10.21875/tjc.v6i0.41926 Disponível em:
https://revistas.ufrj.br/index.php/rjur/article/view/e41926/24119. Acesso em: 19 nov. 2024.
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SEVERO, Valdete Souto. O Direito do Trabalho diante da iminência do fim do mundo. Revista Jurídica Trabalho e
Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 7, p. 1-29, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.260
Não tenho dúvida de que há espaço para sua utilização política, como
elemento tensionador dos limites ecológicos que o capitalismo impõe à sociedade61.
A crise do Direito do Trabalho é expressão da crise do nosso modo de viver juntos e
sua função, diante disso, é atuar como elemento de transgressão da racionalidade
capitalista, algo que aliás é historicamente sua razão de existência62.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O discurso que identifica a troca entre capital e trabalho como Direito do
Trabalho e denomina essa troca de relação de trabalho é fundado, justamente, no
reconhecimento explícito, por parte do Estado, de que não há neutralidade possível,
diante das perturbações sociais (e ecológicas). Mais: de que é preciso cuidar de quem
vive do trabalho e de que essa é uma questão social que atinge e interessa a todas
as pessoas.
A evidência da questão social é exatamente o que provoca o Estado, não sem
resistências, a admitir a necessidade de acolher algumas demandas de cuidado,
através do Direito. Daí porque estou sustentando aqui que, ao reconhecer, no
discurso do Direito do Trabalho, a necessidade de proteção, o Estado cria
mecanismos não apenas de contenção, mas também de tensionamento e transgressão
da lógica capitalista. O recorte é de classe social, apenas. Houve até pouco tempo
um silêncio perturbador quanto às opressões de raça, gênero, capacidade,
sexualidade na doutrina e na legislação trabalhista. Ainda assim, não é desprezível a
função que esse campo jurídico exerce, de dar voz à classe trabalhadora e de
explicitar o conflito.
61 SEFERIAN, G. Crítica ao Direito do Trabalho Insustentável. Revista Jurídica Trabalho e
Desenvolvimento Humano, v. 6, 20 dez. 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.176
Disponível em: https://www.revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/view/176. Acesso em: 19
nov. 2024.
62 SEVERO, Valdete Souto. Elementos para o uso transgressor do Direito do Trabalho:
compreendendo as relações sociais de trabalho no Brasil e a função do Direito diante das
possibilidades de superação da forma capital. 2a ed. rev. e ampl. São Paulo: ESA, 2020.
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Ao estabelecer limites à jornada e ao salário ou impor condições saudáveis de
trabalho, reconhece-se a necessidade de cuidar das pessoas, para que elas consigam
viver sob a lógica do trabalho obrigatório, sem adoecer ou morrer precocemente.
Esse é um caminho para a construção de discursos ainda mais abrangentes, que
reconheçam o corpo como algo que se conecta com a natureza e com os demais
seres, também eles com direito de viver de modo saudável e harmonioso.
Diante da crise climática que nos impede de adiar a conversa sobre o fim do
mundo, quem interpreta/aplica o Direito do Trabalho deve assumir compromisso com
a efetividade de suas normas, a fim de que se cumpra a função social de dar
condições materiais a quem vive do trabalho. Apenas com condições materiais de
existência (alimentadas, abrigadas e em paz com os seres que nos rodeiam)
conseguiremos engendrar outros mundos possíveis.
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Valdete Souto Severo
Professora de direito e processo do trabalho na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGRS). Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP). Membra do
grupo de pesquisa Trabalho e Capital (USP UFRGS) Lattes:
http://lattes.cnpq.br/3431442775934666. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1145-8140. E-
mail: valdete.severo@gmail.com.