Recebido em: 03/06/2023
Aprovado em: 04/12/2023
O legado da reforma trabalhista brasileira de 2017
The legacy of the 2017 Brazilian labor
reform
El legado de la reforma laboral
brasila de 2017
Súllivan Pereira
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0190174078122673
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8123-7485
Renata Falavina
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7539223853752223
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5366-8691
RESUMO
O objetivo do artigo é realizar um balanço de parte do legado deixado pela
Reforma Trabalhista de 2017 no Brasil, seis anos após a entrada em vigor da
Lei n.º 13.467. Para isso, pretende apresentar a relação desta Reforma com
a agenda neoliberal de precarização e de flexibilização do trabalho e
oferecer uma análise crítica da retórica empresarial que defende as
alterações legislativas. Inicialmente, discorre sobre o contexto histórico em
que se insere a Reforma Trabalhista e identifica a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal que versa sobre alguns pontos da mesma, o que permite
identificar o sentido geral de seu legado. Em seguida, os argumentos
encampados pela Confederação Nacional da Indústria são confrontados com
indicadores sociais e pesquisas acadêmicas. E assim, o artigo pretende
contribuir com a literatura discorrendo com especial atenção sobre três
temáticas atingidas pela Reforma, a saber: o contrato de trabalho
intermitente, as restrições ao acesso à Justiça do Trabalho (calcadas na
suposta “super” litigiosidade desta Especializada) e a questão da
prevalência do acordado sobre o legislado.
PALAVRAS-CHAVE: acordado sobre legislado; Justiça do Trabalho; reforma
trabalhista; trabalho intermitente.
ABSTRACT
The aim of this article is to take a closer look at part of the legacy left by
the 2017 Labour Reform in Brazil, six years after the entry into effect of Law
Nº. 13,467. In order to do this, it seeks to present the relationship between
this Reform and the neoliberal agenda of precariousness and flexibilization
of work and to offer a critical analysis of the employers' rhetoric defending
the legislative changes. Initially, it discusses the historical context of the
Labour Reform and identifies the decisions of the Federal Supreme Court on
some of its points, which allows it to identify the general meaning of its
legacy. The arguments put forward by the National Confederation of
Industry are then compared with social indicators and academic studies. The
article thus intends to contribute to the literature by focusing on three issues
affected by the Reform, namely: the intermittent work contract,
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restrictions on access to the Labour Court (based on the supposed "super"
litigiousness of this specialised court) and the question of the prevalence of
what has been agreed over what has been legislated.
KEYWORDS: agreement over legislation; intermittent labour; Labour Courts;
labour reform.
RESUMEN
El objetivo de este artículo es hacer un balance de parte del legado dejado
por la Reforma Laboral de 2017 en Brasil, seis años después de la entrada en
vigor de la Ley nº 13.467. Para ello, pretende presentar la relación entre
esta Reforma y la agenda neoliberal de precarización y flexibilización laboral
y ofrecer un análisis crítico de la retórica empresarial que defiende los
cambios legislativos. Inicialmente, se aborda el contexto histórico de la
Reforma Laboral y se identifica la jurisprudencia del Tribunal Supremo que
aborda algunos de sus puntos, lo que permite identificar el sentido general
de su legado. A continuación, se comparan los argumentos defendidos por
la Confederación Nacional de la Industria con indicadores sociales e
investigaciones académicas. De este modo, el artículo pretende contribuir a
la literatura centrándose en tres cuestiones afectadas por la Reforma: el
contrato de trabajo intermitente, las restricciones de acceso al Tribunal
Laboral (basadas en la supuesta "super" litigiosidad de este tribunal
especializado) y la cuestión de la prevalencia de lo pactado sobre lo
legislado.
PALABRAS CLAVE: acuerdo sobre legislación; reforma laboral; trabajo
intermitente; Tribunales Laborales.
INTRODUÇÃO
A promulgação da Lei nº 13.467, em 13 de julho de 2017, a lei da Reforma
Trabalhista, foi um importante passo para o aprofundamento do projeto neoliberal
que, desde a década de 1990, vem avançando na flexibilização da legislação
trabalhista brasileira. Conforme Souto Maior e Valdete Severo1, foram mais de 200
modificações no texto da Consolidação das Lei do Trabalho (CLT) desde a sua
aprovação em 1943. A defesa da Reforma de 2017 pauta-se na argumentação, dentre
outros pontos, de que a insegurança jurídica macularia as relações de trabalho
contemporâneas, de maneira que as alterações legislativas realizadas teriam o
condão de diminuir, dentre outros fenômenos, a informalidade.
1 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; SEVERO, Valdete Souto (Org.). Resistência: Aportes teóricos contra o
retrocesso trabalhista. São Paulo: Expressão Popular, 2017.
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A título de exemplo, destaca-se o papel ideológico na retórica comunicacional
da Confederação Nacional da Indústria (CNI) com a população em geral, na defesa
da Reforma Trabalhista desempenhou. Em 13 de julho de 2022, a CNI patrocinou a
publicação de uma reportagem no sítio eletrônico do Jornal Jota intitulada “O legado
dos 5 anos de modernização trazido pela reforma trabalhista: melhoria no diálogo e
segurança jurídica proporcionaram evolução na relação entre empresas e
trabalhadores”2. A reportagem sintetiza vários argumentos utilizados pelo patronato
brasileiro na justificação da Reforma em comento, dentre os quais a necessidade de:
(i) fortalecimento do negociado sobre o legislado; (ii) aumento da segurança jurídica
através da regulamentação de temas ainda não versados em lei, do que é exemplo o
trabalho intermitente; (iii) referência da lei pelos Tribunais Superiores e o seu
reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal (STF); e (iv) diminuição da
quantidade de processos em tramitação perante a Justiça do Trabalho.
Em face da argumentação patronal em defesa da Reforma Trabalhista, o
presente artigo objetiva demonstrar empírica e teoricamente a fragilidade desta
retórica no que tange às supostas contribuições da Reforma Trabalhista para a
melhora do mercado de trabalho brasileiro. Para tanto, o artigo foi dividido em duas
partes.
Inicialmente realizar-se-á a contextualização histórica da Reforma Trabalhista
no Brasil, bem como a atualização de seu texto pela jurisprudência do STF.
Posteriormente, será feito o confronto entre os argumentos usualmente utilizados
pela CNI3 (2012; 2017; 2022) na defesa da Reforma e a realidade constatada por meio
de indicadores sociais oficiais e também por pesquisas acadêmicas. Os dados a serem
2 CNI CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. O legado dos 5 anos de modernização trazido pela
reforma trabalhista: melhoria no diálogo e segurança jurídica proporcionaram evolução na relação
entre empresas e trabalhadores. Redação Jota. São Paulo, 13 jul. 2022. Disponível em:
https://www.jota.info/coberturas-especiais/seguranca-juridica-desenvolvimento/legado-cinco-
anos-reforma-trabalhista-13072022. Acesso em: 15 ago. 2023.
3 CNI CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. 15 avanços que a Reforma Trabalhista traz para você
e para o Brasil. Agência CNI Notícias. São Paulo, 24 jul. 2017. Disponível em:
http://www.portaldaindustria.com.br/agenciacni/noticias/2017/07/15-avancos-que-a-reforma-
trabalhista-traz-para-voce-e-para-o-brasil/. Acesso em: 12 abr. 2023; CNI CONFEDERAÇÃO NACIONAL
DA INDÚSTRIA. 101 propostas para modernização trabalhista. CASALI, Emerson (Org). Brasília, 2012;
CNI CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Contrato de trabalho intermitente: dados do
mercado de trabalho e a perspectiva de indústrias sobre essa nova modalidade de contratação de
trabalho formal. Brasília: CNI, 2021.
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apresentados centrar-se-ão em três temáticas: o contrato de trabalho intermitente,
a imaginada “super” litigiosidade da Justiça do Trabalho e a questão do
fortalecimento do acordado sobre o legislado.
1. O contexto histórico da reforma trabalhista de 2017
As políticas neodesenvolvimentistas dos governos petistas do início do século
XXI desaceleraram o processo de flexibilização das legislações laborais, uma vez que
apostaram na formalização das relações de trabalho e no fortalecimento das
instituições públicas promotoras de proteção social, a exemplo do Ministério Público
do Trabalho e da Justiça do Trabalho. Entretanto, não houve a revogação de medidas
que propiciavam a precarização das relações trabalhistas, com destaque para a
terceirização, o contrato por tempo parcial e o Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS)4.
A partir de 2013, contudo, a burguesia interna associada ao capital
imperialista internacional5 passou a interferir de maneira mais intensa na esfera
4 A respeito da instituição do FGTS temos que: “As propostas apresentadas pelo governo militar foram
autoritariamente incorporadas ao direito trabalhista brasileiro e, com a ajuda de intensa propaganda,
inseridas no dia a dia do trabalhador. O FGTS, em particular, foi apresentado como opção ao regime
de estabilidade, num claro movimento de transição entre um sistema e outro. Desde o seu início, o
FGTS fora acompanhado de farta propaganda, e sua implementação nos anos seguintes, mesmo em
condições favoráveis aos seus defensores já que seus críticos tinham pouco espaço num momento
de silêncio compulsório –, não se deu tão rapidamente. Podemos dizer que, em termos legislativos, a
transição, ou melhor, a plena substituição do regime da estabilidade para o sistema do FGTS foi
concluída na Constituição de 1988, três anos após o fim do governo militar e vinte e dois anos depois
de publicada a lei 5106/66” FREITAS, Carlos Eduardo. Precarização e Flexibilização dos Direitos do
Trabalho no Brasil dos anos 90. 2000. Dissertação (mestrado) Universidade de Brasília,
Departamento de Sociologia, Brasília, DF, p. 43; PEREIRA, Súllivan dos Santos. Contrato de trabalho
intermitente versus proteção constitucional do trabalho: uma análise dos silêncios e contradições
do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região entre 2017 e 2020. 2022. Dissertação (Mestrado
em Direito) Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022;
5 “Entende-se por ‘imperialismo contemporâneo’ o período histórico iniciado a partir da década de
1970. (FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital-imperialismo: Teoria e história. Rio de Janeiro: UFRJ,
2010). São políticas internacionais implantadas através dos organismos internacionais como
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Banco Mundial em cooperação
com a burguesia interna associada a esse capital imperialista internacional. Portanto, a aliança do
capital imperialista internacional com uma fração da burguesia interna, denominada por Armando
Boito Jr. de burguesia associada ou compradora que atua junto ao capital internacional como uma
espécie de representante dos seus direitos no país. Esses aliados internos são compostos pelas
empresas de importação de produtos, pelos fundos financeiros de investimento e, por vezes, pelos
bancos nacionais quando querem políticas estatais de juros altos. Essa burguesia associada, junto ao
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política, de sorte que a defesa de uma agenda com medidas neoliberais voltou ao
centro do debate. Já entre 2015 e 2018 o Brasil viveu um período de profunda crise
política. Logo após Dilma Rousseff (PT) vencer as eleições presidenciais em outubro
de 2014, foi iniciado um movimento em âmbito midiático, encabeçado por Aécio
Neves (PSDB), de que as eleições teriam sido fraudadas, acusações que jamais foram
comprovadas.
Concomitante a isso, em 2015, o partido político PMDB publicou o documento
intitulado “Uma Ponte Para o Futuro”, cujo objetivo central foi propor um conjunto
de medidas para redefinir o papel do Estado brasileiro através da realização de uma
série de reformas. O documento serviu para consolidar o apoio do “mercado”, dos
demais partidos de direita (como o PSDB) e das instituições patronais (como CNI,
Febraban e Fiesp) em prol do golpe parlamentar que culminou no impeachment da
presidenta Dilma Rousseff6, e na subsequente posse de Michel Temer (PMDB) como
presidente do país.
Em 2016, ocorreu a retomada da hegemonia política da burguesia interna
associada ao capital internacional no âmbito do Poder Executivo federal.
Conjuntamente com o Poder Legislativo e com os tribunais judiciários, foi
reimplementada mais efusivamente a agenda neoliberal. No âmbito do Poder
Judiciário foram provocadas alterações em sua atuação, sobretudo na produção de
jurisprudências favoráveis aos interesses desta nova fração hegemônica da
burguesia. Nos termos de Dari Krein7, referido golpe serviu para fazer avançar o
projeto neoliberal ortodoxo inicialmente proposto nos primeiros anos da década de
1990 pelo PSDB.
capital internacional, compôs um bloco hegemônico de poder e conseguiu implantar diversas políticas
neoliberais”. BOITO JR., Armando. Reforma e crise política no Brasil: os conflitos de classe nos
governos do PT. Campinas: Editora Unicamp, 2018; PEREIRA, Súllivan dos Santos. Contrato de
trabalho intermitente versus proteção constitucional do trabalho: uma análise dos silêncios e
contradições do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região entre 2017 e 2020. 2022.
Dissertação (Mestrado em Direito) Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2022.
6 KREIN, José Dari. O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento
da ação coletiva: consequências da reforma trabalhista. In: Tempo Social, v. 30, n. 1, p. 77-104,
2018.
7 KREIN, José Dari. O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento
da ação coletiva: consequências da reforma trabalhista. In: Tempo Social, v. 30, n. 1, p. 77-104,
2018.
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A configuração e a participação do movimento sindical nesse momento
histórico merecem ser destacadas. Em 2016, ocorreram diversas manifestações
protagonizadas pelos movimentos da esquerda brasileira e que se voltaram contra
tal agenda neoliberal, principalmente em relação aos cortes de gastos públicos
promovidos pelo governo de Michel Temer (atualmente consolidados na Emenda
Constitucional nº 95/20168) e às propostas de Reforma Trabalhista e Previdenciária9,
que mais tarde se concretizaram.
No processo de impeachment, conforme Paula Marcelino e Andréia Galvão10,
os sindicatos de base não tiveram significativa participação. Dentre as centrais
sindicais, a Força Sindical, mesmo com posição contrária de alguns dirigentes, foi a
única a aderir ao movimento pela destituição da presidenta Dilma,
responsabilizando-a pela crise econômica e pela perda da capacidade de
governabilidade. Entretanto, esse apoio da Força Sindical não se traduziu em
mobilização de seus sindicatos nas ruas. Já as centrais sindicais e movimentos
populares próximos ao Partido dos Trabalhadores11 tiveram um papel de destaque na
articulação da resistência contra o golpe12.
8 Também conhecida como PEC da Morte, essa EC aprovou que a partir de 2018 os gastos federais só
poderão aumentar de acordo com a inflação acumulada conforme o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA). Assim, realizou o congelamento artificial dos gastos públicos por 20 anos.
A ineficácia dessa EC é tamanha que o próprio governo de Jair Bolsonaro precisou recorrer ao
Congresso para aprovar uma EC excepcionando esse teto de gastos.
9 A Reforma Previdenciária do Governo de Temer só foi concretizada no Governo de Bolsonaro com a
Emenda Constitucional nº 103/2019, que reformou o Regime Geral da Previdência Social e foi a mais
profunda alteração já realizada no Brasil. A Reforma da Previdência restringiu a proteção
previdenciária e assistencial, responsabilizando o Estado Social pela situação de crise econômico-
financeira que assola o país. No entanto, conforme Teixeira et al. (TEIXEIRA, Marilane Oliveira et al.
Contribuição crítica à reforma trabalhista. São Paulo: UNICAMP, 2017, p. 132), dados históricos e
estatísticos demonstram que tal deterioração não se deve aos benefícios e serviços prestados pela
Previdência Social, e sim a uma série de fatores socioeconômicos conjunturais ignorados pelos
discursos oficiais.
10 GALVÃO, Andréia; MARCELINO, Paula. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 32, n. 1, p.
157-182, 2020.
11 Importa salientar que “(...) a CSP-Conlutas, outra das centrais que emergiu como oposição de
esquerda aos governos petistas, não integrou nenhuma dessas frentes, considerando que a defesa das
instituições democráticas não passava de pretexto para a defesa do governo Dilma.” GALVÃO,
Andréia; MARCELINO, Paula. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 32, n. 1, p. 157-182, 2020,
p. 162.
12 Assim, “Essa reaproximação levou à constituição da Frente Povo Sem Medo, composta por CUT,
Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Intersindical, Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MTST), que, ao lado da Frente Brasil Popular, integrada por CUT, Central
dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Movimento dos Sem Terra (MST), entre outros,
constituíram as principais forças a atuar na convocação das manifestações em defesa dos direitos e
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A greve geral realizada em 28 de abril de 2017, ainda segundo Andréia Galvão
e Paula Marcelino13, foi organizada tardiamente pelo movimento sindical, mas teve
grande repercussão. Segundo os organizadores, alcançou 35 milhões de
trabalhadores e trabalhadoras, em 26 estados e no Distrito Federal. Contudo, apesar
de terem ocorrido seis manifestações contrárias à Reforma Trabalhista, esta
mudança não gerou tanta insatisfação popular quanto a Reforma Previdenciária. Tal
afirmação decorre de vários fatores, dentre os quais destacam-se: (1) a histórica
precariedade vivenciada pelos trabalhadores brasileiros; (2) a incorporação do
discurso da modernização e de flexibilização das relações de trabalho pelo
movimento sindical; bem como,
(3) a disseminação do discurso de modernização pela mídia e o culto ao
empreendedorismo, o que faz com que muitos trabalhadores considerem tais
mudanças inevitáveis, ou até mesmo desejáveis; (4) a difusão da lógica do
“menos pior”, que consagra a tese de que é melhor ter menos direitos do
que perder o emprego; (5) a transmutação da noção de justiça social, de
modo que reduzir e diferenciar os direitos existentes passa a ser considerado
uma forma de se promover a inclusão; e, por fim, (6) a divisão no interior
das centrais, pois uma parte do movimento sindical não apostou na
mobilização e sim na possibilidade de negociar uma medida provisória com
o governo para promover a alteração dos aspectos considerados mais
nefastos na reforma14
O crescente avanço da agenda neoliberal sobre os países da América Latina é
decisivo no processo de conversão do que era indisponível, rígido e inviolável em
flexível, como as privatizações das empresas estatais e as reformas “sociais”. No
Brasil, com a promulgação da Lei nº 13.467/2017, foi possível consolidar o projeto
neoliberal que avançava desde a década de 1990. Isso porque, a Reforma Trabalhista
de 2017 fez modificações estruturais no arcabouço legal laboral, conforme Souto
Maior e Valdete Severo15.
das liberdades democráticas” GALVÃO, Andréia; MARCELINO, Paula. Tempo Social, revista de
sociologia da USP, v. 32, n. 1, p. 157-182, 2020, p. 162.
13 GALVÃO, Andréia; MARCELINO, Paula. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 32, n. 1, p.
157-182, 2020.
14 GALVÃO, Andréia; KREIN, José Dari. A contrarreforma trabalhista e a fragilização das instituições
públicas do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, n. 53, p.
89-106, jul./dez. 2018.; GALVÃO, Andréia; MARCELINO, Paula. Tempo Social, revista de sociologia da
USP, v. 32, n. 1, p. 157-182, 2020, p. 165.
15 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; SEVERO, Valdete Souto (Org.). Resistência: Aportes teóricos contra o
retrocesso trabalhista. São Paulo: Expressão Popular, 2017.
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Em relação à jornada de trabalho, ocorreram mudanças substanciais que
modificaram a relação do direito brasileiro com o tempo de trabalho, merecendo
destaque dois aspectos: a ampliação da liberdade do empregador para manejar o
tempo de trabalho do empregado e o não pagamento de parte do tempo em que o
trabalhador fica à disposição do empregador, mas não necessariamente está
produzindo16.
A Reforma também retirou vários óbices para a redução do intervalo
intrajornada, fato que estimula a reiterada prática de redução e de supressão deste
intervalo. E uma vez suprimido, não será mais remunerado como tempo de trabalho,
mas apenas indenizado, sem repercussões salariais. Quando é realizada uma
diminuição no tempo de descanso do trabalhador, ocorre o aumento das chances de
o trabalhador sofrer um acidente de trabalho. Dessa forma, essa alteração produziu
impactos sobre a saúde e a segurança do trabalhador ao piorar suas condições de
trabalho.
A partir do breve contexto histórico ora explanado, é possível verificar que a
Reforma de 2017 apresenta traços de continuidade e de aprofundamento de um
projeto político e social mais amplo, a agenda neoliberal de flexibilização e
precarização das relações e das condições de trabalho. Faz-se mister, então, atentar
para o entendimento da Suprema Corte brasileira em relação às alterações
legislativas desencadeadas no âmbito do Direito do Trabalho.
1.1. A atualização da reforma trabalhista pelo STF
Na contramão desse histórico retrocesso, o Supremo Tribunal Federal, em
sede de Recurso Extraordinário (RE 828.040)17 decidiu pela constitucionalidade da
responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de
16 KREIN, José Dari. O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento
da ação coletiva: consequências da reforma trabalhista. In: Tempo Social, v. 30, n. 1, p. 77-104,
2018.
17 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário (RE) 828.040. Relator: Min. Alexandre de
Moraes. Pesquisa de Jurisprudência. Acórdão, 23 mar. 2020. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4608798
&numeroProcesso=828040&classeProcesso=RE&numeroTema=932. Acesso em: 18 mar. 2021.
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trabalho, seja nos casos explicitamente legalizados ou quando a natureza da atividade
apresente ônus maior ao trabalhador ou aos demais membros da coletividade.
Portanto, conforme a jurisprudência do STF, o artigo 927, parágrafo único, do Código
Civil deve ser interpretado como compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição
Federal. Essa decisão é muito significativa, pois o Brasil é um dos países com maior
número de acidentes e mortes no trabalho. Ocorre um acidente de trabalho a cada 49
segundos e uma morte a cada 3 horas e 38 minutos, segundo Sakamoto18.
Em relação à remuneração pelo trabalho, as alterações realizadas pela
Reforma de 2017 foram várias, como a possibilidade de redução salarial por meio de
negociação coletiva ou individual; o estímulo à remuneração variável, sobretudo, com
o Programa de Participação nos Lucros e Resultados; a possibilidade do trabalhador
receber com bens, bônus e serviços; a possibilidade das gorjetas serem distribuídas e
apropriadas pela empresa; e a não consideração de gratificações, auxílios
alimentação, abonos, diárias de viagem, etc. como parcelas salariais, fato que
compromete os direitos vinculados ao salário19.
Na questão das condições de trabalho, a legislação passou a admitir que por
meio de negociação coletiva seja realizado o enquadramento de insalubridade e a
prorrogação de jornada em ambientes insalubres, assim como permitiu que grávidas e
lactantes laborassem em ambientes insalubres20. Entretanto, no que tange a esta
disposição21, foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 5.93822, pela
18 SAKAMOTO, Leonardo. Governo quer reduzir proteção a trabalhador em pais com acidente a cada
49s. Jornal UOL. São Paulo, 24 jun. 2019. Disponível em:
https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2019/06/24/governo-quer-reduzir-protecao-a-
trabalhador-em-pais-com-acidente-a-cada-49s/. Acesso em: 15 dez. 2023.
19 KREIN, José Dari. O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento
da ação coletiva: consequências da reforma trabalhista. In: Tempo Social, v. 30, n. 1, p. 77-104,
2018.
20 KREIN, José Dari. O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento
da ação coletiva: consequências da reforma trabalhista. In: Tempo Social, v. 30, n. 1, p. 77-104,
2018.
21 NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; VIEIRA, Regina Stela Corrêa. Trabalho de gestantes em ambiente
insalubre: gênero e as ambiguidades decisórias do STF na ADI 5938. In: DUTRA, Renata Queiroz;
MACHADO, Sidnei (Org). O Supremo e a Reforma trabalhista: a construção jurisprudencial da reforma
trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Porto Alegre: Editora Fi, 2021, p. 195-218.
22 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5938.
Relator: Min. Alexandre de Moraes. Pesquisa de Jurisprudência. Acórdão, 29 de maio de 2019.
Acórdão. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5447065. Acesso
em: 19 fev. 2021.
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PEREIRA, Súllivan; FA LAVINA , Renata. O legado da reforma trabalhista brasileira de 2017. Revista Jurídica Trabalho
e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-43, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.157.
Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos, objetivando, dentre outros
pontos, que seja considerada inconstitucional. Em 29 de maio de 2019, por maioria de
votos, o Plenário do STF julgou procedente a Ação, declarando inconstitucionais os
trechos dos dispositivos da CLT que admitiam a possibilidade de trabalhadoras grávidas
e lactantes trabalharem em atividades insalubres em diversas hipóteses.
De acordo com Pedro Nicoli e Regina Stela Vieira23, essa decisão é positiva às
trabalhadoras, por ser “menos nociva do que o estado de coisas instaurado pela
Reforma Trabalhista”, mas, constitui uma das exceções no contexto geral de decisões
julgadas pelo STF que destruíram, sistematicamente, as garantias fundamentais do
trabalho. Conforme diversas pesquisas acadêmicas realizadas, a exemplo do livro “O
Supremo e a Reforma Trabalhista: a construção jurisprudencial da Reforma
Trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal”, coordenado por Renata Dutra e
Sidnei Machado24, com artigos de diversos pesquisadores do país, o STF tem construído
uma jurisprudência ostensiva contra os direitos fundamentais do trabalho. Conforme
Aldacy Rachid Coutinho25 (2021) no livro supramencionado, a jurisprudência do STF é
prognóstica e precursora da Reforma26 .
Ademais, a legislação trabalhista reduziu custos e facilitou ao empregador
dispensar os trabalhadores, ao permitir que o desligamento dos trabalhadores
23 NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; VIEIRA, Regina Stela Corrêa. Trabalho de gestantes em ambiente
insalubre: gênero e as ambiguidades decisórias do STF na ADI 5938. In: DUTRA, Renata Queiroz;
MACHADO, Sidnei (Org). O Supremo e a Reforma trabalhista: a construção jurisprudencial da reforma
trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Porto Alegre: Editora Fi, 2021, p. 212.
24 DUTRA, Renata Queiroz; MACHADO, Sidnei (Org). O Supremo e a Reforma trabalhista: a construção
jurisprudencial da reforma trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Porto Alegre:
Editora Fi, 2021.
25 COUTINHO, Aldacy Rachid. Terceirização no setor público vista pela ADC 16, ADI 1923 e tema 246
em repercussão geral: em pauta o STF. In: DUTRA, Renata Queiroz; MACHADO, Sidnei (Org). O
Supremo e a Reforma trabalhista: a construção jurisprudencial da reforma trabalhista de 2017 pelo
Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Porto Alegre: Editora Fi, 2021, p. 31-66.
26 Ainda a esse respeito, temos que: “Um novo modelo de Estado e uma gestão mais flexível denotam
a substituição de paradigma (sem superação do anterior) em proveito de uma racionalidade
econômica da eficiência, consentânea com a lógica dos custos, desconsiderando os fundamentos
constitucionais de proteção do trabalho e se afastando de uma racionalidade jurídica da legalidade.
O Supremo Tribunal Federal se situa neste trilhar, então, como precursor da reforma trabalhista e a
ADC 16, a ADI 1923 e o tema 246 em repercussão geral desvelam o prognóstico de um
desmantelamento dos marcos regulatórios protetivos do trabalho e do trabalhador.” COUTINHO,
Aldacy Rachid. Terceirização no setor público vista pela ADC 16, ADI 1923 e tema 246 em repercussão
geral: em pauta o STF. In: DUTRA, Renata Queiroz; MACHADO, Sidnei (Org). O Supremo e a Reforma
trabalhista: a construção jurisprudencial da reforma trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal
Federal. 1. ed. Porto Alegre: Editora Fi, 2021, p. 32.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
PEREIRA, Súllivan; FA LAVINA , Renata. O legado da reforma trabalhista brasileira de 2017. Revista Jurídica Trabalho
e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-43, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.157.
(coletiva ou individualmente) possa ser realizado sem a necessidade de negociação
com o sindicato ou a prestação de contas às instituições públicas. Também possibilitou
a rescisão contratual por acordo (nessa hipótese, o trabalhador recebe o aviso prévio
e a indenização sobre o saldo do FGTS pela metade, saca apenas 80% dos depósitos do
FGTS e não tem direito ao seguro desemprego). Por fim, a regulamentação,
infraconstitucionalmente, desobrigou que a homologação seja realizada na entidade
de classe, bem como permitiu que exista uma quitação anual das obrigações laborais
durante a vigência do contrato27.
Verifica-se, com isso, que a interpretação do STF, no que tange à maioria das
modificações no arcabouço legal realizadas pela Reforma Trabalhista de 2017, foi no
sentido de reafirmar tais modificações. E não contribuiu para que o retrocesso social
decorrente da Reforma fosse freado ou mesmo impedido. Isso posto, analisar-se-á a
retórica patronal acerca do objeto ora analisado, a Reforma de 2017.
2. A retórica patronal
As máximas pregadas pelo patronato28 e positivadas nessa legislação
defendem que não é papel do Estado impor uma regulamentação supostamente
rígida, pois prejudicaria as relações privadas. De acordo com essa lógica, para
garantir trabalho a todos, deve ser flexibilizado o padrão de jornada de 8 horas
diárias de trabalho, para que fique a crivo do empregador a possibilidade de
modificá-la conforme as necessidades da empresa29.
Os argumentos patronais que mais se sobressaíram para justificar essa
alteração legislativa foram: o elevado custo do trabalho e a burocracia trabalhista
como fatores que impedem o crescimento econômico e a produtividade
27 GALVÃO, Andréia [et al.]. Dossiê Reforma Trabalhista. Campinas: UNICAMP/CESIT/IE, 2017.
28 CNI CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. 15 avanços que a Reforma Trabalhista traz para
você e para o Brasil. Agência CNI Notícias. São Paulo, 24 jul. 2017. Disponível em:
http://www.portaldaindustria.com.br/agenciacni/noticias/2017/07/15-avancos-que-a-reforma-
trabalhista-traz-para-voce-e-para-o-brasil/. Acesso em: 12 abr. 2023.
29 PEREIRA, Súllivan dos Santos. Contrato de trabalho intermitente versus proteção constitucional
do trabalho: uma análise dos silêncios e contradições do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda
Região entre 2017 e 2020. 2022. Dissertação (Mestrado em Direito) Faculdade de Direito,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
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PEREIRA, Súllivan; FA LAVINA , Renata. O legado da reforma trabalhista brasileira de 2017. Revista Jurídica Trabalho
e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-43, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.157.
brasileira30,31. Conforme essa linha de raciocínio empresarial, a legislação trabalhista
brasileira é rígida e gera custos desnecessários, além de uma burocracia e uma
insegurança jurídica que comprometem a sobrevivência das empresas. Portanto,
para a CNI32, a existência do desemprego é fruto das supostas inflexíveis regras de
contratação, remuneração e uso da força de trabalho positivadas no texto da CLT,
que insistiria em tratar todos os trabalhadores como hipossuficientes.
Consoante estudos realizados pela Rede de Estudos e Monitoramento
Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (Remir Trabalho) e sistematizados,
inicialmente, no livro a “Reforma Trabalhista no Brasil: promessas e realidade”33,
não houve diminuição do desemprego com a legislação mencionada. Portanto, a
retórica empresarial mostra-se falaciosa. E mais,
Os salários, após a Reforma, continuam muito baixos e não indicam uma
recuperação em relação ao período anterior à sua implementação. Pelo
contrário, há indicações de queda, tanto nos salários de entrada, quanto nos
reajustes, como indicam os mais recentes dados sobre as negociações
coletivas. Onde há sinais de avanço das novas formas de contratação, os
dados iniciais mostram uma situação piorada para os trabalhadores, a
exemplo dos contratados como intermitentes e parciais.34 (FILGUEIRAS,
2019, p. 46).
30 Segundo Marilane Teixeira e colaboradores (TEIXEIRA, Marilane Oliveira et al. Contribuição crítica
à reforma trabalhista. São Paulo: UNICAMP, 2017, p. 56), “não existe apenas um conceito de
produtividade, mas vários. Ele pode ser compreendido como uma forma de maximizar o uso de
recursos: equipamentos para expandir mercados, aumentar o emprego, ampliar os ganhos reais de
salários e melhorar os padrões de vida da sociedade. Mas também pode ser visto como uma forma de
assegurar ganhos imediatos, sem a introdução de mudanças mais sistêmicas. Essa concepção parte do
pressuposto de que só a quantidade de trabalho está em condições de variar, portanto, a redução dos
custos do trabalho constitui o principal objetivo a ser alcançado. Essa é a visão que predomina
atualmente entre os empresários”.
31 CNI CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. 15 avanços que a Reforma Trabalhista traz para
você e para o Brasil. Agência CNI Notícias, São Paulo, 24 jul. 2017. Disponível em:
http://www.portaldaindustria.com.br/agenciacni/noticias/2017/07/15-avancos-que-a-reforma-
trabalhista-traz-para-voce-e-para-o-brasil/. Acesso em: 12 abr. 2023.
32 CNI CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. 101 propostas para modernização trabalhista.
CASALI, Emerson (Org). Brasília, 2012.
33 KREIN, José Dari; VÉRAS DE OLIVEIRA, Roberto. Para além do discurso: os impactos efetivos da
Reforma nas formas de contratação. In: KREIN, José Dari; VÉRAS DE OLIVEIRA, Roberto; FILGUEIRAS,
Vitor Araújo (org). Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade. Campinas: Curt
Nimuendajú, 2019. p. 81-154. Disponível em: https://www.cesit.net.br/wp-
content/uploads/2019/09/Livro-REMIR-v-site.pdf. Acesso em: 12 abr. 2023.
34 FILGUEIRAS, Vitor Araújo. As promessas da Reforma Trabalhista: combate ao desemprego e redução
da informalidade. In: KREIN, José Dari; VÉRAS DE OLIVEIRA, Roberto; FILGUEIRAS, Vitor Araújo. (org).
Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade. Campinas: Curt Nimuendajú, 2019. p. 46.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
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PEREIRA, Súllivan; FA LAVINA , Renata. O legado da reforma trabalhista brasileira de 2017. Revista Jurídica Trabalho
e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-43, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.157.
Acrescentam-se a esse cenário, os impactos dessa Reforma na economia do
país. Desde o início do período de recessão (segundo trimestre de 2014), o PIB per
capita tem crescido em média aproximadamente 0,3% ao ano. O país apresenta alto
nível de capacidade ociosa industrial, elevado desemprego, crescimento da
informalidade (em 2014, 46,3% das pessoas ocupadas se encontravam nessa
condição, em 2019 evoluiu para 50,5%)35 e da subutilização da força de trabalho.
Conforme Marcelo Prado Ferrari Manzano36, a adoção do novo marco de regulação
trabalhista não produziu qualquer contribuição positiva para a melhoria do nível de
atividade econômica do país37.
O resultado da pesquisa acima é convergente com as pesquisas realizadas por
Eugenia Leone, Marilane Teixeira e Paulo Baltar, que asseveram que os principais
responsáveis pela sustentação da elevada subutilização da força de trabalho, desde
2017, foram a força de trabalho potencial e a subocupação por insuficiência de horas
trabalhadas38. Conforme os autores, a lenta retomada da atividade econômica
35 Assim, “Ao menos até o ano de 2020, com elevada taxa de informalidade (segundo a PNADC era de
39,9% primeiro trimestre de 2020), não se pode observar nenhum efeito econômico virtuoso
decorrente do novo marco legal do trabalho, tal como anunciavam os promotores da reforma. Nem a
economia como um todo nem os setores de atividade econômica com maior intensidade do fator
trabalho apresentaram qualquer mudança significativa em seu dinamismo”. MANZANO, Marcelo.
Impactos econômicos da Reforma Trabalhista. In: KREIN, José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira;
MANZANO, Marcelo; LEMOS, Patrícia Rocha (org). O Trabalho pós-reforma trabalhista (2017). São
Paulo: CESIT, 2021, p. 75.
36 MANZANO, Marcelo. Impactos econômicos da Reforma Trabalhista. In: KREIN, José Dari; TEIXEIRA,
Marilane Oliveira; MANZANO, Marcelo; LEMOS, Patrícia Rocha (org). O Trabalho pós-reforma
trabalhista (2017). São Paulo: CESIT, 2021.
37 Com isso, os dados gerais demonstram a queda da participação do emprego no setor privado com
registro de 39,3% para 35,6%, ampliação do emprego do setor privado sem registro de 11,3% para
12,5% e do trabalho por conta própria de 23,4% para 26,0%, entre 2014 e 2019. A incorporação da
força de trabalho se deu basicamente pelo trabalho informal e precário. As pessoas estão
majoritariamente no emprego com registro, sem registro e no trabalho por conta própria. Contudo,
há uma predominância das pessoas negras nos trabalhos mais precários, a exemplo do emprego
doméstico com e sem carteira que corresponde a principal forma de ocupação de 17,9% das mulheres
negras e de 9,9% das mulheres brancas, condição que praticamente se mantém inalterada ao longo
da série analisada”. LEONE, Eugenia; TEIXEIRA, Marilane Oliveira; BALTAR, PAULO. Impactos da
Reforma Trabalhista sobre o mercado de trabalho. In: KREIN, José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira;
MANZANO, Marcelo; LEMOS, Patrícia Rocha (org). O Trabalho pós-reforma trabalhista (2017). São
Paulo: CESIT, 2021, p. 111.
38 Essa intensificação do aumento da incidência da subocupação por insuficiência de horas trabalhadas
afetou homens e mulheres, brancos e negros, mas as diferenças se ampliaram já que comparando,
2019 com 2014, o aumento da incidência da subutilização foi maior entre as mulheres negras (3,5
pontos percentuais) e as mulheres brancas (2,3 pontos percentuais) do que entre homens negros (1,5
ponto percentual) e homens brancos (1,1 ponto percentual). LEONE, Eugenia; TEIXEIRA, Marilane
Oliveira; BALTAR, PAULO. Impactos da Reforma Trabalhista sobre o mercado de trabalho. In: KREIN,
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
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PEREIRA, Súllivan; FA LAVINA , Renata. O legado da reforma trabalhista brasileira de 2017. Revista Jurídica Trabalho
e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-43, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.157.
ampliou a geração de oportunidades ocupacionais, mas não houve diminuição intensa
do número de subutilizados, pois continuaram muito elevadas a força de trabalho
potencial e a subocupação por insuficiência de horas trabalhadas.
Portanto, os dados acima mostram que a legislação da Reforma deu mais
margem de discricionariedade para ajustamento dos salários segundo as
conveniências patronais, aumentando o desalento, a informalidade e a rotatividade
laboral. Assim como deixou os trabalhadores mais vulneráveis, especialmente em
contextos de recessão econômica, tendo em vista ser um aparato legal para fragilizar
as relações trabalhistas.
A experiência brasileira recente demonstra que o emprego formal cresceu em
períodos de forte dinamismo econômico. Conforme dados do sistema de Relação
Anual de Informações Sociais (RAIS), entre 2003 e 2014, foram gerados 20.887.597
postos de trabalho no Brasil39. Acrescenta-se o resultado da pesquisa realizada por
Eugenia Leone, Marilane Teixeira e Paulo Baltar40 que mostraram que, em 2014,
46,3% das pessoas ocupadas se encontravam na condição de informal41 , já em 2019
esse número aumentou para 50,5%. Contudo, embora tenha crescido de forma
contínua para todos os segmentos no período compreendido entre 2014 e 2019, “é
prevalecente entre as pessoas ocupadas negras, 54,5% e 53,0% para homens e
mulheres, respectivamente”42.
Outro argumento disseminado no meio empresarial defende que a crise
econômica decorreu do encolhimento nas margens de lucro no último período e que
José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira; MANZANO, Marcelo; LEMOS, Patrícia Rocha (org). O Trabalho
pós-reforma trabalhista (2017). São Paulo: CESIT, 2021, p. 111.
39 TEIXEIRA, Marilane Oliveira et al. Contribuição crítica à reforma trabalhista. São Paulo: UNICAMP,
2017.
40 LEONE, Eugenia; TEIXEIRA, Marilane Oliveira; BALTAR, PAULO. Impactos da Reforma Trabalhista
sobre o mercado de trabalho. In: KREIN, José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira; MANZANO, Marcelo;
LEMOS, Patrícia Rocha (org). O Trabalho pós-reforma trabalhista (2017). São Paulo: CESIT, 2021.
41 “A informalidade aqui caracterizada corresponde ao conceito amplo e se diferencia do IBGE, uma
vez que incorpora o trabalho por conta própria com ou sem CNPJ, contribuinte ou não da previdência
social e o empregado no setor público sem carteira LEONE, Eugenia; TEIXEIRA, Marilane Oliveira;
BALTAR, PAULO. Impactos da Reforma Trabalhista sobre o mercado de trabalho. In: KREIN, José Dari;
TEIXEIRA, Marilane Oliveira; MANZANO, Marcelo; LEMOS, Patrícia Rocha (org). O Trabalho pós-
reforma trabalhista (2017). São Paulo: CESIT, 2021, p. 111.
42 LEONE, Eugenia; TEIXEIRA, Marilane Oliveira; BALTAR, PAULO. Impactos da Reforma Trabalhista
sobre o mercado de trabalho. In: KREIN, José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira; MANZANO, Marcelo;
LEMOS, Patrícia Rocha (org). O Trabalho pós-reforma trabalhista (2017). São Paulo: CESIT, 2021, p.
111.