Recebido em: 02/10/2023
Aprovado em: 25/11/2023
Crítica ao Direito do Trabalho Insustentável
Critique to the Unsustainable Labor Law
Critica al Derecho del Trabajo
insostenible
Gustavo Seferian
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6051232864493698
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5587-6734
RESUMO
O presente artigo tem por intuito promover críticas ao que categorizamos
por um Direito do Trabalho Insustentável. Para tanto, o texto sustentado
no método materialista histórico e dialético e no marxismo crítico para
realização de revisão bibliográfica e formulação teórica (i) caracteriza a
historicidade capitalista do Direito do Trabalho; (ii) sinaliza elementos
estruturais da impossibilidade de um capitalismo verde, que projeta
também os frutos desta ordem social qual é o caso do Direito do Trabalho
esta contradição ecológica; (iii) debate o atual estágio da crise de
civilização capitalista, industrial, moderna e ocidental; (iv) com vistas a
lançar críticas às proposições postas a um direito do trabalho
contemporâneo, denunciando os limites da agenda dos Green Jobs
propugnada pela OIT, considerada sua incapacidade de incisão nos
elementos de sustentação de uma ordem social inerentemente destrutiva
do trabalho e da natureza.
PALAVRAS-CHAVE: crise de civilização; direito do trabalho; ecologia
marxista; green Jobs; sustentabilidade.
ABSTRACT
This article aims to promote a critique about the so called Unsustainable
Labor Law. To this end, the text based on the historical and dialectical
materialist method and on the critical Marxism to carry out a
bibliographical review and an theoretical formulation (i) characterizes
the capitalist historicity of Labor Law; (ii) signs the structural elements of
the impossibility of a green capitalism, which also projects this ecological
contradiction onto the fruits of this social order which is the case of
Labor Law; (iii) debates the current stage of the crisis of capitalist,
industrial, modern and Western civilization; (iv) with a view to criticizing
the propositions put forward in contemporary labor law, denouncing the
limits of the Green Jobs agenda advocated by the ILO, considering its
inability to combat the support elements of a social order that is
inherently destructive of work and nature.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
SEFERIAN, Gustavo. Crítica ao Direito do Trabalho Insustentável. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v.6, p. 1-29, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.176.
KEYWORDS: crisis of civilization; green jobs; labor law; marxist ecology;
sustainability.
RESUMEN
Este artículo pretende promover la crítica a lo que catalogamos como
Derecho del Trabajo Insostenible. Para eso, el texto basándose en el
método materialista histórico y dialéctico y en el marxismo crítico para
realizar una revisión bibliográfica y formulación teórica (i) caracteriza la
historicidad capitalista del Derecho del Trabajo; (ii) señala elementos
estructurales de la imposibilidad del capitalismo verde, que también
proyecta esta contradicción ecológica sobre los frutos de este orden social
como es el caso del Derecho del Trabajo; (iii) debate la etapa actual de
la crisis de la civilización capitalista, industrial, moderna y occidental; (iv)
con miras a criticar las propuestas formuladas al Derecho del Trabajo
contemporáneo, denunciando los límites de la agenda de Green Jobs
(Empleos Verdes) propuesta por la OIT, considerando su incapacidad para
incidir los elementos que sustentan un orden social inherentemente
destructivo del trabajo y de la naturaleza.
PALABRAS CLAVE: crisis de civilización; derecho del trabajo; ecología
marxista; green Jobs; sostenibilidad.
Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está a
nossa vida, e mais ela é real e verdadeira. Por outro lado, a
ausência total de fardo faz com que ser humano se torne mais
leve do que o ar, com que ele voe, se distancie da terra, do
ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus
movimentos sejam tão livres quanto insignificantes. Então, o
que escolher? O peso ou a leveza?”
- A insustentável leveza do ser, Milan Kundera1
INTRODUÇÃO
Pretendemos com o presente texto formular algumas aproximações críticas a
aspectos ecológicos que exsurgem do Direito do Trabalho. Caracterizando a
tradicional construção juslaboral como insustentável, qualidade inerente ao modo
de produção que a constituiu e constitui, dadas suas próprias qualidades, dinâmicas
1 Este texto foi finalizado no mês de julho de 2023, em que se deu a passagem do escritor e filósofo
checo. Foi militante comunista, deixou as fileiras partidárias dada a necessária crítica ao stalinismo,
sendo posteriormente entusiasmado defensor da revolução popular que culminou na Primavera de
Praga, esta, abafada de pronto pelos tanques do Pacto de Varsóvia. Por todas essas razões, fica o
texto como uma homenagem.
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e contradições, tecemos linhas que apontam a possibilidade filosófica teórica e
prática de um particular uso político da proteção jurídica dos trabalhadores e
trabalhadoras que vergue os limites ecológicos societais e abra veredas à
construção de novos modos de vida, em que o metabolismo social humano encontre
maior harmonia com o restante da natureza. Voltar-nos-emos especificamente à
agenda dos Green Jobs como forma de evidenciação sintomática das contradições
ecológicas juslaborais.
Tomamos por mote, dada sua potente abertura heurística, a mais notável
obra de Milan Kundera. Logo nas páginas iniciais d'A insustentável leveza do ser,
Kundera resgata a querela que Parmênides confrontou, em sua polarizada e dual
apreensão da realidade: o que seria mais positivo, a leveza ou o peso? Colocando
em dúvida o caráter favorável atribuído à leveza, o pensador checo enfrenta essa
tensão binária tão própria não só do pensamento do filósofo de Eléia, mas
também do saber moderno: sendo “a contradição pesado/leve (…) a mais
misteriosa e a mais ambígua de todas as contradições”, “será mesmo atroz o peso e
bela a leveza?”2.
Tomar a sério a contradição ecológica do Direito do Trabalho nos leva não a
conferir uma resposta definitiva, mas uma assunção circunstancial de posição, que
nos servirá de trilha quanto ao método no presente artigo. E nossa proposição
reclama olhar o Direito do Trabalho pelo peso. Não pelo apelo heroico do
enfrentamento aos fardos que ele implica, mas sim por um reclamo à
materialidade das coisas, ao seu volume histórico, sua relevância social
inenarrável. Negamos assim as fugas tão próprias de uma criticidade onírica,
idealista, no mais das vezes infundada na realidade, voltando-se a um Direito do
Trabalho que existe apenas em nosso campo do desejo ou em um espantalho criado
ao sabor da conveniência de agendas de pesquisa, referências teóricas ou
disposições políticas.
2 KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser. edição. São Paulo: Companhia das Letras,
2017.
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O peso em menção é o da materialidade, da verdade, esta última que não é
única e inescapável, mas sim expressão de uma particular posição no mundo, um
saber situado3 que é irredutível à fratura em estilhaços tão própria do relativismo
pós-moderno, expressando a objetividade de uma visão social de mundo4 afeta ao
conjunto dos oprimidos e oprimidas, aos trabalhadores e trabalhadoras, que
dispõem em seu horizonte a continuidade da vida humana própria e das gerações
vindouras.
Deste modo, apelando a uma perspectiva própria do marxismo crítico5 e da
ecologia marxista, nossa exposição pretende i) apresentar a particular historicidade
do Direito do Trabalho, que caracteriza sua qualidade inerentemente capitalista,
ou como “Direito Capitalista do Trabalho”; ii) passando pela abordagem da
impossibilidade estrutural de um capitalismo “sustentável”, ou de um
desenvolvimento deste modo de produção que proporcione um arranjo de vida
pautado na harmonia entre o metabolismo social humano e do restante da
natureza; iii) proporcionando as bases reflexivas para a evidenciação, a partir de
elementos sintomáticos desde a agenda dos Green Jobs, do modo como o Direito do
Trabalho na contemporaneidade expressa e pronuncia alguns traços constitutivos
desta mesma ordem social; isso para que, enfim, iv) possamos traçar considerações
críticas e indicativas, tomada a perspectiva marxista, com vistas a usos político-
táticos do Direito do Trabalho com traços ecológicos.
3 HARAWAY, Donna. Situated knowledges: the science question in feminism and the privilege of
partial perspective. Feminist Studies, v. 14, n.3, out. 1988, p.575-599.
4 LÖWY, Michael. Paysages de la vérité: introduction a une sociologie critique de la connaissance.
Paris: Anthropos, 1985.
5 Por todos, nas palavras de Löwy: “o marxismo não tem sentido se não é crítico, tanto em face da
realidade social estabelecida qualidade que faz imensa falta aos “marxismos” oficiais, doutrinas
de legitimação apologética de uma ordem 'realmente existente' quanto ante ele próprio, ante
suas próprias análises, constantemente questionadas e reformuladas em função de objetivos
emancipadores que constituem sua aposta fundamental. Reclamar-se do marxismo exige, portanto,
necessariamente, um questionamento de certos aspectos da obra de Marx. Parece-me indispensável
um inventário que separe o que permanece essencial para compreender e para mudar o mundo, do
que deve ser rejeitado, criticado, revisto ou corrigido. Não pretendo que meu balanço seja o único
legítimo, nem que ele seja mais “marxista” ou “marxiano” do que os outros. Eu o proponho como
uma contribuição para um debate pluralista, sem temer, como dizia Lucien Goldmann, ser
ortodoxo, nem herético”. LÖWY, Michael. Por um marxismo crítico. Tradução: José Correa Leite.
Lutas sociais, São Paulo, n. 3, p. 21-30, 1997.
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1 Ainda sobre um “Direito Capitalista do Trabalho”
Nossa reflexão parte de um diagnóstico que muito embora conhecido, não
nos parece ocioso retomar, sobretudo por buscarmos alcançar a complexidade de
suas múltiplas dimensões: o Direito do Trabalho é um direito capitalista.
A caracterização teórica de um “direito capitalista do trabalho” remonta
quase cinco décadas6 e teve suas primeiras linhas elaboradas por juslaboralistas
franceses de inspiração pachukaniana7. O atravessamento estruturalista, ainda tão
em voga na academia francesa de então, encontra nas formulações de Antoine
Jeammaud, Gérard Lyon-Caen, Francis Collin, Régine Dhoquois, Albert Roudil e
Pierre-Hubert Goutierre forte eco, levando o conjunto de escritos compilados na
clássica obra Droit Capitaliste du Travail a apontar o modo como o Direito do
Trabalho cumpriu e cumpre um papel fundamental à sobrevida da relação social do
capital, não só coibindo a intensificação da exploração da força de trabalho logo,
proporcionando a sobrevivência do conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras
necessários à produção mercantil , mas também viabilizando a legitimação da
exploração do trabalho assalariado.
Muito embora a obra do jurista soviético Evgeni Pachukanis tenha, ao menos
desde a mesma década de 1980, uma vasta recepção no Brasil, sendo reavivada em
2017 com a publicação de duas edições traduzidas diretamente do russo, foi a
partir de lentes de outro matiz que a mesma caracterização despontou entre nós:
longe do momento inicial em que o tema se colocou em discussão, foi apenas com
6 É necessário mencionar que o termo, com outras conotações, foi também mobilizado no mesmo
período por Wolfgang Däubler. DÄUBLER, Wolfgang. Comparison of labor law in socialist and
capitalist systems. Comparative Labor Law & Policy Review, v. 4, p. 79, 1981. Ocorre que ao revés
da caracterização particular conferida pelo conjunto juslaboralista gálico, o toma em exercício
comparado percebendo a possibilidade da existência de um Direito do Trabalho “socialista”,
experimentado no bloco soviético e seus países satélites. Em sentido análogo, trata das experiências
das Alemanhas Oriental e Ocidenta, Inga Markovits, distinguindo um “direito capitalista do trabalho”
de um “direito socialista do trabalho”. A leitura não nos parece, porém, a mais interessante para os
intentos do presente artigo. MARKOVITS, Inga. Pursuing one's rights under socialism. Stanford Law
Review, v. 38, n. 3, p. 689-761, fev. 1986.
7 JEAMMAUD, Antoine et al. Le droit capitalista du travail. Grenoble: PUG, 1980.
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a publicação de pesquisa pós-doutoral de Wilson Ramos Filho8 que o termo Direito
Capitalista do Trabalho passou a ter maior vazão em nosso país.
É certo que a obra de Jeammaud e colegas já tinha sido referenciada
previamente em nosso país. São os casos do precoce artigo de inspiração marxista
que a toma na epígrafe de autoria de Rosita de Nazaré Sidrim Nassar9, cuja
remissão é mais que oportuna em uma publicação do Ministério Público do
Trabalho, e os clássicos e inescapáveis textos de Aldacy Rachid Coutinho10. Também
Adalberto Cardoso11 em escrito com apenas diagonal conexão com o tema
juslaboral , Amauri Mascaro Nascimento12 e Antonio Rodrigues de Freitas Júnior13,
estes últimos às vésperas da publicação do texto de Wilson Ramos Filho, em data já
posterior à realização de sua pesquisa, cada um a seu modo citaram o escrito. De
outro lado, leituras próximas às externadas em Droit Capitaliste du Travail m
também em nosso país alguma acolhida. Ainda que por outras vertentes, mais
próximas à crítica do direito da mesma sorte estruturalista de Bernard
Edelman14, toda uma escola se vertebra nesse sentido, tendo seus principais
expoentes Marcus Orione15, Flávio Roberto Batista16 e Júlia Lenzi17. Há de se frisar
8 RAMOS FILHO, Wilson. Direito capitalista do trabalho: história, mitos e perspectivas no Brasil. São
Paulo: LTr, 2012.
9 NASSAR, Rosita de Nazaré Sidrim. Reflexões sobre os fundamentos do direito do trabalho. Revista
do Ministério Público do Trabalho, Brasília, n. 2, p.53-55, set. 1991.
10 COUTINHO, Aldacy Rachid. Efetividade do direito do trabalho: uma mirada no "homem sem
gravidade". Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 45, n. 75, p.
93-105, jan./jun. 2007; COUTINHO, Aldacy Rachid. Globalização e direito do trabalho. Direito e
Democracia, Canoas, v. 1, n. 1, p.163-176, [jan./jun. 2000].
11 CARDOSO, Adalberto. Economia x Sociologia: eficiência ou democracia nas relações de trabalho.
Dados, n. 43, v. 1, 2000.
12 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. As novas tendências do direito do trabalho. Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 36, p. 31, 2010.
13 FREITAS JÚNIOR, Antonio Rodrigues de. O trabalho à procura de um direito: crise econômica,
conflitos de classe e proteção social na modernidade. Revista Do Parlamento Paulistano, n. 1, v. 1,
p.158181, 2011.
14 EDELMAN, Bernard. A legalização da classe operária. Tradução: Marcus Orione et al (coord.). São
Paulo: Boitempo, 2016.
15 ORIONE, Marcus. A invenção da classe trabalhadora brasileira: o direito do trabalho na
constituição da forma jurídica no Brasil. 2019. 631 f. Tese (Titularidade em direito) Faculdade de
Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.
16 BATISTA, Flávio Roberto. Crítica à tecnologia dos direitos sociais. São Paulo: Expressão Popular,
2013.
17 SILVA, Júlia Lenzi. Forma jurídica e Previdência Social. Marília: Lutas Anticapital, 2021.
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que para além de terem vicejado suas produções após a publicação de Ramos Filho,
não mobilizam também a caracterização do “direito capitalista do trabalho”.
É a obra do professor aposentado da UFPR, porém, que alça o termo e a
problemática a outro patamar, dando volume à discussão em nosso país. A ideia de
fundo presente na obra francesa já fora alcançada em escritos anteriores do
autor18, sendo o livro em menção apenas timidamente referenciado na extensa
pesquisa de Wilson Ramos Filho. Em singela e única menção em centenas de
páginas, tratando das funções do Direito do Trabalho, afirma:
[…] Longe de uma visão idílica que o configura exclusivamente como um
direito de proteção do trabalhador, dessa forma, o Direito do Trabalho
verdadeiramente encerra função contraditória, preenchendo, pelo menos,
uma dupla função: 'protege a classe operária de uma exploração
desenfreada, mas ele organiza, não menos realmente, esta exploração e
contribui para justificá-la' (JEAMMEAUD, 1980:152)[…]19
Reconhecendo este lugar contraditório e tensionado em que o Direito do
Trabalho se encontra, Ramos Filho se envereda por uma leitura de cariz político
que não só projeta ênfase à perspectiva de legitimação social capitalista
proporcionada pela proteção juslaboral, como também sua funcionalidade de
abrandamento do conflito de classes inerente a essa ordem social. Isso, projeta o
professor, resultaria de uma ambivalência também tutelar da matéria:
[…] Verdadeiramente, o Direito Capitalista do Trabalho será sempre um
Direito tutelar, no sentido de que tutelará e garantirá direitos tanto aos
empregadores dentre os quais o principal obviamente é o direito a
subordinar os empregados como também aos trabalhadores, diminuindo
as tensões sociais e, com isso, criando um ambiente propício à acumulação
do capital e à produção […] 20
18 RAMOS FILHO, Wilson. Delinquência patronal, repressão e reparação. Revista Direito UNIFACS -
Debate Virtual, n. 101, p. 1-37, 2008; RAMOS FILHO, Wilson. Bem-estar das empresas e mal-estar
laboral: o assédio moral empresarial como modo de gestão de recursos humanos. Revista Direito
UNIFACS - Debate Virtual, n.108, p.1-28, 2009.
19 RAMOS FILHO, Wilson. Direito capitalista do trabalho: história, mitos e perspectivas no Brasil.
São Paulo: LTr, 2012. p.94.
20 RAMOS FILHO, Wilson. Direito capitalista do trabalho: história, mitos e perspectivas no Brasil.
São Paulo: LTr, 2012. p.95.
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E arremata:
[…] Por ser ambivalente, atribuindo direitos aos trabalhadores ao mesmo
tempo em que fundamenta a subordinação, este ramo do Direito é
basicamente conservador, na medida em que existe com a função de
manter a atual divisão do trabalho social, a hierarquia estabelecida e
regulada pela ordem jurídica e a distribuição de poder em cada sociedade.
De outra via, tal ramo do Direito, mais do que os demais, é pacificador, no
sentido que interessa às classes dominantes a existência de um ambiente
propício ao desenvolvimento do capitalismo […] 21
Reduzindo a juridicidade à sua expressão fenomênica textual-normativa,
correlaciona as tensões desta ambivalente natureza aos conflitos entre
trabalhadores e trabalhadoras e seus tomadores da força de trabalho, que se
conformam, institucionalmente, em conflitos jurídicos. Daí que “a função social do
Direito do Trabalho e a função política do Judiciário Trabalhista, portanto, devem
ser compreendidas como elementos de manutenção do modo de produção
capitalista”22.
O relevante estudo vê o uso político do Direito do Trabalho, mas limitado
àquele conferido pelas classes proprietárias: um uso estratégico visando a
estabilização da ordem e à otimização da realização do negócio burguês. Daí, pois,
um direito capitalista.
Tais abordagens, profundas, coesas e relevantes tanto as de matriz
pachukaniana quanto às de inclinação institucionalista, como a dos escritos de
Ramos Filho , nos parecem todavia insuficientes ante a dois aspectos
fundamentais: de um lado a limitada abordagem da historicidade do direito em
geral, que muito embora em seus fundamentos possa trazer contributos
significativos à compreensão da gênese do Direito do Trabalho, cifra a compreensão
das dinâmicas históricas conformadoras da regulação jurídica enquanto tal,
desconsiderando a transformação das formas sociais a jurídica, inclusive pela
ação política e a projeção transicional dissolutiva que comporta a matéria
21 RAMOS FILHO, Wilson. Direito capitalista do trabalho: história, mitos e perspectivas no Brasil.
São Paulo: LTr, 2012. p.96.
22 RAMOS FILHO, Wilson. Direito capitalista do trabalho: história, mitos e perspectivas no Brasil.
São Paulo: LTr, 2012. p.96.
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juslaboral. De outro, as possibilidades do uso político do Direito do Trabalho por
parte dos trabalhadores e trabalhadoras, que desde uma senda pachukaniana é
tomada por estruturalmente impossível, e de outra, como já dito, ter sido
desconsiderado ante a apreensão do uso burguês deste ramo do direito.
É justamente nestes particulares que pretendemos incidir nesta primeira
parte do texto.
Partimos do acerto quanto à percepção de que o Direito do Trabalho é um
direito capitalista. Isso resulta não do fato que o direito em si goza de sua
existência nesta ordem social como querem algumas interpretações, inclusive que
derivam da leitura pachukaniana, sem perceber que a própria remissão à história
do Direito na obra do jurista soviético faz tombar essa compreensão23 , mas deste
específico ramo ter suas condicionantes materiais necessárias à conformação
apenas presentes no seio do modo de produção capitalista. E mais, goza de uma
historicidade particular e uma inscrição social, política e cultural próprias que o
atrela necessariamente à civilização capitalista, industrial, moderna e ocidental,
entendida a correlação entre civilizações e modos de vida24, plurais e não
linearmente superáveis na história da humanidade.
A caracterização civilizatória a partir destes quatro sustentáculos
econômico, organizacional, político e cultural se mostra necessária para
apreensão de contextos sociais específicos em que muito embora possam se
projetar a existência juslaboral, esta não se denota ao menos desde o modo que
tradicionalmente percebemos. Ou seja, não trata o Direito do Trabalho da
regulação de toda forma de trabalho, mas de uma específica relação de trabalho,
pautada na exploração por meio do assalariamento, visando a produção mercantil e
a extração do mais-valor. Não há Direito do Trabalho no Egito Antigo ou em outras
civilizações, que não naquelas que transicionam na constituição de um novo modo
de vida pós-capitalista. Ou seja, de horizontes civilizacionais que derivam das
23 PACHUKANIS, Evgeni; ORIONE, Marcus (coord.). A teoria geral do direito e o marxismo e ensaios
escolhidos (1921-1929). Tradução: Lucas Simone. São Paulo: Sundermann, 2017, p. 55.
24 SEFERIAN, Gustavo. Entre crises de civilização: ascenso e ocaso das funções capitalistas do
Direito do Trabalho e as novas tarefas tático-ambientais da proteção jurídica das trabalhadoras e
trabalhadores. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, v. 124, p. 207-253, 2022.
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entranhas em negação da própria ordem do capital, e que encontram no
fenecimento de formas sociais propriamente capitalistas o seu trilhar.
Fruto da luta afirmativa de uma classe específica o proletariado, que
irrompe e se generaliza no seio da sociedade capitalista , encontrando na
acomodação da politicidade burguesa seu modo de conformação institucional,
textual e normativo, o Direito do Trabalho é fruto da sociedade lastreada na
mercadoria. E que, por conseguinte, expressa-se precipuamente enquanto
particular relação social, mas também manifestação fenomênica e simbólica no
âmbito institucional e normativo-textual resultante do processo de luta classista
estabelecida entre o proletariado e a burguesia.
Avançando no diálogo com Ramos Filho, dizer ser um direito capitalista não
significa, porém, apontá-lo estritamente como um direito do capital. Muito pelo
contrário. Mesmo cumprindo papéis importantes sociais, econômicos e políticos
para o azeitamento da circulação mercantil, goza da mesma sorte de aberturas
disruptivas e potenciais que o capacitam ser mobilizado politicamente o que
entendemos ser possível apenas taticamente25 com vistas à transformação social
apontando horizontes estratégicos revolucionários, ambicionados pelos
trabalhadores e trabalhadoras, principais e não comuns destinatários de seu
espectro protetivo.
Apontamos serem os trabalhadores e trabalhadoras mais especificamente o
seu componente proletário, que se condiciona objetivamente pela subsunção ao
assalariamento os destinatários precípuos de sua proteção, haja vista o Direito do
Trabalho ser fruto, repitamos, da ação ofensiva do proletariado enquanto classe e
da acomodação burguesa deste processo de luta de classes. É, inescondivelmente,
uma conquista, posta na forma de ajuste estável de uma correlação de forças
desfavorável à burguesia.
Daí falar em proteção ou tutela à burguesia, ou aos empregadores, ou à
própria ordem social capitalista, parece-nos equivocado.
25 SEFERIAN, Gustavo. Direito do Trabalho como barricada: sobre o uso tático da proteção jurídica
das trabalhadoras e trabalhadores. Belo Horizonte: RTM, 2021.
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Nesse processo, como tudo que é social, e tudo que desponta dessa ordem
social, não pode ser percebido de modo antidialético e não atravessado pela
política. Qualquer apreensão meramente formal e/ou estruturalista do Direito do
Trabalho nos levaria a absenteísmos avessos não só às próprias aberturas postas à
matéria juslaboral, mas também a solapar os usos historicamente colocados pelos
trabalhadores e trabalhadoras à sua proteção jurídica, em muitos dos casos
voltados à transformação revolucionária da sociedade e o pôr fim do mundo que
gestou o Direito do Trabalho.
O uso tático do Direito do Trabalho aponta, pois, a explicitação de uma
última faceta que merece ser abordada quanto à historicidade da matéria: o seu
necessário fenecimento com o fim da ordem social capitalista. Tomado como
alicerce para novas salvaguardas, garante de condições de vida necessárias à
organização política de trabalhadores e trabalhadoras capaz de transpor o jugo do
capital, terá fim também esse modelo regulatório e protetivo quando um novo
modo de vida for gestado desde este que nos inscrevemos. Daí que uma defesa de
uma perenização idílica do Direito do Trabalho, descolado dos próprios processos
sociais, mais traria em tais condições desfavor a quem trabalha do que atenção aos
seus mais radicais interesses, apontando tão somente à estabilização da ordem
social do capital e sua continuidade.
O Direito do Trabalho, pois, não pode ter sua defesa colocada como um
absoluto, mesmo a quem defende os trabalhadores e trabalhadoras. Terá ele
também seu fim, que deverá ser imposto pelos próprios atores sociais que o
forjaram. E revolucionariamente.
É em contextos de crise, qual a contemporânea crise da civilização
capitalista, industrial, moderna e ocidental, que as funções político-táticas que
podem ser conferidas ao Direito do Trabalho se mostram de forma mais evidente. É
o que evidenciaremos a seguir.
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2 Crise de Civilização e o “impossível capitalismo verde”
Como abordamos tangencialmente nas linhas anteriores, parece-nos
inescapável o diagnóstico que vivemos contemporaneamente uma crise de natureza
civilizacional. Este diagnóstico parece-nos necessário às reflexões que pretendemos
lançar ao Direito do Trabalho daqui em diante desde uma perspectiva crítica.
Unidas em raiz bastando lembrar que o grego κρίσις (krisis) remete à
distinção e ao juízo, enquanto κριτικός (kriticós) se atrela à capacidade para tal
julgamento , crise e crítica caminham indissociavelmente unidas. Ou ao menos
deveriam assim se guiar. É este exercício que pretendemos emaranhar, ou nos
reclama para tanto um diagnóstico de etapa histórica.
Sejam quais forem as leituras mais consolidadas sobre esta quadra histórica
da neoliberal à marxista , não há como se furtar ao reconhecimento de que o
capitalismo, enquanto modo de produção, encontra-se em crise. Esta crise, de
fato, existe ao menos desde meados dos anos 1970, ainda que sinalizações em
escala internacional quanto à efetivação da tendência da queda da taxa de lucro
tenham já se verificado ao menos desde 1967, como sinaliza Ernest Mandel26. O
mesmo militante e economista belga não deixa de frisar que não foi essa crise um
fato isolado, determinado meramente pela flutuação do preço de uma única
mercadoria, o petróleo ainda que seja esta constituinte fundamental de um
sistema amparado em bases fósseis27 , mas sim expressão dos ciclos próprios da
afirmação e crise do capitalismo.
No curso deste ciclo que se viu marcado por solavancos, suspiros e tropeços
no processo de acumulação capitalista uma miríade de requalificações se deram
nos modos aparentes de exploração do trabalho, predação das riquezas naturais e
apropriação mercantil. Nada que afastasse sua permanência essencial: o regime de
assalariamento segue como modo por excelência para subjugação do trabalho e
26 MANDEL, Ernest. A crise do capital: os fatos e sua interpretação marxista. Tradução: Juarez
Guimarães e João Machado Borges. São Paulo: Ensaio, Campinas: Unicamp, 1990.
27 MALM, Andreas. Fossil capital: the rise of steam power and the roots of global warming. Brooklyn:
Verso, 2016.
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extração do mais-valor, e a promoção violenta da acumulação primitiva
permanente serve como substrato de tais processos apropriatórios, agora
cadenciados pelo capital financeiro de modo mais explícito e direto.
Estes redesenhos não foram suficientes para a contenção dos efeitos da crise
econômica, que ao menos desde 2008, em escala global, e de 2014, desde a
realidade nacional brasileira, sinaliza a aguda condição de perecimento da relação
social em que se ampara o capitalismo. Tal condição coloca a burguesia enquanto
classe que se prestigia de todos os louros resultantes deste modo de produção e
vida a agir de modo desesperado para salvaguarda de seus lucros, acentuando sua
ofensiva apropriatória sobre toda riqueza social que sabemos ao menos desde a
Crítica ao Programa de Gotha28 advir do trabalho e da natureza às custas da
manutenção de toda forma de vida no planeta.
Daí que se faz necessário perceber que tal crise não goza apenas de
natureza econômica.
Trata-se de um momento de convulsão sistêmica sem precedentes, que
alcança todos os sustentáculos do modo de produção, mas também do modo de
vida plasmado à sua imagem e semelhança, e que do mesmo modo expansivo que o
capital se coloca, anseia se projetar a toda a humanidade. Intento este, bem dizer,
próximo de se concretizar.
Como já afirmamos, é uma crise que pode ser classificada, por afligir o modo
de vida inerente a este modo de produção, como uma crise de civilização.
Certamente não a crise da Civilização maiúscula, única, apologética à ordem
burguesa, mas de uma dentre outros tantos modos de vida que a humanidade já
experimentou. Não é, logo, a primeira crise de civilização. Todas as demais
civilizações que já sucumbiram e mesmo aquelas que ainda persistem sob a
pressão avassaladora do capital, descontente com sua já alcançada hegemonia e
que anseia ao modo de vida pautado pela mercadoria como sendo único e
28 MARX, Karl. Crítica ao programa de Gotha. Tradução: Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo,
2012.
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exclusivo, com domínio absoluto sobre a existência humana já experimentaram
suas próprias crises civilizacionais.
Tratamos assim, ao menos em princípio, da crise de uma civilização
específica, mesmíssima em que o Direito do Trabalho se gestou: a capitalista,
industrial, moderna e ocidental.
Esta, que como outras crises civilizacionais já ocorridas, guarda para além de
determinações econômicas também aspectos sociais, políticos, culturais,
institucionais, morais, éticos, de reprodução social. Mas goza de uma
particularidade, não comum a todas as crises civilizacionais ainda que algumas,
como a civilização Rapa tenham também dela partilhado , que é uma dimensão
ecológica.
A faceta ecológica da crise invariavelmente acaba sendo diagnosticada por
seus aspectos aparentes. Seus sintomas: aquecimento global resultante do
incremento da emissão de gases que proporcionam o efeito estufa, degelo das
calotas polares e crescente risco de submersão de parcelas expressivas das terras
habitadas e cultiváveis do planeta, acidificação oceânica, extinção em massa de
espécies animais e vegetais, desmatamentos, intensificação de eventos climáticos
extremos, entre outros.
Sua percepção não pode cessar aí, porém.
Mais importante é perceber seus aspectos estruturais: o modo de produção
capitalista, lastreado que está na relação social do capital, não pode gozar de
sobrevida que não a partir da crescente apropriação. Do tornar tudo mercadoria.
Do fazer o imercadorizável mercantil.
É um modo de produção inexoravelmente marcado pelo produtivismo, pela
predação do trabalho e dos recursos naturais com vistas à constituição de novos
mercados e produção de novas mercadorias. Invariavelmente balizadas na
constituição de novas e artificiais necessidades humanas. Tornar tudo que lhe é
externo sua parte constitutiva é, pois, o motor de sua afirmação29.
29 LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação do capital: estudo sobre a interpretação econômica do
imperialismo. Tradução: Moniz Bandeira. Rio de Janeiro: Zahar 1970.
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Mercadorias estas tão funcionais à lógica do capital quanto mais cumprirem
seu papel primordial: serem realizadas. E quantas mais forem realizadas, tanto
melhor. Daí tanto mais funcionais à lógica do capital serão quanto mais
rapidamente se tornarem obsoletas, descartáveis, abrindo veredas para que novas
mercadorias produzidas possam tomar seu lugar.
O processo constitutivo da mercadoria não pode pois se ater ao processo de
produção, como comezinhas leituras até mesmo lastreadas no marxismo, que
invariavelmente param na leitura do livro I d'O Capitalse dispõem: a mercadoria
não apenas se produz e realiza. Ela se concebe, produz, realiza, circula, consome e
descarta.
Pautando-se por essa cadência, dados elementos qualitativos e
quantitativos, esbarra na contemporaneidade ou a bem da verdade, desde o
aflorar da crise ecológica no curso do último meio século nos próprios limites
materiais do planeta, evidenciando esse traço estrutural do capital que atenta para
com a natureza e conflui para seu próprio colapso.
Muitos tratam de modo didático, inclusive no seio do movimento social, a
amparar importantes slogans como o do que “Não há planeta B” que tais
riquezas naturais são finitas. Ocorre que esta colocação peca pela imprecisão.
Tomadas de modo estanque, cristalizadas no tempo e espaço, podemos até
assim conceber as coisas desse modo. Mas mais que sua finitude impraticável de
compreender na processualidade marcada por permanentes transformações
próprias da história natural , é de se ter em conta que o metabolismo da natureza
não acompanha o metabolismo social humano sob o capital. A cada vez mais
acelerada e volumosa produção de mercadorias exige do planeta mais do que ele
pode nos conferir em seus próprios ciclos biogeoquímicos.
Daí a sensação de finitude. A certeza de que as riquezas naturais não são
infinitas. De que planeta não é uma cornucópia.
Melhor, daí compreender como sendo um traço de esgotabilidade das
riquezas naturais ante a sanha crescente deste modo de produção e vida, que não
pode existir que não pautado por tais imperativos.
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Marx, atento que foi para com seu tempo e seu mundo, nos lega importantes
reflexões ao lidar com o tema da agricultura e a esgotabilidade dos solos pela
predação capitalista. Ao estudar em fins da vida a obra do químico Justus Von
Liebig, nos lega as bases daquilo que passa a se constituir como a teoria da ruptura
metabólica30, imprescindível à boa compreensão da relação entre a humanidade
sob o capital e o restante da natureza, dada a intensidade predatória cada vez
mais acelerada para atenção dos interesses mercantis em descompasso com a
temporalidades dos ciclos vitais e minerais do planeta.
Natureza, bem dizer, da qual somos parte inerente. Que não é nada mais
nada menos que nossa extensão corpórea não orgânica. Da qual não podemos de
modo algum nos separar, seja em nossas bases constitutivas mais elementares ao
nosso porvir mais almejado: afinal, a síntese marxiana do comunismo importa na
identidade entre humanismo e naturalismo31.
Daí que a crise da civilização capitalista, industrial, moderna e ocidental,
dada a dimensão experienciada desse modo de vida em escala global e os seus
pronunciados contornos ecológicos, é não só uma crise da própria civilização em
menção, mas vetora da crise de todas as civilizações humanas, colocando em risco
a perpetuação de nossa existência enquanto espécie.
Estes traços tanto os estruturais como os aparentes revelam os riscos que
o capitalismo leva inexoravelmente o conjunto da vida na Terra. Não só às espécies
em extinção quando não extintas , não só às pessoas diretamente afetadas por
eventos climáticos extremos que não impactam as populações de forma
equânime, alcançando de forma desigual o sul global, trabalhadores e
trabalhadoras, mulheres, negras e negros, migrantes e refugiados , não só às
pessoas que vivem sob a égide do capital contemporaneamente, a massa maioria
da população humana. Mas ao conjunto da humanidade, dadas as consequências
daninhas e imponderáveis que a crise climática sem precedentes em escala
30 FOSTER, John Bellamy. A ecologia de Marx: materialismo e natureza. Tradução: Maria Teresa
Machado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
31 MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução: Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo,
2004 e SEFERIAN, Gustavo. Ecossocialismo e humanismo. Germinal: marxismo e educação em
debate, Salvador, v. 13, n. 2, p.515-534, 2021.
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proporcionadas pelo capital enseja ao equilíbrio ecológico planetário. Faz-se
inescapável a constatação de um “impossível capitalismo verde”.32
3 Direito do Trabalho insustentável
A crise da civilização em que o Direito do Trabalho qual concebemos se
constituiu não enseja outra consequência que não a sujeição juslaboral à comum
fratura, a uma crise33.
O reconhecimento da crise do Direito do Trabalho não traz mal algum a nós,
que pela origem ou disposição classista nos colocamos ao lado dos oprimidos e
oprimidas. Jamais poderia nos lançar ao lado dos apologetas da ordem, a toda sorte
de sicofantas que, ideologicamente34, mesmo sem sinais desta crise ansearam e
anseiam enterrar o Direito do Trabalho antes da hora. Sabemos que a hora de
deixarmos o Direito do Trabalho só será aquela em que o trabalho assalariado for
passado, e que um novo modo de vida efetivamente justo e igualitário entre
humanos se constituir, balizado necessariamente em um metabolismo social
harmônico para com o restante da natureza. Até lá, o Direito do Trabalho seguirá
nos servindo, ainda que reclamando recomposições.
Este, como dissemos, é elemento central da historicidade juslaboral.
Daí que reconhecer essa crise inclusive as derrotas que nos são impingidas
no seio da luta de classes, levando a retrocessos impactantes no âmbito juslaboral,
como se deram em nosso país com o conjunto de contrarreformas impostas após o
golpe de 2016 é o primeiro passo para que os próprios trabalhadores e
trabalhadoras possam de forma satisfatória retomar as rédeas da recomposição
juslaboral, hoje conduzidas pelo interesse do capital. Só assim será possível a
32 TANURO, Daniel. L’impossible capitalisme vert. Paris: La decouverte, 2010.
33 SEFERIAN, Gustavo. Entre crises de civilização: ascenso e ocaso das funções capitalistas do
Direito do Trabalho e as novas tarefas tático-ambientais da proteção jurídica das trabalhadoras e
trabalhadores. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, v. 124, p. 207-253, 2022.
34 SEFERIAN, Gustavo. A ideologia do contrato de trabalho. São Paulo: Ltr, 2016.
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reapropriação pelo movimento social de trabalhadores e trabalhadoras o pintar
com novas tonalidades protetivas nosso ramo jurídico.
Eclipsar a constatação de que o Direito do Trabalho experimenta uma crise
não é funcional ou defensivo à própria perspectiva de proteção de quem trabalha.
Esconder fragilidades ou suscetibilidades não o resguarda. Conhecer em
profundidade a realidade da regulamentação das relações de trabalho pode, de
outro lado, nos proporcionar incidir em seus efetivos dilemas.
Do mesmo modo o escamotear das contradições que dimanam do Direito do
Trabalho não nos parece funcional em uma perspectiva de disputa e remodelagem
dos marcos protetivos com anseio de conferir funcionalidades também ecológicas
ao nosso ramo do direito.
A aferição da crise juslaboral jamais poderia resultar de um silogismo pobre,
senão de uma correlação estrutural necessária, que pretendemos aqui apresentar.
A compreensão de que a crise do Direito do Trabalho guarda uma raiz comum
com a crise ecológica proporciona que até mesmo a agência do capital, sobretudo
em sua institucionalidade no âmbito internacional, adote medidas que visem
confrontar os efeitos perversos promovidos desde o mundo do trabalho como tudo
que é parte da interação humana! - contra a estabilidade planetária. Porém, são
todas medidas insuficientes a atender a urgência e escala de remediação aos
efeitos do capital sobre a terra.
A massa maioria destas proposições se desenham no âmbito do Direito
Internacional do Trabalho, costurado fundamentalmente desde a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), mas também por outros órgãos como a
Organização Mundial do Comércio.
Tendo sido instituída também em um contexto de crise de civilização35, a
OIT não guardava naquele momento mais precisamente ao cabo da I Grande
Guerra, em 1919 um reclamo de natureza socioambiental. É porém, no seio de
suas construções políticas contemporâneas que não deixam de lado o intuito
35 SEFERIAN, Gustavo. Entre crises de civilização: ascenso e ocaso das funções capitalistas do
Direito do Trabalho e as novas tarefas tático-ambientais da proteção jurídica das trabalhadoras e
trabalhadores. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, v. 124, p. 207-253, 2022.
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originário de buscar processos de pacificação social e acomodação da luta de
classes36 que o tema passa a ser assumido de forma significativa, ainda que
insuficiente e ineficaz para lida com os efeitos da crise em menção.
Presente pulsantemente nos debates postos na esfera pública internacional
ao menos desde a Conferência de Estocolmo, de 1973, passam a assumir os temas
socioambientais cada dia maior presença na agenda do capital, não sendo diferente
sua lida com as relações de trabalho.
É sob a narrativa constitutiva dos Green Jobs que assumimos aqui o
anglicismo pois acaba sendo mais preciso que as traduções que os nominam como
“empregos verdes”, muito embora em verdade se aproxime mais a tradução à ideia
de “trabalhos verdes”, cabendo aí desde “bicos” a relações de trabalho perenes e
seguras que se apontam possibilidades de promoção de postos de trabalho que
sejam menos predatórios ao meio ambiente, ou que coíbam a destruição ambiental
de forma direta.
Seriam compreendidos os Green Jobs, balizado em documentação da própria
OIT como:
[...] estes empregos que i) reduzem o consumo de energia e de matérias-
primas; ii) limitam as emissões de gases de efeito estufa; Iii) reduzem ao
mínimo os resíduos e a contaminação; iv) protegem e reestabelecem os
ecossistemas; e v) fazem possível a adaptação das empresas e das
comunidades à mudança climática […]37
Já na forma de citação de Javier Warman em material da OIT, trazido em
tradução livre, pode o Green Job ser percebido enquanto:
36 SEFERIAN, Gustavo. “Um dedo contendo o dilúvio: alguns apontamentos sobre a Revolução Russa e
a criação da OIT”. In: BATISTA, Flávio Roberto. SEFERIAN Scheffer Machado, Gustavo. Revolução
Russa, Estado e Direito. São Paulo: Dobradura, 2017 e SEFERIAN, Gustavo. Direito do trabalho vivo.
Teoria Jurídica Contemporânea, v. 6, 2021.
37 Em tradução livre de: estos empleos: i) reducen el consumo de energía y de materias primas; ii)
limitan las emisiones de GEI; iii) reducen al mínimo los residuos y la contaminación; iv) protegen y
restablecen los ecosistemas; y v) hacen posible la adaptación de las empresas y las comunidades al
cambio climático ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO. El desarrollo sostenible, el
trabajo decente y los empleos verdes. Genebra: OIT, 2013. p. 28. Disponível em:
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---
relconf/documents/meetingdocument/wcms_210289.pdf. Acesso em: 1 jun. 2023.
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[…] um trabalho decente que contribui para preservar ou restaurar o meio
ambiente, incorporando um ou mais dos seguintes aspectos: melhoria da
eficiência energética e de matérias-primas; limitar as emissões de gases de
efeito estufa; minimizando o desperdício e poluição; proteger e restaurar
os ecossistemas; e apoiando adaptação aos efeitos das mudanças
climáticas. […]38
Nada muda na assimilação de parte da teoria tradicional. Nas palavras de
Alex Bowen e Karlygash Kuralbayeva:
[…] Algumas definições de empregos verdes ou conceitos relacionados
centram-se em profissões e competências com um objetivo ambiental
identificável, mas a maioria centra-se no emprego em indústrias (ou
projectos específicos) que produzem produtos ambientalmente benéficos.
Tais benefícios podem ser definidos de forma mais ou menos ampla por
exemplo, alguns concentram-se em energias renováveis, incluindo ou
excluindo biocombustíveis, enquanto outros também incluem serviços
ambientais e/ou empregos relacionados com a melhoria da eficiência
energética ou o desenvolvimento de produtos com menos carga de carbono
(como a construção ferrovias). (...) Um consenso está emergindo sobre
uma definição apropriada, centrada num subconjunto de indústrias que
produzem resultados ambientalmente desejáveis (...). Isso abrange a
gestão da poluição (por exemplo, controle da poluição atmosférica) e a
gestão de recursos (centrais de energia renováveis e abastecimento de
água).39
38 Do original “A green job is a decent job that contributes to preserving or restoring the
environment by incorporating one or more of the following aspects: improving energy and raw
materials efficiency; limiting greenhouse gas emissions; minimizing waste and pollution; protecting
and restoring ecosystems; and supporting adaptation to the effects of climate change.”.
INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. The Green Jobs Programme of the ILO. Genebra: ILO, 2016. p. 3.
Disponível em:
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/@ed_emp/@emp_ent/documents/publication/wcms_3
71396.pdf. Acesso em: 25 jun. 2023.
39 Em tradução livre de: Some definitions of green jobs or related concepts focus on
occupations and skills with an identifiable environmental goal, but most focus on employment in
industries (or specific projects) that produce environmentally beneficial products. Such benefits
can be defined more or less broadly for example, some concentrate on renewable energy,
including or excluding biofuels, while others also include environmental services and/or
employment related to improving energy efficiency or developing less carbon-intensive products
(such as building railways). (...) A consensus is emerging on an appropriate definition, focusing on a
subset of industries producing environmentally desirable outputs (...). That covers pollution
management (for example, air pollution control) and resource management (renewable energy
plants and water supply)”. BOWEN, Alex. KURALBAYEVA, Karlygash. Looking for green jobs: the
impact of green growth on enployment. London: LSE, 2015. p. 5. Disponível em:
https://gggi.org/wp-content/uploads/2017/11/2015-03-Looking-for-Green-Jobs-the-impact-of-
green-growth-on-employment.pdf. Acesso em: 1 jun. 2023.
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Referência comum é a mobilizada por diversos autores e autoras no campo
da teoria tradicional em nosso país, donde se inserem Anita Kon e Claudemir
Sugahara40, Olivia Pasqualeto41 e Francisco Aragão Neto e Ana Virgínia Gomes42,
para nos limitarmos a alguns exemplos.
Há um ponto de destaque aqui, que se repete ou ausenta! em todas as
formulações colocadas nos documentos oficiais da OIT sobre os “trabalhos verdes”
e leituras que delas derivam: a inexistência de críticas ao capitalismo e a
inescondível defesa de que com reformas este modo de produção pode se colocar
de forma sustentável e não daninha à continuidade da vida no planeta. A crente
aderência à Agenda 2030 e à discursividade de um desenvolvimento sustentável são
apenas parte desses sinais.
A crítica ao capital se coloca, pois, como um tabu. Em momento algum tais
propostas tratam de enfrentamentos estruturais, aderindo ainda a perspectivas
ligadas ao crescimento econômico (capitalista) e ao desenvolvimento (das relações
sociais pautadas na mercadoria) como remediadoras das mazelas socioambientais.
Nestas formulações, também percebemos a carência de rupturas com a
perspectiva do “trabalho decente” - muito pelo contrário, há seu enfático apelo ,
que guarda modulação diferida nos diversos rincões do globo em que o capitalismo
se desenvolve de forma desigual e combinada. Ao revés de onde se assenta o
importante debate lançado quanto a um decrescimento ecossocialista43, que
reclama o incremento produtivo para atenção aos bens de vida às populações mais
desprestigiadas na distribuição de riqueza própria do capital, tal linha do trabalho
decente implica no completo inverso, normalizando condições de precariedade na
40 KON, Anita. SUGAHARA, Claudemir. Sustentabilidade e empregos verdes no Brasil. Curitiba:
Appris, 2012.
41 PASQUALETO, Olivia de Quintana Figueiredo. Green jobs: trabalho decente, meio ambiente e
sustentabilidade. Belo Horizonte: Arraes, 2019.
42 ARAGÃO NETO, Francisco de Assis; GOMES, Ana Virgínia Moreira. Dignidade Humana,
desenvolvimento e o trabalho dos catadores de resíduos sólidos. Direito e Desenvolvimento, João
Pessoa, v. 7, n. 2, p. 189-207, 2016.
43 LÖWY, Michael. AKBULUT, Bengi. FERNANDES, Sabrina e KALLIS, Giorgos.For an Ecosocialist
Degrowth. Monthly Review v.73, n. 11, abril 2022, p.5658.
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periferia da ordem e hipertrofiando a proteção social apenas no centro da ordem
do capital.
Empregos verdes - e não apenas “trabalhos” ou “bicos verdes” -
transicionais implicariam em uma lógica completamente inversa à do “trabalho
decente”, que quando muito guardam um lustro ecológico mas solapam qualquer
salvaguarda mais robusta aos trabalhadores e trabalhadoras em países de
capitalismo dependente e periférico, invariavelmente preterindo o social em favor
da promoção do aparente interesse ecológico.
Desse modo, nos questionamos: como oportunizar empregos sem tocar nas
feridas centrais de um modo de produção que pressupõe o exército industrial de
reserva como elemento determinante ao achatamento de salários e garantia da
lucratividade empresarial? Não entendemos existir modo garantir renda de forma
equânime tomadas as profundas desigualdades quanto à atenção dos bens materiais
indispensáveis à reprodução da vida existentes em realidades regionais e nacionais
tão variadas em todo o globo. Ou mesmo falar em igualdade de oportunidades de
trabalho em um mundo cada vez mais marcados por chauvinismos, sobretudo
tomando perspectivas que tendencialmente aprofundam as desigualdades
existentes entre os países do Norte e Sul Globais. Daí também indagamos: como
garantir estabilidade e segurança no labor, bem como a seguridade social, sendo
condescendente com vínculos precários, intermitentes e até mesmo estranhos ao
assalariamento como parte da lógica dos Green Jobs? Ainda mais quando isso se
atrela à perspectiva da jornada laboral, que no mais das vezes em trabalhos
precários mas enquadráveis como “verdes” - não gozam de limites adequados?
Não há também como desconsiderar que as piores formas de trabalho
infantil, servil e forçado (ou escravo) se atrelam organicamente ao mesmo regime
de acumulação de capitais que precisa, originariamente, de modo violento, predar
as energias humanas e o conjunto da natureza como forma combinada de
concentração de riquezas nas mãos de poucos. Neste tocante, é de se destacar que
não seria possível assegurar um ambiente de trabalho sadio e seguro nestes
“trabalhos verdes” considerando que a sujeição a agentes poluentes, a reparação
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de áreas degradadas e o contato com diversas riquezas naturais de forma imediata
potencializam a sujeição a riscos laborais.
Por fim, como proporcionar efetivamente e não de modo meramente
formal o diálogo social e representação de trabalhadores sem fomentar processos
de auto-organização, potencialmente disruptivos para com a lógica própria do
capital, constituindo-se para si como perigo iminente?
Nada disso é possível com tímidas reformas e arremedos. As medidas da
agenda dos Green Jobs se mostram mais do que tudo, ao revés de seus intentos,
enquanto insustenveis.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclusões críticas: negar, conservar, elevar
A crítica a um Direito do Trabalho que, próprio desta ordem social, não pode
ser senão como ela insustentável, impossível de ser verde, reclama o
tensionamento com suas bases fundamentais.
A inexorabilidade da crise civilizacional, sua particular qualidade ecológica e
seu desdobramento na seara juslaboral reclamam um enfrentamento estrutural,
disruptivo e revolucionário na lida com o Direito do Trabalho. Nenhuma emenda em
matéria juslaboral nos parece suficiente.
Ter em conta que a crise reclama mais do que continuidades com o regime
de assalariamento, com um onírico cenário de estabilidade sistêmica e com
reformas de estreito calibre voltadas à “salvaguarda ambiental” , profundas
inflexões e rupturas na lida com o trabalho e com o restante da natureza segue
sendo a tônica necessária a nos guiar. Tais rupturas reclamam uma mirada
qualificada e responsável, com vistas a guiar suas recomposições sempre
permanentes, haja vista que a matéria juslaboral nunca se viu engessada, sempre
se dinamizando aos sabores da luta de classes44 com vistas a atender as mais
pulsantes necessidades humanas.
44 SEFERIAN, Gustavo. Direito do trabalho vivo. Teoria Jurídica Contemporânea, v. 6, 2021.
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SEFERIAN, Gustavo. Crítica ao Direito do Trabalho Insustentável. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v.6, p. 1-29, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.176.
Impossível, assim, pensar um Direito do Trabalho verde, um Direito do
Trabalho sustentável. Não há como se ter “trabalhos verdes” dentro dessa ordem
social, que é balizada do começo ao fim pela predatória, produtivista,
antiecológica e ecocida dinâmica do capital.
Daí que por todas as suas qualidades ser o Direito do Trabalho insustentável.
Essa qualificação de modo algum pode nos colocar ao lado dos detratores da
proteção juslaboral. Do mesmo modo não nos leva a compreender que o conjunto
de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras no seio de suas relações de trabalho
pautadas pela exploração assalariadas são excessivas e impossíveis de se arcar
pelos empregadores.
Não é nesse sentido que vem a sua marca da insustentabilidade. Muitíssimo
pelo contrário.
Entendemos que o Direito do Trabalho, ansiando uma articulação ao temário
socioambiental, deve apontar não à pacificação social, à harmonização da ordem
social capitalista e à superação da crise civilizacional pela promoção da relação
social do capital ou seja, abrandando seus efeitos com vistas ao
reestabelecimento de uma “normalidade” capitalista, pautada na perpetuação
apropriatória e produtiva mercantil, mas sim apontar para a ruptura com essa
ordem, podendo cumprir importante papel na desestabilização da ordem pelos
reclamos de intensificação protetiva social e ambiental de quem trabalha.
A preciosidade do Direito do Trabalho não está no fato de poder, com suas
próprias qualidades, manter as bases de sustentação desta ordem social podre e
que faz ora de tombar. Está justamente em seu oposto, na potência em agudizar
suas contradições e mostrar suas vicissitudes.
Grande parte dos registros de proteção conquistados em matéria social e
proporcionados pelo Direito do Trabalho já reclamam por parte das classes
proprietárias dissolução, com vistas à crescente obtenção de lucros e não sem
experimentar drásticas contradições. Ocorre que este cenário de crise é também o
oportuno para que o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras avancem no
sentido de galgar a ampliação de suas salvaguardas. A solução da crise não passa
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inexoravelmente pelo achatamento das condições de existência de quem trabalha.
Entendemos assim que o reclamar da proteção primeira da vida não só a vida
humana, mas de toda forma de vida45 - o indutor capaz de fazer transbordar suas
próprias fronteiras e limites, abrindo horizontes para novos delineamentos
transicionais de sua proteção.
O fim do Direito do Trabalho, seu telos maior, como já ressaltamos alhures,
dever ser seu próprio fim. Nesse sentido, sua insustentabilidade deve ser tida como
abertura, potência e riqueza à recomposição dos marcos que, em sede transicional,
devem regular as relações de trabalho ao fenecer da relação social do capital.
É claro que esta recomposição dia após dia mais insustentável do Direito do
Trabalho reclama a imbricação das lutas proletárias com aquelas de natureza
ecológica. Torpe engano daqueles que acham que sua recomposição virá da pena de
experts, magistrados, redatores de manuais ou acadêmicos encastelados em seus
gabinetes e egos.
Assim, desde as pulsantes experiências das greves ecológicas, das greves
globais pelo clima, da ancestral luta socioambiental impulsionada por entidades de
classe, pela necessária apreensão de totalidade que uma práxis revolucionária
acaba por reclamar, não mais arroguemos indesejada e impossível sustentabilidade
do Direito do Trabalho. Façamos dele cada vez mais insustentável!
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Gustavo Seferian
Professor Adjunto do Departamento de Direito do Trabalho e Introdução ao Estudo do Direito
da Universidade Federal de Minas Gerais (DIT-UFMG). Pesquisador-Líder do Grupo de Pesquisa
Trabalho e Capital (GPTC-USP) Lattes: http://lattes.cnpq.br/6051232864493698.ORCID: 0002-
5587-6734. E-mail: seferianacad@gmail.com.