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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
NELSON, Rocco A. R. R. “Escravidão contemporânea”: em busca da justiça sem prazo de validade. Revista Jurídica
Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 7, p. 1-30, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.194.
envolvendo a conduta de redução análoga à escravidão é de tal
importância que o Ministério Público da União ajuizou,
recentemente, a ADPF 1.053. Nela, o PGR postula seja declarada a
não recepção, sem redução de texto, dos artigos do Código Penal
relativos à prescrição, em especial os artigos 107, inciso IV, e 109 a
112 do CP, quanto ao tipo penal de redução à condição análoga à de
escravo, previsto no art. 149 do Código Penal, a fim de torná-lo
imprescritível. É certo que as esferas penal e trabalhista não se
confundem e, a rigor, não se comunicam. Porém, na hipótese
específica do ilícito em comento, não há como admitir que o
Estado compactue com a ausência de punição por decurso
temporal em detrimento do direito da vítima à reparação integral
e da responsabilização, inclusive pecuniária, do algoz por todas as
consequências advindas daquela prática. Isso implicaria não só em
um salvo conduto ao explorador, como também em um estímulo à
repetição e perpetuação do ilícito na nossa sociedade. Além disso,
é amplamente reconhecido, na jurisprudência e na doutrina
constitucionalista, que os direitos e garantias fundamentais listados
no art. 5º da Constituição de 1988 possuem características essenciais,
dentre elas a imprescritibilidade. Portanto, fica claro que o direito à
liberdade e à impossibilidade de submissão à condição análoga à
escravidão constitui garantia fundamental, com previsão no inciso XIII
do artigo 5º da CF/88, não podendo ser alcançado pela prescrição.
Trata-se de interpretação sistemática, que busca assegurar a
máxima efetividade das liberdades civis dos cidadãos. Invoca-se
aqui o lúcido ensinamento de Noberto Bobbio, na clássica obra “A
era dos direitos”, segundo o qual as únicas exceções à máxima da
ausência de direitos absolutos são os direitos absolutos a não ser
escravizado e de não ser torturado. (...). Por isso, é fundamental
aplicar de forma analógica o entendimento firmado na Súmula nº
647 do STJ, que reconhece a imprescritibilidade das ações
indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes de atos
de perseguição política com violação de direitos fundamentais
ocorridos durante o regime militar, aos casos de trabalho em
condição análoga à de escravo. Além disso, no período anterior a
2015 (atingido supostamente pela prescrição quinquenal trabalhista
do artigo 7º, XXIX, da Constituição da República), a vítima era
considerada, pelo ordenamento jurídico brasileiro como
absolutamente incapaz, conforme as regras vigentes à época. Assim,
contra ela não poderia correr a prescrição, nos termos do artigo
198 inciso I, do Código Civil. Além desta incapacidade provisória,
a prescrição relativa às pretensões envolvendo o período em que
a vítima foi submetida à condição análoga à escravidão não poderia
correr considerando que a presente ação tem como objeto fato
que deve ser apurado no juízo criminal, nos termos do artigo 200
do Código Civil. Não se pode, assim, entender plausível a limitação
do direito absoluto a não se submeter à servidão pela eventual
incidência do instituto da prescrição, mormente porque o Estado
Brasileiro, também signatário da Convenção nº 29 da OIT, que versa
sobre o trabalho forçado ou obrigatório, e da Convenção nº 105 da
OIT, que trata da abolição do trabalho forçado e proíbe o uso de toda