Recebido em: 09/01/2024
Aprovado em: 04/06/2024
“Escravidão contemporânea”: em busca da justiça sem
prazo de validade
“Contemporary slavery”: in search for
justice without an expiration date
“Eslavitud contemporánea”: en busca de
justicia sin fecha de caducidad
Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson
Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1158874159117246
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4169-1827
RESUMO
Introdução: O presente estudo trata do delito de redução à condição
análoga à de escravo prescrito no art. 149 do Código Penal.
Objetivo: A escolha do tema se justifica diante da busca de implementar o
trabalho decente como oitavo objetivo de desenvolvimento sustentável da
Agenda 2030, bem como pelo elevadíssimo número de trabalhadores
resgatados no ano de 2023 em relação ao ano de 2022 pela fiscalização do
trabalho.
Metodologia: A pesquisa em tela se utiliza de uma metodologia de análise
qualitativa, usando-se os métodos de abordagem hipotético-dedutivos de
caráter descritivo e analítico, adotando-se técnica de pesquisa bibliográfica
e documental, em que se visita a legislação, a doutrina e a jurisprudência,
tendo por desiderato analisar a viabilidade jurídica do reconhecimento da
imprescritibilidade do crime de condição análoga à de escravo no sistema
jurídico brasileiro.
Resultados/Conclusão: Concluiu-se que em face da norma proibitiva da
escravidão e formas análogas e sua natureza de norma jus cogens no âmbito
do direito internacional e considerando que o Brasil deve obediência aos
compromissos internacionais e às decisões da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, é pujante a necessidade do reconhecimento, no seio do
ordenamento jurídico brasileiro, da imprescritibilidade do delito de redução
à condição análoga à de escravo. [...]
PALAVRAS-CHAVE: Direito fundamental social. Imprescritibilidade.
Trabalho análogo ao de escravo. Trabalho decente. Status jus cogens.
ABSTRACT
Introduction: The present study deals with the crime of reduction to a
condition analogous to slavery prescribed in art. 149 of the Penal Code.
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NELSON, Rocco A. R. R. “Escravidão contemporânea”: em busca da justiça sem prazo de validade. Revista Jurídica
Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 7, p. 1-30, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.194.
Objective: The choice of theme is justified given the aim to implement
decent work as the eighth sustainable development objective of the 2030
Agenda, as well as the extremely high number of workers rescued in 2023
compared to 2022 by labor inspection.
Methodology: The research uses a qualitative analysis methodology, using
hypothetical-deductive approach methods of a descriptive and analytical
nature, adopting bibliographical and documentary research techniques, in
which legislation, doctrine and jurisprudence, with the aim of analyzing the
legal feasibility of recognizing the imprescriptibility of the crime of a
condition similar to that of slavery in the Brazilian legal system.
Results/Conclusion: It was concluded that in view of the prohibitive norm
of slavery and similar forms of it and its nature of a jus cogens norm within
the scope of international law and considering that Brazil must comply with
international commitments and the decisions of the Inter-American Court of
Human Rights, there is a strong need recognition, within the Brazilian legal
system, of the imprescriptibility of the crime of reduction to a condition
analogous to slavery. […]
KEYWORDS: Decent work. Fundamental social right. Imprescriptibility. Jus
cogens status. Work similar to that of slaves.
RESUMEN
Introducción: El presente estudio aborda el delito de reducción a condición
análoga a la esclavitud previsto en el art. 149 del Código Penal.
Objetivo: La elección del tema se justifica dada la búsqueda de
implementar el trabajo decente como octavo objetivo de desarrollo
sostenible de la Agenda 2030, así como el número extremadamente elevado
de trabajadores rescatados en 2023 en comparación con 2022 por la
inspección del trabajo.
Metodología: La investigación en pantalla utiliza una metodología de análisis
cualitativo, utilizando métodos de enfoque hipotético-deductivo de carácter
descriptivo y analítico, adoptando técnicas de investigación bibliográfica y
documental, en las que se analiza la legislación, la doctrina y la
jurisprudencia, con el objetivo de analizar la viabilidad jurídica del
reconocimiento de la imprescriptibilidad del delito de condición similar a la
de esclavitud en el ordenamiento jurídico brasileño.
Resultados/Conclusión: Se concluyó que frente a la norma prohibitiva de la
esclavitud y formas similares y su carácter de una norma de jus cogens en el
ámbito del derecho internacional y considerando que Brasil debe cumplir
con los compromisos internacionales y las decisiones de la Corte
Interamericana de Derechos Humanos, existe una fuerte necesidad de
reconocimiento, en el ordenamiento jurídico brasileño, de la
imprescriptibilidad del delito de reducción a una condición análoga a la
esclavitud. […]
PALABRAS CLAVE: Derecho social fundamental. Imprescriptibilidad. Jus
cogens. Trabajo decente. Trabajo similar a la esclavitud.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
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INTRODUÇÃO
A chamada “escravidão moderna” não só constitui prática que afronta os
fundamentos da República Federativa do Brasil como o valor social do trabalho (art.
1°, IV, CF/88) e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, CF/88), bem
como os objetivos da República Federativa no que tange à construção de uma
sociedade livre, justa e solidária (art. 3°, I da CF/88), na qual se veda todas as formas
de discriminação (art. 3°, IV da CF/88), além de um conjunto de normas
internacionais.
O presente ensaio versa sobre a temática do delito de redução à condição
análoga à de escravo, o qual encontra-se tipificado no art. 149 do Código Penal1. In
verbis:
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer
sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo,
por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com
o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena
correspondente à violência.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera
de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-
lo no local de trabalho.
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I contra criança ou adolescente;
II por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
A escolha da temática justifica-se em face de constituir como oitavo objetivo
de desenvolvimento sustentável (ODS) da Agenda 20302 a busca pela promoção do
1 BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União.
Rio de Janeiro, RJ, 31 de dezembro de 1940. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em: 28 dez.2023.
2 “Conforme o próprio preâmbulo da A/RES/70/1, a Agenda 2030 é um plano de prosperidade que
almeja fortalecer a paz universal com maior liberdade e que busca dar seguimento aos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio, com vistas a completar o que ainda não foi alcançado, em um
compromisso global que transita para uma meta mais ousada: a de concretizar de modo integrado,
indivisível e balanceado as três dimensões do desenvolvimento sustentável, isto é, a econômica, a
social e a ambiental”. (NEVES DELGADO, G.; GONÇALVES ROCHA, A. L.; PARANHOS, A. C. O papel do
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crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e
produtivo e trabalho decente para todas e todos. Constitui a meta 8.7 “Tomar
medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, acabar com a
escravidão moderna e o tráfico de pessoas (...)”. No Brasil, a meta é erradicar o
trabalho em condições análogas às de escravo até 2025.3
Importar relatar, ainda, o aumento dos trabalhadores resgatados em 2023 em
relação a 2022. No portal da inspeção do trabalho (radar SIT), os dados referentes
até 14/06/2023 indicam o resgate de 1443 trabalhadores.4 Isso constitui um aumento
de 44% em relação ao mesmo período de 2022.5
A questão-problema perpassa em determinar se o ambiente regulatório
brasileiro possibilita o reconhecimento da imprescritibilidade do crime de trabalho
em condições análogas às de escravo de sorte a repercutir na tutela dos direitos
individuais trabalhistas e ações indenizatórias por danos materiais e morais. Isto é:
a prescrição trabalhista quinquenal enunciada no art. 7°, XXIX da CF/88 deve
persistir diante de casos de trabalho em condição análoga à de escravo?
Em face do exposto, a pesquisa em tela, fazendo uso de uma metodologia de
abordagem qualitativa, utilizando-se dos métodos de abordagem hipotético-
dedutivos de caráter descritivo e analítico, adotando-se técnica de pesquisa
bibliográfica e documental, em que se visita a legislação, a doutrina e a
jurisprudência, tem por desiderato aferir o sistema normativo existente no Brasil que
viabilize, ou não, a tese da imprescritibilidade dos direitos decorrentes da ilicitude
da prática de trabalho em condição análoga à de escravo.
Para tanto, o presente ensaio se estruturará da seguinte maneira: afirmação
do status do direito do trabalho como um direito humano de sorte a conectar com
Supremo Tribunal Federal no cumprimento da Agenda 2030 da ONU à luz do objetivo do Trabalho
Decente. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, v. 6, 4, 2023, p. 09. Disponível
em: https://www.revistatdh.org/index.php/Revista-TDH/article/view/150/138. Acesso em: 28 dez.
2023)
3 BRASIL. IPEA. 8. Trabalho Decente e Crescimento Econômico. Disponível em:
https://www.ipea.gov.br/ods/ods8.html. Acesso em: 28 dez. 2023.
4 BRASIL. RADAR SIT. Disponível em: https://sit.trabalho.gov.br/radar/. Acesso em: 28 dez. 2023.
5 SALATI, Paula. Brasil bate recorde e faz o maior resgate de vítimas de trabalho escravo no campo
para um 1º semestre em 10 anos. G1, 2023. Disponível em:
https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2023/10/10/brasil-bate-recorde-e-faz-o-
maior-resgate-de-vitimas-de-trabalho-escravo-no-campo-para-um-1o-semestre-em-10-anos.ghtml.
Acesso em: 28 dez. 2023.
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um conjunto de normas internacionais proibindo a escravidão, o tráfico e práticas
análogas; análise dos fundamentos que justificam a imprescritibilidade do trabalho
em condição análoga à de escravo; e apresentação do posicionamento do Ministério
Públio do Trabalho e a tendência da jurisprudência do TST quanto à temática
problema.
1 Da proteção internacional contra o trabalho forçado e escravo: uma questão de
direitos humanos
Os direitos humanos são assim definidos por André de Carvalho Ramos: “(...)
consistem em um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida
humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade. Os direitos humanos são os
direitos essenciais e indispensáveis à vida digna”.6
A partir desse pressuposto, não há como excluir o trabalho como elemento
indispensável que pauta a liberdade, igualdade e dignidade das pessoas. O trabalho
dignifica a pessoa humana como partícipe da sociedade.
O processo de internacionalização dos direitos humanos (denominado, hoje,
de direito internacional dos direitos humanos) mescla-se com o processo histórico de
construção de normas trabalhistas, posto que um dos pontos históricos fundantes
desse processo de internacionalização dos direitos humanos se deu com a
Conferência da Paz de Versalhes (Tratado de Versalhes), em 1919, que pôs fim à
Guerra Mundial, criou a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho
(OIT).
6 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 9° ed. São Paulo: Saraiva, 2022, p. 19; Ver,
ainda: “Os direitos humanos são, portanto, direitos protegidos pela ordem internacional
(especialmente por meio de tratados multilaterais, globais ou regionais) contra as violações e
arbitrariedades que um Estado possa cometer às pessoas sujeitas à sua jurisdição. São direitos
indispensáveis a uma vida digna e que, por isso, estabelecem um nível protetivo (standard) mínimo
que todos os Estados devem respeitar, sob pena de responsabilidade internacional. Assim, os direitos
humanos são direitos que garantem às pessoas sujeitas à jurisdição de um dado Estado meios de
vindicação de seus direitos, para além do plano interno, nas instâncias internacionais de proteção
(v.g., em nosso entorno geográfico, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que
poderá submeter a questão à Corte Interamericana de Direitos Humanos)”. (MAZZUOLI, Valerio de
Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 9° ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 24)
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O Tratado de Paz de Versalhes é o reconhecimento internacional da
problemática social e da necessidade de uma solução adequada e universal, visto
que condições de vida precárias da população constituem ambiente propício a
conflitos que podem comprometer a paz mundial, sendo esse o contexto da criação
da OIT, a qual constitui, hoje, o principal organismo internacional em matéria
trabalhista,7 além de se apresentar como o organismo internacional mais bem-
sucedido e produtivo no cenário do direito internacional.8
Prefacialmente, destaca-se o teor redacional da Convenção sobre a
Escravatura, de 25 de setembro de 1926, e sua Convenção Suplementar sobre a
Abolição da Escravatura, de 07 de setembro de 1953, as quais foram promulgadas
pelo Brasil através do Decreto n° 58.563, de 01 de junho de 1966. A convenção de
1926 enuncia a definição de escravidão e de tráfico de escravos, além de determinar
que as partes tomem as medidas cabíveis para obter progressivamente a abolição
completa de tal prática. Destaca-se na Convenção suplementar de 1956 o dever dos
Estados partes em criminalizar o ato de escravizar. In verbis:
7 “Os dirigentes dos países integrantes da Liga das Nações perceberam, desde então, os perigos
decorrentes das más condições de vida que atingiam a maior parte da população. Em outras palavras,
ficou claro, para o mundo inteiro, que o povo submetido a condições de vida desumanas, ou até
mesmo sub-humanas, torna-se vulnerável à disseminação de ideologias nem sempre honestas em seus
propósitos, e transforma-se em ‘massa de manobra’ a serviço de interesses políticos e de governantes
equivocados ou mal-intencionados. O mundo estava menor naquela época. Queremos com isso dizer
que péssimas condições de vida atingindo massivamente os trabalhadores de um determinado país ou
de uma determinada região do mundo podem ser potencialmente explosivas e colocar em risco a paz
social no mundo inteiro. (...)”. (SCABIN, Roseli Fernandes. A Importância dos Organismos
Internacionais para a Internacionalização e Evolução do Direito do Trabalho e dos Direitos Sociais. In:
CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; VILLATORE, Marco Antônio César (coords). Direito
Internacional do Trabalho e a Organização Internacional do Trabalho: Um Debate Atual. São Paulo:
Atlas, 2014, p. 03).
8 “Numa época em que o Direito Internacional sofre sérias crises, notadamente em decorrência do
colapso por que passa a Organização das Nações Unidas, a OIT se mantém firme em seus propósitos,
podendo ser considerada a organização mais promissora e bem-sucedida dentro do cenário atual do
direito das gentes. Além de ser um centro de referência mundial em matéria de emprego e trabalho,
a OIT é também exemplo de organização produtiva. Isto porque as suas Convenções não são
diretamente votadas por Estados, e sim por uma assembleia, não sendo lícito a nenhum país fazer
ressalvas ao texto aprovado, pois a vontade nacional, na OIT, também se compõe de forças sociais
externas ao poder do Estado e sobre as quais este mesmo Estado se assenta. Assim, não obstante a
crise que enfrenta o Direito Internacional em alguns setores, pode-se dizer que a OIT, desde a sua
criação, tem honrado o compromisso de bem regular as relações entre capital e trabalho”.
(MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 15° ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2023, p. 997)
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Convenção sobre a escravatura de 19269
Artigo 1º
Para fins da presente Convenção fica entendido que:
1º A escravidão é o estado ou condição de um indivíduo sobre o
qual se exercem, total ou parcialmente, os tributos do direito de
propriedade;
2º O tráfico de escravos compreende todo ato de captura, aquisição
ou sessão de um indivíduo com o propósito de escravizá-lo; todo ato
de aquisição de um escravo com o propósito de vendê-lo ou trocá-lo;
todo ato de sessão, por meio de venda ou troca e um escravo
adquirido para ser vendido ou trocado; assim como em geral todo ato
de comércio ou de transporte de escravos.
Artigo 2º
As Altas Partes contratantes se comprometem, na medida em que
ainda não hajam tomado as necessárias providências e cada uma no
que diz respeito aos territórios colocados sob a sua soberania,
jurisdição, proteção, suserania ou tutela:
a) a impedir a reprimir o tráfico de escravos;
b) a promover a abolição completa da escravidão sob todas as suas
formas, progressivamente e logo que possível. (Grifos nossos)
Convenção Suplementar sôbre a Abolição da Escravatura, do Tráfego
de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura10
Artigo 1º
Cada um dos Estados Partes a presente Convenção tomará todas as
medidas, legislativas e de outra natureza que sejam viáveis e
necessárias, para obter progressivamente logo que possível a
abolição completa ou o abandono das instituições e práticas
seguintes onde quer ainda subsistam, enquadram-se ou não na
definição de escravidão que figura no artigo primeiro da Convenção
sobre a escravidão assinada em Genebra, em 25 de setembro de 1926:
(...)
Artigo 6º
1. O ato de escravizar uma pessoa ou de incitá-la a alienar sua
liberdade ou a de alguém na sua dependência, para escravizá-la,
constituirá infração penal em face da lei dos Estados Partes à
presente Convenção, e as pessoas reconhecidas culpadas serão
passíveis de pena; dar-se-á o mesmo quando houver participação
9 BRASIL. Decreto n° 58.563, de 1º de junho de 1966. Promulga e Convenção sobre Escravatura de
1926 emendada pelo Protocolo de 1953 e a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura
de 1956. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 03 de junho de 1966. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Atos/decretos/1966/D58563.html. Acesso em: 28 dez. 2023.
10 BRASIL. Decreto n° 58.563, de 1º de junho de 1966. Promulga e Convenção sobre Escravatura de
1926 emendada pelo Protocolo de 1953 e a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura
de 1956. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 03 de junho de 1966. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Atos/decretos/1966/D58563.html. Acesso em: 28 dez. 2023.
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num entendimento formado com tal propósito, tentativa de cometer
esses delitos ou cumplicidade neles. (Grifos nossos)
Prefacialmente, destaca-se o teor redacional da Declaração Universal dos
Direitos Humanos (DUDH), de 10 de dezembro de 1948, firmado por meio da
Resolução 217 A-III da Assembleia Geral da ONU, a qual configura o marco do sistema
protetivo das Nações Unidas, constituindo-se em um verdadeiro código de conduta
mundial,11 que ventila, logo nos artigos iniciais, a proibição a escravidão e da
servidão.12 In verbis:
Artigo 4°
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o
tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.13
(Grifos nossos)
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP)14, aprovado em
16 de Dezembro de 1966 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, promulgado no
Brasil por meio do Decreto nº 592/92, veda expressamente a escravidão, o tráfico de
escravos, a servidão e os trabalhos forçados.
Artigo 8°
1. Ninguém poderá ser submetido a escravidão; a escravidão e o
tráfico de escravos, em todos as suas formas, ficam proibidos.
11 Cf. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 9° ed. Rio de Janeiro: Forense,
2022, p. 73.
12 Lembrar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não tem natureza jurídica de tratado
internacional, compondo o que se denomina de soft law. “A Declaração Universal não é tecnicamente
um tratado, eis que não passou pelos procedimentos tanto internacionais como internos que os
tratados internacionais têm que passar desde a sua celebração até a sua entrada em vigor; também
não guarda as características impostas pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969)
para que um ato internacional detenha a roupagem própria de tratado, especialmente por não ter
sido “concluída entre Estados”, senão unilateralmente adotada pela Assembleia Geral da ONU. Assim,
a priori, seria a Declaração somente uma “recomendação” das Nações Unidas, adotada sob a forma
de resolução da Assembleia Geral, a consubstanciar uma ética universal em relação à conduta dos
Estados no que tange à proteção internacional dos direitos humanos”. (MAZZUOLI, Valerio de Oliveira.
Curso de Direitos Humanos. 9° ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 76)
13 ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em:
https://www.ohchr.org/sites/default/files/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf. Acesso
em: 24 mai. 2023.
14 BRASIL. Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 6 de julho de 1992.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm. Acesso em: 28
dez. 2023.
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2. Ninguém poderá ser submetido à servidão.
3. a) Ninguém poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou
obrigatórios; (...) (Grifos nossos)
Afere-se, no âmbito do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais (PIDESC)15, adotado na XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas,
em 19 de dezembro de 1966, o qual fora promulgado pelo Brasil através do Decreto
n° 591, de 06 de julho de 1992, dispositivos específicos à questão do trabalho. In
verbis:
Artigo 6º
1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito ao
trabalho, que compreende o direito de toda pessoa de ter a
possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente
escolhido ou aceito, e tomarão medidas apropriadas para
salvaguardar esse direito.
2. As medidas que cada Estado Parte do presente Pacto tomará a fim
de assegurar o pleno exercício desse direito deverão incluir a
orientação e a formação técnica e profissional, a elaboração de
programas, normas e técnicas apropriadas para assegurar um
desenvolvimento econômico, social e cultural constante e o pleno
emprego produtivo em condições que salvaguardem aos indivíduos o
gozo das liberdades políticas e econômicas fundamentais. (Grifos
nossos)
Em sede de continente americano, a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (CADH)16, aprovada pela Organizão dos Estados Americanos, em 22 de
novembro de 1969, sendo promulgada pelo Brasil através do Decreto nº 678, de 6
julho de 1992, prescreve, especificamente, a proibição a escravidão e os trabalhos
forçados. In verbis:
Artigo 6º
Proibição da escravidão e da servidão
1. Ninguém poderá ser submetido a escravidão ou servidão e tanto
estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são
proibidos em todas as suas formas.
2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou
obrigatório. Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena
15 BRASIL. Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 6 de julho de 1992.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm. Acesso em: 28
dez. 2023.
16 BRASIL. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 9 de novembro de 1992. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm. Acesso em: 28 dez. 2023.
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privativa de liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta
disposição não pode ser interpretada no sentido de proibir o
cumprimento da dita pena, imposta por um juiz ou tribunal
competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade, nem a
capacidade física e intelectual do recluso. (...) (Grifos nossos)
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) possui duas convenções sobre
trabalhos forçados,17 desatacando-se a Convenção nº 10518, aprovada na 40ª reunião
da Conferência Internacional do Trabalho, em 1957, tendo sido ratificado pelo Brasil
através do Decreto nº 58.822/66, na qual os países signatários se comprometem em
suprimir em seu interesse qualquer forma de trabalho forçado ou obrigatório19. In
verbis:
Artigo 1º
Qualquer Membro da Organização Internacional do Trabalho que
ratifique a presente convenção se compromete a suprimir o
trabalho forçado ou obrigatório e a não recorrer ao mesmo sob
forma alguma;
a) como medida de coerção, ou de educação política ou como sanção
dirigida a pessoas que tenham ou exprimam certas opiniões políticas,
ou manifestem sua oposição ideológica, à ordem política, social ou
econômica estabelecida;
b) como método de mobilização e de utilização da mão de obra para
fins de desenvolvimento econômico;
c) como medida de disciplina de trabalho;
d) como punição por participação em greves;
e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.
17 Em relação à Convenção nº 29 da OIT aprovada na 14ª reunião da Conferência Internacional do
Trabalho, em 1930, ratificada pelo Brasil através do Decreto nº 41.721/57, há uma incoerência no
seio desta convenção, posto ao mesmo tempo que determina a supressão do trabalho forçado vem
facultar um período de transição admitindo o trabalho forçado antes de sua supressão total, para fins
públicos e a título excepcional, devendo ser empregado homens, adultos, entre 18 a 45 anos. “(...)
mas ainda é uma convenção conformista, de período em que os Estados, em sua maioria, até podiam
já não admitir o trabalho forçado, mas eram condescendentes, por pelo menos algum tempo, com os
que ainda admitiam”. (BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Trabalho escravo caracterização
jurídica. 2º ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 51).
18 BRASIL. Decreto nº 58.822, de 14 de julho de 1966. Promulga a Convenção nº 105 concernente à
abolição do Trabalho forçado. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 de julho de 1966. Disponível
em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/atos/decretos/1966/d58822.html. Acesso em: 28 dez.
2023.
19 Destaca-se que, a aprovação da Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho
da OIT, em 1998, pela qual a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório
constitui um dos fundamentos à vedação a escravidão, já representa imposição jurídica a todos os
membros integrantes da OIT, independentemente de ratificação a qualquer convenção. A cogência
desta declaração da OIT, independentemente de adesão, foi reconhecida expressamente na 87ª
Reunião Ordinária da Conferência Internacional do Trabalho da OIT, em 1999.
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Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
NELSON, Rocco A. R. R. “Escravidão contemporânea”: em busca da justiça sem prazo de validade. Revista Jurídica
Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 7, p. 1-30, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.194.
Artigo 2º
Qualquer Membro da Organização Internacional do Trabalho que
ratifique a presente convenção se compromete a adotar medidas
eficazes, no sentido da abolição imediata e completa do trabalho
forçado ou obrigatório, tal como descrito no artigo 1º da presente
convenção. (Grifos nossos)
Não obstante o quantitativo de documentos internacionais esparsos, é certo
que a proibição da prática da escravidão, no seio da sociedade internacional,
constituiu-se em uma norma jurídica imperativa de direito internacional, firmando-
se consenso quanto ao repúdio à sua prática,20 apresentando-se como um patrimônio
mínimo civilizatório afeto à pessoa humana do trabalhador.
Percebe-se como a matéria da abolição do trabalho forçado é cara, posto que
este último representa a antítese da concepção de direitos humanos (liberdade,
igualdade e dignidade), tendo sido a primeira convenção sobre o assunto, em 1926,
firmada sob a regência da extinta Liga das Nações. Isso desvela que o uso do trabalho
forçado é uma infeliz marca das culturas das sociedades ao longo da história e que a
enunciação reiterada em documentos internacionais mais recentes e,
especificamente, da Recomendação n° 203 e do Protocolo n° 2014 da OIT21,22 nos
permiti inferir a presença do uso de trabalhos análogos a de escravo como uma
prática que persiste na contemporaneidade.
Lembrar que, a partir de uma decisão em sede de Recurso Extraordinário (RE
466.343/SP)23, ao tratar da prisão civil do depositário infiel, previsto no art. 5º, LXVII
e sua análise conforme a Convenção Americana de Direitos Humanos, reconheceu-se
20 TIMOTEO, Gabrielle. Normativos internacionais e escravidão. Revista Hendu, nº 4, 1, ps. 70-83,
2013, p. 81. Disponível em:
http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/hendu/article/view/1716/2137. Acesso em: 28 dez.
2023.
21 OIT. Recomendação n° 203. Disponível em:
https://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_INSTRUMENT_ID:3174
688. Acesso em: 28 dez. 2023.
22 OIT. Protocolo n° 2014. Disponível em:
https://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:P029.
Acessado em: 28 dez. 2023.
23 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Recurso Extraordinário 466.343/SP. Relator: Ministro
Cezar Peluso, julgado em 03/12/2008, Diário de Justiça de 05/06/2009. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595444
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NELSON, Rocco A. R. R. “Escravidão contemporânea”: em busca da justiça sem prazo de validade. Revista Jurídica
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que tratados internacionais de direitos humanos que não foram aprovados com o
quórum de 3/5, em dois turnos, em cada casa do congresso (procedimento respectivo
das emendas constitucionais) deveriam portar o status normativos de
supralegalidade. Ou seja, acima na lei ordinária e abaixo da norma constitucional.
Assim, todos as convenções alhures ventiladas possuem status de norma
supralegal, conforme jurisprudência do STF.
2 Razões pela imprescritibilidade do delito de redução à condição análoga à de
escravo
2.1 Estatuto de Roma
Por meio do Estatuto de Roma, tem-se a criação do Tribunal Penal
Internacional (TPI), na Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações
Unidas, o qual teve seu estatuto aberto para assinatura a partir de 1998, tendo
entrado em vigor internacional em 2002, quando da ratificação do quórum mínimo
de 60 países, e tem sua sede em Haia, na Holanda. O mesmo fora ratificado pelo
Brasil através do Decreto n° 4.388, de 25 de setembro de 200224, convergindo, dessa
forma, com o regramento constitucional que determina que o Brasil se submeterá à
jurisdição do TPI ao qual aderir (art. 5°, §4° da CF/88).
É da competência do TPI os seguintes delitos: crime de genocídio; crimes
contra a humanidade; crimes de guerra e crime de agressão (art. 5° do Estatuto de
Roma). Entre as condutas tipificadas como crime contra a humanidade tem-se a
conduta da escravidão (art. 7°, §1°, “c” do Estatuto de Roma), sendo o mesmo assim
definido: “(...) entende-se o exercício, relativamente a uma pessoa, de um poder ou
de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma
pessoa, incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas, em
particular mulheres e crianças;” (art. 7°, §2°, “c” do Estatuto de Roma). Por
24 BRASIL. Decreto n° 4.388, de 25 de setembro de 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal
Penal Internacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 de setembro de 2002. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4388.htm. Acesso em: 28 dez. 2023.
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NELSON, Rocco A. R. R. “Escravidão contemporânea”: em busca da justiça sem prazo de validade. Revista Jurídica
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derradeira, o enunciado quanto à imprescritibilidade dos delitos afetos à
competência do TPI (art. 29 do Estatuto de Roma).
É importante destacar que o Estatuto de Roma constitui-se, claramente, como
um tratado de direitos humanos, sendo incorporado ao sistema jurídico brasileiro,
conforme jurisprudência do STF, como norma supralegal de maneira que as normas
legais prescritas no Código Penal25 e na CLT26, quanto à prescrição afeta às
responsabilizações penal e trabalhista decorrente do delito de trabalho análogo a
escravo, não teriam a aplicação de sua normatividade em face da superioridade
hierarquia da regra do art. 29 do estado de Roma.
2.2 Jus cogens
O jus cogens constitui-se em fonte do direito internacional27 de hierarquia
superior, sendo norma de cunho imperativo e inderrogável,28 como os princípios de
25 Código Penal. Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o
disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade
cominada ao crime, verificando-se: I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; II - em
dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; III - em doze anos,
se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito; IV - em oito anos, se o máximo da
pena é superior a dois anos e não excede a quatro; V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual
a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; VI - em 3 (três) anos, se oximo da pena é inferior
a 1 (um) ano. BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial
da União. Rio de Janeiro, RJ, 31 de dezembro de 1940. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em: 28 dez.2023.
26 CLT. Art. 11. A pretensão quanto a créditos resultantes das relações de trabalho prescreve em
cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do
contrato de trabalho. BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das
Leis do Trabalho. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro, RJ, 09 de agosto de 1943. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 28 dez.2023.
27 Em sentido diverso é a doutrina de Paulo Henrique Gonçalves Portela. “(...), de nossa parte
defendemos que o jus cogens o é fonte de Direito Internacional. Com efeito, as normas de jus
cogens são as normas mais importantes de Direito Internacional, não formas de expressão da norma,
(...)”. (PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 12º ed.
Salvador: Juspodivm, 2020, ps. 80)
28 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969. Artigo 53 - É nulo um tratado que, no
momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para
os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma
aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual
nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito
Internacional geral da mesma natureza. BRASIL. Decreto n° 7.030, de 14 de dezembro de 2009.
Promulga a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com
reserva aos Artigos 25 e 66. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 de dezembro de 2009. Disponível
em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7030.htm. Acesso em:
28 dez. 2023.
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direito internacional humanitário (v.g., Declaração Universal dos Direitos Humanos
de 1948).29,30
André de Carvalho Ramos explicita bem sobre o conceito de jus cogens a partir
da Convenção internacional sobre o Direito dos Tratados de Viena, detalhando a
dinâmica normativa enunciada na referida convenção:
Coube à Convenção internacional sobre o Direito dos Tratados de
Viena (CVDT, 1969) o papel de explicitar o conceito de jus cogens ou
norma imperativa no Direito Internacional, em seus artigos 53 e 64.
Para os fins da Convenção, uma norma imperativa de Direito
Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela
comunidade internacional como norma da qual nenhuma derrogação
é permitida e que só pode ser modificada por nova norma de direito
internacional geral da mesma natureza. O artigo 53 da citada
Convenção dispõe que é nulo o tratado que, no momento de sua
conclusão, conflita com uma norma imperativa de Direito
Internacional geral. Já o artigo 64 dispõe que o tratado existente que
estiver em conflito com uma norma imperativa superveniente de
Direito Internacional geral torna-se nulo e extingue-se. Não há um rol
de normas de jus cogens previsto na CVDT ou em qualquer outro
tratado. Coube à jurisprudência internacional listar quais normas
internacionais (de natureza convencional ou consuetudinária) seriam
normas de jus cogens. (...).31
Em sede de Corte Interamericana de Direitos Humanos existe um rol não
exaustivo de direitos humanos listados com normas de natureza jus cogens, como a
29 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. V.II
Porto Alegre: S.A. Fabris, 1999, p. 417; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional
Público. 15° ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 146. (...). Dentre essas normas, tais países
destacavam aquelas sobre a autodeterminação dos povos, sobre a proibição da agressão, sobre a
proibição do genocídio, da escravidão, da discriminação racial e, em particular, da agressão racial (o
apartheid). (...)”. (MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 15° ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 147). “(...). Da mesma forma, integrariam também o jus cogens
internacional as normas proibitivas da discriminação, as que asseguram a autodeterminação dos
povos, bem assim os princípios de Direito Internacional Humanitário. O exemplo mais claro que se
tem de norma de jus cogens, que não se pode contestar, é a Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948, cuja formação e conteúdo têm enquadramento perfeito no conceito do art. 53 da
Convenção de Viena de 1969”. (MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional
Público. 15° ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 149).
30 “(...). Seria ele o conjunto de normas que, no plano do direito das gentes, impõem-se
objetivamente aos Estados, a exemplo das normas de ordem pública que em todo sistema de direito
interno limitam a liberdade contratual das pessoas. (...)”. (REZEK, Francisco. Direito Internacional
Público. 18º ed. São Paulo: Saraiva, 2022, p. 55). “(...). O jus cogens configura, portanto, restrição
direta da soberania em nome da defesa de certos valores vitais”. (PORTELA, Paulo Henrique
Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 12º ed. Salvador: Juspodivm, 2020, ps. 77)
31 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 9° ed. São Paulo: Saraiva, 2022, p. 61.
15
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proibição de discriminação; vedação a tortura; princípio do non-refoulement;
proibição de escravidão e práticas semelhantes, dentre outros.32
Nesse contexto, a regra de vedação à escravidão teria natureza jurídica de
jus cogens, não estando ao alvitre dos membros integrantes da sociedade
internacional transacionar sobre referida proibição.33
Conferir status de jus cogens à regra da vedação ao trabalho escravo e
semelhantes não é só conferir obrigatoriedade à norma, mas também impor a sua
inalterabilidade pela vontade dos Estados. Uma norma dessa magnitude só pode ser
modificada por outra do mesmo nível proveniente da comunidade internacional.34
Constate-se que a norma que veda a escravidão/trabalhos forçados/servidão
permeia sociedade internacional independentemente de existência de prescrição em
tratados/convenções ou declarações, sendo imperativa e inderrogável, além de
encontrar-se no status de maior hierarquia jurídica dentre as fontes do direito
internacional. De sorte que constituiria um contrassenso, nesse caso específico,
isentar as partes de responsabilização por esse tipo de ilicitude com fulcro no
instituto da prescrição.
Há direitos absolutos e inegociáveis, o que não é estranho ao ordenamento
jurídico brasileiro, posto que a própria Constituição Federal de 1988 prevê a
imprescritibilidade do crime de racismo35 (vedação a discriminação é uma norma jus
cogens), bem como a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o
Estado Democrático,36 de sorte que com fulcro no art. 5°, §2° da CF/88 as hipóteses
de imprescritibilidade podem ser alargadas.37
32 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 9° ed. São Paulo: Saraiva, 2022, p. 61.
33 BROWNLIE, Ian. Princípios de direito internacional público. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1997, p. 537.
34 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos. 8° ed. São Paulo: Saraiva, 2024,
p. 65.
35 Art. 5°, XLII da Constituição Federal de 1988. BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil: atualizada até a Emenda Constitucional n° 132. Brasília, DF, 05 de outubro de 1988. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 28
dez. 2023.
36 Art. 5°, XLIV da Constituição Federal de 1988. BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil: atualizada até a Emenda Constitucional n° 132. Brasília, DF, 05 de outubro de 1988. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 28
dez. 2023.
37 “Não há como se acolher o argumento de que a Constituição limitou os casos de imprescritibilidade
aos crimes que indicou (racismo - art. 5o, XLII, e de atuação de grupos armados contra a ordem
16
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Além disso, o STF, em sede de Habeas Corpus, em julgado de 2021,
reconheceu a imprescritibilidade do crime de injúria racial tipificado no art. 140,
§3° do CP. In verbis:
HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. INJÚRIA RACIAL (ART. 140, § 3º,
DO CÓDIGO PENAL). ESPÉCIE DO GÊNERO RACISMO.
IMPRESCRITIBILIDADE. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Depreende-se das
normas do texto constitucional, de compromissos internacionais e de
julgados do Supremo Tribunal Federal o reconhecimento objetivo do
racismo estrutural como dado da realidade brasileira ainda a ser
superado por meio da soma de esforços do Poder Público e de todo o
conjunto da sociedade. 2. O crime de injúria racial reúne todos os
elementos necessários à sua caracterização como uma das espécies
de racismo, seja diante da definição constante do voto condutor do
julgamento do HC 82.424/RS, seja diante do conceito de
discriminação racial previsto na Convenção Internacional Sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. 3. A simples
distinção topológica entre os crimes previstos na Lei 7.716/1989 e o
art. 140, § 3º, do Código Penal não tem o condão de fazer deste uma
conduta delituosa diversa do racismo, até porque o rol previsto na
legislação extravagante não é exaustivo. 4. Por ser espécie do gênero
racismo, o crime de injúria racial é imprescritível. 5. Ordem de
habeas corpus denegada.38
A decisão retro o STF reconhece a injuria racial como espécie de racismo
imputando, assim, o status normativo quanto a sua imprescritibilidade em atenção
aos compromissos internacionais e a necessidade de combate ao racismo estrutural
presente na cultura brasileira.
constitucional e o Estado Democrático - art. 5º, XLIV), pois tanto há a abertura constitucional para
outras normas de direitos fundamentais oriundas da esfera internacional (art. 5o, § 2º: Os direitos e
garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por
ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte) -
caso da imprescritibilidade dos crimes contra direitos humanos, quanto não deve haver a
interpretação de que a imprescritibilidade prejudique direitos fundamentais e deva ser interpretada
restritivamente, na medida em que a mesma é neutra em relação aos direitos individuais (já que a
inocorrência da prescrição tanto limita direitos fundamentais quanto os assegura, ao garantir a
prevenção e a repressão a delitos). Daí a possibilidade de o rol de delitos imprescritíveis ser alargado,
seja por lei ordinária, seja por tratado internacional”. (BAHIA, Saulo José Casali. O Caso Fazenda
Brasil Verde e o Cumprimento da Decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Revista do
Programa de Pós-Graduação em Direito, v. 30, n. 1, 2020, p. 163. Disponível em:
https://periodicos.ufba.br/index.php/rppgd/article/view/36779. Acesso em: 28 dez. 2023)
38 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Habeas Corpus n° 154248. Relator: Ministro Edson Fachin.
Pesquisa de Jurisprudência. Acórdãos, 23 fevereiro 2022. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=766490810
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2.2 Caso trabalhadores da fazenda Brasil Verde vs. Brasil
A Corte Interamericana de Direitos Humanos prolatou, em 20 de outubro de
2016, a primeira sentença da Corte versando sobre a temática da escravidão, no caso
Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil,39 na qual reconheceu a
responsabilidade internacional do Brasil40 por violação do dever dos trabalhadores
de não se submeterem à escravidão, além da anuência estatal devido à falta de
investigação e punição dos responsáveis.41
A Corte determinou as seguintes reparações:
i) publicar a Sentença e seu resumo; ii) reiniciar, com a devida
diligência, as investigações e/ou processos penais relacionados aos
fatos constatados em março de 2000 para, em um prazo razoável,
identificar, processar e, se for o caso, punir os responsáveis, iii)
adotar as medidas necessárias para garantir que a prescrição não
seja aplicada ao delito de Direito Internacional de escravidão e
suas formas análogas, dentro de um prazo razoável a partir da
notificação da presente Sentença e iv) pagar os valores fixados na
Sentença, a título de indenizações por dano imaterial e de reembolso
de custas e gastos.42 (Grifos nossos)
Como se afere, no seio da referida decisão, foram determinadas providências
ao Brasil quanto a adoção da imprescritibilidade do crime de redução ao trabalho
escravo. In verbis:
452. Os representantes afirmaram que, considerando que se trata de
graves violações aos direitos humanos, a prescrição do delito de
39 Fato representado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Centro pela Justiça e o Direito
Internacional (CEJIL/Brasil), em 1998 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
40 Até a data de submissão deste artigo, o Brasil possuía 12 condenações no âmbito da Corte IDH,
tendo sido a última em 30 de junho de 2022, no Caso Sales Pimenta v. Brasil. Disponível em:
https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/atuacao-internacional/sentencas-da-corte-
interamericana. Acesso em: 28 dez. 2023.
41 CORTE IDH. Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito,
Reparações e Custas, sentença de 20 de outubro de 2016, Série C, n.º 318. Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_318_por.pdf. Acesso em: 28 dez. 2023.
42 CORTE IDH. Resumo oficial emitido pela Corte Interamericana (Caso Trabalhadores da Fazenda
Brasil Verde Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 20 de
outubro de 2016, Série C, n.º 318). Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-
temas/atuacao-internacional/sentencas-da-corte-
interamericana/Resumen_OficialFazendaBrasilVerde.pdf. Acesso em: 28 dez. 2023.
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trabalho escravo é incompatível com a Convenção Americana. Em
consequência, solicitaram que o Estado estabeleça a
imprescritibilidade deste delito e, adicionalmente, adote todas as
medidas necessárias para que a prescrição não seja um obstáculo
para a investigação e eventual punição dos responsáveis pelos fatos
deste caso.43
A corte IDH reconheceu a imprescritibilidade do crime de escravidão, uma vez
que foi o instituto da prescrição que acarretou a violação do art. 2° do Pacto de San
José da Costa Rica,44 em virtude do estado de impunidade decorrente do ocorrido na
Fazenda Brasil Verde, em 1997. Acrescenta-se a isso a imprescritibilidade do delito
de escravidão e suas formas análogas no Direito Internacional, nas quais tal proibição
possui status de jus cogens. Por fim, a jurisprudência constituída pela Corte IDH tem
se firmado no sentido da inviabilidade da prescrição45 quando diante de graves
violações de direitos humanos.46
Em face desse controle de convencionalidade concentrado realizado pela
Corte IDH47 em relação à legislação doméstica do Brasil, não se poderia aplicar a
43 CORTE IDH. Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito,
Reparações e Custas, sentença de 20 de outubro de 2016, Série C, n.º 318. Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_318_por.pdf. Acesso em: 28 dez. 2023.
44 Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. Artigo 2° - Se o exercício dos direitos e
liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de
outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas
constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza
que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.
45 A título de exemplo: Caso Albán Cornejo e outros Vs. Equador. Mérito, Reparações e Custas.
Sentença de 22 de novembro de 2007, Série C, nº 171 & Caso Almonacid Arellano e outros Vs. Chile.
Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 26 de setembro de 2006, Série C,
nº 154. CORTE IDH. Caso Albán Cornejo e outros Vs. Equador. Mérito, Reparações e Custas. Sentença
de 22 de novembro de 2007, Série C, nº 171. Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_171_esp.pdf. Acesso em: 28 dez. 2023;
CORTE IDH. Caso Almonacid Arellano e outros Vs. Chile. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações
e Custas. Sentença de 26 de setembro de 2006, Série C, nº 154. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2016/04/7172fb59c130058bc5a96931e41d04e2.pdf.
Acesso em: 28 dez. 2023.
46 CORTE IDH. Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito,
Reparações e Custas, sentença de 20 de outubro de 2016, Série C, n.º 318. Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_318_por.pdf. Acesso em: 28 dez. 2023.
47 “É que a sentença da Corte IDH, para tal caso, cobra do Estado brasileiro que, em face dos
compromissos jurídicos internacionais adotados, impeça que a prescrição obste a investigação e
punição do autor do crime de escravidão, a significar, na prática, a não aplicação de uma norma
doméstica sobre cuja eficácia, em vista das normas penais relativas a trabalho escravo, jamais foi
cogitada. De fato, a decisão da Corte IDH realizou controle concentrado de convencionalidade, cujos
efeitos se concretizarão pelas mãos autoridades locais, seja no âmbito legislativo, pela promoção da
alteração da norma, seja no âmbito judicial, pelo afastamento da aplicação da lei doméstica
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NELSON, Rocco A. R. R. “Escravidão contemporânea”: em busca da justiça sem prazo de validade. Revista Jurídica
Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 7, p. 1-30, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.194.
prescrição penal ou trabalhista diante da prática da ilicitude do trabalho análogo ao
de escravo.
Destaca-se que no caso José Pereira, que comportou solução amistosa perante
a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil se comprometeu a ressarcir
o trabalhador rural José Pereira, que foi submetido a trabalhos forçados e
gravemente ferido ao evadir, em 1989, da Fazenda Espírito Santo, localizada no
Estado do Pará. Esse ressarcimento ocorreu em 25 de agosto de 2003 com fulcro na
Lei10.706/03.48 Verifica-se que na época da celebração do termo de solução
amistosa em 2003, ao ressarcir o trabalhador José Pereira, o Brasil, reconheceu
indiretamente a imprescritibilidade do ilícito decorrente do trabalho análogo ao de
escravo, não aplicando a prescrição trabalhista (art. 7º, XXIX da CF/88).
Por fim, é importante lembrar da Recomendação nº 123/202249 do Conselho
Nacional de Justiça, que determina a observância da jurisprudência da Corte IDH,
bem como a priorização do julgamento dos processos em tramitação relativos à
reparação material e imaterial das vítimas de violações a direitos humanos
determinadas pela Corte IDH.50
‘inconvencional’”. (BELTRAMELLI NETO, Silvio. Apontamentos sobre a imprescritibilidade dos crimes
relativos a trabalho escravo segundo a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos para o
Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde. XXVI Encontro Nacional do CONPEDI, Brasília, 2017, p.
77-78. Disponível em:
http://site.conpedi.org.br/publicacoes/roj0xn13/e7x5ou99/1EBj3rzTBMyJewjd.pdf. Acesso em: 28
dez. 2023.
48 CIDH. Relatório nº 95/03. Caso 11.289: Solução Amistosa: José Pereira. Brasil. 2003. Disponível
em: https://cidh.oas.org/annualrep/2003port/brasil.11289.htm. Acesso em: 28 dez. 2023.
49 CNJ. Recomendação nº 123/22, de 7 de janeiro do 2022. Recomenda aos órgãos do Poder
Judiciário brasileiro a observância dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos e o
uso da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Disponível em:
https://atos.cnj.jus.br/files/original1519352022011161dda007f35ef.pdf. Acesso em: 28 dez. 2023.
50 Destaca-se, ainda, que por meio da Resolução n° 364, de 12 de janeiro de 2021, do CNJ fora
instituído institui uma unidade de Monitoramento e Fiscalização das decisões e deliberações da Corte
IDH quando do envolvimento do Brasil. CNJ. Resolução nº 364/21, de 12 de janeiro de 2021. Dispõe
sobre a instituição da Unidade de Monitoramento e Fiscalização de decisões e deliberações da Corte
Interamericana de Direitos Humanos no âmbito do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:
https://atos.cnj.jus.br/files/original173529202101186005c6e1b06b3.pdf. Acesso em: 28 dez. 2023.
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NELSON, Rocco A. R. R. “Escravidão contemporânea”: em busca da justiça sem prazo de validade. Revista Jurídica
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2.4 Nota técnica do Ministério Público do Trabalho, jurisprudência do TST e ADPF
n° 1.053
A Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (CONAETE), órgão do Ministério Público do
Trabalho/MPT, emitiu a Nota Técnica n° 02/2022 na qual se posiciona pela defesa da
tese da imprescritibilidade nos casos de “escravidão moderna” ventilando, além das
razões acima expostas, que a condição de hipossuficiência e a impossibilidade de
exercício de autonomia pelo trabalhador resgatado seriam obstáculos ao exercício
do direito de ação, recorrendo à analogia com o art. 198, I do Código Civil51 e art.
440 da CLT,52 que determinam o impedimento do início da contagem da prescrição
perante incapazes, bem como à súmula n° 278 do STJ53 e à OJ n° 375 da SDI-1 do
TST,54 que tratam sobre a fluência do prazo prescricional. Além disso, a prescrição
art. 7°, XXIX da CF/88, só corre em face de direitos disponíveis, os quais não seriam
aqueles frutos de violação de direitos humanos, além de que a “escravidão moderna”
no Brasil deriva de um racismo estrutural55, o qual é considerado crime imprescritível
(art. 5°, XLII da CF/88). In verbis:
51 Código Civil. Art. 198. Também não corre a prescrição: I - contra os incapazes de que trata o art.
3°; (...). BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 28 dez. 2023.
52 CLT. Art. 440 - Contra os menores de 18 (dezoito) anos não corre nenhum prazo de prescrição.
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.
Diário Oficial da União. Rio de Janeiro, RJ, 09 de agosto de 1943. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 28 dez.2023.
53 Súmula n° 278 do STJ: O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em
que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.
54 OJ nº 375 do SBDI-1 do TST. A suspensão do contrato de trabalho, em virtude da percepção do
auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, não impede a fluência da prescrição quinquenal,
ressalvada a hipótese de absoluta impossibilidade de acesso ao Judiciário.
55 “(...). O racismo é, portanto, um sistema de opressão que nega direitos, e o um simples ato da
vontade de um indivíduo. (...)”. (RIBEIRO, Djamila. Pequeno manual antirracista. São Paulo:
Companhia das Letras, 2019, p. 05). “(...): o racismo é uma decorrência da própria estrutura social,
ou seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas, ecomicas, jurídicas e até
familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural.
(...)”. (ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. São Paulo: Editora Jandaíra, 2019, p. 41). “Já o racismo
estrutural seria o resultado dos racismos individualista e institucional, isto é, racismo não é uma
questão meramente patológica ou institucional, mas a procriação de uma realidade em que o racismo
é um processo social que se naturalizou. Aqueles seriam reflexo da própria estrutura social, que se
estabelece por meio de relações sociais, políticas e econômicas nas quais o racismo é regra e não
exceção’”. (SANTOS, Eneida Maria dos; CARELLI, Rodrigo de Lacerda. As plataformas digitais de
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PRESCRIÇÃO. NÃO INCIDÊNCIA EM CASOS DE TRABALHO ESCRAVO E
TRÁFICO DE PESSOAS PARA EXPLORAÇÃO DO TRABALHO. 1. No Direito
Internacional, a proibição da escravidão moderna alcançou status de
norma imperativa, integrante do jus cogens. 2. Conforme decidido
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no “Caso Fazenda
Brasil Verde”, o Estado brasileiro deve “adotar as medidas
necessárias para garantir que a prescrição não seja aplicada ao delito
de Direito Internacional de escravidão e suas formas”. 3. A escravidão
é tipificada como crime contra humanidade pelo Estatuto de Roma,
que reconhece sua imprescritibilidade (art. 29). 4. Se mesmo na seara
penal, em que existe possibilidade de restrição de um dos mais
importantes bens jurídicos do indivíduo a liberdade de ir e vir -,
o reconhecimento da imprescritibilidade concernente à escravidão
moderna, com muito maior razão esta deve ser reconhecida na órbita
trabalhista, em que são atingidos direitos do empregador de caráter
meramente patrimonial. 5. Tanto é assim, que, no acordo firmado,
perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no “Caso
José Pereira, o Brasil assumiu o compromisso de indenizar a vítima,
mesmo depois de ultrapassados os prazos prescricionais bienal e
quinquenal. 6. Não se deve imputar inércia à pessoa escravizada
quanto à provocação do Poder Judiciário, pois sua condição de
hipossuficiência e de sujeição ao explorador a impossibilita de
manifestar, com plena autonomia, sua vontade e impede ou
dificulta sobremaneira o exercício do direito de ação
(aplicabilidade do art. 198, I, do CC, e, por analogia, dos
entendimentos da Súmula 278 do STJ, da OJ 375 da SDI-1 do TST
e do art. 440 da CLT). 7. Mesmo após o resgate, não deve incidir a
prescrição, com base em normas internacionais ratificadas pelo
Brasil, bem como em normas nacionais. 8. O art. 7º, XXIX, da
CRFB/88, trata dos direitos do trabalhador relacionados às
pretensões patrimoniais disponíveis, e não daqueles decorrentes
de violações de direitos fundamentais de pessoa submetida à
escravidão moderna, os quais ostentam caráter indisponível. 9. A
escravidão moderna implica verdadeira negação do princípio da
dignidade humana, um dos pilares da República, e não cabe a
estipulação de lapso prescricional para pretensões relativas à própria
preservação do direito inalienável à dignidade. 10. A escravidão
moderna está fortemente relacionada à manutenção do racismo
no país, cuja imprescritibilidade deflui do art. 5º, XLII, da CRFB/88.56
(Grifos nossos)
transporte e o lugar do negro no mercado de trabalho: o racismo nas configurações institucionais do
trabalho no Brasil do século XXI. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, v. 5, 23,
2022, p. 29. Disponível em: https://www.revistatdh.org/index.php/Revista-
TDH/article/view/126/106. Acesso em: 28 dez. 2023)
56 BRASIL. Ministérioblico do Trabalho. CONAETE. Nota técnica n° 02/2022. Disponível em:
https://mpt.mp.br/pgt/publicacoes/notas-tecnicas/nota-tecnica-no-2-2022-imprescritibilidade-de-
pretencoes-trabalhistas-relativas-ao-trabalho-em-condicoes-analogas-a-de-escravo/@@display-
file/arquivo_pdf. Acesso em: 28 dez. 2023.
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Importa destacar que a questão problema do presente ensaio foi ventilado no
seio do Tribunal Superior do Trabalho, tendo sucedido a prolação de recentíssima
decisão turmária convergente com a tese propugnada na Nota Técnica n° 02/2022
da CONAETE. Nas razões de decidir, ventila-se analogia com a mula n° 647 do STJ,
que fixa a tese da imprescritibilidade de ações indenizatórias decorrentes de
perseguição política na situação de trabalho análogo à de escravo. In verbis:
(...)
RECURSO DE REVISTA DO MPT. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA
VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. AÇÃO CIVIL PÚBLICA TRABALHO
DOMÉSTICO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO
DESMISTIFICAÇÃO DO ARGUMENTO “COMO SE FOSSE DA FAMÍLIA”
GRAVE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS RECONHECIMENTO DA
IMPRESCRITIBILIDADE DO DIREITO ABSOLUTO A NÃO ESCRAVIZAÇÃO.
(aponta violação aos artigos 1º, III, IV, 5º, caput, V, X, 7º, XXII, XXIX,
225, da CF/88, 11, § 1º, da CLT, e 197 a 200, do Código Civil). Trata-
se de ação civil pública ajuizada pelo MPT, juntamente com a DPU,
para tutelar direitos individuais de trabalhadora doméstica
reduzida, por mais de 20 anos de 1998 a 2020 -, à condição
análoga à de escravo, além de tutelar o direito coletivo da
sociedade. Ao analisar o caso, o TRT rejeitou o argumento do Órgão
Ministerial segundo o qual é imprescritível a pretensão deduzida em
ação trabalhista envolvendo a prática da submissão de trabalhadora
doméstica à condição análoga à escravidão. Decidiu a Corte Regional
aplicar a prescrição quinquenal prevista no art. 7º, XXIX, da
Constituição Federal. Todavia, nos casos envolvendo crime contra
a humanidade e grave violação aos direitos fundamentais, a norma
geral sobre a prescrição trabalhista deve ser interpretada
sistematicamente. Com efeito, extrai-se do conjunto de princípios e
garantias constitucionais, bem como de regras explícitas em diplomas
nacionais e internacionais, que, na excepcional hipótese de
submissão de trabalhador à condição análoga à de escravo, não há
como se admitir a consumação de direitos pelo decurso do tempo,
pois, nessa circunstância, a restrição da liberdade moral, e até
mesmo física, não permite ao ofendido a busca pela reparação de
seus direitos. (...). O reconhecimento da prescrição no caso dos
autos projeta uma anuência a essa violação ao direito fundamental
a não ser escravizado que encontra seu análogo na proibição ao
tratamento desumano ou degradante, inscrito no artigo 5º, inciso
III, da Constituição da República. Além disso, a liberdade do
indivíduo é direito fundamental que só pode sofrer restrição por parte
do Estado através de um devido processo legal (art. 5º, inciso LIV,
CF). Não há autorização constitucional para restrição de liberdade
em uma relação privada, o que inclui um vínculo de emprego. A
pujança da tese que defende a imprescritibilidade das ações
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envolvendo a conduta de redução análoga à escravidão é de tal
importância que o Ministério Público da União ajuizou,
recentemente, a ADPF 1.053. Nela, o PGR postula seja declarada a
não recepção, sem redução de texto, dos artigos do Código Penal
relativos à prescrição, em especial os artigos 107, inciso IV, e 109 a
112 do CP, quanto ao tipo penal de redução à condição análoga à de
escravo, previsto no art. 149 do Código Penal, a fim de torná-lo
imprescritível. É certo que as esferas penal e trabalhista não se
confundem e, a rigor, não se comunicam. Porém, na hipótese
específica do ilícito em comento, não há como admitir que o
Estado compactue com a ausência de punição por decurso
temporal em detrimento do direito da vítima à reparação integral
e da responsabilização, inclusive pecuniária, do algoz por todas as
consequências advindas daquela prática. Isso implicaria não só em
um salvo conduto ao explorador, como também em um estímulo à
repetição e perpetuação do ilícito na nossa sociedade. Além disso,
é amplamente reconhecido, na jurisprudência e na doutrina
constitucionalista, que os direitos e garantias fundamentais listados
no art. 5º da Constituição de 1988 possuem características essenciais,
dentre elas a imprescritibilidade. Portanto, fica claro que o direito à
liberdade e à impossibilidade de submissão à condição análoga à
escravidão constitui garantia fundamental, com previsão no inciso XIII
do artigo 5º da CF/88, não podendo ser alcançado pela prescrição.
Trata-se de interpretação sistemática, que busca assegurar a
máxima efetividade das liberdades civis dos cidadãos. Invoca-se
aqui o lúcido ensinamento de Noberto Bobbio, na clássica obra “A
era dos direitos”, segundo o qual as únicas exceções à máxima da
ausência de direitos absolutos são os direitos absolutos a não ser
escravizado e de não ser torturado. (...). Por isso, é fundamental
aplicar de forma analógica o entendimento firmado na Súmula nº
647 do STJ, que reconhece a imprescritibilidade das ações
indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes de atos
de perseguição política com violação de direitos fundamentais
ocorridos durante o regime militar, aos casos de trabalho em
condição análoga à de escravo. Além disso, no período anterior a
2015 (atingido supostamente pela prescrição quinquenal trabalhista
do artigo 7º, XXIX, da Constituição da República), a vítima era
considerada, pelo ordenamento jurídico brasileiro como
absolutamente incapaz, conforme as regras vigentes à época. Assim,
contra ela não poderia correr a prescrição, nos termos do artigo
198 inciso I, do Código Civil. Além desta incapacidade provisória,
a prescrição relativa às pretensões envolvendo o período em que
a vítima foi submetida à condição análoga à escravidão não poderia
correr considerando que a presente ação tem como objeto fato
que deve ser apurado no juízo criminal, nos termos do artigo 200
do Código Civil. Não se pode, assim, entender plausível a limitação
do direito absoluto a não se submeter à servidão pela eventual
incidência do instituto da prescrição, mormente porque o Estado
Brasileiro, também signatário da Convenção nº 29 da OIT, que versa
sobre o trabalho forçado ou obrigatório, e da Convenção nº 105 da
OIT, que trata da abolição do trabalho forçado e proíbe o uso de toda
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forma de trabalho forçado ou obrigatório, comprometeu-se a
combater e reprimir, sem qualquer restrição, as práticas de
escravidão moderna. Dessa forma, há que se prover o recurso a fim
de se reconhecer imprescritível a pretensão da parte reduzida a
trabalho análogo à de escravo, sendo devidos todos os direitos
trabalhistas desde o início da prestação de serviço, nos idos de 1998.
Recurso de revista conhecido e provido. (...)57 (Grifos nossos)
Apresenta-se uma decisão concernente ao valor tutelar dos direitos sociais dos
trabalhadores, alinhado ao 8° ODS da Agenda 2030 e às metas estabelecidas para o
mesmo, concretizando a ideia de trabalho decente que perpassa pelo respeito aos
direitos fundamentais afeto, aqui, à erradicação de todas as formas de trabalho
forçado.58
Registra-se, ainda, que atualmente tramita no Supremo Tribunal Federal a
Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 1.053 (protocolada em abril
de 2023) na qual se solicita a não recepção dos artigos do Código Penal que tratam
da prescrição em relação ao tipo penal redução à condição análoga à de escravo (art.
149 do CP), de sorte a gerar a consequência imprescritibilidade do crime de redução
a condição análoga à escravidão, visando garantir os direitos fundamentais, similar
ao que ocorreu com a homofobia, a transfobia, o antissemitismo e a injúria racial
equiparados ao racismo, os quais o STF os considerou imprescritíveis.
57 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Turma. RRAg-1000612-76.2020.5.02.0053. Relatora:
Ministra Liana Chaib. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 27 out. 2023. Disponível em:
https://consultadocumento.tst.jus.br/consultaDocumento/acordao.do?anoProcInt=2022&numProcIn
t=521163&dtaPublicacaoStr=26/04/2024%2007:00:00&nia=8337755. Acessado em: 28 dez. 2023.
58 Destaca-se que, atualmente, processos envolvendo trabalho escravo possuem tramitação
preferencial no seio da Justiça do Trabalho, conforme Provimento nº 4/GCGJT, de 26 de setembro de
2023. In verbis: Art. 60. Os juízes e desembargadores do Trabalho devem assegurar prioridade no
processamento e julgamento dos processos individuais e coletivos, sujeitos à sua competência, tanto
na fase de conhecimento quanto no âmbito do cumprimento da decisão, nas seguintes situações: (...)
V - aprendizagem profissional, trabalho escravo e trabalho infantil; (...) (Grifos nossos) CGJT.
Provimento nº 4/GCGJT, de 26 de setembro de 2023. Atualiza a Consolidação dos Provimentos da
Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho. Disponível em:
https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/221460/2023_prov0004_cgjt.pdf?sequ
ence=1&isAllowed=y. Acesso em: 28 dez. 2023.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com fulcro no reconhecimento de que a norma proibitiva da escravidão e
formas análogas se apresentam com natureza de norma jus cogens no âmbito do
direito internacional e considerando que o Brasil deve obediência aos compromissos
internacionais e às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, é pujante
a necessidade do reconhecimento, no seio do ordenamento jurídico brasileiro, da
imprescritibilidade do delito de redução à condição análoga à de escravo, por
constituir gravíssima violação dos direitos humanos, a fim de possibilitar a
responsabilização penal dos infratores e o ressarcimento civil e trabalhista das
vítimas e dos danos morais à coletividade.
Tendo em vista que o trabalhador em situação análoga à de escravo encontra-
se impedido de ter acesso ao Poder Judiciário e a exercer o seu direito de ação, não
deve correr a prescrição conforme o enunciado normativo do art. 198, I do Código
Civil. Além de se socorrer da analogia (meio de colmatação) referente às Súmulas
278 e 647 do STJ, à OJ 375 da SDI-1 do TST e ao art. 440 da CLT.
Em defesa da tese supra, alinhado ao ODS n° 8 da agenda 2030, meta 8.7,
apresenta-se concernente a Nota Técnica n° 02/2022 da CONAETE e a recente
decisão turmária do TST.
Espera-se que o STF, no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental n° 1.053, possa consolidar o presente entendimento com efeito erga
omnes, alinhando-se ao teor da decisão do caso Trabalhadores da Fazenda Brasil
Verde vs. Brasil, dada a evidente omissão do Poder Legislativo quanto ao assunto.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. São Paulo: Editora Jandaíra, 2019.
BAHIA, Saulo José Casali. O Caso Fazenda Brasil Verde e o Cumprimento da Decisão
da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Revista do Programa de Pós-
Graduação em Direito, v. 30, n. 1, 2020, p. 163. Disponível em:
26
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
NELSON, Rocco A. R. R. “Escravidão contemporânea”: em busca da justiça sem prazo de validade. Revista Jurídica
Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 7, p. 1-30, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.194.
https://periodicos.ufba.br/index.php/rppgd/article/view/36779. Acesso em: 28
dez. 2023.
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Professor efetivo de Direito do Instituto Federal do Rio Grande do Norte IFRN, campus Natal-
Central. Doutorando em Direito pela Universidade de Marília UNIMAR. Mestre em Direito
Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN. Especialista em
Ministério Público, Direito e Cidadania pela Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande
do Norte. Especialista em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Potiguar. Especialista
em Direito Eletrônico pela Universidade Estácio de Sá. Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em
Extensão e Responsabilidade Social, vinculado a linha de pesquisa “Democracia, Cidadania e
Direitos Fundamentais” do Instituto Federal do Rio Grande do Norte IFRN, campus Natal-
Central. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1158874159117246. ORCID: https://orcid.org/0000-
0002-4169-1827. E-mail: rocconelson@hotmail.com.