Recebido em: 28/09/2023
Aprovado em: 23/04/2024
A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do
trabalho: o indivíduo como legitimado a partir do sistema
semanticamente aberto
Active legitimacy ad causam in the
collective labor process: the individual
as a legitimate participant in a
semantically open system
Legitimidad activa in acciones de
classes: el individuo como participante
legítimo en un sistema semánticamente
abierto
Luan Conceição
Pontifícia Universidade Católica da São Paulo (PUC-SP)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9889854194299328
ORCID: https://orcid.org/0009-0005-4634-4356
Fabiola Marques
Pontifícia Universidade Católica da São Paulo (PUC-SP)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9584792420373962
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9912-8044
RESUMO
Introdução: O Direito Processual Brasileiro admite poucas hipóteses de
tutela coletiva por meio da legitimação da pessoa física, sendo o seu
principal exemplo a conhecida Ação Popular.
Objetivo: Diante disso, o objetivo do presente trabalho é analisar eventual
possibilidade de o indivíduo, através de um processo judicial, requerer
medidas de natureza coletiva a partir de um Sistema Jurídico
semanticamente aberto e, principalmente, a partir de uma interpretação
sistêmica do Microssistema de Processo Coletivo e dos Incidentes Processuais
como Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) e Incidente de
Assunção de Competência (IAC).
Metodologia: A metodologia utilizada é eminentemente dedutiva e o
principal problema de pesquisa é se em um processo trabalhista individual
pode haver provimentos jurisdicionais com efeitos coletivos.
Resultados: Para tanto, mostrou-se de extrema importância analisar o
contexto atual vivenciado pela Justiça do Trabalho no Brasil, bem como os
diversos desafios enfrentados por ela, o que tem se agravado de maneira
significativa diante de diversos precedentes judiciais e até alterações
legislativas que tendem a restringir a sua competência e atuação mesmo
diante de um aceno da Reforma Trabalhista de 2017 ao fortalecimento do
Sistema de Precedentes.
Conclusão: A conclusão do trabalho é que esse Sistema admite, mesmo que
indiretamente, que determinadas ações judiciais individuais tenham efeitos
de natureza coletiva, o que foi, em tese, incentivado pelo artigo 611-A, §5º
da CLT.
2
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
PALAVRAS-CHAVE: efeitos coletivos; Microssistema de Processo Coletivo;
processo trabalhista individual.
ABSTRACT
Introduction: Brazilian Procedural Law allows few cases of collective
protection through the legitimization of individuals, the main example being
the well-known Popular Action.
Objective: Thus, this work’s aim is to analyse the eventual possibility of an
individual, through a judicial process, request measures of a collective
nature from a semantically open Legal System and, mainly, from a systemic
interpretation of the Collective Process’ Microsystem and the Processual
Incidents such as the Incident for the Resolution of Repetitive Demands
(IRRD) and the Incident for the Assumption of Jurisdiction (IAJ).
Methodology: The methodology applied is eminently deductive and the main
research problem is whether jurisdictional provisions with collective effects
can exist in an individual labor lawsuit.
Results: With that, it was proved to be extremely important to analyze the
current context experienced by the Labor Court in Brazil, as well as the
various challenges faced by it, which has worsened significantly in the face
of various judicial precedents and even legislative changes that tend to
restricting its competence and actions even in the face of a sign from the
2017 Labor Reform to strengthening the System of Precedents.
Conclusion: This work concludes that this System allows, even indirectly,
certain individual judicial lawsuits to have effects of a collective nature,
which was, in theory, incentivized by article 611-A, §5º of the CLT.
KEYWORDS: Collective effects; Individual Labor Process; Microsystem of
Collective Proceedings.
RESUMEN
Introducción: La Ley Procesal Brasileña permite pocos casos de protección
colectiva a través de la legitimación de individuos, siendo el ejemplo
principal la bien conocida Acción Popular.
Objetivo: En este sentido, el objetivo de este trabajo es analizar la eventual
posibilidad de que un individuo, a través de un proceso judicial, solicite
medidas de naturaleza colectiva en un Sistema Legal semánticamente
abierto y, principalmente, desde una interpretación sistémica del
Microsistema del Proceso Colectivo y de los Incidentes Procesales como el
Incidente para la Resolución de Demandas Repetitivas (IRRD) y el Incidente
para la Asunción de Jurisdicción (IAJ).
Metodología: La metodología aplicada es eminentemente deductiva y el
principal problema de investigación es si las disposiciones jurisdiccionales
con efectos colectivos pueden existir en una demanda laboral individual.
Resultados: Para ello, resultó de suma importancia analizar el contexto
actual que vive el Tribunal del Trabajo en Brasil, así como los diversos
3
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
desafíos que enfrenta, que se han agravado significativamente ante diversos
precedentes judiciales e incluso cambios legislativos que tienden a
restringiendo su competencia y acciones incluso ante un señal de la Reforma
Laboral de 2017 al fortalecimiento del Sistema de Precedentes.
Conclusión: Este trabajo concluye que este Sistema permite, incluso
indirectamente, que ciertas demandas judiciales individuales tengan efectos
de naturaleza colectiva, lo cual teóricamente fue incentivado por el artículo
611-A, §5º de la CLT.
PALABRAS CLAVE: Efectos Colectivos; Microsistema de Procesos Colectivos;
Proceso Laboral Individualizado.
INTRODUÇÃO
Um dos pontos mais sensíveis do acesso à justiça na tutela jurisdicional dos
interesses metaindividuais é a legitimidade ativa ad causam.
Sensível, pois embora se reconheça que o Poder Judiciário tenda a considerar
unicamente como legitimados ativos para a tutela coletiva as entidades previstas no
art. 5º da Lei da Ação Civil Pública1 e do art. 82 do Código de Defesa do Consumidor2,
é de se questionar se não há, principalmente a partir da interpretação sistemática e
do diálogo das fontes, legitimidade do indivíduo para determinadas ações de
natureza coletiva.
Afinal, permitir que, em determinadas hipóteses, o indivíduo possa, além de
tutelar o seu direito eminentemente individual, também requerer provimentos
jurisdicionais de natureza difusa contribuiria para a uniformidade, integridade e
1 BRASIL. Lei 7.347/1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao
meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico (VETADO) e dá outras providências: 27 jul. 1985. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7347orig.htm Acesso em: 03 jun. 2024.
2 BRASIL. Lei 8.078/1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências: 11 de
setembro de 1990. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm
Acesso em: 03 jun. 2024.
4
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
coerência do Direito Objetivo, justamente conforme previsto no art. 926 do Código
de Processo Civil de 20153.
Ainda mais ao se considerar que o Direito Processual admite uma série de
técnicas tendentes à tutela de direitos e interesses fluidos como o Incidente de
Assunção de Competência (IAC) previsto no art. 947 do CPC/2015 admissível por
requerimento tanto do Relator, do Ministério Público e Defensória Pública quanto da
própria parte; o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) também
requerível pelas mesmas partes do IAC, previsto no art. 977 do CPC/2015; dentre
outros.
Tais instrumentos, inclusive, partindo do princípio básico da segurança
jurídica dão causa à improcedência liminar do pedido, conforme previsto no art. 332
do CPC/2015, tanto como instrumento decorrente do dever de eficiência processual
quanto de vinculação aos precedentes.
São mecanismos criados em face do crescimento do número de demandas
judiciais, o que é tanto influenciado pela ampliação do acesso à Justiça quanto pela
própria massificação das relações sociais. Não por outro motivo, o Processo do
Trabalho passou por significativa reforma com o art. 896-C da Consolidação das Leis
do Trabalho4, introduzido pela Lei 13.105/2014 com a previsão de julgamento de
recursos de revista repetitivos.
Neste sentido, é precisa a observação de Carlos Eduardo Corrêa de Morais, em
Dissertação de Mestrado orientada pelo Professor Paulo Sérgio João, de que:
A análise teleológica dos dispositivos mencionados, assim como daqueles
inaugurados com a vigência da Lei 13.015/2014, legitimam a premissa de que
os instrumentos destinados a otimizar a prestação jurisdicional orbitam em
torno de um núcleo comum, a obediência ao precedente judicial.5
3 BRASIL. Lei 13.105/2015. Código de Processo Civil: 16 de mar. 2015. Disponível em
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm Acesso em: 03 jun.
2024.
4 BRASIL. Decreto-Lei nº 5.42, de 1ª de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.
Diário Oficial da União: seção 1, 09 ago. 1943. Disponível em
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 27 ago. 2023.
5 MORAIS, Carlos Eduardo Corrêa. A Lei nº 13.015/14 e o trânsito em julgado na apreciação dos
recursos de revista conhecidos à luz do incidente de recursos repetitivos. Dissertação de Mestrado.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: 2016. p. 43.
5
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
Justamente a partir deste cenário, a Reforma Trabalhista (Lei nº
13.467/2017), inserindo-se em uma onda já iniciada pelo Código de Processo Civil de
2015 de valorização de precedentes judiciais e de fortalecimento do próprio sistema
jurídico, estabeleceu o litisconsórcio necessário das entidades sindicais subscritoras
de convenções ou acordos coletivos de trabalho nas ações coletivas ou individuais
que requeiram sua anulação, nos seguintes termos:
Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm
prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: [...] § 5º Os
sindicatos subscritores de convenção coletiva ou de acordo coletivo de
trabalho deverão participar, como litisconsortes necessários, em ação
individual ou coletiva, que tenha como objeto a anulação de cláusulas desses
instrumentos. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017).6
Trata-se de dispositivo integralmente trazido pela Reforma Trabalhista, mas
que chama atenção, principalmente, a partir da expressão ação individual, uma vez
que traz a necessidade de participação dos entes convenentes até mesmo no
processo individual, não se tratando, portanto, exclusivamente da ação anulatória
de titularidade do Ministério Público do Trabalho.
Portanto, o dispositivo se presta tanto ao fortalecimento da autonomia
privada coletiva quanto da própria segurança jurídica, contrariando, de certa forma
o princípio da mínima interferência do Poder Judiciário, também trazido pela
Reforma Trabalhista em seu art. 8º, § 3º, dispositivo que, segundo Zélia Montal7, não
se coaduna, prima face, com o princípio constitucional da separação dos poderes o
que se compatibiliza com o fortalecimento do Judiciário defendido por Renato Rua,
para quem:
Essa responsabilidade constitucional e política da Justiça do Trabalho na
efetividade dos direitos fundamentais nas relações do trabalho a enobrece,
6 BRASIL. Decreto-Lei nº 5.42, de 1ª de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.
Diário Oficial da União: seção 1, 09 ago. 1943. Disponível em
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 27 ago. 2023.
7 MONTAL, Zélia Maria Cardoso. Reflexões sobre a inclusão do § 3º no Art. 8º da CLT pela Lei nº
13.467/2017 in MONTAL; Z. M. C; CARVALHO, Luciana P. V. de (Coords); Reforma Trabalhista em
Perspectiva: desafios e possibilidades. São Paulo: LTR, 2018. p. 216.
6
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
dando-lhe novo protagonismo na sociedade brasileira, sobretudo em razão da
inércia legislativa estruturalmente resultante de um sistema eleitoral
proporcional das eleições legislativas superado no tempo. O protagonismo do
Poder Judiciário, como um todo, na busca da eficácia dos direitos
fundamentais, constitui o que Boaventura de Souza Santos denomina de
judicialização da política, em sua obra “Para uma revolução democrática da
justiça”, editada pela Cortez Editora, constituindo um dos sinais dos tempos
modernos na construção democrática.8
A negociação coletiva, por sua vez, caracteriza-se como um nítido meio de
solução de conflitos, que se materializa como um processo de entendimento entre
empregados e empregadores visando à harmonização de interesses antagônicos com
a finalidade de estabelecer normas e condições de trabalho.
Entendimento compatível com a defesa do argumento de que a negociação
coletiva é um dos mais importantes meios de solução de conflitos existentes na
sociedade contemporânea.
Com isso, a ação anulatória é mecanismo processual de tutela de acordos e
convenções coletivas, podendo ser conceituada, nos termos propostos por Bezerra
Leite da seguinte forma:
Trata-se de uma ação de conhecimento, que tem por objeto a declaração de
nulidade de cláusula constante não só de convenções e acordos coletivos, mas
também de contrato individual de trabalho. Abstraindo-se a clássica
concepção de que toda ação possui um conteúdo declaratório, a ação que
estamos a estudar não se presta apenas a declarar a nulidade da cláusula. Ela
assume característica da ação constitutiva negativa ou desconstitutiva, na
medida em que o seu escopo é fazer com que a cláusula inquinada de ilegal
seja expungida do contrato individual, do acordo coletivo ou da convenção
coletiva de trabalho, deixando de produzir efeitos em relação às partes
contratantes ou a terceiros por ela atingidos. Em suma, estamos diante de
uma ação de conhecimento de natureza constitutiva negativa.9
Justamente a partir da inovação do art. 617, § 5º da CLT, bem como do art.
83, IV da Lei Complementar 75/1993, constata-se que ambos os instrumentos
processuais ação anulatória propriamente dita e reclamão individual que requeira
8 ALMEIDA, Renato Rua. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho. Revista LTR
Legislação do Trabalho. 2014. Disponível em http://www.institutocesarinojunior.org.br/texto10-
renato-eficacia.pdf. Acesso em: 16 out. 2022.
9 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática.
8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 272.
7
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
declaração de nulidade de cláusula coletiva destinam-se a um único objetivo:
desconstituir, por meio de uma declaração de nulidade, cláusula de acordo ou
convenção coletiva de trabalho.
Isso porque, desse novo instrumento processual é possível construir uma série
de interpretações a respeito de sua real intenção, dentre as quais se destaca o
direcionamento do legislador para um cenário processual no qual as entidades
subscritoras dos instrumentos coletivos se submeteriam à coisa julgada, admitindo-
se, com isso, uma hipótese de transcendência dos motivos determinantes de decisões
judiciais por meio de eventual sistema de precedentes vinculantes como os previstos
no art. 927 do CPC/2015.
Outro entendimento também plausível seria o de que este litisconsórcio
necessário teria como único objetivo o fortalecimento da ampla defesa, uma vez que
só por meio desta participação no processo, o magistrado poderia de fato aferir as
condições reais de pactuação da norma coletiva e, consequentemente, de sua
validade. Teria como finalidade, portanto, embasar o pronunciamento final do
magistrado quanto à validade ou não daquele instrumento e não de submeter as
partes subscritoras da norma coletiva à coisa julgada.
Embora plausível tal interpretação, acredita-se que ela não se coadune com a
noção de sistema jurídico uniforme, íntegro e coerente.
Afinal, seria um contrassenso admitir que as entidades convenentes teriam
que participar do processo única e exclusivamente para elucidar as bases da
transação, sem, contudo, se submeter aos efeitos da coisa julgada.
Seria admitir, por exemplo, que a cláusula declarada nula no processo
individual no qual participaram as partes convenentes pudesse ser repetida em
futuros acordos ou convenções coletivas, aproximando-se muito mais de um viés
eminentemente repressor ou retrospectivo do que prospectivo para a prestação
jurisdicional.
Justamente em razão dessas e de outras incontáveis possibilidades
interpretativas que este trabalho parte da noção do Direito enquanto linguagem de
um lado e do pensamento sistemático do outro o que será detalhado no tópico
referencial teórico - pois a hipótese que se levanta inicialmente é uma forte objeção
8
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
à afirmação corrente, tanto da jurisprudência quanto da doutrina, da inaptidão ou
ilegitimidade do indivíduo na tutela de interesses difusos.
1 Da tutela coletiva a partir da legitimação individual e os reflexos da
Consolidação das Leis do Trabalho
A tutela coletiva, embora recentemente popularizada, tem como origem o
chamado Bill of Peace, da Chancery Court Britânica, do século XVII que admitia ações
representativas (representative actions) enquanto litisconsórcio voluntário fundado
na existência de questões comuns, estabelecendo, contudo, a intervenção
compulsória de todas as partes interessadas na lide (compulsory joinder rule ou
necessary parties rules)10.
A respeito do assunto, Antônio Gidi ainda esclarece que:
O sistema jurisdicional da common law até 1873 era dividido em duas esferas
de jurisdição: law jurisdiction (Tribunais de Direito), responsável por
pretensões de natureza pecuniária e indenizatória e; a equity jurisdiction
(Tribunais de Equidade), responsável pelas pretensões declaratórias,
injuntivas ou mandamentais, sendo, portanto, responsável pelas situações que
o Direito não regulava de forma adequada. Com isso, os Tribunais de Equidade
acabaram prevendo procedimentos mais flexíveis, o que permitiu o
nascimento de instrumentos de tutela coletiva, mesmo que de forma
limitada.11
Com isso, a tutela coletiva, diante de sua origem no Sistema de Equidade
britânico, compatibilizava-se muito mais com uma noção de processo para além da
forma detalhada e formalista do que com o processo individual dos sistemas
tradicionais da civil law.
No âmbito nacional, embora grande parte da literatura especializada
identifique como principais marcos legislativos da Tutela Coletiva no Brasil a Lei da
10 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2015, p. 41.
11 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2015. p. 41.
9
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
Ação Popular (Lei nº 4.717/65), Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.939/1981),
Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (LC nº 40/1981), Lei da Ação Civil Pública
(Lei 7.347/1985) e o Código de Defesa do Consumidor (CDC), de 1990, é de extrema
importância ponderar que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em sua redação
original, ou seja, de 1943, já previa como prerrogativa do sindicato enquanto ente
coletivo “representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias os
interesses gerais da respectiva categoria ou profissão liberal ou interesses individuais
dos associados relativos a atividade ou profissão exercida” no seu art. 513, “a12.
Ainda a CLT, em seu art. 616 (redação estabelecida pelo Decreto Lei 229 de
1967), estabelecia a obrigatoriedade de negociação coletiva por parte dos sindicatos,
autorizando-se a instauração de dissídio coletivo diante da recusa, configurando
modalidade pioneira de satisfação de interesses de uma coletividade no Brasil de
forma muito semelhante à posteriormente trazido pelo CDC.
Tais dispositivos da CLT propiciaram a forte atuação coletiva dos entes
sindicais antes mesmo dos marcos legislativos apontados. Não por outro motivo, a
redação do art. 8º da Constituição enquanto resultado da forte atuação das
entidades sindicais na Constituinte previu uma série de prerrogativas sindicais
inclusive como direitos fundamentais, dentre os quais se destaca a “defesa dos
direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões
judiciais ou administrativas”.
Neste sentido, conclui Lucas Costa ao apontar que:
[...] o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), a
despeito da divisão política que caracterizava as entidades sindicais de
trabalhadores nos anos 1980, foi capaz de articular um pacto sindical que
resultou em um projeto bem articulado e organizado para a Constituinte de
1987-88.13
12 BRASIL. Decreto-Lei nº 5.42, de 1ª de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.
Diário Oficial da União: seção 1, 09 ago. 1943. Disponível em
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 27 ago. 2023.
13 COSTA, Lucas Nascimento Ferraz. As organizações sindicais dos trabalhadores e o processo
constituinte de 1987-88: um estudo sobre a atuação do DIAP. Disponível em
http://www.semacip.ufscar.br/wp-content/uploads/2014/12/As-organiza%C3%A7%C3%B5es-
sindicais-dos-trabalhadores-e-o-processo-constituinte-1987-88-um-estudo-sobre-a-
atua%C3%A7%C3%A3o-do-DIAP.pdf. Acesso em: 16 de ago. de 2023.
10
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
Contudo, não há como negar que o ápice da tutela coletiva no Brasil tenha
como principais diplomas legais a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do
Consumidor (CDC), sendo a primeira a responsável por apresentar uma real
sistematização da defesa de interesses metaindividuais e o segundo o responsável
por importantíssimas definições legais direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos e os efeitos da coisa julgada coletiva, por exemplo.
Tanto é que com o CDC foi possível conceber um microssistema processual
para as ações coletivas em face da interpretação sistêmica de vários diplomas legais,
adequando-se a uma noção de processo para muito além de um instrumento em favor
do direito material. Ao contrário, interpreta-se o Processo como um instrumento de
participação política, figurando como importantíssima garantia constitucional
individual e coletiva.
O que se constata ainda mais ao se analisar a estrutura legal da tutela coletiva,
afinal, o processo coletivo é uma evidente oportunidade de diálogo institucional
entre Judiciário, os demais poderes e a própria sociedade como um todo,
corroborando com a tese do processo como instrumento de participação política.
Com isso, a tutela coletiva decorre não só da insuficiência do perfil clássico
de litigância bilateral-individualista de natureza essencialmente privada, mas de
uma própria modificação da sociedade e principalmente do mercado.
Mesmo que se reconheça que o debate acerca do nascimento da tutela coletiva
possa tanto decorrer de uma massificação de lesões ou da multiplicação de direitos,
esta última apontada por Norberto Bobbio como decorrente de um fenômeno
legislativo de alargamento tanto de direitos quanto de titulares, o certo é que tal
análise dificilmente levará a conclusões precisas.14
Todavia, é extremamente precisa a observação de Mauro Cappelletti a
respeito da sociedade de massa como um fator material para o surgimento da tutela
coletiva:
14 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. por Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier,
2004, p. 63.
11
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
Não é necessário ser sociólogo para reconhecer que a sociedade na qual
vivemos é uma sociedade ou civilização de produção em massa, de troca e de
consumo de massa, bem como de conflitos ou conflituosidades de massa (em
matéria de trabalho, de relações entre classes sociais, entre raças, entre
religiões, etc.). Daí deriva que também as situações de vida, que o Direito
deve regular, são tornadas sempre mais complexas, enquanto, por sua vez, a
tutela jurisdicional a justiça será invocada não mais somente contra
violações de caráter individual, mas sempre mais frequente contra violações
de caráter essencialmente coletivo, enquanto envolvem grupos, classes e
coletividades.15
Com isso, ambos os fatores se inserem no nascimento da tutela coletiva como
fontes materiais. Tanto que Zaneti Junior a aponta como um aparelhamento da
sociedade civil organizada, figurando como instrumento de fortalecimento da
democracia16.
Assim, é inegável que o processo coletivo surge como instrumento de
efetivação de direitos diante da massificação das lesões, o que ainda é acentuado
quando inserido em um contexto pós-positivista com o fortalecimento dos direitos e
garantias fundamentais, dos princípios jurídicos e do próprio Poder Judiciário.
Tudo isso leva à noção de tutela jurisdicional qualificada como decorrência
lógica tanto do princípio da inafastabilidade quanto da razoável duração do processo,
o que se evidencia ainda mais com o art. 8º da Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto San José da Costa Rica), incorporada ao direito brasileiro pelo
Decreto 678 de 09 de novembro de 199217.
Tais garantias, portanto, permeiam a noção de devido processo legal de forma
ampla enquanto direito fundamental reconhecido também no âmbito internacional.
15 CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil. Traduzido
por: Nelson Ribeiro de Campos. Revista de Processo, São Paulo, v.2, n. 5, p.128-159, jan./mar.1977,
p. 131.
16 ZANETI Jr., Hermes. Processo Constitucional: o modelo constitucional do processo civil brasileiro.
Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007, p. 46-47.
17 Artigo 8º - Garantias judiciais 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias
e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial,
estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela,
ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer
outra natureza.
12
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
Com isso, dentre os diversos fundamentos da tutela coletiva, compreende-se
que as ações coletivas buscariam, primordialmente, a economia processual, o acesso
à justiça e efetivação do direito material e, por mais que seja comum a alegação de
que a segurança jurídica também seja um dos seus fundamentos, entende-se mais
adequado caracterizá-la como uma consequência do que como objetivo
propriamente dito.
Para além de sua fundamentação, a tutela coletiva só se viabiliza a partir de
uma nova noção de legitimidade processual, ultrapassando, em certa medida, a
noção clássica de Chiovenda de que “parte é aquele que demanda em seu próprio
nome (ou em cujo nome é demandada) a atuação duma vontade da lei e aquele em
face de quem essa atuação é demandada”18.
Por sua vez, para ser parte, a pessoa, seja física ou jurídica, deve ter
legitimidade processual, pois só é parte aquele a quem a legislação autoriza estar
em juízo. Dessa forma, a legitimidade é “a qualidade para estar em juízo, como
demandante ou demandado, em relação a determinado conflito trazido ao exame do
juiz19 .
A legitimidade nos processos coletivos, em virtude da natureza material dos
direitos envolvidos, distante do individualismo tradicional, não parte mesma lógica
do processo civil clássico. Afinal, a essência da ão coletiva, em decorrência de sua
natureza herdada do sistema de common law, é ser uma ação representativa, através
da qual os titulares do direito não o aqueles que figuram como autores da ação
coletiva, mas, sim, uma espécie de representante apto a ser o porta-voz do grupo ou
dos indivíduos interessados, quando não da própria sociedade.
Por fim, ainda se faz a relevante observação de que a atuação do Ministério
Público do Trabalho possui uma grande relevância neste cenário, tendo em vista que,
além de ser legitimado para a propositura da ação anulatória, ainda possui
18 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, vol. 2, 3a ed. São Paulo: Saraiva,
1969, p. 234.
19 DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, II, 2a ed. São Paulo:
Malheiros, 2002, p. 306.
13
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
participação obrigatória nas ações de natureza coletiva, conforme estabelecido no
art. 5 º, § 1 da Lei 7.347/1985.
2 Do direito como linguagem e da possibilidade de interpretação ampliativa
Embora tratada de forma breve, esse é o panorama básico da tutela coletiva
no Brasil.
Exposto o objeto do trabalho, deve-se iniciar sua análise crítica para que,
posteriormente, seja possível refutar ou confirmar as hipóteses inicialmente
levantadas.
Para tanto, isso só será possível a partir de uma prévia abordagem
propedêutica das categorias jurídicas envolvidas na discussão para que sejam fixados
tanto os limites sintáticos e semânticos quanto as próprias bases para a construção
do trabalho.
Contudo, já é possível defender o Direito enquanto linguagem por se tratar de
uma ordem social eminentemente linguística. Afinal, como apontado por Aurora
Tomazini de Carvalho, “não há uma correspondência entre linguagem e objeto, pois
este é criado por ela”20 de modo que não seja possível apreender a realidade senão
por meio da linguagem.
Portanto, o Direito, assim como a Ciência do Direito, será materializado por
meio da linguagem, que, no primeiro caso, será uma linguagem prescritiva e, no
segundo, descritiva.
No caso do Direito, essa comunicação acontecerá basicamente por meio de
normas, que podem ser consideradas como seus elementos fundantes, tendentes a
induzir condutas intersubjetivas. Serão as normas os núcleos comunicacionais do
20 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito. 4. ed. São Paulo: Noeses. 2014,
p. 34.
14
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
Direito. Tanto que Bobbio sustenta que para se alcançar um conceito adequado de
Direito deve-se partir da conceituação de norma jurídica.21
Faz-se tal distinção, pois é importante ter em mente que a Ciência do Direito
tem como principal objetivo a análise do sistema de direito posto, descrevendo-o,
derivando justamente daí a diferenciação das respectivas linguagens, uma
prescritiva e outra descritiva.
Sendo, portanto, este trabalho eminentemente acadêmico inserindo-se na
Ciência do Direito defende-se a grande relevância do intérprete na construção do
pensamento jurídico mesmo que se admita a plausibilidade do argumento da
incorporação da moral ao Direito, como reconhece o próprio Herbert Hart ao
sustentar que “não é em sentido algum uma verdade necessária que as leis
reproduzam ou satisfaçam certas exigências da moral, embora de facto o tenham
frequentemente feito”.22
Não por outro motivo, Ávila defende que a atividade do intérprete ou do
aplicador do direito (tanto julgador quanto cientista) não se reduz a descrever o
significado previamente existente dos dispositivos e sim em (re)construir esses
significados, tendo em vista, principalmente, a existência de significados
incorporados ao uso linguístico e construídos no âmbito do discurso e da linguagem.23
Contudo, essa reconstrução de significados e interpretações deve ser realizada
de forma sistêmica, ou seja, em conformidade com o sistema jurídico, cujo conceito
é muito bem delimitado por Paulo de Barros Carvalho, para quem “o sistema aparece
como o objeto formado de porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário
ou como a composição de partes orientadas por um vetor comum.”24
Assim, Larenz sustenta que as normas jurídicas “não estão desligadas umas
das outras, mas estão numa conexão multímoda umas com as outras”25, atribuindo a
21 BOBBIO, Norberto Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti.
Bauru: EDIPRO, 2001, p. 32.
22 HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes. 3. ed. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 2001, p. 202.
23 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 8. ed.
São Paulo: Malheiros, 2008, p. 33-34.
24 CARVALHO, P. de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo, SP: Noeses, 2012, p. 132.
25 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2005, p. 621.
15
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
característica sistêmica ao ordenamento jurídico, fator que, inclusive, influencia o
processo interpretativo do Direito.
No entanto, é com Claus Canaris que a ideia de sistema ganha um aspecto
valorativo, ultrapassando a lógica eminentemente formal, pois, mesmo
reconhecendo a plausibilidade da noção de sistema como ordenação e unidade, vai
além e defende a exigência de uma ordem justa pautada no postulado da justiça e
da igualdade. O autor argumenta que “uma eventual adequação lógico-formal das
normas jurídicas singulares não implica unidade de sentido especificamente jurídica
de um ordenamento”.26
Para Canaris27, será a unidade e não a completude o elemento essencial para
a conceituação de sistema, sendo atribuído caráter sistêmico ao Direito por meio de
uma adequação valorativa e racional, ultrapassando, assim, a mera lógica formal.
Isto porque, embora se reconheça a relevância do pensamento sistemático
tradicional, inclusive proposto por Hans Kelsen ao sustentar que “o Direito, que
constitui o objeto desde conhecimento, é uma ordem normativa da conduta humana,
ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano”.28 Tal noção
de sistema se confunde com a conjugação de requisitos formais, inviabilizando ou
reduzindo o papel criativo do intérprete.
Portanto, este trabalho tem como pressuposto a noção de sistema jurídico
como um conjunto de normas regras e princípios dotadas de unidade e coerência,
havendo a necessidade de a interpretação ser norteada por uma valoração racional
pautada no postulado da justiça, nos termos defendidos por Canaris29, o que,
entende-se, coaduna-se com ideia do Direito como um objeto cultural
eminentemente linguístico.
26 CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p. 31.
27 CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012.
28 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. Tradução de Luís Carlos Borges. 3. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 4-5.
29 CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012.
16
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
A razão de tais aportes teóricos, além de consistir em etapa propedêutica do
trabalho, decorre de sua própria proposta, qual seja, uma nova
construção/interpretação sistemática para legitimidade individual na tutela
coletiva. Isso porque, com tal análise teórica firmam-se os pressupostos necessários
para o enfretamento do objeto de estudo do presente trabalho.
No entanto, ainda é importantíssimo que se analise a questão da possível
insegurança jurídica quanto à proposta do trabalho.
Em outros termos, é salutar que o trabalho enfrente também o
questionamento de que possivelmente ao se defender a possibilidade de ações
individuais produzirem efeitos difusos ou coletivos contribua para a existência de
provimentos jurisdicionais distintos.
Tal argumento, no entanto, representa certa inversão de apontamentos. Isso
porque, conforme detalhado acima, o próprio surgimento da tutela coletiva e até
mesmo do sistema de precedentes vinculados trazido pelo CPC/2015 visa justamente
corrigir ou adequar um sistema de justiça com provimentos jurisdicionais distintos.
Ou seja, quando se fala de sistemas de precedentes no Brasil, um dos
principais fundamentos para a presente proposição, o que se entende é que são
instrumentos criados justamente para se conferir maior estabilidade no processo
judicial, de modo que a sua utilização, mesmo que através de demandas de natureza
eminentemente individual porém com determinações legais no sentido de ser
imprescindível a participação de entidades coletivas, conforme estabelecido no art.
611, § 5º da CLT se mostre como instrumento com significativa aptidão para conferir
segurança jurídica aos jurisdicionados.
Inclusive, a respeito desse tema, há que se destacar que mesmo com o
fortalecimento do sistema de precedentes no Processo do Trabalho, vive-se um
momento de grandes mudanças jurisprudências na Justiça do Trabalho.
Com isso, há que se destacar, novamente, que o microssistema processual
coletivo no Brasil só admite, com exceção da ação popular, a legitimidade ativa ad
causam de entes coletivos, o que se depreende tanto dos dispositivos pertinentes na
Lei da Ação Civil Pública quanto no Código de Defesa do Consumidor.
17
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
No entanto, o art. 611-A, § 5º da CLT já surge como um importante
instrumento processual destinado à estipulação de efeitos alheios ao processo
individual.
Trazendo a temática para o Processo Coletivo do Trabalho, especificamente
quanto à possibilidade de anulação de normas coletivas pelo Poder Judiciário
Trabalhista, este trabalho surge como um enfrentamento de uma possível
legitimidade ad causam exclusiva do Ministério Público do Trabalho para a
propositura de ação anulatória.
Ou seja, analisando tanto o dispositivo trazido pela Reforma Trabalhista
quanto os instrumentos relacionados ao sistema de precedentes vinculantes do
CPC/2015, é possível concluir que é plenamente possível que através de demandas
de natureza eminentemente individuais, sejam construídos provimentos
jurisdicionais de natureza difusa ou coletiva.
Isso para que na última etapa do trabalho seja possível enfrentar a questão do
litisconsórcio necessário dos sindicatos acordantes nas ações individuais que
requeiram a declaração de nulidade de normas coletivas como instrumento que
possibilita a legitimidade individual na tutela coletiva de interesses metaindividuais
trabalhistas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo partiu da hipótese de que, principalmente a partir da redação do
art. 611-A, § 5º e do sistema de precedentes vinculantes estabelecido pelo CPC/2015
materializado através dos Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas,
Incidente de Assunção de Competência, Recursos Repetitivos, dentre outros seria
possível concluir que, em determinadas demandas de natureza eminentemente
individuais, o provimento jurisdicional teria efeitos difusos ou coletivos.
Com o desenvolvimento do estudo, tal hipótese foi confirmada, tendo em
vista, inicialmente, que a redação do art. 611-A, §5º da CLT traz uma espécie de
litisconsórcio necessário justamente para que as entidades coletivas convenentes se
18
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
submetam à coisa julgada da demanda individual, tendo ainda, importante papel na
construção do contraditório e da ampla defesa.
Em outros termos, o dispositivo surge para que as entidades sindicais tanto
apresentem os fundamentos para a construção das cláusulas das negociações
coletivas, quanto que se submetam ao determinado no processo, tendo ainda, a
nosso ver, interesse processual para recorrer quando o provimento jurisdicional lhes
for desfavorável.
Mas o desenvolvimento do estudo ainda se pautou no sistema de precedentes
vinculantes como instrumento de natureza processual que admite a possibilidade de
provimentos relacionados inicialmente a processos individuais irradiarem efeitos a
outras demandas.
Além do que a própria interpretação do Direito enquanto linguagem forneceria
embasamento teórico suficiente para que fosse plenamente possível concluir que há,
no processo do trabalho, um relevante instrumento de tutela de interesses difusos e
coletivos através de processos eminentemente individuais.
E grande exemplo do que se defende aqui seria materializado através de
demandas individuais nas quais se discutem a validade de contribuição sindical
obrigatória, sendo plenamente viável que as entidades sejam chamadas ao processo
para que, inicialmente, prestem esclarecimentos quanto às bases das negociações
coletivas e, posteriormente, participem do processo atuando quando necessário e,
consequentemente, submetendo-se à coisa julgada.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Renato Rua. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações de
trabalho. Revista LTR Legislação do Trabalho. 2014. Disponível em
http://www.institutocesarinojunior.org.br/texto10-renato-eficacia.pdf. Acesso
em: 16 out. 2022.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
19
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. por Carlos Nelson Coutinho. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2004.
BOBBIO, Norberto Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e
Ariani Bueno Sudatti. Bauru: EDIPRO, 2001.
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.42, de 1ª de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis
do Trabalho. Diário Oficial da União: seção 1, 09 ago. 1943. Disponível em
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 27
ago. 2023.
CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na
ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2012.
CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça
civil. Traduzido por: Nelson Ribeiro de Campos. Revista de Processo, São Paulo,
v.2, n. 5, p.128-159, jan./mar.1977.
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito. 4. ed. São
Paulo: Noeses. 2014.
CARVALHO, P. de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo, SP: Noeses, 2012.
COSTA, Lucas Nascimento Ferraz. As organizações sindicais dos trabalhadores e o
processo constituinte de 1987-88: um estudo sobre a atuação do DIAP. Disponível
em http://www.semacip.ufscar.br/wp-content/uploads/2014/12/As-
organiza%C3%A7%C3%B5es-sindicais-dos-trabalhadores-e-o-processo-constituinte-
1987-88-um-estudo-sobre-a-atua%C3%A7%C3%A3o-do-DIAP.pdf. Acesso em: 16 de
ago. de 2023.
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, vol. 2, 3a ed. São
Paulo: Saraiva, 1969.
DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, II, 2a ed.
o Paulo: Malheiros, 2002.
GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva de direitos.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes. 3. ed.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001.
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. Tradução de Luís Carlos
Borges. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
20
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
CONCEIÇÃO, Luan; MARQUES, Fabíola. A legitimidade ativa ad causam no processo coletivo do trabalho: o indivíduo
como legitimado a partir do sistema semanticamente aberto. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 7, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v7.174.
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina,
jurisprudência e prática. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
MONTAL, Zélia Maria Cardoso. Reflexões sobre a inclusão do § 3º no Art. 8º da CLT
pela Lei nº 13.467/2017 in MONTAL; Z. M. C; CARVALHO, Luciana P. V. de (Coords);
Reforma Trabalhista em Perspectiva: desafios e possibilidades. São Paulo: LTR,
2018. p. 216.
MORAIS, Carlos Eduardo Corrêa. A Lei nº 13.015/14 e o trânsito em julgado na
apreciação dos recursos de revista conhecidos à luz do incidente de recursos
repetitivos. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. São Paulo: 2016.
ZANETI Jr., Hermes. Processo Constitucional: o modelo constitucional do processo
civil brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007.
Luan Conceição
Pesquisador com Graduação em Direito (2013) e Mestrado em Tributação e Direitos Humanos
(2017) pela Universidade Federal do Pará. Especialista e Doutor em Direito do Trabalho pela
Pontifícia Universidade Católica da São Paulo (PUC-SP). Advogado. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9889854194299328. ORCID: https://orcid.org/0009-0005-4634-4356. E-
mail: lima.luan90@gmail.com.
Fabiola Marques
Mestra e Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005).
Professora de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho da PUC-SP, nos cursos de
graduação e pós-graduação. Advogada. Ex-Presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas
de São Paulo para o mandato de 2006/2008. Ex-Presidente da Comissão Especial de Direito
Material do Trabalho da OAB/SP - 2009. Ex-Presidente da Comissão da Mulher Advogada da
OAB/SP - 2010/2012. Ex-Presidente da Comissão de Relacionamento com o Tribunal Regional
do Trabalho da 2a Região de 2013/2015. Conselheira da OAB/SP nos mandatos de 2010/2012,
2013/2015 e 2016/2018. Membro efetivo da Comissão Especial da Diversidade Sexual e Combate
à Homofobia e da Comissão da Mulher Advogada, no triênio 2016/2018. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9584792420373962. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9912-8044. E-
mail: fabiola@abudmarques.com.br.