5
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
SEVERO, Valdete Souto. O Direito do Trabalho diante da iminência do fim do mundo. Revista Jurídica Trabalho e
Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 7, p. 1-29, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.260
seus escritos, o resultado da política ambiental predatória. Já então, eu sustentava
que é impossível seguir fingindo que tudo está bem. Afinal, tragédias climáticas não
são eventos que ocorrem sem a interferência humana. Pelo contrário, situações como
essas decorrem diretamente do modo como nos organizamos “sob a lógica da troca
de dinheiro por trabalho”, e pelo fato de reduzirmos “tudo, inclusive nossas
florestas, à condição de mercadoria”:
Trabalhar não é escolha e sobra quase nada de tempo para todo resto. Nossa
comida está envenenada, nossa água está contaminada. Pode parecer
estranho, mas eleger pessoas mentalmente perturbadas e terraplanistas
diante de uma realidade como essa até que faz algum sentido. Quando tudo
parece estar perdido, o que resta é um agora distópico em que as satisfações
imediatas valem mais do que a preservação do futuro. Afinal, não há futuro.
Em um tal cenário, as propostas de construção de uma sociedade fraterna e
solidária, sem miséria e com a preservação da dignidade dos seres humanos
e não humanos, que aparece no texto da Constituição de 1988, revelam-se
inatingíveis. De que vale tanto esforço para alterar uma sociedade que se
autodestruirá nas próximas décadas? Se não há futuro, não há nada a fazer,
senão esgotar o que ainda resta. (…)
Pensar que não há futuro não deve ser razão para o desespero, mas também
não serve ter esperança se nada em nossa realidade nos autoriza a acreditar
que mudaremos a forma como estamos nos destruindo. A urgência da
superação de uma sociabilidade que esgota seres humanos e não humanos
não se dará com esperança. Também não ocorrerá com o medo, esse outro
afeto tão mobilizado por quem detém poder, especialmente em ano de
eleição.5
A destruição ambiental não é um simples exemplo. Uma realidade de trabalho
obrigatório, fundada no medo, impede a implicação política. Sem trabalho não
conseguimos comprar aquilo de que precisamos para seguir vivendo. As pessoas que
nascem e crescem em uma realidade capitalista pensam a si mesmas e aos demais
de determinada maneira. Como insiste Safatle6, não se deseja, não se goza, não se
vive do mesmo modo dentro e fora do capitalismo. Se crescemos e passamos toda a
nossa vida adulta trocando trabalho por capital (se tivermos a sorte de ter um
trabalho), para obter, por meio dele, o dinheiro e, então, possuir mercadorias, nossa
5 SEVERO, Valdete Souto. Nos deram espelhos e vimos um mundo doente. Brasil de Fato. Porto Alegre,
17 de jun. de 2022. Disponível em: https://www.brasildefators.com.br/2022/01/17/nos-deram-
espelhos-e-vimos-um-mundo-doente. Acesso em: 27 nov. 2024.
6 SAFATLE, Vladimir. O Circuito dos afetos. São Paulo: CozacNaify, 2015.