Recebido em: 25/06/2023
Aprovado em: 29/11/2023
A prova de trabalho em condições análogas à de escravo e o
local da prestação de serviços
The proof of work under conditions
analogous to slavery and the place of
service provision
La prueba del trabajo en condiciones
análogas a la esclavitud y el lugar de
prestación de servicios
Ricardo José Macêdo de Britto Pereira
UDF Centro Universitário
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5151649835128510
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4510-8894
Juliana Bortoncello Ferreira
UDF Centro Universitário
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3556152551721660
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0242-1215
Tallita Souza de Oliveira Pignati
UDF Centro Universitário
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6615738213220028
ORCID: https://orcid.org/0009-0003-8532-5604
RESUMO
Encontra-se no Supremo Tribunal Federal (STF) Recurso Extraordinário
1.323.708/PA, em que foi reconhecida Repercussão Geral para decidir se
a prova de trabalho em condições análogas à de escravo pode ser
diferenciada de acordo com o local da prestação de serviços. O problema a
ser enfrentado é se, diante da ausência de norma específica no ordenamento
jurídico nacional a respeito da questão, os tratados internacionais sobre
direitos humanos e sua interpretação pelas cortes internacionais oferecem
elementos para a solução da controvérsia. Para tanto, o artigo enfoca o
controle de convencionalidade e ressalta a existência de diversos tratados
com previsões sobre direitos humanos e relações laborais, os quais, todavia,
ainda são pouco utilizados pelo Poder Judiciário, evidenciando-se a
necessidade de uma mudança de mentalidade para que normas jurídicas
internacionais sejam mais frequentemente apreciadas pela ordem jurídica
interna. No julgamento do RE nº1.323.708/PA, especialmente objetivando-
se ao não retrocesso e à consagração do controle de convencionalidade,
poderá o STF realizar a integração entre os direitos internacional e
brasileiro, eis que o ordenamento jurídico do Brasil integra o Direito
Internacional dos Direitos Humanos (DIDH). Portanto, será possível definir os
elementos necessários para se configurar o crime de redução à condição
análoga à de escravo, diante da realidade local, bem como o Supremo
sinalizar quais são as provas essenciais para a tipificação do crime previsto
no artigo 149 do Código Penal, a partir da realização do controle de
convencionalidade e, à luz das normas da dignidade da pessoa humana e dos
valores sociais do trabalho.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
PEREIRA, Ricardo J. M. de Britto; FERREIRA, Juliana B.; PIGNATI, Tallita S. de Oliveira. A prova de trabalho em
condições análogas à de escravo e o local da prestação de serviços. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v.6, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.162.
PALAVRAS-CHAVE: controle de convencionalidade; direitos humanos;
recurso extraordinário nº1.323.708/PA; trabalho análogo à de escravo.
ABSTRACT
The Supreme Federal Court will decide, in Extraordinary Appeal n.
1.323.708, where General Repercussion has been recognized, whether proof
of work under conditions analogous to slavery can be differentiated
according to the place of service provision. The problem to be addressed is
whether, in the absence of a specific law in the national legal system
regarding this issue, international treaties on human rights and their
interpretation by international courts provide elements for resolving the
controversy. Therefore, the article focuses on the control of conventionality
and highlights the existence of several treaties with provisions on human
rights and labor relations, which, however, are still underutilized by the
Judiciary, pointing out the need for a change in mindset for international
legal norms to be more frequently considered by the domestic legal order.
In the judgment of Extraordinary Appeal n. 1.323.708/PA, particularly
aiming to prevent regression and ensure the consolidation of control of
conventionality, the Supreme Federal Court can integrate international and
Brazilian rights since Brazil’s legal system incorporates International Human
Rights Law. Therefore, it will be possible to define the necessary elements
to establish the crime of reducing someone to conditions analogous to
slavery based on the local reality, as well as for the Supreme Court to
indicate the essential evidence for the classification of the crime provided
for in Article 149 of the Penal Code, through the implementation of the
control of conventionality and in light of the principles of human dignity and
social values of work.
KEYWORDS: control of conventionality; extraordinary appeal n.
1.323.708/PA; human rights; work analogous to slavery.
RESUMEN
El Supremo Tribunal Federal (STF) va a decidir en el Recurso Extraordinario
n. 1.323.708/PA, con Repercusión General, si la prueba de trabajo en
condiciones análogas a la esclavitud puede diferenciarse según el lugar de
prestación de servicios. El problema es si, ante la falta de uma norma
específica nacional, los tratados Internacionales sobre derechos humanos y
su interpretación por parte de los tribunales Internacionales proporcionan
elementos para resolver la controversia. Así, el artículo mira el control de
convencionalidad y varios tratados sobre derechos humanos y relaciones
laborales, que, sin embargo, aún son poco utilizados por el Poder Judicial,
lo que evidencia la necesidad de un cambio de mentalidad para que las
normas internacionales sean más frecuentemente apreciadas en el orden
jurídico interno. En el juicio del RE n. 1.323.708/PA, especialmente para
evitar el retroceso y garantizar la consolidación del control de
convencionalidad, el STF puede llevar a cabo la integración entre los
derechos internacionales y brasileños, dado que el ordenamiento jurídico de
Brasil incorpora el Derecho Internacional de los Derechos Humanos (DIDH).
Por lo tanto, será posible definir los elementos necesarios para configurar el
delito de reducción a la condición análoga a la esclavitud, en función de la
realidad local, así como senãlar el STF cuáles son las pruebas esenciales para
la tipificación del delito en el artículo 149 del Código Penal, por medio del
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Humano, Campinas, v.6, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.162.
Control de convencionalidad y a luz de las normas de la dignidad de la
persona humana y los valores sociales del trabajo.
PALABRAS CLAVE: control de convencionalidad; derechos humanos; recurso
extraordinario n. 1.323.708/PA; trabajo análogo a la esclavitud.
INTRODUÇÃO
O Supremo Tribunal Federal (STF) irá examinar, no Recurso Extraordinário
nº1.323.708/PA1, em que foi reconhecida Repercussão Geral, Tema 1158, se a prova
de trabalho em condições análogas à de escravo pode ser diferenciada de acordo
com o local da prestação de serviços. O problema que se coloca é se, diante da
ausência de norma específica no ordenamento jurídico nacional a respeito da
questão, os tratados internacionais sobre direitos humanos e sua interpretação pelas
cortes internacionais oferecem elementos para responder à questão posta no
referido recurso extraordinário.
Os tratados internacionais são aplicados de forma diminuta no ordenamento
jurídico brasileiro, principalmente, nas relações de trabalho. São raras as decisões
judiciais que adotam como fundamento pactos internacionais.
Essa escassez traz uma preocupação e um olhar mais atento para que as
normas jurídicas internacionais sejam apreciadas com mais frequência pela ordem
interna e, também, para que sejam utilizadas como instrumentos para a
concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Isso, especialmente,
após o julgamento do caso Fazenda Brasil Verde, em que a Corte Interamericana de
Direitos Humanos considerou que o Brasil não estaria sendo efetivo em processos
internos quanto à apuração de denúncias acerca de trabalho em condições análogas
à de escravo.
1 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 1.323.708/PA. Direito Penal. Redução
a condição análoga à de escravo. Artigo 149 do Código Penal. Tipicidade. Recorrente: Ministério
Público Federal. Recorrido: Marcos Nogueira Dias e outros. Relator: Min. Edson Fachin, 18 de abril de
2023. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoElet
ronico.jsf?seqobjetoincidente=6163329. Acesso em: 3 mai. 2023.
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Humano, Campinas, v.6, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.162.
Para tratar sobre esses pontos, o artigo inicia com as particularidades da
aplicação do controle de convencionalidade no ordenamento jurídico brasileiro, que
visa assegurar o cumprimento de tratados internacionais firmados pelos Estados,
através de processo de compatibilização vertical. Além disso, enfoca detalhes acerca
da incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos ao ordenamento
jurídico interno e do controle jurisdicional para tanto.
O segundo capítulo, por sua vez, aborda a possibilidade/necessidade da
concretização do controle de convencionalidade no Brasil com o julgamento do
Recurso Extraordinário nº 1.323.708/PA pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com
vistas ao não retrocesso e à materialização do princípio da dignidade da pessoa
humana.
No referido julgamento em que já reconhecida repercussão geral sobre a
matéria -, o Supremo Tribunal Federal decidirá se a prova de trabalho em condições
análogas à de escravo pode ser diferenciada de acordo com o local da prestação de
serviços e, a partir disso, estabelecerá os requisitos necessários para a
caracterização do crime previsto no art. 149 do Código Penal2, bem como as provas
tidas como essenciais para a sua tipificação.
Com base em tal situação, discorre-se neste artigo acerca de como os tratados
internacionais sobre direitos humanos e sua interpretação pelas cortes internacionais
podem oferecer elementos para a solução de controvérsias, considerando-se a
ausência de norma específica no ordenamento jurídico brasileiro sobre o assunto.
Tais reflexões se fazem pertinentes, não apenas em face da importância do
controle de convencionalidade pelo Supremo Tribunal no caso, mas, também, em
razão de que o STF externalizou - quando do exame da repercussão geral da matéria
sustentada (tema 1158) - sua atenção com o cumprimento pelo Brasil de normas e
pactos internacionais, tais como a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas.
2 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF: Presidência da
República, 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 4 dez. 2023.
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1. Considerações sobre o controle de convencionalidade e sua aplicação no
sistema jurídico brasileiro
O controle de convencionalidade “consiste no ‘processo de compatibilização
vertical (sobretudo material) das normas domésticas com os comandos encontrados
nas convenções internacionais em vigor no Estado’”3.
Seu surgimento sobreveio para que se pudesse impedir o “truque de
ilusionista”, ou seja, uma interpretação dada em um Estado para uma obrigação
internacional que, na prática, seria descumprida4.
A preocupação com o assunto se justifica, especialmente, para que se possa
concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana, com a afirmação, não
somente das normas internas dos países acerca do tema, mas ainda, as normas
atreladas ao Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), inclusive daquelas
afetas às relações de trabalho.
No Brasil, a incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos ao
ordenamento jurídico interno se faz mediante o cumprimento de 04 (quatro) etapas,
a saber: assinatura do Chefe de Estado; aprovação pelo Congresso Nacional;
ratificação pelo Presidente da República perante a autoridade incumbida pela
própria convenção da custódia do ato de depósito; bem como a promulgação,
também pelo Presidente da República5.
Adotadas tais providências para a incorporação dos tratados internacionais de
direitos humanos ao ordenamento jurídico do Brasil, atualmente, para fins de
controle jurisdicional, verificam-se duas possibilidades de entrada da norma no
ordenamento doméstico: com status supralegal ou com status constitucional.
3 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direitos humanos. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2016. p. 244.
4 RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade internacional do Estado por violação de direitos
humanos. Revista CEJ, Brasília, DF, v. 9, n. 29, p. 54, 2005. Disponível em:
https://revistacej.cjf.jus.br/cej/index.php/revcej/article/view/663/843. Acesso em: 4 dez. 2023.
5 BELTRAMELLI NETO, Silvio. Hierarquia das convenções internacionais no direito interno e o controle
de convencionalidade das normas internacionais do trabalho. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da. et al.
(coord.). Direito internacional do trabalho: aplicabilidade e eficácia dos instrumentos internacionais
de proteção ao trabalhador. São Paulo: LTr, 2018. p. 453.
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No primeiro caso, decorre da decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos
do RE 466.343, em que foi discutida a legitimidade da prisão civil do depositário
infiel em face do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos.
Tal posicionamento recebeu críticas da doutrina, a exemplo de Beltramelli
Neto6, o qual ressaltou que, no momento em que o STF firmou posicionamento no
sentido da supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos,
entendeu pela inaplicabilidade do texto constitucional explícito. Ainda, que o que
ocorreu, efetivamente, foi a sucumbência da norma constitucional a uma norma que
lhe é hierarquicamente inferior.
No segundo caso, outrossim, o status constitucional decorre do que previsto
no art. 5º, §3º, da Constituição Federal de 19887, incluído pela Emenda
Constitucional nº 45/2004, o qual estabelece que tratados e convenções
internacionais que versem sobre direitos humanos, no caso de aprovação dos seus
textos, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
A referida providência legislativa perpetrada pela EC 45/2004 e o
entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria afeta aos tratados de
direitos humanos, não se justifica “diante da clareza do comando constitucional
original acerca do mote, consubstanciado no §2º do art. 5º da CF”8.
Trindade9 complementa, dizendo que, no seio do ordenamento jurídico
brasileiro, e se referindo a tratados internacionais de direitos humanos em que o
Brasil se apresente como parte, os direitos garantidos na norma internacional passam
6 BELTRAMELLI NETO, Silvio. Hierarquia das convenções internacionais no direito interno e o controle
de convencionalidade das normas internacionais do trabalho. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da. et al.
(coord.). Direito internacional do trabalho: aplicabilidade e eficácia dos instrumentos internacionais
de proteção ao trabalhador. São Paulo: LTr, 2018. p. 454-455.
7 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília,
DF: Presidência da República, 2023. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 4 dez. 2023.
8 BELTRAMELLI NETO, Silvio. Hierarquia das convenções internacionais no direito interno e o controle
de convencionalidade das normas internacionais do trabalho. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da. et al.
(coord.). Direito internacional do trabalho: aplicabilidade e eficácia dos instrumentos internacionais
de proteção ao trabalhador. São Paulo: LTr, 2018. p. 455.
9 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto
Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1997. v. 1, p. 513.
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a compor o rol dos direitos que são constitucionalmente consagrados, os quais são
também, direta e imediatamente exigíveis no plano interno, ante a inteligência do
art. 5º, §§ 1º e 2º, da CF/198810.
Até porque a exigência de quórum tem restringido a incorporação dos
documentos internacionais ao ordenamento jurídico brasileiro com status
constitucional. Veja-se que, até o momento, apenas 04 (quatro) foram os tratados
internacionais de direitos humanos recebidos dessa forma. São eles: Convenção sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência; Protocolo adicional à Convenção da ONU
sobre o Direito das Pessoas com Deficiência; Tratado de Marraqueche e a Convenção
Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de
Intolerância11.
Sobre o assunto, Mazzuoli12 sustenta que deve ser aplicado o princípio da
supremacia do Direito Internacional e da prevalência de suas normas em relação à
toda normatividade interna, independente do eventual quórum de aprovação para a
inserção dos tratados de direitos humanos ao ordenamento jurídico interno.
Posto isso, e se o controle de convencionalidade antes mencionado consiste
no processo de compatibilização vertical das normas internas de um país com as
convenções internacionais em vigor no Estado, quando realizado pelo Sistema
Internacional de Proteção, deve ocorrer apenas após o uso dos recursos jurisdicionais
locais, ante ao princípio da complementariedade. Trindade13, inclusive, ressalta que
isso evidencia a interação entre o direito internacional e o direito interno.
10 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília,
DF: Presidência da República, 2023. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 4 dez. 2023.
11 GOES, Severino. Bolsonaro promulga Convenção Interamericana contra o racismo, da OEA. CONJUR
Consultor Jurídico. São Paulo, 11 jan. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-jan-
11/brasil-promulga-convencao-interamericana-racismo-oea. Acesso em: 4 abr. 2023.
12 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual. e ampl.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 386.
13 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A regra do esgotamento dos recursos internos revisitada:
desenvolvimentos jurisprudenciais recentes no âmbito da proteção internacional dos direitos
humanos. In: LIBER Amicorum: Héctor Fix-Zamudio. vol. I. San José, Costa Rica: Corte Interamericana
de Derechos Humanos, Unión Europea, 1998. p. 19. Disponível em: https://nidh.com.br/wp-
content/uploads/2018/06/4.-Can%C3%A7ado-trindade-n%C3%A3o-esgotamentodos-recursos-
internos.pdf. Acesso em: 15 jun. 2023.
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No que tange ao controle de convencionalidade no Direito brasileiro,
Mazzuoli14 se refere às modalidades tanto de controle concentrado, quanto difuso.
O primeiro, no caso de os tratados de direitos humanos terem sido aprovados de
acordo com as regras do art. 5º, §3º, da Constituição Federal (equivalentes às
emendas constitucionais); já para que haja o segundo, basta sejam os tratados
ratificados e estarem em vigor no ordenamento jurídico interno (art. 5º, §2º, da
Constituição), e assim, com status de norma constitucional, conforme defende o
autor.
Aliás, o controle de convencionalidade de matriz nacional, não apenas é
importante, como, também, dever do Poder Judiciário dos Estados, na esteira do
que salienta Mazzuoli,15 16 em vista da afirmação da Corte Interamericana no Caso
Cabrera García e Montiel Flores vs. México, em 2010, de que a negativa em assim
proceder acarreta a responsabilidade internacional do país.
A necessidade do referido controle é corroborada, ainda, pela doutrina, sob a
justificativa de que o DIDH integra o ordenamento jurídico brasileiro, consoante,
sobretudo, art. 5º, §2º, da CF/8817.
No tocante à convivência entre as ordens normativas justapostas na defesa
dos direitos humanos, Ramos18 se posiciona pela sua possibilidade, diante da
14 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual. e ampl.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 397.
15 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual. e ampl.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 394.
16 Silvio Beltramelli Neto segue na mesma linha, ao afirmar que a necessidade do controle de
convencionalidade pelos Estados decorre de os agentes estatais possuírem o “dever de respeitar,
proteger e promover os direitos humanos, de acordo com os padrões adotados pelos tratados, pelas
normas costumeiras e pela jurisprudência internacionais”. BELTRAMELLI NETO, Silvio. Hierarquia das
convenções internacionais no direito interno e o controle de convencionalidade das normas
internacionais do trabalho. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da. et al. (coord.). Direito internacional do
trabalho: aplicabilidade e eficácia dos instrumentos internacionais de proteção ao trabalhador. São
Paulo: LTr, 2018. p. 457.
17 BELTRAMELLI NETO, Silvio. Hierarquia das convenções internacionais no direito interno e o controle
de convencionalidade das normas internacionais do trabalho. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da. et al.
(coord.). Direito internacional do trabalho: aplicabilidade e eficácia dos instrumentos internacionais
de proteção ao trabalhador. São Paulo: LTr, 2018. p. 457.
18 RAMOS, André de Carvalho. Pluralidade das ordens jurídicas: uma nova perspectiva na relação entre
o direito internacional e o direito constitucional. Revista da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo, São Paulo, v. 106-107, p. 516, jan./dez. 2011/2012. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67955/70563. Acesso em: 7 dez. 2023.
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chamada “teoria do duplo controle”, para a qual a validade das ações dos Estados
condiciona-se “ao respeito às duas ordens jurídicas, nacional e internacional”.
O controle de convencionalidade, assim, também pode e deve ser aplicado no
âmbito das relações de trabalho. Todavia, pouco ainda é o controle realizado no
âmbito difuso a partir de normas e mecanismos internacionais, a exemplo daqueles
da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Cita pesquisa jurisprudencial
realizada no site do referido Tribunal e que demonstrou que apenas, pontualmente,
houve controle de convencionalidade nos julgamentos realizados19.
Há pertinência de maior exploração nesse campo, a partir do fomento de
interlocução entre as normas da OIT e as normas internas do país, a fim de
impulsionar “o cotejo entre as interpretações e decisões proferidas pelos órgãos de
proteção da OIT e a jurisprudência nacional”20.
Aliás, diversos documentos internacionais contêm previsões acerca de direitos
humanos e afetos às relações laborais, não somente produzidos no seio da OIT, mas
também outros, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da
Organização das Nações Unidas (ONU), do Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Nesse contexto, a partir de pedido oriundo da Comissão Pastoral da Terra e
do Centro pela Justiça e Direito Internacional, pela responsabilização do Brasil na
seara internacional quanto ao caso Fazenda Brasil Verde, houve o julgamento do
caso pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
De acordo com os peticionantes, o Brasil não estaria sendo efetivo em
processos internos quanto à apuração de denúncias de trabalho escravo na referida
fazenda e, portanto, também na punição dos responsáveis.
19 BELTRAMELLI NETO, Silvio. Hierarquia das convenções internacionais no direito interno e o controle
de convencionalidade das normas internacionais do trabalho. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da. et al.
(coord.). Direito internacional do trabalho: aplicabilidade e eficácia dos instrumentos internacionais
de proteção ao trabalhador. São Paulo: LTr, 2018. p. 459.
20 BELTRAMELLI NETO, Silvio. Hierarquia das convenções internacionais no direito interno e o controle
de convencionalidade das normas internacionais do trabalho. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da. et al.
(coord.). Direito internacional do trabalho: aplicabilidade e eficácia dos instrumentos internacionais
de proteção ao trabalhador. São Paulo: LTr, 2018. p. 460.
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PEREIRA, Ricardo J. M. de Britto; FERREIRA, Juliana B.; PIGNATI, Tallita S. de Oliveira. A prova de trabalho em
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Cezario21 destaca que, por unanimidade, a referida Corte considerou o país
responsável pela violação à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 6º),
eis que tal dispositivo veda a escravidão, a servidão e o trabalho forçado ou
obrigatório. Por conta disso e, não obstante o reconhecimento de que as políticas
públicas adotadas pelo país foram suficientes para a não repetição, o Brasil foi
condenado, pelos danos extrapatrimonais causados, a indenizar as vítimas e a reabrir
os processos criminais para apuração dos envolvidos.
A análise do caso em âmbito internacional foi de extrema relevância, a
exemplo do que pode acontecer em outros casos e temas referentes a violações a
direitos humanos, inclusive na área trabalhista. Veja-se que se tratou do primeiro
contencioso no qual a Corte Interamericana se debruçou acerca do art. 6º violado,
bem como sobre a proibição da escravidão e da servidão22.
Com o julgamento, a Corte Interamericana de Direitos Humanos revisou a
matéria à luz do Direito Internacional, de forma ampla; destacou ser irrelevante a
existência de um título que denote propriedade sobre o escravo, nos dias atuais;
ressaltou ter o conceito de escravidão evoluído, sendo que, para sua caracterização,
são fundamentais, tanto o estado ou condição do indivíduo, quanto o exercício de
algum dos atributos tidos pelo direito de propriedade, exercendo o escravizador
algum controle sobre o escravizado e anulando sua personalidade23.
Ressalta-se que, ao julgar o caso, a Corte também dialogou “com a
jurisprudência dos tribunais domésticos posterior à alteração do dispositivo” afeto
21 CEZARIO, Priscila Freire da Silva. Controle internacional de convencionalidade no caso "Fazenda
Brasil Verde": enaltecer o conceito de trabalho escravo contemporâneo como forma de combater o
racismo estrutural. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 86, n. 3, p. 135-136,
jul./set. 2020. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12178/181115. Acesso em: 2 abr. 2023.
22 CEZARIO, Priscila Freire da Silva. Controle internacional de convencionalidade no caso "Fazenda
Brasil Verde": enaltecer o conceito de trabalho escravo contemporâneo como forma de combater o
racismo estrutural. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 86, n. 3, p. 140-141,
jul./set. 2020. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12178/181115. Acesso em: 2 abr. 2023.
23 CEZARIO, Priscila Freire da Silva. Controle internacional de convencionalidade no caso "Fazenda
Brasil Verde": enaltecer o conceito de trabalho escravo contemporâneo como forma de combater o
racismo estrutural. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 86, n. 3, p. 141-142,
jul./set. 2020. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12178/181115. Acesso em: 2 abr. 2023.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
PEREIRA, Ricardo J. M. de Britto; FERREIRA, Juliana B.; PIGNATI, Tallita S. de Oliveira. A prova de trabalho em
condições análogas à de escravo e o local da prestação de serviços. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v.6, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.162.
ao art. 149 do Código Penal brasileiro. Ainda, “enalteceu o alinhamento de seu
pronunciamento com a jurisprudência do STF”24.
Exemplificada a importância do controle de convencionalidade, a partir do
caso Fazenda Brasil Verde, impende a mudança de mentalidade para que as normas
jurídicas internas sejam apreciadas com mais frequência pela ordem internacional
e, também, para que as normas internacionais sejam utilizadas como instrumentos
a serem observados, com vistas à concretização do princípio da dignidade da pessoa
humana.
Faz-se pertinente o uso em maior escala do controle difuso de
convencionalidade, seja pelas autoridades judiciárias, seja por outros atores, como
o próprio Ministério Público e as entidades sindicais. Dessa forma, e compreendendo-
se que o Direito brasileiro e o DIDH são interativos e mutuamente influentes, poder-
se-á potencializar a concretização da dignidade da pessoa humana25.
Na verdade, somente há prejuízos para a efetivação dos direitos humanos
quando consideradas duas ordens jurídicas distintas e estanques. Beltramelli Neto26
sustenta, inclusive, não haver dúvidas de que os Estados estão submetidos ao direito
internacional no que tange às prescrições sobre direitos humanos. Veja-se:
Paradoxalmente, à vista das normas em vigor, não há qualquer dúvida de
que os Estados submetidos às instancias internacionais protetoras dos
direitos humanos estão obrigados, em absolutamente todas as instâncias
(administrativas, legislativas e judiciárias), a respeitar (não intervir),
proteger (legislar e criar aparato que coíba as violações) e promover (adotar
políticas que fomentem o gozo efetivo) as normas de Direito Internacional
dos Direitos Humanos que lhes sejam aplicáveis. Tal obrigação jurídica,
embora decorra logicamente do princípio da boa-fé que rege a celebração e
24 CEZARIO, Priscila Freire da Silva. Controle internacional de convencionalidade no caso "Fazenda
Brasil Verde": enaltecer o conceito de trabalho escravo contemporâneo como forma de combater o
racismo estrutural. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 86, n. 3, p. 143, jul./set.
2020. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12178/181115. Acesso em: 2 abr. 2023.
25 BELTRAMELLI NETO, Silvio. Hierarquia das convenções internacionais no direito interno e o controle
de convencionalidade das normas internacionais do trabalho. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da. et al.
(coord.). Direito internacional do trabalho: aplicabilidade e eficácia dos instrumentos internacionais
de proteção ao trabalhador. São Paulo: LTr, 2018. p. 42.
26 BELTRAMELLI NETO, Silvio. Hierarquia das convenções internacionais no direito interno e o controle
de convencionalidade das normas internacionais do trabalho. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da. et al.
(coord.). Direito internacional do trabalho: aplicabilidade e eficácia dos instrumentos internacionais
de proteção ao trabalhador. São Paulo: LTr, 2018. p. 462.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
PEREIRA, Ricardo J. M. de Britto; FERREIRA, Juliana B.; PIGNATI, Tallita S. de Oliveira. A prova de trabalho em
condições análogas à de escravo e o local da prestação de serviços. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v.6, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.162.
a interpretação dos tratados internacionais (art. 31.1 da Convenção de
Viena), é corriqueiramente enunciada nos pactos.
Portanto, após a Constituição Federal de 1988, especialmente com a EC
45/2004 e a decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 466.343, não há qualquer
dúvida acerca da obrigatoriedade pelo Brasil de cumprimento das normas
internacionais sobre direitos humanos.
Nesse sentido, segue Mazzuoli27 ao afirmar que justificativas antes utilizadas
para descumprir as normas convencionais assumidas pelo Brasil, hoje são
absolutamente ineficazes à luz do Direito Internacional Público, em especial, do
DIDH.
Por esse motivo, importante colocar em prática o debate a partir de padrões
de entendimento e argumentação acerca dos direitos humanos, calcados em
doutrina e jurisprudência desenvolvidas única e exclusivamente sob a teleologia da
preservação da dignidade da pessoa humana”, tanto no seio doméstico, quanto
internacional28. Para tanto, elogiosa é a aplicável do chamado diálogo das Cortes.
Sobre o assunto, Mac-Gregor29 menciona como exemplo o diálogo entre a
Corte Interamericana e as Cortes domésticas, ao dizer que o diálogo judicial não se
limita ao uso da jurisprudência da citada Corte internacional pelos juízes nacionais
ao decidirem casos submetidos a eles. Isso porque, a própria Corte Interamericana
reconhece, por meio de suas próprias ações judiciais, o valor dos critérios
27 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual. e ampl.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 399.
28 BELTRAMELLI NETO, Silvio. Hierarquia das convenções internacionais no direito interno e o controle
de convencionalidade das normas internacionais do trabalho. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da. et al.
(coord.). Direito internacional do trabalho: aplicabilidade e eficácia dos instrumentos internacionais
de proteção ao trabalhador. São Paulo: LTr, 2018. p. 463.
29 MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. Control de convencionalidad y buenas prácticas: sobre el diálogo
judicial entre la Corte Interamericana de Derechos Humanos y los tribunales nacionales. In: VON
BOGDANDY, Armin; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer; ANTONIAZZI, Mariela Morales; ALESSANDRI, Pablo
Saavedra (coord.). Cumplimiento e impacto de las sentencias de la Corte Interamericana y el
Tribunal Europeo de Derechos Humanos: transformando realidades. Querétaro, México: Instituto
Max Planck de Derecho Público Comparado y Derecho Internacional Público, 2019. p. 634. Disponível
em: https://archivos.juridicas.unam.mx/www/bjv/libros/13/6273/25a.pdf. Acesso em: 20 jun.
2023.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
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PEREIRA, Ricardo J. M. de Britto; FERREIRA, Juliana B.; PIGNATI, Tallita S. de Oliveira. A prova de trabalho em
condições análogas à de escravo e o local da prestação de serviços. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v.6, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.162.
estabelecidos pelos tribunais nacionais ao concederem um nível mais elevado de
proteção aos direitos humanos.
Esse, portanto, o sentido da integração, a fim de que o sistema nacional e
aqueles atrelados à esfera internacional possam coexistir e fomentar a concretização
dos direitos humanos.
Tal integração poderá ser aplicada pelo Supremo Tribunal Federal no
julgamento do Recurso Extraordinário n.º 1.323.708 / PA, conforme será aferido no
tópico seguinte.
2. O julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.323.708/PA e a concretização
do controle de convencionalidade no Brasil. O leading case
Em 2006, o Ministério Público Federal (MPF) do Estado do Pará ofereceu
denúncia (autuada sob o 2007.39.01.000549-0) contra três pessoas acusadas de
submeter cinquenta e dois trabalhadores em situação análoga à de escravo nas
Fazendas Marcos, I, II e III, localizadas no município de Abel Figueiredo/PA.
A denúncia foi realizada após a conclusão do procedimento administrativo
instaurado para apuração dos fatos relatados pela Comissão Pastoral da Terra, de
Belém/PA, que noticiou ao Ministério Público que homens, mulheres e crianças
estariam sendo submetidos a condições de trabalho análogas à de escravo no
desempenho de suas atividades laborativas, que consistiam na roçagem de juquira.
As situações relatadas na denúncia pelo Ministério Público consistiam na(o):
(a) ausência de pagamento de salários e anotação de CTPS; (b) submissão a jornada
de trabalho exaustiva sob forte exposição ao sol; (c) trabalho nos feriados e finais de
semana; (d) ausência de fornecimento de água potável; (e) hospedagem dos
empregados em alojamentos coletivas sem qualquer estrutura mínima; (f)
fornecimento de alimentos estragados; (g) ausência de instalação sanitária; (h)
imposição de aquisição de alimentos e produtos de higiene com preços
superfaturados; (i) ausência de refeitórios para alimentação; (j) cobrança pelo
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PEREIRA, Ricardo J. M. de Britto; FERREIRA, Juliana B.; PIGNATI, Tallita S. de Oliveira. A prova de trabalho em
condições análogas à de escravo e o local da prestação de serviços. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v.6, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.162.
fornecimento de EPI; (l) exploração de trabalho infantil; (m) restrição de
locomoção30.
A denúncia foi recebida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Marabá e, em maio
de 2011, foi proferida a sentença para condenar apenas 01 (um) réu ao crime previsto
no artigo 149 do CP com relação a 43 trabalhadores. Os demais réus foram
absolvidos31.
Tanto o Ministério Público quanto o réu condenado, interpuseram recurso de
apelação ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região. O Parquet, com o objetivo de
majorar a pena aplicada na sentença, e o réu, por sua vez, com vistas à absolvição.
O referido Tribunal reformou a sentença para julgar improcedente a denúncia
promovida pelo MPF e, por consequência, absolver o réu da prática do delito previsto
no artigo 149 do CP, sob o fundamento, em síntese, de que não havia nos autos prova
efetiva do rebaixamento da condição humana do trabalhador, através da presença
de graves constrangimentos pessoais e econômicos inaceitáveis, sobretudo, porque
o trabalho rural, por si só, já pressuporia um desconforto típico em sua execução 32.
O MPF, inconformado com a decisão, interpôs recurso especial e recurso
extraordinário (RE 1.323.708 RG/PA) objetivando a reforma do acórdão regional.
30 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 1.323.708/PA. Item 2 (Denúncia).
Direito Penal. Redução a condição análoga à de escravo. Artigo 149 do Código Penal. Tipicidade.
Recorrente: Ministério Público Federal. Recorrido: Marcos Nogueira Dias e outros. Relator: Min. Edson
Fachin, 18 de abril de 2023. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoElet
ronico.jsf?seqobjetoincidente=6163329. Acesso em: 3 mai. 2023.
31 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 1.323.708/PA. Item 20 (Sentença).
Direito Penal. Redução a condição análoga à de escravo. Artigo 149 do Código Penal. Tipicidade.
Recorrente: Ministério Público Federal. Recorrido: Marcos Nogueira Dias e outros. Relator: Min. Edson
Fachin, 18 de abril de 2023. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoElet
ronico.jsf?seqobjetoincidente=6163329. Acesso em: 3 mai. 2023.
32 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 1.323.708/PA. Item 30 (Acórdão de
segundo grau). Direito Penal. Redução a condição análoga à de escravo. Artigo 149 do Código Penal.
Tipicidade. Recorrente: Ministério Público Federal. Recorrido: Marcos Nogueira Dias. Relator: Min.
Edson Fachin, 18 de abril de 2023. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoElet
ronico.jsf?seqobjetoincidente=6163329. Acesso em: 3 mai. 2023.
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PEREIRA, Ricardo J. M. de Britto; FERREIRA, Juliana B.; PIGNATI, Tallita S. de Oliveira. A prova de trabalho em
condições análogas à de escravo e o local da prestação de serviços. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v.6, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.162.
O recurso especial, embora admitido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª
Região, não foi conhecido pelo Superior Tribunal de Justiça revolvimento de fatos
e provas -, com fundamento no art. 255, § 4º, I, do Regimento Interno do STJ33.
Em 07/08/2021, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, reconheceu a
existência de repercussão geral da matéria sustentada (Tema 1158), no recurso
extraordinário interposto pelo Ministério Público Federal.
A repercussão geral da matéria foi reconhecida sob o argumento de que
compete à Suprema Corte estabelecer os requisitos necessários para a caracterização
do delito previsto no artigo 149 do CP, à luz das normas da dignidade da pessoa
humana e dos valores sociais do trabalho34.
A decisão, da relatoria do Ministro Luiz Fux, sinaliza também uma preocupação
da Suprema Corte com o cumprimento pelo Brasil de normas e pactos internacionais,
tais como a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), conforme trecho
a seguir:
A necessidade de redução dessa estatística se impõe também quando
observado o cenário mundial, na medida em que busca conferir efetividade
aos objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030, com a qual o
Supremo Tribunal Federal se alinha em esforço contínuo para a defesa da
vida, da dignidade, da justiça e da sustentabilidade. É o que ocorre no
presente caso, no qual se evidenciam questões voltadas à proteção ao
trabalho decente (ODS 8), à redução das desigualdades (ODS 10) e à
promoção da paz, da justiça e de instituições eficazes (ODS 16)35.
33 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 1.323.708/PA. Item 46 (Decisão
monocrática). Direito Penal. Redução a condição análoga à de escravo. Artigo 149 do Código Penal.
Tipicidade. Recorrente: Ministério Público Federal. Recorrido: Marcos Nogueira Dias. Relator: Min.
Edson Fachin, 18 de abril de 2023. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoElet
ronico.jsf?seqobjetoincidente=6163329. Acesso em: 3 mai. 2023.
34 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 1.323.708/PA. Item 63 (Inteiro teor).
Direito Penal. Redução a condição análoga à de escravo. Artigo 149 do Código Penal. Tipicidade.
Recorrente: Ministério Público Federal. Recorrido: Marcos Nogueira Dias. Relator: Min. Edson Fachin,
18 de abril de 2023. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoElet
ronico.jsf?seqobjetoincidente=6163329. Acesso em: 3 mai. 2023.
35 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 1.323.708/PA. Item 63 (Inteiro teor).
Direito Penal. Redução a condição análoga à de escravo. Artigo 149 do Código Penal. Tipicidade.
Recorrente: Ministério Público Federal. Recorrido: Marcos Nogueira Dias. Relator: Min. Edson Fachin,
18 de abril de 2023. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoElet
ronico.jsf?seqobjetoincidente=6163329. Acesso em: 3 mai. 2023.
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PEREIRA, Ricardo J. M. de Britto; FERREIRA, Juliana B.; PIGNATI, Tallita S. de Oliveira. A prova de trabalho em
condições análogas à de escravo e o local da prestação de serviços. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v.6, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.162.
A Agenda 2030 da ONU, para o Desenvolvimento Sustentável, em verdade,
nada mais é do que um conjunto de programas, ações e diretrizes que servirão de
norte para os trabalhos das Nações Unidas e de seus países membros rumo ao
desenvolvimento sustentável.
Com efeito, o objetivo 8 do desenvolvimento sustentável (ODS 8), citado pelo
Ministro Luiz Fux na decisão acima, é justamente sobre "promover o crescimento
econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho
decente para todas e todos"36, sendo este um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável estabelecidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2015.
Nota-se, ainda, que nos subitens 8.7 e 8.8 constam a necessidade de o Brasil,
até o ano de 2030, adotar medidas efetivas contra o trabalho degradante e análogo
ao de escravo, bem como proteger os direitos dos trabalhadores, promovendo
ambientes de trabalho seguro, inclusive aos migrantes e, em especial às mulheres e
pessoas em empregos precários37.
Ou seja, a expectativa gerada após a publicação dos fundamentos para o
reconhecimento da repercussão geral da matéria no RE 1.323.708/PA é que o
Supremo Tribunal Federal defina os elementos necessários para a configuração do
delito de redução à condição análoga à de escravo, diante da realidade local, bem
como sinalize quais são as provas essenciais para a tipificação deste crime previsto
no artigo 149 do Código Penal.
As razões adotadas para o reconhecimento da repercussão geral da matéria
também geram indicativos de que o Supremo Tribunal Federal poderá exercer o
controle de convencionalidade no julgamento do RE 1.323.708/PA, fundamentando
a decisão com normas internas e normas atreladas ao Direito Internacional.
36 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 1.323.708/PA. Item 63 (Inteiro teor).
Direito Penal. Redução a condição análoga à de escravo. Artigo 149 do Código Penal. Tipicidade.
Recorrente: Ministério Público Federal. Recorrido: Marcos Nogueira Dias. Relator: Min. Edson Fachin,
18 de abril de 2023. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoElet
ronico.jsf?seqobjetoincidente=6163329. Acesso em: 3 mai. 2023.
37 NAÇÕES UNIDAS. Objetivo de desenvolvimento sustentável 8: trabalho decente e crescimento
econômico. Brasília, DF, [2015]. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/8. Acesso em: 3
mai. 2023.
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condições análogas à de escravo e o local da prestação de serviços. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v.6, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.162.
Isto porque, muito embora a Constituição de 1988 não conceitue
expressamente e, tampouco, defina as características do trabalho escravo, o artigo
1º, III, da CF/88 consagra a dignidade da pessoa humana como seu fundamento
basilar; prevê no art. 5º, III, que ninguém será submetido a tortura, nem a
tratamento desumano e degradante; assegura no art. , tanto aos trabalhos
urbanos, quanto aos rurais, a redução de riscos inerentes ao trabalho, com a
implementação de normas de saúde, higiene e segurança; e determina, no art. 243,
a expropriação de terras em propriedade em que localizadas práticas de trabalho
escravo (art. 243, CF)38.
Não por outra razão, é que a Constituição traz uma vasta quantidade de
direitos fundamentais que estão diretamente relacionados ao princípio da dignidade
da pessoa humana39.
Pois bem, ao se partir do pressuposto de que o artigo 14940 do Código Penal
consagra tanto o trabalho forçado, quanto o trabalho degradante, chega-se à
conclusão de que o trabalho forçado viola a liberdade e a dignidade; já o trabalho
degradante viola a dignidade da pessoa humana, especialmente quando um
trabalhador é posto em condições análogas à de escravo ou em situação degradante,
quando ocorre violação a um conjunto de normas constitucionais e que tem por
objetivo a proteção dos direitos fundamentais.
Contudo, a utilização pura e simples dos princípios constitucionais acima, o
parece ser suficiente para conceituar o trabalho escravo e/ou degradante com base
38 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília,
DF: Presidência da República, 2023. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 4 dez. 2023.
39 SILVA, Marcello Ribeiro. Trabalho análogo ao de escravo rural no Brasil do século XXI: novos
contornos de um antigo problema. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito Agrário) Universidade
Federal de Goiás, Goiânia, 2010. Disponível em: https://www.mpf.mp.br/atuacao-
tematica/ccr2/coordenacao/comissoes-e-grupos-de-trabalho/escravidao-contemporanea-migrado-
1/notas-tecnicas-planos-e-oficinas/DissertacaoTrabalhoAnalogoaodeescravo.pdf/view. Acesso em:
17 mai. 2023.
40Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados
ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo,
por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF: Presidência da
República, 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 4 dez. 2023.
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no local da prestação dos serviços, bem como delimitar o conjunto fático probatório
necessário, sem que seja realizado o controle de convencionalidade difuso para a
resolução do caso. Isso, sobretudo porque os tratados internacionais de direitos
humanos possuem papel fundamental no ordenamento jurídico brasileiro. Veja-se
que o artigo 5º, §2º e §3º da Constituição Federal de 198841 estabelece que os direitos
e garantias fundamentais não excluem os decorrentes dos tratados internacionais
ratificados pelo Brasil.
A deliberação do STF pode ser influenciada, também, pela decisão do
Congresso Nacional em caso de ratificação do Protocolo Facultativo à Convenção nº
29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o Trabalho Forçado ou
Obrigatório, adotado em Genebra, em 2014. Isso porque, em 1º de maio de 2023 foi
encaminhada pelo Presidente da República ao Poder Legislativo, a Mensagem nº 173,
propondo a citada ratificação, com o intuito de “[...] avançar em normas
programáticas voltadas para a prevenção, a reparação, a reintegração e a proteção
de trabalhadores submetidos ao trabalho forçado ou obrigatório42.
Segundo o que consta da Mensagem nº 173, a ratificação do Protocolo
consolidará a posição de destaque do Brasil no combate ao trabalho forçado,
incentivando os demais Estados-membros da OIT a redobrarem seus esforços na busca
pela supressão efetiva e sustentada dessa prática. Além disso, reforçará o
compromisso do país em cumprir a meta 8.7 dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS)43.
A presença do Brasil dentre os 187 Estados-membros da Organização
Internacional do Trabalho, entre os dias 5 e 16 de junho de 2023, na 111ª sessão da
Conferência Internacional do Trabalho (CIT), em Genebra, na Suíça, também poderá
41 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília,
DF: Presidência da República, 2023. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 4 dez. 2023.
42 CÂMARA DOS DEPUTADOS (Brasil). Mensagem nº 173. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 1º maio
2023. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2267901&filename=Tra
mitacao-MSC%20173/2023. Acesso em: 16 jun. 2023.
43 CÂMARA DOS DEPUTADOS (Brasil). Mensagem nº 173. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 1º maio
2023. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2267901&filename=Tra
mitacao-MSC%20173/2023. Acesso em: 16 jun. 2023.
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Humano, Campinas, v.6, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.162.
exercer influência na decisão do STF. Veja-se que, na ocasião, foi dada visibilidade
ao país com a cooperação para o desenvolvimento e sua parceria com a OIT na luta
contra vários assuntos afetos ao trabalho, inclusive, acerca da eliminação do
trabalho forçado44.
No mencionado evento, aliás, foram abordadas questões com impacto de longo
prazo no mundo do trabalho, a exemplo de discussão sobre o objetivo estratégico
da proteção social (proteção do trabalho) e de proposta de Convenção e
Recomendação relativas à revisão parcial de 15 instrumentos internacionais do trabalho
na sequência da inclusão de um ambiente de trabalho seguro e saudável no quadro da
OIT dos princípios e direitos fundamentais no trabalho45.
O Brasil e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) firmaram o novo
Programa de Cooperação Sul-Sul 2023-2027 Justiça Social para o Sul Global, com o
intuito de apoiar na promoção do trabalho decente e da justiça social na América
Latina, África e Ásia-Pacífico46.
À vista, portanto, não apenas das normas já existentes no ordenamento
jurídico interno e das normas internacionais já ratificadas pelo Brasil e que visam o
alcance dos direitos humanos, mas ainda, dos compromissos externos assumidos, é
possível afirmar que a definição esperada do Supremo Tribunal Federal na
realização do julgamento do RE 1.323.708/PAacerca da caracterização da redução
à condição análoga à de escravo, diante da realidade local e do conjunto fático
probatório (necessário para a tipificação do crime), deve ser feita com base nos
princípios fundamentais previstos na Constituição Federal e nos Tratados
Internacionais ratificados pelo Brasil e que vierem nele a ingressar.
44 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Cooperação Sul-Sul: Genebra sedia 10ª Reunião
Anual OIT/Brasil. Brasília, DF, 14 jun. 2023. Disponível em:
https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_885204/lang--pt/index.htm. Acesso em: 17 jun. 2023.
45 CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DO TRABALHO, 111., 2023, Genebra. Proposta de convenção e
recomendação relativas à revisão parcial de 15 instrumentos internacionais do trabalho na
sequência da inclusão de um ambiente de trabalho seguro e saudável no quadro da OIT dos
princípios e direitos fundamentais do trabalho: oitavo ponto na ordem de trabalhos. Genebra: OIT,
2023. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-
lisbon/documents/publication/wcms_883571.pdf. Acesso em: 17 jun. 2023.
46 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Brasil e OIT assinam novo programa de parceria
Sul-Sul para promover a justiça social no Sul global. Brasília, DF, 16 jun. 2023. Disponível em:
https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_885509/lang--pt/index.htm. Acesso em: 17 jun. 2023.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
PEREIRA, Ricardo J. M. de Britto; FERREIRA, Juliana B.; PIGNATI, Tallita S. de Oliveira. A prova de trabalho em
condições análogas à de escravo e o local da prestação de serviços. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v.6, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.162.
A propósito, em 2015, o Ministro Teori Zavascki em seu voto na ADI nº 5240,
com relatoria do Ministro Luiz Fux, destacou a importância do controle de
convencionalidade difuso:
Mesmo que seja considerada, como reza a jurisprudência do Supremo, uma
norma de hierarquia supralegal (e não constitucional), penso que o controle
- que se poderia encartar no sistema de controle da convencionalidade -
deve ser exercido para aferir a compatibilidade da relação entre uma norma
supralegal e uma norma legal47.
A decisão vai ao encontro da situação normativa brasileira, eis que o país é
signatário da Convenção sobre Escravatura desde 1956, da Convenção Americana de
Direitos Humanos desde 1992, bem como da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948.
Outrossim, não se desconhece que a norma prevista no artigo 149 do Código
Penal, existente a partir de 2003, é mais protetora à pessoa humana do que aquela
prevista em âmbito internacional. Inclusive, o próprio Supremo Tribunal Federal
reconheceu este conceito mais protetor do artigo 149 do Código Penal perante a
Corte Interamericana no caso Fazenda Brasil Verde48, como explanado no capítulo
anterior.
A decisão internacional no caso da Fazenda Brasil Verde retrata a deferência
da Corte Interamericana ao diálogo das Cortes tanto sob a perspectiva horizontal,
quanto no plano vertical. A Corte apreciou a extensão do artigo 6º da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos à luz da proibição da escravidão e servidão.
O ponto comum entre o caso da Fazenda Brasil Verde e o RE 1.323.708/PA,
refere-se ao fato de que, no primeiro, os trabalhadores também eram rurais, além
de haver critérios relativos ao Tribunal Penal Ad Hoc para a antiga Iugoslávia, no
47 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.240/SP. Relator: Min.
Luiz Fux, 20 ago. 2015. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10167333. Acesso em: 2 jun.
2023.
48 CEZARIO, Priscila Freire da Silva. Controle internacional de convencionalidade no caso "Fazenda
Brasil Verde": enaltecer o conceito de trabalho escravo contemporâneo como forma de combater o
racismo estrutural. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 86, n. 3, p. 141-142,
jul./set. 2020. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12178/181115. Acesso em: 2 abr. 2023.
21
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
PEREIRA, Ricardo J. M. de Britto; FERREIRA, Juliana B.; PIGNATI, Tallita S. de Oliveira. A prova de trabalho em
condições análogas à de escravo e o local da prestação de serviços. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v.6, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.162.
tocante a distinção entre escravidão ou servidão, tendo a Corte Interamericana
destacado ser irrelevante o título de propriedade de um escravo49.
Segundo Cezario50, a Corte Interamericana expressou reconhecimento pelo
avanço do conceito de escravidão, indo além da mera propriedade sobre uma pessoa,
ao declarar que considera essenciais para sua caracterização: i) o estado ou condição
de um indivíduo; e ii) o exercício de um ou mais atributos do direito de propriedade,
ou seja, o escravizador deve exercer poder ou controle sobre a pessoa escravizada a
ponto de anular sua personalidade. A Corte Interamericana considerou, ainda, que a
escravidão representa uma restrição da personalidade jurídica do ser humano.
Assim, no julgamento do RE 1.323.708 (Fazendas Marcos), o Supremo Tribunal
Federal pode realizar uma analogia aos critérios de condição de trabalho escravo
já definidos pela Corte Interamericana no julgamento da Fazenda Brasil Verde.
Outro caso atinente ao Brasil e, também, examinado pela Corte
Interamericana, foi o julgamento envolvendo a Fábrica de Fogos de Santo Antônio de
Jesus e seus Familiares vs. Brasil51. No caso ocorrido no ano de 1998, uma explosão
na fábrica de fogos de artifício localizada em Santo Antônio de Jesus atingiu sessenta
pessoas, dentre elas mulheres e crianças, as quais estavam submetidas à situação
degradante, excluídas do trabalho formal e de direitos trabalhistas e de cidadania.
A Corte Interamericana, muito embora não tenha se posicionado sobre a
escravidão, reconheceu a existência de trabalho marcado “por uma intensa
precarização, subordinação e exclusão do trabalho formal, dos direitos trabalhistas
e da cidadania”52, demonstrando a relevância acerca da progressividade na
interpretação de normas voltadas à proteção de direitos humanos.
49 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs.
Brasil. San José, Costa Rica, 20 out. 2016. p. 68. Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_318_por.pdf. Acesso em: 2 jun. 2023.
50 CEZARIO, Priscila Freire da Silva. Controle internacional de convencionalidade no caso "Fazenda
Brasil Verde": enaltecer o conceito de trabalho escravo contemporâneo como forma de combater o
racismo estrutural. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 86, n. 3, p. 141, jul./set.
2020. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12178/181115. Acesso em: 2 abr. 2023.
51 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso empregados da fábrica de fogos de Santo
Antônio de Jesus e seus familiares vs. Brasil. San José, Costa Rica, 15 jul. 2020. Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_407_por.pdf. Acesso em: 22 abr. 2023.
52 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso empregados da fábrica de fogos de Santo
Antônio de Jesus e seus familiares vs. Brasil. San José, Costa Rica, 15 jul. 2020. p. 21. Disponível
em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_407_por.pdf. Acesso em: 22 abr. 2023.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
PEREIRA, Ricardo J. M. de Britto; FERREIRA, Juliana B.; PIGNATI, Tallita S. de Oliveira. A prova de trabalho em
condições análogas à de escravo e o local da prestação de serviços. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v.6, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.162.
Nota-se que, assim como no caso tratado no RE 1.323.708/PA antes
mencionado, a Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus também envolve
trabalhador rural com a realidade local de muita pobreza, falta de acesso à
educação, longas jornadas e trabalhadores expostos a grandes riscos.
Na ocasião do julgamento da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus, a
Corte internacional ressaltou, também, a obrigação do Brasil em fiscalizar a
promoção de trabalho em local adequado com segurança, higiene e saúde,
especialmente quando se trata de atividades que possam trazer riscos significativos
para a vida e a integridade das pessoas, assegurando assim, condições equitativas e
satisfatórias ao trabalhador53. A Corte internacional fez, inclusive, um comparativo
do caso (Fábrica de Fogos) com as situações fáticas constadas nos trabalhadores do
caso Fazenda Brasil Verde, concluindo pela existência, em ambos os casos, de
violação dos direitos humanos diante das situações de exclusão e pobreza extrema
das vítimas:
A Corte Interamericana já se pronunciou sobre a pobreza e a proibição de
discriminação por posição econômica. Nesse sentido, reconheceu em várias
de suas decisões que as violações de direitos humanos foram acompanhadas
de situações de exclusão e marginalização pela situação de pobreza das
vítimas, e identificou a pobreza como fator de vulnerabilidade que
aprofunda o impacto da vitimização. Recentemente, no Caso Trabalhadores
da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil, concluiu que “o Estado não considerou a
vulnerabilidade dos 85 trabalhadores resgatados em 15 de março de 2000,
em virtude da discriminação com base na posição econômica a que estavam
submetidos” e considerou o Estado responsável pela situação de
discriminação estrutural histórica em razão da posição econômica das
vítimas. Além disso, no Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs.
Brasil, a Corte salientou que, em um caso de discriminação estrutural, deve-
se considerar em que medida a vitimização do caso concreto evidencia a
vulnerabilidade das pessoas que pertencem a um grupo54.
Portanto, a perspectiva comum entre os casos das Fazendas Marcos (RE
1.323.708), Fazenda Brasil Verde e a Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus
53 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso empregados da fábrica de fogos de Santo
Antônio de Jesus e seus familiares vs. Brasil. San José, Costa Rica, 15 jul. 2020. p. 54. Disponível
em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_407_por.pdf. Acesso em: 22 abr. 2023.
54 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso empregados da fábrica de fogos de Santo
Antônio de Jesus e seus familiares vs. Brasil. San José, Costa Rica, 15 jul. 2020. p. 54. Disponível
em: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_407_por.pdf. Acesso em: 22 abr. 2023.
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PEREIRA, Ricardo J. M. de Britto; FERREIRA, Juliana B.; PIGNATI, Tallita S. de Oliveira. A prova de trabalho em
condições análogas à de escravo e o local da prestação de serviços. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v.6, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.162.
está, justamente, no fato de o Brasil ter a obrigação de garantir condições de
trabalho equitativas e satisfatórias, tanto aos trabalhadores urbanos, quanto aos
rurais. Nos três casos se verifica a existência de trabalhadores em condições
precárias, vulneráveis, sem qualquer segurança e marginalizados pela extrema
pobreza em que se encontravam.
Esses aspectos merecem ser levados em consideração pelo Supremo Tribunal
Federal no julgamento das Fazendas Marcos, para fins de caracterização do trabalho
escravo e/ou condições degradantes, independentemente da localização da
prestação dos serviços ser urbana ou rural, eis que o STF desempenha um importante
papel para o desenvolvimento do controle de convencionalidade, devendo este ser
realizado conforme as diretrizes estabelecidas pela comunidade internacional.
Tal dever se justifica, também, pelo fato de o Brasil ainda padecer das
cicatrizes deixadas pelo período colonial, mesmo após decorridos mais de 130 anos
da libertação da escravatura. A prova disso, é que até julho de 2020, mais de 55 mil
pessoas haviam sido resgatadas trabalhando em condições análogas à escravidão55,
o que ratifica a pertinência da preocupação externada na decisão proferida pelo
Ministro Luiz Fux com o cumprimento da Agenda 2030 da ONU.
Com as reflexões acima, espera-se que no julgamento do RE 1.323.708/PA, o
Supremo Tribunal Federal realize, de fato, a efetiva integração das normas nacionais
e internacionais em sede de controle de convencionalidade, de modo a fomentar a
concretização dos direitos humanos.
Além disso, com alargamento do conceito de trabalho escravo, se colaborará
para o aumento da proteção ao indivíduo e o cumprimento pelo Brasil do
compromisso internacional firmado, que consiste em não apenas respeitar as regras
jurídicas internacionais, mas também de proteger direitos universais inerentes a
todas as pessoas, independentemente de sua nacionalidade, raça, gênero, religião
ou qualquer outra característica e, sobretudo, no local em que elas se encontram.
55 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. O trabalho forçado no Brasil. Brasília, DF. Disponível
em: https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-escravo/WCMS_393066/lang--pt/index.htm.
Acesso em: 22 abr. 2023.
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PEREIRA, Ricardo J. M. de Britto; FERREIRA, Juliana B.; PIGNATI, Tallita S. de Oliveira. A prova de trabalho em
condições análogas à de escravo e o local da prestação de serviços. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v.6, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.162.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo demonstrou que no Brasil a incorporação dos tratados
internacionais de direitos humanos ao ordenamento jurídico interno se faz mediante
o cumprimento de 04 (quatro) etapas. Ultrapassadas, as normas ingressam no
ordenamento jurídico brasileiro com status supralegal ou com status constitucional.
A doutrina não se apresenta pacífica quanto ao ingresso de tais normas no
plano doméstico em hierarquia inferior à constitucional, mesmo considerando-se o
posicionamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de ser possível a
supralegalidade, bem como da redação do próprio art. 5º, §3º, da Constituição
Federal de 1988, incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004.
Entre alguns dos fundamentos, está a supremacia do Direito Internacional e a
prevalência de suas normas quanto ao plano interno dos Estados e, portanto, da
relevância da realização do controle de convencionalidade, traduzido como o
processo de compatibilização vertical das normas internacionais com aquelas
internas dos Estados.
No âmbito laboral, da mesma forma, o controle de convencionalidade possui
especial importância, com vistas à preservão do princípio da dignidade da pessoa
humana, o que se poderá aferir caso aplicado o referido controle pelo Supremo
Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.323.708/PA, em que
se discute a condição de trabalho análogo à de escravo de cinquenta e dois
trabalhadores em labor nas Fazendas Marcos, I, II e III, localizadas no município de
Abel Figueiredo/PA.
Na ocasião, a Suprema Corte poderá estabelecer os elementos necessários
para configuração do crime de redução à condição análoga à escravidão, diante da
realidade local, além de indicar quais são as provas essenciais para a tipificação do
crime previsto no artigo 149 do Código Penal, mesmo diante da ausência de norma
específica no ordenamento jurídico nacional a respeito da questão. Isso porque, os
tratados internacionais sobre direitos humanos e sua interpretação pelas cortes
internacionais oferecem elementos para a solução da controvérsia.
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PEREIRA, Ricardo J. M. de Britto; FERREIRA, Juliana B.; PIGNATI, Tallita S. de Oliveira. A prova de trabalho em
condições análogas à de escravo e o local da prestação de serviços. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v.6, p. 1-28, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.162.
Considerando-se a gravidade da matéria, a expectativa é a de que haja
progresso na interpretação de normas voltadas à proteção de direitos humanos e dos
valores sociais do trabalho, além da necessidade de cumprimento da Agenda 2030 da
ONU. Reputa-se relevante a concretização do controle de convencionalidade no
julgamento do citado Recurso, com vistas a um desenvolvimento econômico
duradouro do país, equitativo e ecologicamente responsável, o que só se alcança
mediante a garantia de emprego digno, com condições adequadas de trabalho a todas
as pessoas.
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 1.323.708/PA. Direito
Penal. Redução a condição análoga à de escravo. Artigo 149 do Código Penal.
Tipicidade. Recorrente: Ministério Público Federal. Recorrido: Marcos Nogueira Dias
e outros. Relator: Min. Edson Fachin, 18 de abril de 2023. Disponível em:
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TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos
direitos humanos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1997. v. 1.
Ricardo José Macêdo de Britto Pereira
Professor Titular do Programa de Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas do
Centro Universitário do Distrito Federal-UDF. Estágio pós-doutoral Cornell University ILR Scholl.
Doutor pela Universidade Complutense de Madri. Mestre pela Universidade de Brasília. Mestre
pela Universidade Syracuse (NY). Advogado. Subprocurador Geral do Ministério Público do
Trabalho aposentado. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5151649835128510 ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-4510-8894 E-mail: rjmbpereira@gmail.com
Juliana Bortoncello Ferreira
Mestranda em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pelo Centro Universitário do Distrito
Federal-UDF. Especialista em Direito e Processo do Trabalho, em Mercado de Trabalho e em
Formação de Professores para a Educação Superior Jurídica. Procuradora do Trabalho da
Procuradoria Regional do Trabalho da 4ª Região. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/3556152551721660 ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0242-1215 E-
mail: ju.bortoncellof@gmail.com
Tallita Souza de Oliveira Pignati
Mestranda em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pelo Centro Universitário do Distrito
Federal-UDF. Pós-Graduada em Direito Previdenciário. Advogada. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/6615738213220028 ORCID: https://orcid.org/0009-0003-8532-5604 E-
mail: tallitasouza10@gmail.com