Recebido em: 31/10/2023
Aprovado em: 23/05/2024
Do estilingue ao drone laser: a disputa de projetos de classe
entre trabalhadores/as e empresas-plataforma
From the slingshot to the laser drone:
the dispute of class projects between
workers and platform companies
De la honda al dron láser: la disputa de
proyectos de clase entre trabajadores y
empresas plataforma
Viviane Vidigal
Universidade Estadual de Campinas
Lattes: https://lattes.cnpq.br/2050929814439150
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2376-2916
Nívea Maria Santos Souto Maior
Universidade Federal de Pernambuco
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8837507427556940
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4561-8819
Ana Carolina Reis Paes Leme
Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9715907508121443
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8975-7450
Cyntia Ruiz Braga
Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1306412041134589
ORCID: https://orcid.org/0009-0005-9603-4524
RESUMO
Introdução: A metáfora “estilingue versus drone laser” representa uma
figura de linguagem que compara a assimetria de armas que acontece nos
atuais debates sobre a regulamentação do trabalho controlado por
plataformas digitais.
Objetivo: Com isso, o presente trabalho tem como objetivo analisar os
obstáculos enfrentados na organização coletiva dos/as trabalhadores/as
uberizados/as na luta pelo reconhecimento de seus direitos. Trata-se de um
debate antidemocrático em virtude da posição de desigualdade das partes
envolvidas. Enquanto as empresas-plataforma possuem uma narrativa
uniforme e cifras milionárias para a defesa de seus interesses, os/as
trabalhadores/as uberizados/as apresentam uma pluralidade de narrativas
e o desfinanciamento das entidades sindicais, contexto que reverbera
também no judiciário e na edição dos projetos de lei.
Metodologia: A pesquisa envolveu revisão bibliográfica e análise de dados
empíricos de fonte secundária, cujo estudo foi sistematizado em três eixos:
a carência de recursos financeiros, a narrativa do poder legislativo e a crise
de representatividade, que dificultam o reconhecimento formal da
categoria.
Resultados: Assim, a hipótese sustentada é a de que, para buscar a justa
equivalência, faz-se necessário identificar quais são os elementos que
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desequilibram a disputa de projetos de classe entre trabalhadores e
empresas-plataforma.
Conclusão: A organização coletiva dos trabalhadores está em assimetria com
aquelas que representam as empresas-plataforma. Urge a necessidade de
paridade de participação.
PALAVRAS-CHAVE: assimetria de armas; organização coletiva; plataformas
digitais; regulamentação do trabalho; trabalhadores uberizados.
ABSTRACT
Introduction: The metaphor “slingshot versus laser drone” represents a
figure of speech that compares the asymmetry of weapons that occurs in
current debates about the regulation of work controlled by digital platforms.
Therefore, the present work aims to analyse the obstacles faced in the
collective organization of uberized workers in the fight for the recognition
of their rights.
Objective: This is an undemocratic debate due to the unequal position of
the parties involved. While platform companies have a uniform narrative
and million-dollar figures to defend their interests, uberized workers
present a plurality of narratives and the defunding of union entities, a
context that also reverberates in the judiciary and in the editing of bills.
Methodology: The research methodology used involved bibliographic review
and analysis of empirical data from secondary sources, the study of which
was systematized into three axes: the lack of financial resources, the
narrative of the legislative power and the crisis of representation, which
make formal recognition of the category difficult.
Results: The hypothesis supported is that, to seek fair equivalence, it is
necessary to identify which elements unbalance the dispute over class
projects between workers and platform companies.
Conclusion: The collective organization of workers is in asymmetry with
those representing platform companies. There is an urgent need for parity
of participation.
KEYWORDS: collective organization; digital platforms; gig workers; labour
regulation; weapon asymmetry.
RESUMEN
Introducción: La metáfora “honda versus dron láser” representa una figura
retórica que compara la asimetría de las armas que se da en los debates
actuales sobre la regulación del trabajo controlado por plataformas
digitales.
Objetivo: Por lo tanto, el presente trabajo tiene como objetivo analizar los
obstáculos que enfrenta la organización colectiva de los trabajadores
uberizados en la lucha por el reconocimiento de sus derechos. Se trata de
un debate antidemocrático debido a la posición desigual de las partes
implicadas. Mientras las empresas de plataformas tienen una narrativa
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uniforme y cifras millonarias para defender sus intereses, los trabajadores
uberizados presentan una pluralidad de narrativas y el desfinanciamiento de
entidades sindicales, contexto que también repercute en el poder judicial y
en la redacción de proyectos de ley.
Metodología: La metodología de investigación utilizada implicó la revisión
bibliográfica y el análisis de datos empíricos de fuentes secundarias, cuyo
estudio se sistematizó en tres ejes: la falta de recursos financieros, la
narrativa del poder legislativo y la crisis de representación, que dificultan
el reconocimiento formal de la categoría.
Resultados: La hipótesis sustentada es que, para buscar una equivalencia
justa, es necesario identificar qué elementos desequilibran la disputa por
proyectos de clase entre trabajadores y empresas de plataforma.
Conclusión: La organización colectiva de los trabajadores está en asimetría
con la que representan a las empresas de plataformas. Hay una necesidad
urgente de paridad de participación.
PALABRAS CLAVE: asimetría de armas; organización colectiva; plataformas
digitales; regulación laboral; trabajadores uberizados.
INTRODUÇÃO
Em tempos do capitalismo neoliberal, os trabalhadores rejeitados pelo
mercado de trabalho formal hoje não encontram mais postos de trabalho diante da
arquitetura social da destruição. Nessa esteira, compõe-se um exército de pessoas
dispostas a aceitar qualquer tipo de trabalho para subsistir e sobreviver a partir da
crise estrutural do capital.
Diante de tal contexto, o sistema plataformizado de trabalho se constituiu
como um refúgio, o qual, num primeiro momento, foi aceito como uma tábua de
salvação, inibindo uma postura crítica às retóricas falaciosas como a de serem
“empresários de si mesmos”1, adotando slogans empresariais enquanto agentes
públicos apenas ignoram sua existência. Em realidade, a uberização é composta por
trabalhadores precarizados, marginalizados pela ausência de regulamentação
específica, ignorados pelas políticas públicas de efetivo emprego.
1 OLIVEIRA, Robson de; SAMPAIO, Simone Sobral. Neoliberalismo e Biopoder: o indivíduo como empresa
de si mesmo. Textos & Contextos, Porto Alegre, v. 17, n. 1, p. 167-177, jan./jul. 2018. Disponível
em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/23483/17160 Acesso em:
19 jun. 2024.
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A questão norteadora do presente estudo é: a existência de uma disputa de
projetos de classe entre trabalhadores/as e empresas-plataforma não apresenta
diálogos moralmente válidos. Existe uma produção ideológica por parte dos grupos
empresariais para não “celetizar” os uberizados, no intuito de deixá-los à margem
da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sem garantias sociais, sem descanso,
tampouco com o reconhecimento formal de sua categoria. A assimetria pode ser
visualizada quando se compara as partes: enquanto as empresas-plataforma possuem
uma narrativa uniforme e cifras milionárias para a defesa de seus interesses, os/as
trabalhadores/as uberizados/as apresentam uma pluralidade de narrativas e o
desfinanciamento das entidades sindicais, cujo contexto reverbera no judiciário e na
edição dos projetos de lei.
Reflexos também desse cenário de marginalidade da lei nas relações de
trabalho são os estudos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), por meio da cooperação técnica entre a Universidade Estadual de Campinas
e o Ministério Público do Trabalho (MPT), cujos dados2 apontam que apenas 35,7%
dos trabalhadores plataformizados contribuem para a previdência social. A referida
estatística ratifica a intrínseca relação entre esses profissionais informais em sua
maioria entregadores de mercadorias e motoristas de transporte de passageiros das
empresas-plataforma com a ausência de acesso à proteção social e direitos
trabalhistas.
E nessa disputa de projetos de classe, existem dois atores sociais antagônicos:
trabalhadores com discursos díspares, exacerbados, alienados em sua identidade
individual de empreendedorismo e enfraquecidos na sua organização como classe;
ao passo que, do outro lado, as empresas-plataforma detentoras da tecnologia e de
ampla capilaridade cibernética que adotam um discurso único, elaborado pelos
2 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua (PNAD Contínua): teletrabalho e trabalho por meio de plataformas digitais 2022. Rio de
Janeiro: IBGE, 2023. Disponível em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/448a4b1b10d3cba64647966
eb2772316.pdf. Acesso em: 2 fev. 2024.
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setores jurídico e de marketing3, propagado em massa pelos aparelhos privados de
hegemonia de modo a estabelecer uma ressignificação às avessas das relações de
trabalho, com a destruição de direitos e truques que confundem a real compreensão
do problema.
Há pouco tempo, os motoristas de aplicativo organizaram uma paralisação
nacional no dia 15 de maio de 20234. Essa manifestação tinha por finalidade a
visibilidade da categoria que luta por melhores condições de trabalho, de modo a
reivindicar por sua regulamentação profissional, o aumento no repasse dos ganhos
das corridas, a maior transparência dos dados, a isenção de IPVA, a cobertura
previdenciária e outras garantias sociais.
De modo estratégico, cinco dias antes da citada mobilização, a empresa Uber
realizou um grande evento para supostamente dialogar com as lideranças sindicais,
influenciadores digitais e os “motoristas diamantes”. Na verdade, tratou-se de uma
cortina de fumaça, uma reunião para conceder brindes e prêmios na intenção de
cooptar os principais articuladores da categoria e desmobilizar o movimento
paredista.
Isso corrobora do que aqui se denomina de “drone a laser” porque dias antes
da citada paralisação operária, o capital solta um evento regado a modernos raios
de laser para tentar ofuscar a visão dos trabalhadores e confundi-los. O episódio
acima narrado ratifica o quanto é complexa a auto-organização destes trabalhadores;
a contrarreação das empresas-plataforma é de tamanha proporção que dificulta
qualquer possibilidade de resistência e mudança social.
Dito isso, entende-se que se está diante de um debate antidemocrático em
virtude da posição de desigualdade das partes envolvidas. E para buscar a justa
equivalência, por primeiro faz-se necessário identificar quais são os elementos que
3 LEME, Ana Carolina Reis Paes. Neuromarketing e sedução dos trabalhadores: o caso Uber. In:
CARELLI, Rodrigo de Lacerda; CAVALCANI, Tiago Muniz; FONSECA, Vanessa Patriota da (org.). Futuro
do trabalho: os efeitos da revolução digital na sociedade. Brasília: ESMPU, 2020. p. 139-155.
4 MODA, Felipe. Reflexões a partir da greve na Uber. Outras Palavras, São Paulo, 18 maio 2023.
Disponível em: https://outraspalavras.net/trabalhoeprecariado/reflexoes-a-partir-da-greve-na-
uber/ . Acesso em: 25 jun. 2023.
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desequilibram a disputa de projetos de classe entre trabalhadores/as uberizados/as
e as empresas-plataforma.
A metodologia de pesquisa foi a revisão bibliográfica, em conjunto com os
resultados de uma pesquisa empírica de fonte secundária já concluída pelo
Departamento de Direito da UFMG, outra pesquisa empírica em desenvolvimento
pelo Departamento de Sociologia da UNICAMP e uma pesquisa documental em
desenvolvimento pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPE. Este texto
compõe, portanto, o resultado de uma pesquisa já concluída e de outra em
andamento.
Para além da introdução, este artigo foi sistematizado em três eixos
analíticos: a narrativa do poder legislativo, a carência de recursos financeiros e a
crise de representatividade que dificulta o reconhecimento formal da categoria. A
última parte estabelece considerações finais.
1 As arapucas do Legislativo: uma classe trabalhadora sem direitos?
Ao analisar a produção legislativa das plataformas digitais de trabalho,
verifica-se que a maioria dos projetos de lei (PL) afirmam a existência de um limbo
regulatório e passam a conceder poucos direitos aos plataformizados, de modo a
excluí-los de um ideal de igualdade substancial, tal como consta no artigo 7º da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Nomear as ciladas vivenciadas pelos trabalhadores como arapuca é proposital
devido à sua etimologia, pois refere-se a um artefato sul-americano de origem
indígena do tupi guarani “ara” = ave e “puca” = rebentar, ou seja, destinado a pegar
aves vivas. Percebe-se então que o Poder Legislativo sistematiza arapucas armadas
para um caminho de exploração sem limites5.
5 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. As arapucas armadas contra lideranças e representações coletivas dos(as)
trabalhadores(as) por aplicativos. Blog Jorge Luiz Souto Maior, 6 fev. 2023. Disponível
em:https://www.jorgesoutomaior.com/blog/as-arapucas-armadas-contra-liderancas-e-
representacoes-coletivas-dosas-trabalhadoresas-por-aplicativos. Acesso em: 23 abr. 2023
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A propósito, na contemporaneidade já existem mais de uma centena6 de
projetos de lei em tramitação, cabendo destaque à mais recente apresentação do PL
de iniciativa do parlamentar Rogério Marinho7, mesmo autor do PL da Reforma
Trabalhista de 2017:
Projeto de Lei Complementar n° 90, de 17 de abril de 2023- Relator Senador
Rogerio Marinho (PL/RN)8.
Estabelece direitos para a melhoria das condições de exercício das
atividades dos prestadores de serviços independentes de transporte
remunerado privado individual de passageiros ou serviço remunerado de
entregas.
[...] Art. 3º A relação jurídica mantida entre a operadora de plataforma
tecnológica de intermediação e o prestador de serviços independente será
de natureza civil, não se aplicando o disposto na Consolidação das Leis
do Trabalho, de que trata o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
(grifos nossos)
A proposta legislativa supracitada de inaplicabilidade da CLT não é novidade,
tendo em vista que idêntica transcrição é encontrada em outros projetos de lei, a
exemplo dos PL nº 3570/2020 e 3797/2020, de relatoria dos parlamentares Jacques
Wagner (PT/ BA) e Júlio Delgado (PSB/MG), respectivamente. Outros projetos de lei
justificam suas proposituras a partir da jurisprudência não pacificada dos tribunais
trabalhistas e até mesmo na divergência de entendimento entre as turmas do
Tribunal Superior do Trabalho (TST), como pode-se ver a seguir:
6 As estatísticas sinalizam a existência de “114 projetos de lei que tramitam ou tramitaram no
congresso nacional entre 2010 e 2020 visando a regulação do trabalho sob demanda intermediado por
plataformas digitais (ex. serviço de entrega, transporte remunerado privado individual de passageiros,
etc.)” (CENTRO DE ENSINO E PESQUISA EM INOVAÇÃO DA FGV DIREITO SP. Briefing temático #2:
Trabalho sob demanda no Congresso (2010-2020) - Um oceano de possibilidades, versão 1.0. São Paulo:
FGV Direito SP, 29 jan. 2021. p. 2. Disponível em: https://repositorio.fgv.br/items/cabeaa01-162f-
46a8-ba88-0bbd963e7a7a Acesso em: 19 jun. 2024.)
7 Do citado PL, evidenciam-se os seguintes pontos draconianos ao trabalhador: a) afastamento da
aplicação da CLT; b) impedimento do acesso ao judiciário trabalhista; c) reenquadramento dos
contratos entre plataformizados e empresa de plataforma como de natureza civil; d) exclusão de
todas as possibilidades de negociação, comuns em contratos civis, em relação aos trabalhadores, e e)
permite a comunicação contínua, leia-se gamificação, entre as empresas de plataforma e os
trabalhadores, sem qualquer menção quanto à subordinação algorítmica.
8 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei Complementar 90, de 2023. Estabelece direitos para a
melhoria das condições de exercício das atividades dos prestadores de serviços independentes de
transporte remunerado privado individual de passageiros ou serviço remunerado de entregas, cria
mecanismos de inclusão previdenciária e disciplina a relação jurídica entre esses prestadores e as
operadoras de plataformas tecnológicas de intermediação. Relator: Senador Rogerio Marinho. Brasília,
DF: Senado Federal, 2023. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-
/materia/156910 Acesso em: 19 jun. 2024.
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Humano, Campinas, v. 7, p. 1-22, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.181.
Projeto de Lei nº 3748/2020 - Relatora Tábata Amaral (PDT/SP)9.
Embora esteja clara a relação desigual e de dependência entre as empresas
proprietárias dos aplicativos de serviço e seus trabalhadores, atualmente a
esses trabalhadores não têm sido assegurados quaisquer direitos trabalhistas
e previdenciários, seja pela recusa das empresas em reconhecer o vínculo
de emprego, seja pela indefinição, pelo Tribunal Superior do Trabalho, da
aplicabilidade do regime celetista a esses trabalhadores. Por esse motivo,
justifica-se a criação de regime próprio.
Projeto de Lei nº 5069/2019 Relator Gervásio Maia (PSB-PB)10.
O Tribunal Regional Trabalhista TRT, do Estado de São Paulo, reconheceu
vínculo de emprego entre serviço de Uber e motorista. Na decisão, aquele
egrégio Tribunal afirmou que o motorista não possui verdadeira autonomia,
devendo obedecer às regras de conduta impostas pela empresa. A decisão
mostra que ainda há uma divisão na Justiça do Trabalho em relação ao
tema. No próprio TRT-2decisão em sentido contrário, pelo não
reconhecimento do vínculo. [...] Em razão justamente desta insegurança
jurídica é que optamos por apresentar a presente proposta para efeito de
levar ao Parlamento, palco genuíno da democracia. (grifos nossos)
Além disso, as arapucas ocorrem também dentro do poder judiciário. As
decisões sobre a natureza jurídica do trabalho plataformizado não são uniformes e
utilizam dissonantes interpretações11. Para fundamentar a negativa de existência do
vínculo empregatício, as sentenças e acórdãos reproduzem uma narrativa ideológica
que fetichiza a realidade dos fatos.
9 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3748, de 2020. Institui e dise sobre o regime
de trabalho sob demanda. Autora: Deputada Tábata Amaral. Brasília, DF: Câmara dos Deputados,
2020. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2257468 Acesso em:
19 jun. 2024.
10 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 5069, de 2019. Altera o Decreto-Lei nº 5.452,
de 1º de maio de 1943 - Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, com as modificações introduzidas
pela Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, para inclusão da Seção IV-B, no Título III, Capítulo I, para
dispor sobre a relação de emprego entre empresas e empregados que exercem atividades através da
plataforma de aplicativos de transporte terrestre e dá outras providências. Autor: Deputado Gervásio
Maia. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2019. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2220389 Acesso em:
19 jun. 2024.
11 Na mais alta corte trabalhista, existem precedentes tanto pelo reconhecimento do vínculo (3ª turma
- RR - 100353-02.2017.5.01.0066; 6ª turma RR-10502-34.2021.5.03.0137; 8ª turma - RRAg-100853-
94.2019.5.01.0067), como pela rejeição do pedido de vínculo (4ª turma - AIRR-10575-
88.2019.5.03.0003; 5ª turma - RR - 1000123-89.2017.5.02.0038). Em outubro/2022, um dos processos
que versam sobre este tema encontra-se na Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-I)
do Tribunal Superior do Trabalho e a ministra relatora proferiu voto pela a remessa dos autos ao
Tribunal Pleno para que seja julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos.
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Viviane Vidigal alega que a realidade é mascarada “a partir de uma imbricação
complexa manipulada pelo capital, os elementos são forjados mascarando o vínculo
empregatício”12. A essa estrutura hiper complexa deu o nome de “máscaras de
vínculo”, esmiuçando os elementos da seguinte maneira:
Controla-se superando a resistência do(a) trabalhador(a): pela alteração dos
léxicos, por epítetos como “colaborador”, “parceiro”, “empreendedor”;
pela atribuição das empresas-plataforma à economia compartilhada cujos
princípios são de colaboração para mascarar que se trata de uma exploração
do trabalho humano; pela verdadeira natureza das coisas sendo mascaradas,
como a transformação de empresas de transporte em empresas de
tecnologia, para afastar a atividade do trabalhador da atividade-fim da
empresa-plataforma; pelos “meios de produção”, em verdade instrumentos
de trabalho, mais visíveis, escondendo a dependência dos meios de produção
reais e principais o algoritmo, o aplicativo e a própria plataforma digital;
pelos fetiches do aplicativo e da plataforma, mascarando a existência da
empresa-plataforma; pelas ordens que estão embutidas no algoritmo, no
entanto, elas não são facilmente identificáveis, dado o imaginário
algorítmico de neutralidade e objetividade, além da sua invisibilidade; pela
linguagem gamificada para emular a intensificação do trabalho e o aumento
da produção; pela arte da distração com a tentativa de criar outras
categorias ou subcategorias de trabalhadores/as para desfocar do fato que
a categoria já existe: empregado/a.13
No Supremo Tribunal Federal, uma das primeiras Reclamões Constitucional
que analisou o tema da uberização foi de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes
(nº 59.795 MG), cujo desfecho foi a cassação do acórdão da Justiça do Trabalho de
Minas Gerais em que reconhecia o vínculo entre um motorista e a empresa de
transporte Cabify, para determinar a remessa do processo para a Justiça comum.
Este julgamento monocrático - para além de decretar a incompetência da
Justiça do Trabalho e ameaçar o seu esvaziamentoequiparou o trabalho uberizado
às atividades de natureza civil: “a relação entre o motorista de aplicativo e a
plataforma reclamante mais se assemelha com a situação prevista na Lei 11.442/07,
do transportador autônomo, sendo aquele proprietário de vínculo próprio e que tem
relação de natureza comercial”14.
12 VIDIGAL, Viviane. Capitalismo de plataforma: as facetas e as falácias. 1.ed. Leme/SP: Editora
Mizuno, 2023, p. 152.
13 VIDIGAL, Viviane. Capitalismo de plataforma: as facetas e as falácias. 1.ed. Leme/SP: Editora
Mizuno, 2023, p. 152.
14 BRASIL. Supremo Tribunal. Reclamação nº 59.795 MG. Relator: Min. Alexandre de Moraes. Julgado
em 19/05/2023. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6643597.
Acesso em: 19 jun. 2024.
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O Direito do Trabalho é o inimigo da vez ou o inimigo desde sempre. Às
vezes, inegavelmente, é tolerado. Em outras oportunidades é, todavia,
constantemente espancado, como tem ocorrido no Brasil nos últimos anos.
Há, portanto, uma guerra silenciosa em andamento no Brasil. É a guerra
contra o Direito do Trabalho por parte do capital, dos Poderes executivo e
Legislativo, bem como do Supremo Tribunal Federal. É a guerra para reduzir
substancialmente todos os direitos alcançados pelas trabalhadoras e
trabalhadores ao longo do século XX, quando não, para dizimar conquistas
sociais relevantes em fração de segundos, sem luta política, sem diálogo
sindical e sem debates com a sociedade15.
Assim, tanto na esfera legislativa como na judiciária, há um jogo de linguagem
que dissimula a real relação de emprego, pois o aparente limbo regulatório resolve-
se a partir de uma exegese do texto normativo já existente na CLT, no sentido de
que o artigo 6º, parágrafo único, do diploma celetista, não distingue o tratamento
jurídico dado ao trabalhador presencial (“chão de fábrica”) ao daquele
teletrabalhador (leia-se trabalho remoto e similares). Veja-se, portanto, que é
desnecessária a elaboração de novo marco regulatório apartado da CLT, pois a
codificação seria a mesma dada aos trabalhadores tradicionais, diante da não
distinção do diploma legal.
Em oposição ao considerável volume de projetos de lei desfavoráveis à classe
trabalhadora, o atual Presidente da Federação dos Sindicatos de Motoristas
(FENASMAPP) apresentou uma proposta contendo sete pontos de reivindicação16 ao
Ministro do Trabalho e ao Ministro da Previdência Social.
15 COUTINHO, Grijalbo Fernandes. Justiça política do capital: a desconstrução do direito do trabalho
por meio de decisões judiciais. São Paulo: Tirant Brasil, 2021, p. 724.
16 A FENASMAPP, diante da criação de grupo de pesquisa para a regulamentação do trabalho dos
motoristas de empresas-plataforma, pelo Governo Federal, vem apresentar as seguintes breves
considerações iniciais para, depois, elencar sua pauta de reivindicações. O controle do trabalho via
plataforma é um fenômeno cada vez mais geral. No entanto, os motoristas plataformizados são os
mais afetados pelas condições precárias de trabalho. Todo motorista contratado por empresas-
plataforma é hipossuficiente, pois ele depende totalmente do aplicativo para trabalhar e é controlado
de modo automático por ele, mas não acessa sequer o conteúdo do seu contrato de trabalho. As
empresas-plataforma não possibilitam transparência acerca das regras e das condições de trabalho,
que ela cria e muda em segredo, por meio dos algoritmos. Existe, portanto, uma hiper-regulação
privada, em que as empresas plataforma definem o valor das viagens, a clientela, os critérios de
direcionamento das corridas aos motoristas, controlam frenagem, “taxa de aceitação”, impõem
“bloqueios” e suspensões, sem que se saiba as razões... e até gravam as conversas. As empresas
garantem o seu ganho e transferem os custos do carro, celular, internet, acidentes, saúde, para os
motoristas. Os fatos acima enumerados potencializam a hipossuficiência dos motoristas, razão pela
qual, nós, da FENASMAPP, reivindicamos: 1. ENQUANDRAMENTO JURÍDICO DO MOTORISTA COMO
EMPREGADO. 2. MANUTENÇÃO DA FLEXIBILIDADE DE CONTRATAÇÕES E DE JORNADAS. 3. GARANTIA DE
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Frente a esses dados, deve-se questionar o que leva a esse número
desproporcional entre os projetos que buscam proteger a classe trabalhadora
daqueles que deixam quem trabalha à míngua da proteção social, cuja disparidade
sinaliza uma crise no arranjo político institucional do país.
Por conseguinte, os projetos de lei sobre o trabalho plataformizado em sua
maioria - caracterizam-se pela retirada abusiva de direitos, a ausência de
transparência quanto aos critério de precificação, pelo desequilíbrio entre
trabalhadores e empresas de plataforma, na medida em que a adesão é cogente,
intransigente e a hierarquia de uma parte sob a outra é a força motriz que não apenas
rege o contrato, mas confessa a submissão irrestrita daqueles que são ora
denominados como empresários, ora como parceiros.
2 Sem carta e sem financiamento: desafios das entidades sindicais dos/as
trabalhadores/as
Na disputa pela regulação do trabalho dos motoristas contratados por
empresas-plataforma, os sindicatos dos trabalhadores plataformizados são atores
sociais centrais nesse debate.
O fenômeno da desfinanceirização das entidades sindicais foi iniciado pelo fim
da compulsoriedade do imposto sindical ocorrido em função da Reforma Trabalhista
de 2017, que alterou a redação do artigo 579 da CLT. A partir de então, o Estado
autorizou “que os trabalhadores [tivessem] acesso aos direitos produzidos e
PISO SALARIAL E REDUÇÃO DE ALÍQUOTA DE IMPOSTO DE RENDA E PREVIDENCIÁRIO. 4. GARANTIA DE
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA COM RELAÇÃO AO SALÁRIO POR TAREFA E A TODOS OS
CRITÉRIOS DE REGULAÇÃO E CONTROLE DO TRABALHO E INFORMAÇÕES COLETADAS. Os motoristas e
os sindicatos devem ter o direito de conhecer os critérios utilizados na fixação da remuneração, na
distribuição dos chamados e das consequências de recusas e avaliações, bem como conhecimento
prévio de qualquer alteração. Têm direito de conhecer as razões de eventuais suspensões ou
desligamentos e direito de se defender previamente. 5. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA
COM RELAÇÃO ÀS INFORMAÇÕES DE TRAFEGABILIDADE PARA FINS SAÚDE E SEGURANÇA DO
TRABALHADOR. A omissão dessas informações e da rota ao motorista aumenta, de forma ilícita, os
riscos do trabalho e é obrigação das empresas fornecê-las. 6. TRANSFORMAR O TEMPO DE ESPERA DO
PASSAGEIRO E DE HORAS “ON LINE”, AGUARDANDO CHAMADO, EM TEMPO À DISPOSIÇÃO, COM
REMUNERAÇÃO. 7. RECONHECER A REPRESENTATIVIDADE DAS ENTIDADES SINDICAIS E ASSEGURAR O
DIREITO À NEGOCIAÇÃO COLETIVA EFETIVA (documento apresentado durante reunião do Grupo de
Trabalho tripartite em 17 de fevereiro de 2023 que fora promovido pelo Ministério do Trabalho).
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conquistados pelos sindicatos, mas sua contribuição para a entidade [seria]
optativa”17.
Desse modo, a única fonte de financiamento dos sindicatos passou a depender
exclusivamente de mensalidades e contribuições assistenciais (taxas negociais),
ambas de natureza facultativa e mediante prévia concordância do associado.
Entretanto, os sindicatos dos trabalhadores plataformizados, para serem financiados,
precisam primeiramente da carta sindical, ou seja, necessitam cumprir a
formalidade governamental do registro sindical de suas organizações coletivas, a
qual é emanada do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que, até a presente
data, pende de interesse político.
A pesquisadora Ana Carolina Paes Leme, cujos resultados de estudo deram
origem a este artigo, identificou quinze entidades sindicais representativas das
categorias dos motoristas plataformizados e, por meio de entrevistas em
profundidade, chegou à conclusão de que os/as trabalhadores/as por elas
representados estão inteiramente imersos na luta por sobrevivência imediata18.
Identificou também que todos os dirigentes sindicais entrevistados na pesquisa são
motoristas e sobrevivem e sustentam suas famílias com os ganhos diários advindos
do que eles chamam de “rodagem”. Nenhum dos entrevistados relatou receber
remuneração pelo exercício da atividade sindical e há uma forte demanda, portanto,
por sobrevivência, que, segundo Leme19, limitou, inclusive, as possibilidades de
atuação desses representantes na luta coletiva e na capacidade de angariar recursos
para as organizações.
Os líderes formais que conseguiram se organizar como entidades sindicais
representam os Estados de Amazonas, Pará, Amapá, Ceará, Natal, Sergipe, Bahia,
17 DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (DIEESE). Subsídios
para o debate sobre a questão do financiamento sindical: Nota Técnica n. 200. São Paulo: DIEESE,
2018. Disponível em:
https://www.dieese.org.br/notatecnica/2018/notaTec200financiamentoSindical.pdf Acesso em: 21
jun. 2024.
18 LEME, Ana Carolina Reis Paes. De vidas e vínculos: as lutas dos motoristas plataformizados por
reconhecimento, redistribuição e representação no Brasil. São Paulo: LTr, 2023.
19 LEME, Ana Carolina Reis Paes. De vidas e vínculos: as lutas dos motoristas plataformizados por
reconhecimento, redistribuição e representação no Brasil. 2022. Tese (Doutorado em Direito) -
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2022.
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Distrito Federal, Mato Grosso, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Rio
Grande do Sul. Os sindicatos da categoria dos motoristas contratados por empresas-
plataforma encontram-se no mapa a seguir:
Figura 1 – Sindicatos existentes com representação por Estados brasileiros
Fonte: em reprodução de LEME20.
20 LEME, Ana Carolina Reis Paes. De vidas e vínculos: as lutas dos motoristas plataformizados por
reconhecimento, redistribuição e representação no Brasil. 2022. Tese (Doutorado em Direito) -
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2022.
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Como salientado por Leme21, “os líderes formais estão inteiramente imersos
na luta por sobrevivência imediata dos trabalhadores”. Aponta a autora que “todos
os dirigentes sindicais entrevistados na pesquisa são motoristas” e relataram que
“estão sem grana”, fato que limitou “as possibilidades de sua atuação na luta
coletiva e na capacidade de angariar recursos para a organização”, razão pela qual
tais entidades investiram em ações de resistência e foram esses vínculos que
preservaram vidas, inclusive22.
A situação econômica dos motoristas, dessa forma, afeta a sua paridade de
participação e, "sem recursos suficientes sequer para o sustento próprio, motoristas
dificilmente conseguem custear a organização coletiva”23. Além disso:
[...] a falta de uma legislação que dê suporte à atuação sindical baseada em
princípios democráticos e que assegure direitos como o de greve
(independente da intervenção do Poder Judiciário), de ter ouvidas e
consideradas as reivindicações, direito de obtenção de informações da
empresa, padrões de boa-fé negocial, garantias de preservação dos
patamares conquistados, formas legais de custeio e, também, proteção
contra atos antissindicais24.
Em razão da citada pesquisa acadêmica25, apresenta-se como solução
legislativa o que ela denomina de “CLT MAIS”, que engloba também uma legislação
de suporte ao sindicato, que inclua reconhecimento da representatividade e formas
de financiamento. Além do reconhecimento do vínculo de emprego em igualdade de
21 LEME, Ana Carolina Reis Paes. De vidas e vínculos: as lutas dos motoristas plataformizados por
reconhecimento, redistribuição e representação no Brasil. 2022. Tese (Doutorado em Direito) -
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2022.
22A pesquisa de LEME (2022) trouxe dados referentes a ações dos sindicatos, no sentido de fornecer
cestas básicas, alimentos, material de construção e até mesmo legumes, frutas e verduras, a preços
abaixo do mercado, convênios com planos de saúde, bem como parcerias com creches, escolas
infantis, colônias de férias e faculdades, além de mutirão para a construção de casa própria de
motoristas. Acesso a bens básicos (redistribuição), para resolver problemas elementares, diante da
falta do enquadramento jurídico. Segundo Ana Carolina Paes Leme, a redistribuição permitiu o vínculo
que formou a representação coletiva.
23 LEME, Ana Carolina Reis Paes. De vidas e vínculos: as lutas dos motoristas plataformizados por
reconhecimento, redistribuição e representação no Brasil. São Paulo: LTr, 2023. p. 260.
24 LEME, Ana Carolina Reis Paes. De vidas e vínculos: as lutas dos motoristas plataformizados por
reconhecimento, redistribuição e representação no Brasil. São Paulo: LTr, 2023. p. 260.
25 LEME, Ana Carolina Reis Paes De vidas e vínculos: as lutas dos motoristas plataformizados por
reconhecimento, redistribuição e representação no Brasil. São Paulo: LTr, 2023. p. 260.
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direitos com as demais trabalhadoras e trabalhadores e ainda uma legislação de
suporte ao sindicato, que inclua reconhecimento da representatividade, forma de
financiamento, as motoristas e os motoristas expressam necessidades específicas de
novas garantias legais26.
Sem legislação que viabilize o funcionamento financeiramente sustentável do
sindicato, que inclua o reconhecimento da representatividade desta categoria
marginalizada, a forma de financiamento e custeio adequados e reaproximação do
trabalhador aos seus direitos fundamentais constitucionais, não há que se falar em
paridade de armas para luta de classe que dignifique a profissão.
3 Do estilingue: a crise na representatividade do/a trabalhador/a
Em razão da carência financeira dos sindicatos dos plataformizados analisada
no tópico anterior, surgiram novos movimentos sociais de cunho espontâneo e auto-
organizativo, a exemplo das cooperativas e lideranças criadas em espaços virtuais.
Ocorre que, na disputa pela regulação do trabalho dos motoristas contratados por
empresas-plataforma, os líderes sindicais brasileiros têm protagonizado o debate nos
grupos de trabalho formados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (DIEESE), a pedido do MTE, deixando de fora outros tipos de
lideranças, excluindo-as dessa mesa nacional de negociação.
26 Seriam essas garantias relativas a: i) a regulação da organização do trabalho de modo a propiciar
maior qualidade na relação coletiva de trabalho, porque hoje é gamificada, com ordens ditadas
algoritmicamente, de forma unilateral e não transparente, sem espaços de diálogo entre os
trabalhadores entre si e com as empresas, espaços de informação e de proteção em face de abusos;
ii) definição e disciplina de um modelo flexível de jornada de trabalho, regulação de tempos de
espera, jornada excedente, direito de desconexão e recusa; iii) discussão e regulação dos critérios
igualitários de distribuição de chamados/corridas, de fixação e alteração dos valores pagos e retidos
pelas empresas-plataforma, direitos de explicação e revisão de decisões automatizadas, inclusive de
aplicação de sanções; iv) o direito à efetiva negociação coletiva em condições de paridade de
participação com as empresas; v) uma legislação de suporte ao sindicato, que inclua reconhecimento
da representatividade, forma de financiamento, acesso a informações dos critérios automatizados,
dentre outros. São demandas especialmente relevantes para os motoristas plataformizados, mas o
seu atendimento não pode significar nunca menos do que o patamar de direitos mínimos previstos na
legislação para a generalidade das trabalhadoras e dos trabalhadores subordinados. As trabalhadoras
e os trabalhadores plataformizados não podem ser considerados uma subcategoria, uma subcidadania
laboral (LEME, Ana Carolina Reis Paes. De vidas e vínculos: as lutas dos motoristas plataformizados
por reconhecimento, redistribuição e representação no Brasil. São Paulo: LTr, 2023. p. 275).
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Essas lideranças foram formadas a partir dos grupos de WhatsApp, que se
formalizaram por meio de associações, cooperativas e lideranças da
contemporaneidade, tornando-as formadores de opinião. Todas elas foram
resultantes de um fenômeno social consubstanciado na organização coletiva de
motoristas plataformizados, que utilizaram as redes sociais como principal meio de
comunicação27. Nesse contexto:
A ampliação dos vários tipos de lideranças é resultado do impedimento do
acesso à justiça dos próprios líderes sindicais, que precisam ‘se virar’ para
exercer a atividade sindical em concomitância ao sustento financeiro
advindo da ‘rodagem’28.
Trata-se das injustiças de redistribuição que, “em primeiro lugar, obstruem a
sua representação no espaço político e, por fim, geram dificuldade para a
organização sindical formal”29. Assim, “todos os entraves que os líderes sindicais
enfrentam, acabam por direcionar os trabalhadores para outro tipo de organização
de motoristas, por outras vias que não a sindical”30.
Em razão de as lideranças, formais ou informais, não possuírem “estrutura,
apoio do Estado ou financiamento público para a formação de sindicatos”, impossível
cogitar que existiria um único líder com força suficiente para representar toda a
categoria. Diante disso, parecem desconectadas da realidade afirmações no sentido
que “o Governo estaria com dificuldades de encontrar quem seria a liderança
representativa dos trabalhadores”31.
27 LEME, Ana Carolina Reis Paes. De vidas e vínculos: as lutas dos motoristas plataformizados por
reconhecimento, redistribuição e representação no Brasil. São Paulo: LTr, 2023.
28 LEME, Ana Carolina Reis Paes. De vidas e vínculos: as lutas dos motoristas plataformizados por
reconhecimento, redistribuição e representação no Brasil. São Paulo: LTr, 2023. p. 279.
29 LEME, Ana Carolina Reis Paes. De vidas e vínculos: as lutas dos motoristas plataformizados por
reconhecimento, redistribuição e representação no Brasil. São Paulo: LTr, 2023. p. 279.
30 LEME, Ana Carolina Reis Paes. De vidas e vínculos: as lutas dos motoristas plataformizados por
reconhecimento, redistribuição e representação no Brasil. São Paulo: LTr, 2023. p. 279.
31 Narrativa utilizada pelo Ministério do Trabalho, Sr. Gilberto Carvalho, na reunião ocorrida em
18/03/2023 (GHIROTTO, Edoardo. Reunião de entregadores com governo teve gritaria e microfone
cortado. Metrópoles, Brasília, DF, 19 mar. 2023. Disponível em:
https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/reuniao-de-entregadores-com-governo-
teve-gritaria-e-microfone-cortado. Acesso em: 29 abr. 2023.)
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Neste cenário, Leme32 afirma que seria ingênuo ou, melhor, impossível
também pensar que as lideranças avançariam com um discurso único, uma pauta
comum reivindicatória de direitos. As lideranças, naturalmente, divergem entre si,
ao passo que as empresas se unem em associações, espalham fake news e continuam
lucrando.
A análise desses dados empíricos sinaliza que as demandas por sobrevivência
das lideranças aparecem com força, manipulando as vulnerabilidades e o medo pela
chantagem do “ir embora”, sendo que existem:
[...] ações múltiplas das empresas-plataforma que disseminam falsas
informações, acentuam a percepção de que o enquadramento jurídico que
lhes assegure direitos igualitários seria impossível e distorcem as
possibilidades de atender às demandas específicas dos motoristas dentro do
modelo de emprego33.
No caso das plataformas de entrega, recentemente foi noticiada34 a
manipulação realizada pela empresa iFood, que contratou uma agência de
publicidade para atuar nas redes sociais, por meio de perfis falsos, que se passavam
por entregadores em meio a manifestações pelo reconhecimento de direitos
trabalhistas, com o claro intuito de desmontar o movimento grevista e desvirtuar a
pauta reivindicatória para propostas aceitáveis para a empresa, obstruindo
estrategicamente as manifestações favoráveis ao reconhecimento de direitos
empregatícios. Usando slogans pensados pelo marketing, era a empresa que defendia
sua própria pauta: “SEM patrão e salário-mínimo. No corre bem-feito a gente tira
mais e não tem chefe pra encher o saco. A gente quer liberdade pra trampar pra
quem a gente quiser!”.
Também por isso, a pesquisa de Leme entendeu que faz parte da estratégia
da empresa-plataforma substituir as pautas de direitos igualitários pelas “pautas da
32 LEME, Ana Carolina Reis Paes. De vidas e vínculos: as lutas dos motoristas plataformizados por
reconhecimento, redistribuição e representação no Brasil. São Paulo: LTr, 2023.
33 LEME, Ana Carolina Reis Paes. De vidas e vínculos: as lutas dos motoristas plataformizados por
reconhecimento, redistribuição e representação no Brasil. São Paulo: LTr, 2023. p. 274.
34 LEVY, Clarissa. A máquina oculta de propaganda do iFood. Publica, 4 abr. 2022. Disponível em:
https://apublica.org/2022/04/a-maquina-oculta-de-propaganda-do-ifood/. Acesso em: 29 abr. 2023.
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viração35. Importante advertir que os relatos colacionados pela pesquisadora foram
de lideranças que estavam sendo aliciadas e cooptadas pelas empresas, inclusive
com promessa de remuneração, para se afastarem da luta sindical ativa e se
restringirem às reinvindicações às pautas mais palatáveis36.
Em outro estudo de Leme37, foram comprovados que os investimentos em
tecnologia da Uber são vultosos e que a sua rede de logística e de marketing é
prioritária. Apurou-se ainda a quantidade de empregados formais com experiência
em marketing contratados pela Uber, inclusive com salários expressivos. Esses
trabalhadores, que frente ao quadro dos demais não considerados como empregados,
dão ao empreendimento característica de empresa de marketing por excelência38.
Acessando a relação de seus empregados à época da investigação ministerial, Leme39
verificou que, de um total de 105 empregados formalmente contratados pela Uber
do Brasil Tecnologia em todo o país, 24 ocupavam o posto de “gerentes de
marketing”, ou seja, um quarto dos funcionários possuem competências de
excelência na área de marketing.
A informação supracitada evidencia que a Uber e as similares empresas-
plataforma possuem assessoria jurídica qualificada e são atendidos por grandes
escritórios de publicidade, o que completa a ideia de que operam metaforicamente
por meio de “drones a laser”, quando comparadas aos trabalhadores. Estes, por sua
vez, não têm assessoria de marketing, não têm escritórios de publicidade, não têm
escritórios de advocacia, não têm bancas de advogados especialistas em regulação,
35 LEME, Ana Carolina Reis Paes. Igualdade de direitos para as motoristas e os motoristas uberizados:
do discurso ideológico à compreensão da realidade baseada em pesquisa científica. ABET Associação
Brasileira de Estudos do Trabalho, São Paulo, 24 jan. 2023. Disponível em: http://abet-
trabalho.org.br/igualdade-de-direitos-para-as-motoristas-e-os-motoristas-uberizados-do-discurso-
ideologico-a-compreensao-da-realidade-baseada-em-pesquisa-cientifica/. Acesso em: 29 abr. 2023.
36 LEME, Ana Carolina Reis Paes. Igualdade de direitos para as motoristas e os motoristas uberizados:
do discurso ideológico à compreensão da realidade baseada em pesquisa científica. ABET Associação
Brasileira de Estudos do Trabalho, São Paulo, 24 jan. 2023. Disponível em: http://abet-
trabalho.org.br/igualdade-de-direitos-para-as-motoristas-e-os-motoristas-uberizados-do-discurso-
ideologico-a-compreensao-da-realidade-baseada-em-pesquisa-cientifica/. Acesso em: 29 abr. 2023.
37 LEME, Ana Carolina Reis Paes. Da máquina à nuvem: caminhos para o acesso à justiça pela via de
direitos dos motoristas da Uber. São Paulo: LTr, 2019.
38 LEME, Ana Carolina Reis Paes. Da máquina à nuvem: caminhos para o acesso à justiça pela via de
direitos dos motoristas da Uber. São Paulo: LTr, 2019.
39 LEME, Ana Carolina Reis Paes. Da máquina à nuvem: caminhos para o acesso à justiça pela via de
direitos dos motoristas da Uber. São Paulo: LTr, 2019.
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estão se organizando com muita dificuldade e sem custeio nem financiamento
público, razão pela qual se diz que usam “estilingues” como arma de luta.
Nesse contexto de trabalhadores sem custeio/financiamento público, sem
estrutura, sem marketing e, do outro lado, pulverização de muito bem boladas fake
news e fábrica de falácias, seria possível os trabalhadores terem mira? E, indo além,
será que mesmo com uma mira muito boa os estilingues acertariam os drones? E se
esses drones emitissem ofuscantes raios de laser? Assim, o que se vê é ausência de
paridade de participação, o que torna a luta de classes ainda mais desigual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desse estudo, evidenciou-se a assimetria de poder na luta pelo
reconhecimento de direitos e regulação da categoria. A falta de financiamento, as
narrativas do Poder Legislativo, o discurso de autonomia dos grupos empresariais e a
crise de representatividade são os principais obstáculos que os deixam mais
vulneráveis e enfraquecidos.
Na gramática dos trabalhadores plataformizados, a aptidão de derrubar as
gigantes plataformas somente será uma real possibilidade se antes ocorrer a paridade
de armas entre os litigantes. O ideal, o justo, o legal é que haja disputa em paridade
de participão.
A inexistente paridade de armas evidenciou a injusta luta em favor da
dignidade desses trabalhadores, e demarcou o tamanho da distância que tais
trabalhadores estão do alcance do patamar mínimo civilizatório.
As arapucas ora analisadas são as ciladas legiferantes que intentam aprisionar
o trabalhador que sempre quis ser “livre como pássaro”40 , quando, na verdade,
passa a ser livre de direitos. Que se unam e se apontem os estilingues para a mesma
direção protetiva, para que a classe trabalhadora tenha vez e voz na mesa de
negociação.
40 MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política, livro 1. São Paulo: Boitempo, 2023.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3748, de 2020. Institui e dispõe
sobre o regime de trabalho sob demanda. Autora: Deputada bata Amaral.
Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2020. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2257
468 Acesso em: 19 jun. 2024.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 5069, de 2019. Altera o
Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 - Consolidação das Leis do Trabalho -
CLT, com as modificações introduzidas pela Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017,
para inclusão da Seção IV-B, no Título III, Capítulo I, para dispor sobre a relação de
emprego entre empresas e empregados que exercem atividades através da
plataforma de aplicativos de transporte terrestre e dá outras providências. Autor:
Deputado Gervásio Maia. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2019. Disponível em:
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Estabelece direitos para a melhoria das condições de exercício das atividades dos
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individual de passageiros ou serviço remunerado de entregas, cria mecanismos de
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operadoras de plataformas tecnológicas de intermediação. Relator: Senador
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Viviane Vidigal
Doutoranda e Mestra em Sociologia pela UNICAMP, orientada pelo professor Dr. Ricardo
Antunes. Integrante do Grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses (GPMT).
Pós-graduada em Direito do Trabalho (UNISAL). Lattes:
https://lattes.cnpq.br/2050929814439150. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2376-2916. E-
mail: v192482@dac.unicamp.br
Ana Carolina Reis Paes Leme
Doutora e Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de
Uberlândia. Servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (Analista judiciário).
Assistente de Desembargadora. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9715907508121443. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-8975-7450. E-mail: anacarolinapaesleme@gmail.com
Nivea Maria Souto Maior
Doutoranda em Direito - Universidade Federal de Pernambuco. Mestre em Direito - Universidade
Estácio de Sá/RJ. Mestre em Serviço Social - Universidade Estadual da Paraíba. Especialista em
Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho - Universidade Cândido Mendes/RJ.
Especialista em Meios Adequados de Solução de Conflitos - ESMA/UEPB. Pesquisadora do Grupo
de estudos sobre Trabalho e Proteção Social (GETRAPS/UEPB). Coordenadora Adjunta do
Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) na Paraíba. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8837507427556940. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4561-8819. E-
mail: nivea.maior@ufpe.br
Cyntia Ruiz Braga
Mestre em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - FDUSP.
Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Pesquisadora
e congressista pelo Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo, Núcleo "Trabalho Além do Trabalho: Dimensões da
Clandestinidade Jurídico-laboral." Advogada. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1306412041134589
ORCID: https://orcid.org/0009-0005-9603-4524.E-mail: cyntiaruizbraga@gmail.com