Recebido em: 03/06/2023
Aprovado em: 04/12/2023
O legado da reforma trabalhista brasileira de 2017
The legacy of the 2017 Brazilian labor
reform
El legado de la reforma laboral
brasila de 2017
Súllivan Pereira
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0190174078122673
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8123-7485
Renata Falavina
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7539223853752223
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5366-8691
RESUMO
O objetivo do artigo é realizar um balanço de parte do legado deixado pela
Reforma Trabalhista de 2017 no Brasil, seis anos após a entrada em vigor da
Lei n.º 13.467. Para isso, pretende apresentar a relação desta Reforma com
a agenda neoliberal de precarização e de flexibilização do trabalho e
oferecer uma análise crítica da retórica empresarial que defende as
alterações legislativas. Inicialmente, discorre sobre o contexto histórico em
que se insere a Reforma Trabalhista e identifica a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal que versa sobre alguns pontos da mesma, o que permite
identificar o sentido geral de seu legado. Em seguida, os argumentos
encampados pela Confederação Nacional da Indústria são confrontados com
indicadores sociais e pesquisas acadêmicas. E assim, o artigo pretende
contribuir com a literatura discorrendo com especial atenção sobre três
temáticas atingidas pela Reforma, a saber: o contrato de trabalho
intermitente, as restrições ao acesso à Justiça do Trabalho (calcadas na
suposta “super” litigiosidade desta Especializada) e a questão da
prevalência do acordado sobre o legislado.
PALAVRAS-CHAVE: acordado sobre legislado; Justiça do Trabalho; reforma
trabalhista; trabalho intermitente.
ABSTRACT
The aim of this article is to take a closer look at part of the legacy left by
the 2017 Labour Reform in Brazil, six years after the entry into effect of Law
Nº. 13,467. In order to do this, it seeks to present the relationship between
this Reform and the neoliberal agenda of precariousness and flexibilization
of work and to offer a critical analysis of the employers' rhetoric defending
the legislative changes. Initially, it discusses the historical context of the
Labour Reform and identifies the decisions of the Federal Supreme Court on
some of its points, which allows it to identify the general meaning of its
legacy. The arguments put forward by the National Confederation of
Industry are then compared with social indicators and academic studies. The
article thus intends to contribute to the literature by focusing on three issues
affected by the Reform, namely: the intermittent work contract,
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restrictions on access to the Labour Court (based on the supposed "super"
litigiousness of this specialised court) and the question of the prevalence of
what has been agreed over what has been legislated.
KEYWORDS: agreement over legislation; intermittent labour; Labour Courts;
labour reform.
RESUMEN
El objetivo de este artículo es hacer un balance de parte del legado dejado
por la Reforma Laboral de 2017 en Brasil, seis años después de la entrada en
vigor de la Ley nº 13.467. Para ello, pretende presentar la relación entre
esta Reforma y la agenda neoliberal de precarización y flexibilización laboral
y ofrecer un análisis crítico de la retórica empresarial que defiende los
cambios legislativos. Inicialmente, se aborda el contexto histórico de la
Reforma Laboral y se identifica la jurisprudencia del Tribunal Supremo que
aborda algunos de sus puntos, lo que permite identificar el sentido general
de su legado. A continuación, se comparan los argumentos defendidos por
la Confederación Nacional de la Industria con indicadores sociales e
investigaciones académicas. De este modo, el artículo pretende contribuir a
la literatura centrándose en tres cuestiones afectadas por la Reforma: el
contrato de trabajo intermitente, las restricciones de acceso al Tribunal
Laboral (basadas en la supuesta "super" litigiosidad de este tribunal
especializado) y la cuestión de la prevalencia de lo pactado sobre lo
legislado.
PALABRAS CLAVE: acuerdo sobre legislación; reforma laboral; trabajo
intermitente; Tribunales Laborales.
INTRODUÇÃO
A promulgação da Lei nº 13.467, em 13 de julho de 2017, a lei da Reforma
Trabalhista, foi um importante passo para o aprofundamento do projeto neoliberal
que, desde a década de 1990, vem avançando na flexibilização da legislação
trabalhista brasileira. Conforme Souto Maior e Valdete Severo1, foram mais de 200
modificações no texto da Consolidação das Lei do Trabalho (CLT) desde a sua
aprovação em 1943. A defesa da Reforma de 2017 pauta-se na argumentação, dentre
outros pontos, de que a insegurança jurídica macularia as relações de trabalho
contemporâneas, de maneira que as alterações legislativas realizadas teriam o
condão de diminuir, dentre outros fenômenos, a informalidade.
1 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; SEVERO, Valdete Souto (Org.). Resistência: Aportes teóricos contra o
retrocesso trabalhista. São Paulo: Expressão Popular, 2017.
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A título de exemplo, destaca-se o papel ideológico na retórica comunicacional
da Confederação Nacional da Indústria (CNI) com a população em geral, na defesa
da Reforma Trabalhista desempenhou. Em 13 de julho de 2022, a CNI patrocinou a
publicação de uma reportagem no sítio eletrônico do Jornal Jota intitulada “O legado
dos 5 anos de modernização trazido pela reforma trabalhista: melhoria no diálogo e
segurança jurídica proporcionaram evolução na relação entre empresas e
trabalhadores”2. A reportagem sintetiza vários argumentos utilizados pelo patronato
brasileiro na justificação da Reforma em comento, dentre os quais a necessidade de:
(i) fortalecimento do negociado sobre o legislado; (ii) aumento da segurança jurídica
através da regulamentação de temas ainda não versados em lei, do que é exemplo o
trabalho intermitente; (iii) referência da lei pelos Tribunais Superiores e o seu
reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal (STF); e (iv) diminuição da
quantidade de processos em tramitação perante a Justiça do Trabalho.
Em face da argumentação patronal em defesa da Reforma Trabalhista, o
presente artigo objetiva demonstrar empírica e teoricamente a fragilidade desta
retórica no que tange às supostas contribuições da Reforma Trabalhista para a
melhora do mercado de trabalho brasileiro. Para tanto, o artigo foi dividido em duas
partes.
Inicialmente realizar-se-á a contextualização histórica da Reforma Trabalhista
no Brasil, bem como a atualização de seu texto pela jurisprudência do STF.
Posteriormente, será feito o confronto entre os argumentos usualmente utilizados
pela CNI3 (2012; 2017; 2022) na defesa da Reforma e a realidade constatada por meio
de indicadores sociais oficiais e também por pesquisas acadêmicas. Os dados a serem
2 CNI CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. O legado dos 5 anos de modernização trazido pela
reforma trabalhista: melhoria no diálogo e segurança jurídica proporcionaram evolução na relação
entre empresas e trabalhadores. Redação Jota. São Paulo, 13 jul. 2022. Disponível em:
https://www.jota.info/coberturas-especiais/seguranca-juridica-desenvolvimento/legado-cinco-
anos-reforma-trabalhista-13072022. Acesso em: 15 ago. 2023.
3 CNI CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. 15 avanços que a Reforma Trabalhista traz para você
e para o Brasil. Agência CNI Notícias. São Paulo, 24 jul. 2017. Disponível em:
http://www.portaldaindustria.com.br/agenciacni/noticias/2017/07/15-avancos-que-a-reforma-
trabalhista-traz-para-voce-e-para-o-brasil/. Acesso em: 12 abr. 2023; CNI CONFEDERAÇÃO NACIONAL
DA INDÚSTRIA. 101 propostas para modernização trabalhista. CASALI, Emerson (Org). Brasília, 2012;
CNI CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Contrato de trabalho intermitente: dados do
mercado de trabalho e a perspectiva de indústrias sobre essa nova modalidade de contratação de
trabalho formal. Brasília: CNI, 2021.
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apresentados centrar-se-ão em três temáticas: o contrato de trabalho intermitente,
a imaginada “super” litigiosidade da Justiça do Trabalho e a questão do
fortalecimento do acordado sobre o legislado.
1. O contexto histórico da reforma trabalhista de 2017
As políticas neodesenvolvimentistas dos governos petistas do início do século
XXI desaceleraram o processo de flexibilização das legislações laborais, uma vez que
apostaram na formalização das relações de trabalho e no fortalecimento das
instituições públicas promotoras de proteção social, a exemplo do Ministério Público
do Trabalho e da Justiça do Trabalho. Entretanto, não houve a revogação de medidas
que propiciavam a precarização das relações trabalhistas, com destaque para a
terceirização, o contrato por tempo parcial e o Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS)4.
A partir de 2013, contudo, a burguesia interna associada ao capital
imperialista internacional5 passou a interferir de maneira mais intensa na esfera
4 A respeito da instituição do FGTS temos que: “As propostas apresentadas pelo governo militar foram
autoritariamente incorporadas ao direito trabalhista brasileiro e, com a ajuda de intensa propaganda,
inseridas no dia a dia do trabalhador. O FGTS, em particular, foi apresentado como opção ao regime
de estabilidade, num claro movimento de transição entre um sistema e outro. Desde o seu início, o
FGTS fora acompanhado de farta propaganda, e sua implementação nos anos seguintes, mesmo em
condições favoráveis aos seus defensores já que seus críticos tinham pouco espaço num momento
de silêncio compulsório –, não se deu tão rapidamente. Podemos dizer que, em termos legislativos, a
transição, ou melhor, a plena substituição do regime da estabilidade para o sistema do FGTS foi
concluída na Constituição de 1988, três anos após o fim do governo militar e vinte e dois anos depois
de publicada a lei 5106/66” FREITAS, Carlos Eduardo. Precarização e Flexibilização dos Direitos do
Trabalho no Brasil dos anos 90. 2000. Dissertação (mestrado) Universidade de Brasília,
Departamento de Sociologia, Brasília, DF, p. 43; PEREIRA, Súllivan dos Santos. Contrato de trabalho
intermitente versus proteção constitucional do trabalho: uma análise dos silêncios e contradições
do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região entre 2017 e 2020. 2022. Dissertação (Mestrado
em Direito) Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022;
5 “Entende-se por ‘imperialismo contemporâneo’ o período histórico iniciado a partir da década de
1970. (FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital-imperialismo: Teoria e história. Rio de Janeiro: UFRJ,
2010). São políticas internacionais implantadas através dos organismos internacionais como
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Banco Mundial em cooperação
com a burguesia interna associada a esse capital imperialista internacional. Portanto, a aliança do
capital imperialista internacional com uma fração da burguesia interna, denominada por Armando
Boito Jr. de burguesia associada ou compradora que atua junto ao capital internacional como uma
espécie de representante dos seus direitos no país. Esses aliados internos são compostos pelas
empresas de importação de produtos, pelos fundos financeiros de investimento e, por vezes, pelos
bancos nacionais quando querem políticas estatais de juros altos. Essa burguesia associada, junto ao
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política, de sorte que a defesa de uma agenda com medidas neoliberais voltou ao
centro do debate. Já entre 2015 e 2018 o Brasil viveu um período de profunda crise
política. Logo após Dilma Rousseff (PT) vencer as eleições presidenciais em outubro
de 2014, foi iniciado um movimento em âmbito midiático, encabeçado por Aécio
Neves (PSDB), de que as eleições teriam sido fraudadas, acusações que jamais foram
comprovadas.
Concomitante a isso, em 2015, o partido político PMDB publicou o documento
intitulado “Uma Ponte Para o Futuro”, cujo objetivo central foi propor um conjunto
de medidas para redefinir o papel do Estado brasileiro através da realização de uma
série de reformas. O documento serviu para consolidar o apoio do “mercado”, dos
demais partidos de direita (como o PSDB) e das instituições patronais (como CNI,
Febraban e Fiesp) em prol do golpe parlamentar que culminou no impeachment da
presidenta Dilma Rousseff6, e na subsequente posse de Michel Temer (PMDB) como
presidente do país.
Em 2016, ocorreu a retomada da hegemonia política da burguesia interna
associada ao capital internacional no âmbito do Poder Executivo federal.
Conjuntamente com o Poder Legislativo e com os tribunais judiciários, foi
reimplementada mais efusivamente a agenda neoliberal. No âmbito do Poder
Judiciário foram provocadas alterações em sua atuação, sobretudo na produção de
jurisprudências favoráveis aos interesses desta nova fração hegemônica da
burguesia. Nos termos de Dari Krein7, referido golpe serviu para fazer avançar o
projeto neoliberal ortodoxo inicialmente proposto nos primeiros anos da década de
1990 pelo PSDB.
capital internacional, compôs um bloco hegemônico de poder e conseguiu implantar diversas políticas
neoliberais”. BOITO JR., Armando. Reforma e crise política no Brasil: os conflitos de classe nos
governos do PT. Campinas: Editora Unicamp, 2018; PEREIRA, Súllivan dos Santos. Contrato de
trabalho intermitente versus proteção constitucional do trabalho: uma análise dos silêncios e
contradições do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região entre 2017 e 2020. 2022.
Dissertação (Mestrado em Direito) Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2022.
6 KREIN, José Dari. O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento
da ação coletiva: consequências da reforma trabalhista. In: Tempo Social, v. 30, n. 1, p. 77-104,
2018.
7 KREIN, José Dari. O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento
da ação coletiva: consequências da reforma trabalhista. In: Tempo Social, v. 30, n. 1, p. 77-104,
2018.
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A configuração e a participação do movimento sindical nesse momento
histórico merecem ser destacadas. Em 2016, ocorreram diversas manifestações
protagonizadas pelos movimentos da esquerda brasileira e que se voltaram contra
tal agenda neoliberal, principalmente em relação aos cortes de gastos públicos
promovidos pelo governo de Michel Temer (atualmente consolidados na Emenda
Constitucional nº 95/20168) e às propostas de Reforma Trabalhista e Previdenciária9,
que mais tarde se concretizaram.
No processo de impeachment, conforme Paula Marcelino e Andréia Galvão10,
os sindicatos de base não tiveram significativa participação. Dentre as centrais
sindicais, a Força Sindical, mesmo com posição contrária de alguns dirigentes, foi a
única a aderir ao movimento pela destituição da presidenta Dilma,
responsabilizando-a pela crise econômica e pela perda da capacidade de
governabilidade. Entretanto, esse apoio da Força Sindical não se traduziu em
mobilização de seus sindicatos nas ruas. Já as centrais sindicais e movimentos
populares próximos ao Partido dos Trabalhadores11 tiveram um papel de destaque na
articulação da resistência contra o golpe12.
8 Também conhecida como PEC da Morte, essa EC aprovou que a partir de 2018 os gastos federais só
poderão aumentar de acordo com a inflação acumulada conforme o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA). Assim, realizou o congelamento artificial dos gastos públicos por 20 anos.
A ineficácia dessa EC é tamanha que o próprio governo de Jair Bolsonaro precisou recorrer ao
Congresso para aprovar uma EC excepcionando esse teto de gastos.
9 A Reforma Previdenciária do Governo de Temer só foi concretizada no Governo de Bolsonaro com a
Emenda Constitucional nº 103/2019, que reformou o Regime Geral da Previdência Social e foi a mais
profunda alteração já realizada no Brasil. A Reforma da Previdência restringiu a proteção
previdenciária e assistencial, responsabilizando o Estado Social pela situação de crise econômico-
financeira que assola o país. No entanto, conforme Teixeira et al. (TEIXEIRA, Marilane Oliveira et al.
Contribuição crítica à reforma trabalhista. São Paulo: UNICAMP, 2017, p. 132), dados históricos e
estatísticos demonstram que tal deterioração não se deve aos benefícios e serviços prestados pela
Previdência Social, e sim a uma série de fatores socioeconômicos conjunturais ignorados pelos
discursos oficiais.
10 GALVÃO, Andréia; MARCELINO, Paula. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 32, n. 1, p.
157-182, 2020.
11 Importa salientar que “(...) a CSP-Conlutas, outra das centrais que emergiu como oposição de
esquerda aos governos petistas, não integrou nenhuma dessas frentes, considerando que a defesa das
instituições democráticas não passava de pretexto para a defesa do governo Dilma.” GALVÃO,
Andréia; MARCELINO, Paula. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 32, n. 1, p. 157-182, 2020,
p. 162.
12 Assim, “Essa reaproximação levou à constituição da Frente Povo Sem Medo, composta por CUT,
Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Intersindical, Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MTST), que, ao lado da Frente Brasil Popular, integrada por CUT, Central
dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Movimento dos Sem Terra (MST), entre outros,
constituíram as principais forças a atuar na convocação das manifestações em defesa dos direitos e
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A greve geral realizada em 28 de abril de 2017, ainda segundo Andréia Galvão
e Paula Marcelino13, foi organizada tardiamente pelo movimento sindical, mas teve
grande repercussão. Segundo os organizadores, alcançou 35 milhões de
trabalhadores e trabalhadoras, em 26 estados e no Distrito Federal. Contudo, apesar
de terem ocorrido seis manifestações contrárias à Reforma Trabalhista, esta
mudança não gerou tanta insatisfação popular quanto a Reforma Previdenciária. Tal
afirmação decorre de vários fatores, dentre os quais destacam-se: (1) a histórica
precariedade vivenciada pelos trabalhadores brasileiros; (2) a incorporação do
discurso da modernização e de flexibilização das relações de trabalho pelo
movimento sindical; bem como,
(3) a disseminação do discurso de modernização pela mídia e o culto ao
empreendedorismo, o que faz com que muitos trabalhadores considerem tais
mudanças inevitáveis, ou até mesmo desejáveis; (4) a difusão da lógica do
“menos pior”, que consagra a tese de que é melhor ter menos direitos do
que perder o emprego; (5) a transmutação da noção de justiça social, de
modo que reduzir e diferenciar os direitos existentes passa a ser considerado
uma forma de se promover a inclusão; e, por fim, (6) a divisão no interior
das centrais, pois uma parte do movimento sindical não apostou na
mobilização e sim na possibilidade de negociar uma medida provisória com
o governo para promover a alteração dos aspectos considerados mais
nefastos na reforma14
O crescente avanço da agenda neoliberal sobre os países da América Latina é
decisivo no processo de conversão do que era indisponível, rígido e inviolável em
flexível, como as privatizações das empresas estatais e as reformas “sociais”. No
Brasil, com a promulgação da Lei nº 13.467/2017, foi possível consolidar o projeto
neoliberal que avançava desde a década de 1990. Isso porque, a Reforma Trabalhista
de 2017 fez modificações estruturais no arcabouço legal laboral, conforme Souto
Maior e Valdete Severo15.
das liberdades democráticas” GALVÃO, Andréia; MARCELINO, Paula. Tempo Social, revista de
sociologia da USP, v. 32, n. 1, p. 157-182, 2020, p. 162.
13 GALVÃO, Andréia; MARCELINO, Paula. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 32, n. 1, p.
157-182, 2020.
14 GALVÃO, Andréia; KREIN, José Dari. A contrarreforma trabalhista e a fragilização das instituições
públicas do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, n. 53, p.
89-106, jul./dez. 2018.; GALVÃO, Andréia; MARCELINO, Paula. Tempo Social, revista de sociologia da
USP, v. 32, n. 1, p. 157-182, 2020, p. 165.
15 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; SEVERO, Valdete Souto (Org.). Resistência: Aportes teóricos contra o
retrocesso trabalhista. São Paulo: Expressão Popular, 2017.
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Em relação à jornada de trabalho, ocorreram mudanças substanciais que
modificaram a relação do direito brasileiro com o tempo de trabalho, merecendo
destaque dois aspectos: a ampliação da liberdade do empregador para manejar o
tempo de trabalho do empregado e o não pagamento de parte do tempo em que o
trabalhador fica à disposição do empregador, mas não necessariamente está
produzindo16.
A Reforma também retirou vários óbices para a redução do intervalo
intrajornada, fato que estimula a reiterada prática de redução e de supressão deste
intervalo. E uma vez suprimido, não será mais remunerado como tempo de trabalho,
mas apenas indenizado, sem repercussões salariais. Quando é realizada uma
diminuição no tempo de descanso do trabalhador, ocorre o aumento das chances de
o trabalhador sofrer um acidente de trabalho. Dessa forma, essa alteração produziu
impactos sobre a saúde e a segurança do trabalhador ao piorar suas condições de
trabalho.
A partir do breve contexto histórico ora explanado, é possível verificar que a
Reforma de 2017 apresenta traços de continuidade e de aprofundamento de um
projeto político e social mais amplo, a agenda neoliberal de flexibilização e
precarização das relações e das condições de trabalho. Faz-se mister, então, atentar
para o entendimento da Suprema Corte brasileira em relação às alterações
legislativas desencadeadas no âmbito do Direito do Trabalho.
1.1. A atualização da reforma trabalhista pelo STF
Na contramão desse histórico retrocesso, o Supremo Tribunal Federal, em
sede de Recurso Extraordinário (RE 828.040)17 decidiu pela constitucionalidade da
responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de
16 KREIN, José Dari. O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento
da ação coletiva: consequências da reforma trabalhista. In: Tempo Social, v. 30, n. 1, p. 77-104,
2018.
17 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário (RE) 828.040. Relator: Min. Alexandre de
Moraes. Pesquisa de Jurisprudência. Acórdão, 23 mar. 2020. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4608798
&numeroProcesso=828040&classeProcesso=RE&numeroTema=932. Acesso em: 18 mar. 2021.
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trabalho, seja nos casos explicitamente legalizados ou quando a natureza da atividade
apresente ônus maior ao trabalhador ou aos demais membros da coletividade.
Portanto, conforme a jurisprudência do STF, o artigo 927, parágrafo único, do Código
Civil deve ser interpretado como compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição
Federal. Essa decisão é muito significativa, pois o Brasil é um dos países com maior
número de acidentes e mortes no trabalho. Ocorre um acidente de trabalho a cada 49
segundos e uma morte a cada 3 horas e 38 minutos, segundo Sakamoto18.
Em relação à remuneração pelo trabalho, as alterações realizadas pela
Reforma de 2017 foram várias, como a possibilidade de redução salarial por meio de
negociação coletiva ou individual; o estímulo à remuneração variável, sobretudo, com
o Programa de Participação nos Lucros e Resultados; a possibilidade do trabalhador
receber com bens, bônus e serviços; a possibilidade das gorjetas serem distribuídas e
apropriadas pela empresa; e a não consideração de gratificações, auxílios
alimentação, abonos, diárias de viagem, etc. como parcelas salariais, fato que
compromete os direitos vinculados ao salário19.
Na questão das condições de trabalho, a legislação passou a admitir que por
meio de negociação coletiva seja realizado o enquadramento de insalubridade e a
prorrogação de jornada em ambientes insalubres, assim como permitiu que grávidas e
lactantes laborassem em ambientes insalubres20. Entretanto, no que tange a esta
disposição21, foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 5.93822, pela
18 SAKAMOTO, Leonardo. Governo quer reduzir proteção a trabalhador em pais com acidente a cada
49s. Jornal UOL. São Paulo, 24 jun. 2019. Disponível em:
https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2019/06/24/governo-quer-reduzir-protecao-a-
trabalhador-em-pais-com-acidente-a-cada-49s/. Acesso em: 15 dez. 2023.
19 KREIN, José Dari. O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento
da ação coletiva: consequências da reforma trabalhista. In: Tempo Social, v. 30, n. 1, p. 77-104,
2018.
20 KREIN, José Dari. O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento
da ação coletiva: consequências da reforma trabalhista. In: Tempo Social, v. 30, n. 1, p. 77-104,
2018.
21 NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; VIEIRA, Regina Stela Corrêa. Trabalho de gestantes em ambiente
insalubre: gênero e as ambiguidades decisórias do STF na ADI 5938. In: DUTRA, Renata Queiroz;
MACHADO, Sidnei (Org). O Supremo e a Reforma trabalhista: a construção jurisprudencial da reforma
trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Porto Alegre: Editora Fi, 2021, p. 195-218.
22 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5938.
Relator: Min. Alexandre de Moraes. Pesquisa de Jurisprudência. Acórdão, 29 de maio de 2019.
Acórdão. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5447065. Acesso
em: 19 fev. 2021.
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PEREIRA, Súllivan; FA LAVINA , Renata. O legado da reforma trabalhista brasileira de 2017. Revista Jurídica Trabalho
e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-43, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.157.
Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos, objetivando, dentre outros
pontos, que seja considerada inconstitucional. Em 29 de maio de 2019, por maioria de
votos, o Plenário do STF julgou procedente a Ação, declarando inconstitucionais os
trechos dos dispositivos da CLT que admitiam a possibilidade de trabalhadoras grávidas
e lactantes trabalharem em atividades insalubres em diversas hipóteses.
De acordo com Pedro Nicoli e Regina Stela Vieira23, essa decisão é positiva às
trabalhadoras, por ser “menos nociva do que o estado de coisas instaurado pela
Reforma Trabalhista”, mas, constitui uma das exceções no contexto geral de decisões
julgadas pelo STF que destruíram, sistematicamente, as garantias fundamentais do
trabalho. Conforme diversas pesquisas acadêmicas realizadas, a exemplo do livro “O
Supremo e a Reforma Trabalhista: a construção jurisprudencial da Reforma
Trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal”, coordenado por Renata Dutra e
Sidnei Machado24, com artigos de diversos pesquisadores do país, o STF tem construído
uma jurisprudência ostensiva contra os direitos fundamentais do trabalho. Conforme
Aldacy Rachid Coutinho25 (2021) no livro supramencionado, a jurisprudência do STF é
prognóstica e precursora da Reforma26 .
Ademais, a legislação trabalhista reduziu custos e facilitou ao empregador
dispensar os trabalhadores, ao permitir que o desligamento dos trabalhadores
23 NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; VIEIRA, Regina Stela Corrêa. Trabalho de gestantes em ambiente
insalubre: gênero e as ambiguidades decisórias do STF na ADI 5938. In: DUTRA, Renata Queiroz;
MACHADO, Sidnei (Org). O Supremo e a Reforma trabalhista: a construção jurisprudencial da reforma
trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Porto Alegre: Editora Fi, 2021, p. 212.
24 DUTRA, Renata Queiroz; MACHADO, Sidnei (Org). O Supremo e a Reforma trabalhista: a construção
jurisprudencial da reforma trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Porto Alegre:
Editora Fi, 2021.
25 COUTINHO, Aldacy Rachid. Terceirização no setor público vista pela ADC 16, ADI 1923 e tema 246
em repercussão geral: em pauta o STF. In: DUTRA, Renata Queiroz; MACHADO, Sidnei (Org). O
Supremo e a Reforma trabalhista: a construção jurisprudencial da reforma trabalhista de 2017 pelo
Supremo Tribunal Federal. 1. ed. Porto Alegre: Editora Fi, 2021, p. 31-66.
26 Ainda a esse respeito, temos que: “Um novo modelo de Estado e uma gestão mais flexível denotam
a substituição de paradigma (sem superação do anterior) em proveito de uma racionalidade
econômica da eficiência, consentânea com a lógica dos custos, desconsiderando os fundamentos
constitucionais de proteção do trabalho e se afastando de uma racionalidade jurídica da legalidade.
O Supremo Tribunal Federal se situa neste trilhar, então, como precursor da reforma trabalhista e a
ADC 16, a ADI 1923 e o tema 246 em repercussão geral desvelam o prognóstico de um
desmantelamento dos marcos regulatórios protetivos do trabalho e do trabalhador.” COUTINHO,
Aldacy Rachid. Terceirização no setor público vista pela ADC 16, ADI 1923 e tema 246 em repercussão
geral: em pauta o STF. In: DUTRA, Renata Queiroz; MACHADO, Sidnei (Org). O Supremo e a Reforma
trabalhista: a construção jurisprudencial da reforma trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal
Federal. 1. ed. Porto Alegre: Editora Fi, 2021, p. 32.
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e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-43, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.157.
(coletiva ou individualmente) possa ser realizado sem a necessidade de negociação
com o sindicato ou a prestação de contas às instituições públicas. Também possibilitou
a rescisão contratual por acordo (nessa hipótese, o trabalhador recebe o aviso prévio
e a indenização sobre o saldo do FGTS pela metade, saca apenas 80% dos depósitos do
FGTS e não tem direito ao seguro desemprego). Por fim, a regulamentação,
infraconstitucionalmente, desobrigou que a homologação seja realizada na entidade
de classe, bem como permitiu que exista uma quitação anual das obrigações laborais
durante a vigência do contrato27.
Verifica-se, com isso, que a interpretação do STF, no que tange à maioria das
modificações no arcabouço legal realizadas pela Reforma Trabalhista de 2017, foi no
sentido de reafirmar tais modificações. E não contribuiu para que o retrocesso social
decorrente da Reforma fosse freado ou mesmo impedido. Isso posto, analisar-se-á a
retórica patronal acerca do objeto ora analisado, a Reforma de 2017.
2. A retórica patronal
As máximas pregadas pelo patronato28 e positivadas nessa legislação
defendem que não é papel do Estado impor uma regulamentação supostamente
rígida, pois prejudicaria as relações privadas. De acordo com essa lógica, para
garantir trabalho a todos, deve ser flexibilizado o padrão de jornada de 8 horas
diárias de trabalho, para que fique a crivo do empregador a possibilidade de
modificá-la conforme as necessidades da empresa29.
Os argumentos patronais que mais se sobressaíram para justificar essa
alteração legislativa foram: o elevado custo do trabalho e a burocracia trabalhista
como fatores que impedem o crescimento econômico e a produtividade
27 GALVÃO, Andréia [et al.]. Dossiê Reforma Trabalhista. Campinas: UNICAMP/CESIT/IE, 2017.
28 CNI CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. 15 avanços que a Reforma Trabalhista traz para
você e para o Brasil. Agência CNI Notícias. São Paulo, 24 jul. 2017. Disponível em:
http://www.portaldaindustria.com.br/agenciacni/noticias/2017/07/15-avancos-que-a-reforma-
trabalhista-traz-para-voce-e-para-o-brasil/. Acesso em: 12 abr. 2023.
29 PEREIRA, Súllivan dos Santos. Contrato de trabalho intermitente versus proteção constitucional
do trabalho: uma análise dos silêncios e contradições do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda
Região entre 2017 e 2020. 2022. Dissertação (Mestrado em Direito) Faculdade de Direito,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022.
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e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-43, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.157.
brasileira30,31. Conforme essa linha de raciocínio empresarial, a legislação trabalhista
brasileira é rígida e gera custos desnecessários, além de uma burocracia e uma
insegurança jurídica que comprometem a sobrevivência das empresas. Portanto,
para a CNI32, a existência do desemprego é fruto das supostas inflexíveis regras de
contratação, remuneração e uso da força de trabalho positivadas no texto da CLT,
que insistiria em tratar todos os trabalhadores como hipossuficientes.
Consoante estudos realizados pela Rede de Estudos e Monitoramento
Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (Remir Trabalho) e sistematizados,
inicialmente, no livro a “Reforma Trabalhista no Brasil: promessas e realidade”33,
não houve diminuição do desemprego com a legislação mencionada. Portanto, a
retórica empresarial mostra-se falaciosa. E mais,
Os salários, após a Reforma, continuam muito baixos e não indicam uma
recuperação em relação ao período anterior à sua implementação. Pelo
contrário, há indicações de queda, tanto nos salários de entrada, quanto nos
reajustes, como indicam os mais recentes dados sobre as negociações
coletivas. Onde há sinais de avanço das novas formas de contratação, os
dados iniciais mostram uma situação piorada para os trabalhadores, a
exemplo dos contratados como intermitentes e parciais.34 (FILGUEIRAS,
2019, p. 46).
30 Segundo Marilane Teixeira e colaboradores (TEIXEIRA, Marilane Oliveira et al. Contribuição crítica
à reforma trabalhista. São Paulo: UNICAMP, 2017, p. 56), “não existe apenas um conceito de
produtividade, mas vários. Ele pode ser compreendido como uma forma de maximizar o uso de
recursos: equipamentos para expandir mercados, aumentar o emprego, ampliar os ganhos reais de
salários e melhorar os padrões de vida da sociedade. Mas também pode ser visto como uma forma de
assegurar ganhos imediatos, sem a introdução de mudanças mais sistêmicas. Essa concepção parte do
pressuposto de que só a quantidade de trabalho está em condições de variar, portanto, a redução dos
custos do trabalho constitui o principal objetivo a ser alcançado. Essa é a visão que predomina
atualmente entre os empresários”.
31 CNI CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. 15 avanços que a Reforma Trabalhista traz para
você e para o Brasil. Agência CNI Notícias, São Paulo, 24 jul. 2017. Disponível em:
http://www.portaldaindustria.com.br/agenciacni/noticias/2017/07/15-avancos-que-a-reforma-
trabalhista-traz-para-voce-e-para-o-brasil/. Acesso em: 12 abr. 2023.
32 CNI CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. 101 propostas para modernização trabalhista.
CASALI, Emerson (Org). Brasília, 2012.
33 KREIN, José Dari; VÉRAS DE OLIVEIRA, Roberto. Para além do discurso: os impactos efetivos da
Reforma nas formas de contratação. In: KREIN, José Dari; VÉRAS DE OLIVEIRA, Roberto; FILGUEIRAS,
Vitor Araújo (org). Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade. Campinas: Curt
Nimuendajú, 2019. p. 81-154. Disponível em: https://www.cesit.net.br/wp-
content/uploads/2019/09/Livro-REMIR-v-site.pdf. Acesso em: 12 abr. 2023.
34 FILGUEIRAS, Vitor Araújo. As promessas da Reforma Trabalhista: combate ao desemprego e redução
da informalidade. In: KREIN, José Dari; VÉRAS DE OLIVEIRA, Roberto; FILGUEIRAS, Vitor Araújo. (org).
Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade. Campinas: Curt Nimuendajú, 2019. p. 46.
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Acrescentam-se a esse cenário, os impactos dessa Reforma na economia do
país. Desde o início do período de recessão (segundo trimestre de 2014), o PIB per
capita tem crescido em média aproximadamente 0,3% ao ano. O país apresenta alto
nível de capacidade ociosa industrial, elevado desemprego, crescimento da
informalidade (em 2014, 46,3% das pessoas ocupadas se encontravam nessa
condição, em 2019 evoluiu para 50,5%)35 e da subutilização da força de trabalho.
Conforme Marcelo Prado Ferrari Manzano36, a adoção do novo marco de regulação
trabalhista não produziu qualquer contribuição positiva para a melhoria do nível de
atividade econômica do país37.
O resultado da pesquisa acima é convergente com as pesquisas realizadas por
Eugenia Leone, Marilane Teixeira e Paulo Baltar, que asseveram que os principais
responsáveis pela sustentação da elevada subutilização da força de trabalho, desde
2017, foram a força de trabalho potencial e a subocupação por insuficiência de horas
trabalhadas38. Conforme os autores, a lenta retomada da atividade econômica
35 Assim, “Ao menos até o ano de 2020, com elevada taxa de informalidade (segundo a PNADC era de
39,9% primeiro trimestre de 2020), não se pode observar nenhum efeito econômico virtuoso
decorrente do novo marco legal do trabalho, tal como anunciavam os promotores da reforma. Nem a
economia como um todo nem os setores de atividade econômica com maior intensidade do fator
trabalho apresentaram qualquer mudança significativa em seu dinamismo”. MANZANO, Marcelo.
Impactos econômicos da Reforma Trabalhista. In: KREIN, José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira;
MANZANO, Marcelo; LEMOS, Patrícia Rocha (org). O Trabalho pós-reforma trabalhista (2017). São
Paulo: CESIT, 2021, p. 75.
36 MANZANO, Marcelo. Impactos econômicos da Reforma Trabalhista. In: KREIN, José Dari; TEIXEIRA,
Marilane Oliveira; MANZANO, Marcelo; LEMOS, Patrícia Rocha (org). O Trabalho pós-reforma
trabalhista (2017). São Paulo: CESIT, 2021.
37 Com isso, os dados gerais demonstram a queda da participação do emprego no setor privado com
registro de 39,3% para 35,6%, ampliação do emprego do setor privado sem registro de 11,3% para
12,5% e do trabalho por conta própria de 23,4% para 26,0%, entre 2014 e 2019. A incorporação da
força de trabalho se deu basicamente pelo trabalho informal e precário. As pessoas estão
majoritariamente no emprego com registro, sem registro e no trabalho por conta própria. Contudo,
há uma predominância das pessoas negras nos trabalhos mais precários, a exemplo do emprego
doméstico com e sem carteira que corresponde a principal forma de ocupação de 17,9% das mulheres
negras e de 9,9% das mulheres brancas, condição que praticamente se mantém inalterada ao longo
da série analisada”. LEONE, Eugenia; TEIXEIRA, Marilane Oliveira; BALTAR, PAULO. Impactos da
Reforma Trabalhista sobre o mercado de trabalho. In: KREIN, José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira;
MANZANO, Marcelo; LEMOS, Patrícia Rocha (org). O Trabalho pós-reforma trabalhista (2017). São
Paulo: CESIT, 2021, p. 111.
38 Essa intensificação do aumento da incidência da subocupação por insuficiência de horas trabalhadas
afetou homens e mulheres, brancos e negros, mas as diferenças se ampliaram já que comparando,
2019 com 2014, o aumento da incidência da subutilização foi maior entre as mulheres negras (3,5
pontos percentuais) e as mulheres brancas (2,3 pontos percentuais) do que entre homens negros (1,5
ponto percentual) e homens brancos (1,1 ponto percentual). LEONE, Eugenia; TEIXEIRA, Marilane
Oliveira; BALTAR, PAULO. Impactos da Reforma Trabalhista sobre o mercado de trabalho. In: KREIN,
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ampliou a geração de oportunidades ocupacionais, mas não houve diminuição intensa
do número de subutilizados, pois continuaram muito elevadas a força de trabalho
potencial e a subocupação por insuficiência de horas trabalhadas.
Portanto, os dados acima mostram que a legislação da Reforma deu mais
margem de discricionariedade para ajustamento dos salários segundo as
conveniências patronais, aumentando o desalento, a informalidade e a rotatividade
laboral. Assim como deixou os trabalhadores mais vulneráveis, especialmente em
contextos de recessão econômica, tendo em vista ser um aparato legal para fragilizar
as relações trabalhistas.
A experiência brasileira recente demonstra que o emprego formal cresceu em
períodos de forte dinamismo econômico. Conforme dados do sistema de Relação
Anual de Informações Sociais (RAIS), entre 2003 e 2014, foram gerados 20.887.597
postos de trabalho no Brasil39. Acrescenta-se o resultado da pesquisa realizada por
Eugenia Leone, Marilane Teixeira e Paulo Baltar40 que mostraram que, em 2014,
46,3% das pessoas ocupadas se encontravam na condição de informal41 , já em 2019
esse número aumentou para 50,5%. Contudo, embora tenha crescido de forma
contínua para todos os segmentos no período compreendido entre 2014 e 2019, “é
prevalecente entre as pessoas ocupadas negras, 54,5% e 53,0% para homens e
mulheres, respectivamente”42.
Outro argumento disseminado no meio empresarial defende que a crise
econômica decorreu do encolhimento nas margens de lucro no último período e que
José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira; MANZANO, Marcelo; LEMOS, Patrícia Rocha (org). O Trabalho
pós-reforma trabalhista (2017). São Paulo: CESIT, 2021, p. 111.
39 TEIXEIRA, Marilane Oliveira et al. Contribuição crítica à reforma trabalhista. São Paulo: UNICAMP,
2017.
40 LEONE, Eugenia; TEIXEIRA, Marilane Oliveira; BALTAR, PAULO. Impactos da Reforma Trabalhista
sobre o mercado de trabalho. In: KREIN, José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira; MANZANO, Marcelo;
LEMOS, Patrícia Rocha (org). O Trabalho pós-reforma trabalhista (2017). São Paulo: CESIT, 2021.
41 “A informalidade aqui caracterizada corresponde ao conceito amplo e se diferencia do IBGE, uma
vez que incorpora o trabalho por conta própria com ou sem CNPJ, contribuinte ou não da previdência
social e o empregado no setor público sem carteira LEONE, Eugenia; TEIXEIRA, Marilane Oliveira;
BALTAR, PAULO. Impactos da Reforma Trabalhista sobre o mercado de trabalho. In: KREIN, José Dari;
TEIXEIRA, Marilane Oliveira; MANZANO, Marcelo; LEMOS, Patrícia Rocha (org). O Trabalho pós-
reforma trabalhista (2017). São Paulo: CESIT, 2021, p. 111.
42 LEONE, Eugenia; TEIXEIRA, Marilane Oliveira; BALTAR, PAULO. Impactos da Reforma Trabalhista
sobre o mercado de trabalho. In: KREIN, José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira; MANZANO, Marcelo;
LEMOS, Patrícia Rocha (org). O Trabalho pós-reforma trabalhista (2017). São Paulo: CESIT, 2021, p.
111.
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a produtividade só será alcançada reduzindo custos. Essa forma de interpretação da
crise considera os incrementos salariais como o vilão responsável por elevar os custos
produtivos. Já reduzir os postos de trabalho por meio de políticas de ajuste faria com
que ocorresse a queda dos salários, ou seja, o desemprego é visto como um
instrumento de regulação do preço da força de trabalho no mercado. E com a
Reforma Trabalhista, os empregadores buscam facilitar ainda mais a rotatividade,
reduzindo os custos de dispensa43.
Uma das explicações para o decréscimo da lucratividade da indústria não está
na política econômica de aumento do salário mínimo, mas na transformação
econômica brasileira. Com a abertura econômica para o capital internacional na
década de 1990, as grandes empresas passaram a integrar uma rede global e as
médias e pequenas, que não têm capacidade de influenciar a dinâmica internacional,
passaram a ter pouco controle sobre sua margem de lucro44. Dessa forma, a grave
crise da dívida externa dos anos de 1980 que retraiu com o processo de
industrialização brasileiro, fez despontar os limites do capitalismo periférico.
Junto com a regressão do parque industrial brasileiro e a progressiva perda
de elos das cadeias de produção, a matriz produtiva brasileira perdeu o
passo tecnológico, ficando cada vez mais defasada em relação às inovações
técnicas e organizacionais que avançavam em especial nas economias
centrais e asiáticas. Se, por um lado, ficamos para trás em setores chaves e
dinâmicos da economia contemporânea, por outro, o padrão de inserção
passiva baseado em ganhos de competitividade espúria desestruturou
setores dinâmicos e de maior complexidade ou intensivos em força de
trabalho (por exemplo, nos setores de alta tecnologia, metal mecânico,
indústria têxtil, química fina, entre outros)45
Além disso, a grande influência do sistema financeiro no comportamento das
empresas, a fim de compensar a queda de receita, chama atenção pela sua
magnitude. Uma empresa de capital norte-americano noticiou que, em 2016, seus
bons resultados foram reflexos da adoção de uma nova gestão da força de trabalho
43 TEIXEIRA, Marilane Oliveira et al. Contribuição crítica à reforma trabalhista. São Paulo: UNICAMP,
2017.
44 TEIXEIRA, Marilane Oliveira et al. Contribuição crítica à reforma trabalhista. São Paulo: UNICAMP,
2017.
45 KREIN, José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira. O avanço das formas de contratação flexíveis. In:
KREIN, José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira; MANZANO, Marcelo; LEMOS, Patrícia Rocha (org). O
Trabalho pós-reforma trabalhista (2017). São Paulo: CESIT, 2021.
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e não das suas vendas. Ela despediu empregados e renegociou os contratos,
diminuindo os salários e adotando o home office, comportamentos altamente
questionáveis do ponto de vista social46.
As experiências internacionais evidenciam que não é por meio da redução ou
flexibilização de direitos que os empregos serão recuperados e a economia voltará a
crescer. Conforme Marilane Teixeira e colaboradores47, em análise dos relatórios da
OIT de 2015 sobre os impactos das normas de proteção ao trabalho no nível do
emprego, não existe correlação estatística direta entre a rigidez legislativa
trabalhista e o nível de emprego, ao revés, “em países onde a desregulamentação
cresceu, o nível de desemprego aumentou no período e onde a regulamentação se
intensificou, o desemprego caiu no longo prazo”.
Acrescenta-se que, macroeconomicamente, as estratégias de flexibilização
trabalhista destroem os postos de trabalho em períodos de crise, de modo que a
retomada posterior da atividade econômica, quando ocorrer, não será suficiente
para repor os empregos perdidos48. Nesse sentido entende Vitor Filgueiras49, o qual
informa que o custo trabalhista é um fator pouco relevante dentre as diversas
variáveis na tomada de decisão dos empresários e menos importante que as políticas
macroeconômicas na definição do nível de emprego.
Nota-se, portanto, que os argumentos utilizados são os mesmos do final do
século passado, conforme os relatórios internacionais (como o do Banco Mundial e
OCDE) e os posicionamentos das organizações patronais pátrias. Assim, a influência
do capital imperialista internacional nas políticas regulatórias internas não acabou
e, contrariando as preconizações dos defensores da Reforma Trabalhista50, a
46 TEIXEIRA, Marilane Oliveira et al. Contribuição crítica à reforma trabalhista. São Paulo: UNICAMP,
2017.
47 TEIXEIRA, Marilane Oliveira et al. Contribuição crítica à reforma trabalhista. São Paulo: UNICAMP,
2017, p. 42.
48 CISNEROS, Manuel Alejandro Ibarra; TORRES, Lourdes Alicia González. La flexibilidade Laboral
como Estrategia de Competitividad y sus efectos sobre la economia, la Empresa y el Mercado.
Contad. Disponível em: http://www.scielo. org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0186-
10422010000200003. Acesso em: 23 mai. 2019.
49 FILGUEIRAS, Vitor Araújo. As promessas da Reforma Trabalhista: combate ao desemprego e redução
da informalidade. In: KREIN, José Dari; VÉRAS DE OLIVEIRA, Roberto; FILGUEIRAS, Vitor Araújo. (org.).
Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade. Campinas: Curt Nimuendajú, 2019. p. 13-52.
50 A exemplo de Henrique Meirelles (Ministro da Fazenda de 2016 a 2018, mentor da PEC da Morte e
apoiador da Reforma Trabalhista e Previdenciária), que insiste em defender que a Reforma
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retomada dos postos de trabalho só será possível com o estímulo à recuperação da
atividade produtiva e não através de mudanças legislativas que mitiguem direitos
sociais.
A retórica patronal de que a Reforma de 2017 geraria mais empregos e
melhoraria a saúde do mercado de trabalho, com isso, mostra-se falaciosa. Resta
analisar as especificidades do impacto desta Reforma sobre os três objetos
destacados no presente artigo. O primeiro destes é o contrato de trabalho
intermitente e sua relação com a questão do emprego e/ou do desemprego.
2.1. Contrato de trabalho intermitente: entre o emprego e o desemprego
As mudanças legislativas resultam de disputas econômicas e políticas, do que
é exemplo emblemático o fato de que a Confederação Nacional da Indústria51 fez
uma forte campanha em prol da realização de uma reforma na legislação trabalhista
brasileira. Como resultado dessa campanha, lançou o livro “101 Propostas para
Modernização Trabalhista”. Em sua 17ª proposta, coloca a premência de
regulamentação acerca da contratação de pessoas físicas para a prestação de serviço
eventual.
Posteriormente, em seu sítio eletrônico, fez uma cartilha intitulada “15
avanços que a Reforma Trabalhista traz para você e para o Brasil”. Salienta-se que
o nono avanço mencionado na cartilha trata da institucionalização do trabalho
intermitente, conceituando-o como “prestação de serviços esporádica e não
contínua”. A CNI52 argumentou que o trabalho intermitente contribuiria para a
Trabalhista gerou postos de trabalho no país, a exemplo da entrevista que deu para o Jornal UOL
News, em 04 de novembro de 2022, após a especulação de que ele teria cargo de Ministro no terceiro
mandato do governo de Luís Inácio Lula da Silva. (MEIRELLES defende que Lula fure teto de gastos
para pagar auxílio de R$ 600. UOL News. São Paulo, 04 nov. 2011. Disponível em:
https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2022/11/04/meirelles-defende-furar-teto-como-
excepcionalidade-nao-ha-alternativa.htm. Acesso em: 07 mar. 2023).
51 CNI CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. 101 propostas para modernização trabalhista.
CASALI, Emerson (Org). Brasília, 2012.
52 CNI CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. 15 avanços que a Reforma Trabalhista traz para
você e para o Brasil. Agência CNI Notícias. São Paulo, 24 jul. 2017. Disponível em:
http://www.portaldaindustria.com.br/agenciacni/noticias/2017/07/15-avancos-que-a-reforma-
trabalhista-traz-para-voce-e-para-o-brasil/. Acesso em: 12 abr. 2023.
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criação de novos postos de emprego, pois formalizaria os trabalhadores contratados
para demandas específicas de curto prazo e facilitaria a contratação de pessoas que
não podem trabalhar diariamente por oito horas.
O primeiro Projeto de Lei (PL) versando sobre a institucionalização do contrato
de trabalho intermitente no sistema jurídico brasileiro foi de autoria do deputado
federal Laércio Oliveira do PR/SE, o PL n.º 3.785 de 2012. O deputado utilizou como
justificativa para a proposição do PL a necessidade de modernizar a legislação
trabalhista e conceder a possibilidade de as pessoas conciliarem outras atividades
com a vida laboral, como estudo e família53.
No dia 21 de maio de 2005, o PL n.º 3.785/2012 foi apensado ao PL n.º 6.363
de 2015, do deputado federal Vicentino Silva do PT/RN e este, sob justificativa de
que a terceirização precariza as relações de trabalho, propôs alterar a redação do
caput do artigo 12 da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que “dispõe sobre o
trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências”, a fim de
assegurar a isonomia entre os trabalhadores temporários e os empregados da
empresa tomadora de serviços54 .
Contudo, desde 23 de dezembro de 2016, concomitantemente aos Projetos de
Lei supramencionados, tramitava o PL n.º 6.787 de 2016, subscrito pelo deputado
federal Ronaldo Nogueira de Oliveira, inicialmente dispondo sobre alterações na CLT
a respeito dos “representantes dos trabalhadores no local de trabalho e sobre
trabalho temporário”. Posteriormente, em 09 de fevereiro de 2017, foi constituída
a Comissão Especial destinada a proferir parecer ao PL acima citado, essa foi
53 BRASIL. Projeto de Lei que institui o contrato de trabalho intermitente. Deputado Federal Laércio
Oliveira do PR/SE, o Projeto de Lei (PL) 3.785 de 2012. Brasília: Câmara dos Deputados, 2012.
Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=987012&filename=PL+3
785/2012. Acesso em: 12 abr. 2023.
54 No dia 11 de julho de 2012, o PL n.º 6.363/2015 foi apensado, pela Mesa Diretora da Câmara dos
Deputados, ao PL n.º 3.436/2012, o qual encontra-se arquivado, desde janeiro de 2019. Em 13 de
março de 2019 os deputados André Fufuca (PP/MA) e Nelson Pellegrino (PT/BA) fizeram os
requerimentos de desarquivamentos de uma série de PLs, mas esses não foram conhecidos pela Mesa
Diretora sob o argumento genérico de que as proposições não foram arquivadas. (BRASIL. Projeto de
Lei que institui o contrato de trabalho intermitente. Deputado Federal Laércio Oliveira do PR/SE,
o Projeto de Lei (PL) 3.785 de 2012. Brasília: Câmara dos Deputados, 2012. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=987012&filename=PL+3
785/2012. Acesso em: 29 jun. 2019).
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
PEREIRA, Súllivan; FA LAVINA , Renata. O legado da reforma trabalhista brasileira de 2017. Revista Jurídica Trabalho
e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-43, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.157.
presidida pelo deputado Daniel Vilela (MDB) e teve relatoria do deputado Rogério
Simonetti Marinho (PL).
No dia 26 de abril de 2017, em Sessão Deliberativa Extraordinária, iniciada às
22 horas e 32 minutos, o plenário da Câmara de Deputados votou pela inserção dessa
frase “ou para prestação de trabalho intermitente” na parte final do caput do artigo
443, alterado pelo artigo 1º do substitutivo apresentado ao PL n.º 6.787/2016, que
consequentemente também alterou o § 3º do art. 443, o art. 452-A e a parte final do
inciso VIII do art. 611-A. Foram 258 votos a favor, 158 contra e 2 abstenções55.
Como resultado dessa correlação de forças, dentre as alterações contratuais
promovidas pela Reforma Trabalhista de 2017, destaca-se o contrato de trabalho
intermitente, uma forma de contratação que tem sua duração por tempo
indeterminado. Ou seja, o empregado não tem o termo final previamente acordado,
como ocorre no contrato por tempo determinado. Entretanto, as prestações de
serviços em um contrato intermitente são infrequentes, por conseguinte, existem
períodos de continuidade e descontinuidade da prestação laboral56.
Salienta-se que antes da Lei nº 13.467/2017, as formas de contratação com
esse formato eram classificadas como “fraudulentas” e “ilegais”, visto que não
estavam “legalizadas” na legislação pátria. Corroboram com essa afirmação os
pareceres do Ministério Público do Trabalho de várias Regiões57 discutindo a
55 BRASIL. Lei nº 13.467, de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo
Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis n.º 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de
11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações
de trabalho. Brasília, DF: Congresso Nacional, 2017. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm. Acesso em: 12 abr.
2023.
56 PEREIRA, Súllivan dos Santos. A inconstitucionalidade do contrato de trabalho intermitente. 2019.
Monografia (Graduação em Direito) Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2019; PEREIRA, Súllivan dos Santos. Contrato de trabalho intermitente versus proteção
constitucional do trabalho: uma análise dos silêncios e contradições do Tribunal Regional do Trabalho
da Segunda Região entre 2017 e 2020. 2022. Dissertação (Mestrado em Direito) Faculdade de Direito,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022.
57 A exemplo da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) da 9ª Região,
no ano de 2005, para questionar o fato da rede de lanchonetes McDonald’s contratar trabalhadores
para cumprir jornada semanal que poderia variar entre 8 (oito) à 44 (quarenta e quatro) horas, e de
2 (duas) à 8 (oito) horas diárias, com remuneração de acordo com as horas trabalhadas. (BRASIL.
Tribunal Superior do Trabalho, 1ª Turma. Recurso de Revista 1293-16.2012.5.04.0012. Relator:
Desem. Walmir Oliveira Da Costa. Pesquisa de Jurisprudência. Acórdão, 14 de dez. de 2016.
Disponível em: https://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/868558590/recurso-de-revista-rr-
12931620125040012/inteiro-teor-868558610. Acesso em: 12 dez. 2021).
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PEREIRA, Súllivan; FA LAVINA , Renata. O legado da reforma trabalhista brasileira de 2017. Revista Jurídica Trabalho
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ilegalidade do contrato de trabalho com “jornada móvel variável”58 (uma antessala
do contrato de trabalho intermitente brasileiro) considerado uma fraude trabalhista
para diminuir custos trabalhistas.
Na “jornada móvel variável”, o trabalhador é previamente informado dos dias
que vai laborar, portanto, não fica na incerteza de quando será convocado, mas
também não é informado quanto irá receber, pois ele permanece na sala de espera
aguardando ser convocado para realizar uma atividade específica (como um
sanduíche) e ser remunerado apenas pelo tempo que realizou essa atividade. Já no
contrato intermitente, apesar de não ter previsão dessa sala de espera para
contabilizar a jornada de trabalho, não existe a certeza de quando o trabalhador
será convocado para trabalhar.
No dia 11 de novembro de 2017, após 120 dias de vacatio legis, a Reforma
Trabalhista entrou em vigor integralmente. E após 4 dias da sua plena vigência, foi
publicada a MP n.º 808/2017, em uma edição extra do Diário Oficial da União,
alterando diversos dispositivos do texto da Reforma59. Tal Medida Provisória, caduca
desde 24 de maio de 2018, foi a demonstração legislativa da irresponsabilidade da
Reforma Trabalhista de 2017, que contém inúmeras irregularidades e
inconformidades com o próprio ordenamento jurídico brasileiro. Dessa forma, devido
à caducidade da MP 808, foi publicado no Diário Oficial da União a Portaria nº 349 de
23 de maio de 2018, subscrita pelo então Ministro do Trabalho do Brasil, Helton
Yomura, cujo intuito foi estabelecer regras para a execução da Lei nº 13.467/17, no
âmbito das atribuições normativas do Ministério do Trabalho60.
58 A “jornada móvel variável” é uma forma contratual ilegalmente introduzida no Brasil no ano de
1995 pela rede multinacional de lanchonetes McDonald’s. A empresa Arcos Dourados Comércio de
Alimentos Limitada, “uma espécie de franqueada máster”, responsável pela operação da rede
McDonald’s no Brasil, México, Argentina e outros países da América Latina, importou dos Estados
Unidos e introduziu no Brasil esse contrato que tem o mesmo fundamento de eliminação da porosidade
da jornada de trabalho do atual contrato de trabalho intermitente. MAEDA, Patrícia. Contrato de
trabalho intermitente. In: Resistência II: Defesa e crítica da justiça do trabalho. MAIOR, Jorge Souto;
SEVERO, Valdete Souto (org). 2. ed. São Paulo: Expressão popular, 2018; PEREIRA, Súllivan dos Santos.
Contrato de trabalho intermitente versus proteção constitucional do trabalho: uma análise dos
silêncios e contradições do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região entre 2017 e 2020. 2022.
Dissertação (Mestrado em Direito) Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador,
2022.
59 CORREIA, Henrique. Comentários à MP 808/2017. Salvador. Juspodivm, 2017.
60 BRASIL. Portaria nº 349, de 23 de maio de 2018. Brasília, DF: Ministério Público do Trabalho,
2017. Disponível em:
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e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-43, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.157.
Para a CNI, o trabalho intermitente tem o objetivo de facilitar a formalização
dos “bicos”, o que auxilia na programação financeira da empresa61. Contudo, essa
promessa nunca teve amparo fático, essa forma de contratação é mais que a
institucionalização do “bico”62, é uma forma de organização do mercado de trabalho
com o intuito de eliminar as porosidades da jornada e a remuneração devida ao
trabalhador. Assim como não é procedente a promessa patronal de que o contrato
de trabalho intermitente criará novos postos de trabalho (cerca de 10 milhões em 10
anos), trazida na página 50 do Parecer da Reforma de 201763.
De acordo com os dados do mercado de trabalho formal brasileiro calculados
a partir das estatísticas mensais do emprego formal disponibilizadas pelo Caged e
pelo Novo Caged, entre novembro de 2017 e dezembro de 2022, foram firmados e
institucionalizados 947.563 contratos intermitentes no país. Portanto, passados mais
de 5 anos, essa promessa de 10 milhões de vínculos intermitentes está longe de ser
concretizada, seja pela impossibilidade de a formalização de uma forma de
contratação criar postos de emprego, seja pelas catastróficas políticas econômicas
realizadas no período em comento durante os governos Temer (2017-2018) e
Bolsonaro (2019-2022). Vejamos a Tabela 1 a seguir.
http://www.imprensanacional.gov.br/web/guest/materia//asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/conten
t/id/15752792/do1-2018-05-24-portaria-n-349-de-23-de-maio-de-. Acesso em: 12 abr. 2023.
61 CNI CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Contrato de trabalho intermitente: dados do
mercado de trabalho e a perspectiva de indústrias sobre essa nova modalidade de contratação de
trabalho formal. Brasília: CNI, 2021, p. 19.
62 TEIXEIRA, Marilane Oliveira et al. Contribuição crítica à reforma trabalhista. São Paulo: UNICAMP,
2017.
63 KREIN, José Dari; VÉRAS DE OLIVEIRA, Roberto. Para além do discurso: os impactos efetivos da
Reforma nas formas de contratação. In: KREIN, José Dari; VÉRAS DE OLIVEIRA, Roberto; FILGUEIRAS,
Vitor Araújo (org). Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade. Campinas: Curt
Nimuendajú, 2019. p. 81-154. Disponível em: https://www.cesit.net.br/wp-
content/uploads/2019/09/Livro-REMIR-v-site.pdf. Acesso em: 12 abr. 2023.
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Tabela 1Saldo total de contratos intermitentes de novembro de 2017 até dezembro de 2022*
Período
Admissões
Desligamentos
Saldo Total
Novembro de 2017
3.120
-53
3.067
Dezembro de 2017
2.851
-277
2.574
Ano de 2018
66.467
-18.951
47.516
Ano de 2019
148.519
-67.222
81.297
Ano de 2020
170.752
-96.517
74.235
Ano de 2021
254.390
-164.514
89.876
Ano de 2022
301.464
-217.235
84.229
TOTAL
947.563
-564.769
382.794
Fonte: Ministério da Economia, RAIS e Caged. Elaboração Própria
* Dados sujeitos a atualizações nos próximos meses.
Em relação à forma contratual intermitente institucionaliza pela Reforma, o
primeiro julgamento envolvendo a temática foi proferido pela primeira turma do
Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região (TRT3) que, por unanimidade,
declarou a nulidade dessa forma de contratação, argumentando que essa forma
contratual é para prestação de serviço subordinado, mas não contínuo64. Entretanto,
ao chegar no Tribunal Superior do Trabalho (TST), essa decisão foi reformada sob o
64 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região. Acórdão em recurso ordinário nº 0010454-
06.2018.5.03.0097 (ROPS). Recorrente: Marcos Teixeira Olegário Recorrido: Magazine Luiza S/A.
Relator: Des. José Eduardo De Resende Chaves Júnior, Belo Horizonte, 29 de outubro de 2018.
Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em:
https://pje.trt3.jus.br/segundograu/VisualizaDocumento/Publico/popupProcessoDocumento.seam?i
dBin=bc11d71a88ea80d004f43227147fa83d7218a0b0e4d887b5f522475db7669ee7464d86d10659a0680
d6dc6ea98dbde13&idPD=3215679cf1f9b648a4cf2846193828165fc0174367626472b8dffd117d151bcf&ci
d=22383. Acesso em: 12 abr. 2023.
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argumento de que o 3º Regional feriu o princípio da legalidade ao estabelecer mais
parâmetros e limitações ao contrato intermitente do que aqueles impostos pelo
legislador65.
A respeito da discussão sobre a inconstitucionalidade do contrato de trabalho
intermitente, existem quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) no
Supremo Tribunal Federal, quais sejam: as ADIS 5806, 5826, 5829 e 5950. Todas
questionam a institucionalização dessa forma contratual pela Lei n.º 13.467/2017,
que alterou os artigos 443 (caput e parágrafo 3º), 452-A, 477-A, 59 e 59-B da CLT e
leva à precarização das relações de trabalho, uma vez que coloca o trabalhador à
disposição do empregador, recebendo apenas pelo período efetivamente
trabalhado66.
No dia 3 de dezembro de 2020, foi proferido em sessão por videoconferência
o voto do Ministro Edson Fachin, no bojo da ADI 5826 do Distrito Federal, bem como
daquelas que lhe foram apensadas ADIS 5829 e 6154, as quais pleiteiam a
inconstitucionalidade do contrato de trabalho intermitente. O Ministro Fachin
defendeu que a remuneração mensal do trabalhador variável é um exemplo de
insegurança e imprevisibilidade que relega o obreiro à vulnerabilidade67. Diante do
exposto,
[...] o argumento da segurança jurídica também não deve ser prosperado.
Em verdade, o contrato intermitente, assim como toda Reforma, causou
insegurança jurídica, não o contrário, ao positivar diversas normas que vão
contra o defendido no próprio ordenamento jurídico”68
65 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Acórdão em Recurso de Revista nº 10454-06.2018.5.03.0097.
Recorrente: Magazine Luiza S/A. Recorrido: Marcos Teixeira Olegário. Relator: Min. Ives Gandra da
Silva Martins Filho, 07 de agosto de 2019. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em:
https://migalhas.com.br/arquivos/2019/8/art20190812-03.pdf. Acesso em: 12 abr. 2023.
66 DUTRA, Renata Queiroz; PEREIRA, Súllivan dos Santos. Contrato de trabalho intermitente: “o
empregado desempregado entre a razão neoliberal e a pandemia. Revista Política & Trabalho.
Paraíba, n. 54, p. 81-98, Jan./Jun. 2021; PEREIRA, Súllivan dos Santos. Contrato de trabalho
intermitente versus proteção constitucional do trabalho: uma análise dos silêncios e contradições
do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região entre 2017 e 2020. 2022. Dissertação (Mestrado
em Direito) Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022.
67 ARTUR, Karen; FREITAS, Lígia Barros de; REIS, Thiago Crisóstomo Cruz; FERREIRA, Ana Carla Souza.
Contrato intermitente e o redirecionamento da Constituição no STF. In: ENCONTRO NACIONAL DA
ABET, 17, 2021, Uberlândia. Anais eletrônicos [...]. Uberlândia: ABET, 2021.
68 PEREIRA, Súllivan dos Santos; OLIVEIRA, Isabela Fadul de. Contrato intermitente e a desproteção
social do trabalho. Revista da ABET. Paraíba, v. 19, n. 1, p. 43, Jan./Jun. 2020. Disponível em:
https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/abet/article/view/52341/31257. Acesso em: 12 abr. 2023.
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e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-43, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.157.
Em verdade, os argumentos utilizados pelo patronato brasileiro de que o
contrato de trabalho intermitente contribui para geração de novos postos de
emprego, assim como de que é um avanço, são argumentos não amparados na
realidade fática, conforme as pesquisas realizadas no Centro de Estudos Sindicais e
de Economia do Trabalho do Instituto de Economia da Unicamp (CESIT-
IE/UNICAMP)69, na Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista
(REMIR)70 e no Ministério Público do Trabalho (MPT)71.
Frente ao exposto, percebe-se que a forma contratual intermitente nega os
direitos trabalhistas historicamente conquistados, desrespeita os princípios basilares
do Direito do Trabalho, como o princípio da proteção ao trabalhador, assim como
viola o direito ao trabalho digno constitucionalmente assegurado. O trabalho
intermitente fere o preceito constitucional da obrigatoriedade do pagamento de um
salário mínimo mensal, da jornada de trabalho de 44 horas semanais e do trabalho
digno constitucionalmente assegurado. Portanto, mais que a institucionalização do
trabalho informal ou do “bico”, o contrato de trabalho intermitente é um moderno
aparato de “organização” do mercado de trabalho, eficiente na promoção da
instabilidade social.
69 BIAVASCHI, Magda. A “reforma” trabalhista e as instituições públicas do trabalho: impactos na
judicialização dos conflitos. In: KREIN, José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira; MANZANO, Marcelo;
LEMOS, Patrícia Rocha (org). O Trabalho pós-reforma trabalhista (2017). São Paulo: CESIT, 2021. p.
395-442; GALVÃO, Andréia [et al.]. Dossiê Reforma Trabalhista. Campinas: UNICAMP/CESIT/IE, 2017;
TEIXEIRA, Marilane Oliveira et al. Contribuição crítica à reforma trabalhista. São Paulo: UNICAMP,
2017.
70 KREIN, José Dari; VÉRAS DE OLIVEIRA, Roberto. Para além do discurso: os impactos efetivos da
Reforma nas formas de contratação. In: KREIN, José Dari; VÉRAS DE OLIVEIRA, Roberto; FILGUEIRAS,
Vitor Araújo (org). Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade. Campinas: Curt
Nimuendajú, 2019. p. 81-154. Disponível em: https://www.cesit.net.br/wp-
content/uploads/2019/09/Livro-REMIR-v-site.pdf. Acesso em: 12 abr. 2023.
71 KREIN, José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira. O avanço das formas de contratação flexíveis. In:
KREIN, José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira; MANZANO, Marcelo; LEMOS, Patrícia Rocha (org.). O
Trabalho pós-reforma trabalhista (2017). São Paulo: CESIT, 2021.
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2.2. “Super” litigiosidade na justiça do trabalho?
Em relação à suposta alta litigiosidade na Justiça do Trabalho, a retórica
patronal argumenta que ocorreria uma queda no número de ações após a Reforma
Trabalhista. De início, salienta-se que essa movimentação de retirada de direitos
recém adquiridos na década de 1990 foi concomitante com a crescente judicialização
de demandas na Justiça do Trabalho, então vista como uma instituição aliada do
trabalhador na defesa de seus direitos72. Lúcia Morel e Elina Pessanha73 trazem esse
movimento como um indicador de acesso à justiça e à informação, ambos
assegurados pela Constituição de 1988. Contudo, vale lembrar que essa década foi
atravessada pela luta de classes, o que conferiu mais acesso à informação pelo
trabalhador, pois as atividades nas portas das fábricas, sobretudo no Sudeste do país,
foram bem amplas.
As diversas mudanças na configuração da forma de contratação (como o
contrato por tempo parcial) e nas relações de classe no país, segundo Adalberto
Cardoso e Telma Lage74, conferiram à Justiça do Trabalho, nos anos de 1990, um
papel de destaque no desenho legislativo e na regulação pública do trabalho. A
crescente judicialização das demandas interferiu no comportamento dos conflitos
entre capital e trabalho no país, que cada dia mais se defronta com a mediação de
advogados e juízes do trabalho como intérpretes dos direitos laborais. Maiormente
aos tradicionais mecanismos de representação coletiva, como sindicatos, comissões
de empresa ou centrais sindicais.
Após a promulgação da Constituição de 1988, a Justiça do Trabalho passou a
ser um importante local para receber demandas pela definição de direitos
constitucionalmente estabelecidos e de legitimação de novas práticas contratuais. E
o processo de disputa travado pelos organismos internacionais e pela burguesia
72 CARDOSO, Adalberto; LAJE, Telma. Instituições trabalhistas na América Latina: desenho legal e
desempenho real. BENSUSÁN, Graciela (coord.) [et al.]. Desenho legal e desempenho real: Brasil.
Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 161-224.
73 MOREL, Regina Lucia M.; PESSANHA, Elina G. da Fonte. A justiça do trabalho. Tempo Social, v. 19,
n. 2, p. 87-109, 2007.
74 CARDOSO, Adalberto; LAJE, Telma. Instituições trabalhistas na América Latina: desenho legal e
desempenho real. BENSUSÁN, Graciela (coord.) [et al.]. Desenho legal e desempenho real: Brasil.
Rio de Janeiro: Revan, 2006. p. 161-224.
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interna no começo dos anos de 1990 para sua incorporação à Justiça Comum, embora
não tenha logrado êxito, não saiu perdedor, culminando na reforma do Judiciário
através da Emenda Constitucional nº 45 de 2004.
A Reforma Trabalhista de 2017 fragilizou as instituições públicas impondo uma
série de obstáculos ao exercício do direito constitucional de acesso ao Judiciário,
bem como mediante a redução do papel da Justiça do Trabalho, da fiscalização das
normas de proteção ao trabalho e das restrições do acesso dos trabalhadores à
Justiça. A exemplo da abertura para a possibilidade do pagamento de honorários
periciais, honorários advocatícios de sucumbência e custas processuais serem
suportadas pelo trabalhador e a previsão do procedimento de jurisdição voluntária
para a homologação de acordo extrajudicial75. Tais exemplos apontam para o
enfraquecimento das instituições protetoras dos direitos sociais, uma vez que
dificultam o acesso do trabalhador a tais instituições. De acordo com Renata Dutra76,
muitas ações legisladas em 2017 já estavam sendo permitidas pelo STF nos anos
anteriores, órgão judicial que protagonizou uma série de fragilizações da
jurisprudência do TST, como o da prevalência do negociado sobre o legislado.
A pesquisa coordenada por Magda Biavaschi no Centro de Estudos Sindicais no
ano de 2017 enfatiza que essa legislação objetiva fragilizar as instituições públicas
do trabalho, especificamente a Justiça do Trabalho. Os argumentos para tais
medidas, como já abordado, são os mesmos trazidos na década de 1990, a alegada
alta litigiosidade é um dos elementos que ganharam o debate popular77.
Entretanto, a alegação dessa litigiosidade na mídia não vem acompanhada dos
dados oficiais publicados. Em consonância com os dados angariados na pesquisa de
75 TEIXEIRA, Marilane Oliveira et al. Contribuição crítica à reforma trabalhista. São Paulo: UNICAMP,
2017.
76 DUTRA, Renata Queiroz. A regulação pública do trabalho e a Reforma Trabalhista: impactos e
reações do Poder Judiciário à Lei n.º 13.467/2017. In: KREIN, José Dari.; VÉRAS DE OLIVEIRA, Roberto.;
FILGUEIRAS, Vitor Araújo. (Org). Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade. Campinas:
Curt Nimuendajú, 2019. p. 155-178. Disponível em: https://www.cesit.net.br/wp-
content/uploads/2019/09/Livro-REMIR-v-site.pdf. Acesso em: 12 abr. 2023.
77 BIAVASCHI, Magda Barros (org); DROPPA, Alisson; ALVARENGA, Ana Paula; COELHO, Elaine D´ávila;
PERNIAS, Tomás Rigoletto. Os impactos de algumas reformas trabalhistas na regulação e nas
instituições públicas que atuam no mundo do trabalho. Campinas: CESIT/IE/UNICAMP, 2017.
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Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
PEREIRA, Súllivan; FA LAVINA , Renata. O legado da reforma trabalhista brasileira de 2017. Revista Jurídica Trabalho
e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-43, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.157.
Vitor Filgueiras78 sobre a fiscalização do trabalho, a partir da análise dos dados do
TST e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Magda Biavaschi e colaboradores79
demonstraram o quanto essa alegação de litigiosidade é falaciosa e não decorre da
ineficiência da Justiça do Trabalho, da insegurança jurídica ou do detalhamento
acentuado de obrigações trabalhistas, mas, do sistemático descumprimento das
normas mínimas de proteção ao trabalho80 .
O conteúdo das ações judiciais é variável. Mas segundo dados do CNJ mais
de 60% dos temas encaminhados à Justiça do Trabalho dizem respeito às
parcelas decorrentes das despedidas, ou seja, da “Rescisão do Contrato de
Trabalho”, seguido da “Remuneração e Verbas Indenizatórias” em 19,29%.
Somadas essas duas demandas tem-se 80,04% do total, sendo possível
perceber que a maioria absoluta das reclamatórias encaminhadas à Justiça
do Trabalho estão vinculadas à instabilidade da permanência no emprego e
ao não pagamento dos direitos básicos como salários81.
A partir dos dados publicados pelo CNJ e TST em 2017, os ajuizamentos das
reclamações trabalhistas cresceram sistematicamente de 1988 (1.044.469 processos)
até 2016 (3.957.179 processos). Contudo, a partir de 2013 evidenciou-se uma
tendência de redução do número de magistrados na relação entre 100 mil habitantes
de 2,04 para 1,92 juiz por 100 mil habitantes82.
O argumento da ineficiência da Justiça do Trabalho na resolutividade de
conflitos, conforme resultado da análise dos dados também não prospera, porque o
78 FILGUEIRAS, Vitor Araújo. Estado e Direito do Trabalho no Brasil: regulação do emprego entre
1988 e 2008. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal da Bahia, 2012.
79 BIAVASCHI, Magda Barros (org); DROPPA, Alisson; ALVARENGA, Ana Paula; COELHO, Elaine D´ávila;
PERNIAS, Tomás Rigoletto. Os impactos de algumas reformas trabalhistas na regulação e nas
instituições públicas que atuam no mundo do trabalho. Campinas: CESIT/IE/UNICAMP, 2017.
80 Como os dados do TST e do CNJ evidenciam, “grande parte das reclamatórias propostas buscam o
pagamento das parcelas rescisórias decorrentes de despedidas injustas, horas extras trabalhadas e o
reconhecimento do vínculo de emprego burlado. Portanto, a segurança jurídica almejada é a
liberdade de a empresa fazer o que quer, deixando o trabalhador em absoluta insegurança e
instabilidade” BIAVASCHI, Magda Barros (org); DROPPA, Alisson; ALVARENGA, Ana Paula; COELHO,
Elaine D´ávila; PERNIAS, Tomás Rigoletto. Os impactos de algumas reformas trabalhistas na
regulação e nas instituições públicas que atuam no mundo do trabalho. Campinas:
CESIT/IE/UNICAMP, 2017, p. 8.
81 BIAVASCHI, Magda Barros (org); DROPPA, Alisson; ALVARENGA, Ana Paula; COELHO, Elaine D´ávila;
PERNIAS, Tomás Rigoletto. Os impactos de algumas reformas trabalhistas na regulação e nas
instituições públicas que atuam no mundo do trabalho. Campinas: CESIT/IE/UNICAMP, 2017, p. 12.
82 BIAVASCHI, Magda Barros (org); DROPPA, Alisson; ALVARENGA, Ana Paula; COELHO, Elaine D´ávila;
PERNIAS, Tomás Rigoletto. Os impactos de algumas reformas trabalhistas na regulação e nas
instituições públicas que atuam no mundo do trabalho. Campinas: CESIT/IE/UNICAMP, 2017.
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Judiciário Trabalhista em 2016 concentrava apenas 6,8% dos processos pendentes,
ao passo que a Justiça Estadual ficou responsável por 79,2% dos processos pendentes
e a Justiça Federal por 12,6% dos processos83.
Também importa trazer a pesquisa posteriormente realizada por Dari Krein84
respondendo à improcedente justificativa de uma reforma na Justiça do Trabalho
para conter o excessivo número de processos. Em 2018 existiam cerca de 3 milhões
de processos ao ano tramitando no Judiciário Trabalhista, contudo, estatisticamente
em relação ao número de habitantes que existem no país, esse número é baixo. No
Brasil, existem cerca de 15 milhões de trabalhadores sem o direito básico à carteira
assinada, indicando que a tradição brasileira é de negação da formalização do vínculo
laboral e de descumprimento da legislação trabalhista. Portanto, institucionalizar
medidas que fragilizam as instituições públicas é perquirir um aumento do
descumprimento, da fraude e da ilegalidade.
Os ajuizamentos caíram abruptamente nos doze meses subsequentes à
reforma, conforme dados do TST até dezembro de 2019. Algumas razões podem ser
atribuídas, quais sejam:
1) dificuldade de acesso ao Judiciário pelos trabalhadores, devido às
significativas mudanças no processo do trabalho; 2) os ônus das custas,
honorários do advogado da parte contrária (honorários sucumbenciais),
multas e honorários periciais em demandas por insalubridade ou
periculosidade quando não encontrados tais agentes (mesmo para
beneficiários da gratuidade de justiça), trouxe grandes inseguranças tanto
em relação à possibilidade do não êxito das ações (ainda que as lesões a
direitos continuem), quanto ao medo, em cenário de desemprego, de que
ajuizamentos sejam empecilhos às contratações; 3) retirada da
obrigatoriedade dos sindicatos ou das Delegacias Regionais do Trabalho
(DRT´s) integrantes do extinto Ministério do Trabalho e Emprego ,
prestarem assistências às rescisões de trabalhadores com mais de um ano de
casa, as chamadas “homologações”85.
83 BIAVASCHI, Magda Barros (org); DROPPA, Alisson; ALVARENGA, Ana Paula; COELHO, Elaine D´ávila;
PERNIAS, Tomás Rigoletto. Os impactos de algumas reformas trabalhistas na regulação e nas
instituições públicas que atuam no mundo do trabalho. Campinas: CESIT/IE/UNICAMP, 2017.
84 KREIN, José Dari. O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da
ação coletiva: consequências da reforma trabalhista. In: Tempo Social, v. 30, n. 1, p. 77-104, 2018.
85 BIAVASCHI, Magda. A “reforma” trabalhista e as instituições públicas do trabalho: impactos na
judicialização dos conflitos. In: KREIN, José Dari; TEIXEIRA, Marilane Oliveira; MANZANO, Marcelo;
LEMOS, Patrícia Rocha (org.). O Trabalho pós-reforma trabalhista (2017). São Paulo: CESIT, 2021.
p. 395-442.
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Nesse diapasão, é oportuno trazer a reflexão presente no resultado da
pesquisa sobre instituições públicas e a flexibilização do trabalho desenvolvida por
Magda Biavaschi e Dari Krein. Conforme estes, os seres humanos à frente das
instituições públicas com a incumbência de dizer o direito fazem parte da ossatura
do Estado, têm relativa autonomia de atuação, mas estão sujeitos “às influências
políticas e de forças sociais que refletem interesses e concepções presentes na
sociedade brasileira”86.
A regulação pública do trabalho encontra óbices de concretização e a Justiça
do Trabalho é a instituição mais representativa do modelo interpretativo do trabalho
a ser aplicado em caso de conflitos a respeito da aplicabilidade dessa legislação e,
mesmo com suas contradições, ainda funciona como um espaço de disputa,
permeável aos interesses da classe trabalhadora.
Assim, tem-se que a dita alta litigiosidade na Justiça do Trabalho não se
verifica quando da análise dos dados a este respeito. As alterações legislativas
encampadas na Reforma Trabalhista de 2017, ademais, fragilizaram as instituições
públicas de proteção social ao trabalho, do que é forte exemplo a maior dificuldade
de acesso pelos trabalhadores à Justiça Trabalhista.
2.3. A prevalência do acordado sobre o legislado
Além do quanto exposto até aqui, destacamos algumas medidas propostas pelo
governo de Michel Temer, para a agenda trabalhista, que foram consubstanciadas na
Reforma em comento e que atingem direta ou indiretamente o Direito Coletivo do
Trabalho. A fragilização sindical a partir de mudanças na negociação coletiva foi uma
destas medidas, a exemplo da fragmentação da base sindical, da descentralização
das negociações coletivas, das alterações nas regras para representação no local de
trabalho e das restrições impostas às formas de custeio da organização sindical87.
86 KREIN, José Dari; BIAVASCHI, Magda Barros. As instituições públicas e o processo de flexibilização
das relações de trabalho no Brasil. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 31, 2007, Campinas. Anais
eletrônicos [...]. Caxambu: ANPOCS, 2007.
87 GALVÃO, Andréia; MARCELINO, Paula. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 32, n. 1, p.
157-182, 2020.
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No que se refere mais detidamente ao tema da prevalência do acordado sobre
o legislado, a retórica empresarial vocifera sua necessidade para conferir maior
flexibilidade e “modernidade” às relações de trabalho. Tal palavrório também
entende ultrapassada a noção de hipossuficiência dos trabalhadores, defendendo a
existência de uma relação entre iguais, do que decorreria a possibilidade, inclusive,
de negociação individual de diversos direitos trabalhistas.
A Reforma Trabalhista de 2017, nessa toada, fragilizou significativamente o
âmbito sindical e a seara da ação coletiva dos trabalhadores, ao promover uma série
de alterações no que tange à negociação coletiva. Para entender a magnitude de tais
alterações, faz-se mister relembrar que no Brasil a estrutura sindical é pautada pela
unicidade das entidades de base e pela pluralidade nas de cúpula. Há extensa
discussão no âmbito jurídico e acadêmico em relação a aspectos importantes da vida
sindical, do que é exemplo a manutenção ou a extinção do monopólio da
representação sindical. Inclusive, consoante Marilane Oliveira Teixeira88, a Reforma
Trabalhista em análise não promoveu alterações na estrutura sindical do país. O que
não significa dizer, contudo, que não ocorreram mudanças significativas. São
exemplos das medidas que atingem o sindicalismo as seguintes alterações:
1) o aprofundamento da fragmentação das bases de representação sindical;
2) a prevalência do acordado sobre o legislado e a inversão da hierarquia dos
instrumentos normativos; 3) a possibilidade de negociação individual de
aspectos importantes da relação de trabalho; 4) a eliminação da
ultratividade dos acordos e da cláusula mais favorável; 5) a representação
dos trabalhadores no local de trabalho independentemente dos sindicatos;
6) a redução dos recursos financeiros aos sindicatos89.
A partir do elenco de modificações que se circunscrevem ao âmbito do direito
sindical, temos condições de entrever que a despeito da Reforma Trabalhista não
mirar uma reestruturação do sindicalismo nacional, ela afetou negativamente e em
grande medida a ação coletiva dos trabalhadores. No que se refere especificamente
à prevalência do negociado sobre o legislado, forçoso relembrar o papel que a
negociação coletiva desempenha historicamente na sociedade brasileira. Como
88 TEIXEIRA, Marilane Oliveira et al. Contribuição crítica à reforma trabalhista. São Paulo: UNICAMP,
2017.
89 TEIXEIRA, Marilane Oliveira et al. Contribuição crítica à reforma trabalhista. São Paulo: UNICAMP,
2017, p. 94.
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observa Teixeira90, o Estado desempenhou um papel central na regulamentação das
relações de trabalho, sendo que os acordos e convenções coletivas apenas tinham o
papel de complementar os direitos já regulamentados, por vezes, inclusive,
reiterando o quando previsto em lei.
Com o advento da nova redação do artigo 620 da CLT, ocorreu a inversão da
hierarquia entre tais instrumentos, de sorte que para além da permissão da
prevalência do quanto acordado sobre matéria legislada, o acordo coletivo de
trabalho passa a prevalecer sobre as estipulações da convenção coletiva,
fragmentando ainda mais a ação dos trabalhadores. O artigo celetista mencionado
assim preconiza: “as condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre
prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho”91. Tendo em
vista que a abrangência do acordo é menor do que a da convenção coletiva, também
o poder de barganha dos trabalhadores beneficiados pelo primeiro é menor,
deixando-os mais suscetíveis a deliberações prejudiciais aos seus interesses de
classe.
Entendemos que tal inversão de hierarquias impacta negativamente a classe
trabalhadora, na medida em que submete esta a uma maior discricionariedade por
parte dos empregadores. Concretamente, o que temos verificado no último período
em que vigeu esta nova redação celetista foi a viabilização de regramentos
favoráveis às empresas e desfavoráveis aos interesses dos trabalhadores.
Anteriormente à Reforma, a sobreposição do acordado sobre a lei somente era
reconhecida quando beneficiasse os trabalhadores. Ao passo que, hodiernamente tal
sobreposição é legalizada inclusive quando reduz e/ou flexibiliza direitos
estabelecidos em lei92.
Além disso, o artigo 611-A da Consolidação estipula um rol de direitos que
podem ser negociados, ao passo que no artigo 611-B são ressalvados objetos que não
podem ser renunciados, e aqui vemos tão somente a replicação dos direitos
90 TEIXEIRA, Marilane Oliveira et al. Contribuição crítica à reforma trabalhista. São Paulo: UNICAMP,
2017.
91 BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho.
São Paulo, 1943.
92 KREIN, José Dari [et. al.]. Negociações coletivas: pós-reforma trabalhista (2017). v. 2. São Paulo:
CESIT, 2021, p. 528.
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resguardados constitucionalmente. Já o artigo 44493 do mesmo dispositivo permite
que trabalhadores que recebam determinado valor de salário possam
individualmente negociar aspectos da relação laboral que tenham sido tratados
coletivamente. Neste artigo temos a corporificação da retórica empresarial de
desconsideração da posição hipossuficiente dos trabalhadores, de forma que tal
noção foi suplantada pela ideia de simetria e de paridade entre as partes do contrato
de trabalho.
Conjuntamente com as demais medidas atinentes à seara sindical, e que
elencamos acima, a Reforma Trabalhista enfraqueceu o poder dos sindicatos e
fragmentou/individualizou ainda mais as relações de trabalho e a ação conjunta dos
trabalhadores. E isso, segundo Dari Krein94, num contexto de crise econômica severa
que teve como consequência a diminuição no número de trabalhadores
sindicalizados, cenário que corrobora ainda mais para a diminuição do poder de
barganha dos sindicatos e para a restrição do espaço de negociação.
Em relação aos temas que têm se mostrado mais presentes nos instrumentos
coletivos após a Reforma, constatamos em Krein95 que a tendência geral é no sentido
“de legitimação de práticas flexibilizadoras das relações de trabalho que
encontraram na reforma trabalhista um ponto de aprofundamento”. Ou seja, os
acordos que estão sendo firmados priorizam temáticas que flexibilizam as relações
trabalhistas.
A pesquisa apresentada na obra de Krein96 (2021b) revela que entre
convenções e acordos coletivos firmados antes e depois da Reforma Trabalhista, o
93 Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes
interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos
coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes. Parágrafo único. A
livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A
desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos,
no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou
superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. BRASIL.
Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho. São Paulo,
1943.
94 KREIN, José Dari [et. al.]. Negociações coletivas: pós-reforma trabalhista (2017). v. 2. São Paulo:
CESIT, 2021.
95 KREIN, José Dari [et. al.]. Negociações coletivas: pós-reforma trabalhista (2017). v. 2. São Paulo:
CESIT, 2021, p. 531.
96 KREIN, José Dari [et. al.]. Negociações coletivas: pós-reforma trabalhista (2017). v. 2. São Paulo:
CESIT, 2021.
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tema do financiamento sindical continua a ser o mais negociado. Já a baixa
frequência de instrumentos coletivos que tratem da questão da organização no local
de trabalho aponta para o baixo êxito da comissão de representação. Esta baixa
aderência das comises de representação pode ser explicada tanto pela falta de
interesse dos atores em criar tais comissões, quanto pela cultura do trabalho no
Brasil que desconsidera os mecanismos de diálogo no local de trabalho. E no que se
refere à homologação da rescisão contratual, os instrumentos coletivos têm mantido
a assistência sindical. Contudo, esta permanência da assistência sindical vem
acompanhada da cobrança da prestação do serviço por parte do sindicado ou de
algum tipo de taxa retributiva, ou ainda ocorre a diferenciação entre os empregados
que têm assistência sindical e aqueles que não têm.
Ainda de acordo com a pesquisa comunicada em Krein97, na comparação entre
negociações coletivas efetivadas antes e depois da Reforma, percebeu-se um esforço
pela manutenção das formas de financiamento sindical vigentes anteriormente às
alterações legislativas. Com destaque para a contribuição assistencial/negocial, as
quais são definidas em assembleia e devidas por toda a categoria abrangida pelo
acordo ou convenção coletiva.
Todo esse cenário adverso ao sindicalismo gera preocupação em torno das
formas de sustentação financeira das entidades sindicais. Afinal, sem esta
sustentação como conseguirão realizar negociações coletivas favoráveis aos
trabalhadores? É nessa contradição que reside o impacto negativo da Reforma aos
trabalhadores. Vale dizer, por um lado as entidades sindicais são ceifadas em sua
ação, pois sofrem com o corte de sua principal fonte de custeio, impelindo-as a criar
alternativas de sustentação. Por outro, o espaço de negociação é aumentando,
submetendo mais direitos trabalhistas à discricionariedade das celebrações
coletivas. Enfraquecida, a ação coletiva dos trabalhadores é compelida a aceitar
cláusulas por vezes prejudiciais. E a crise econômica e os altíssimos patamares de
desemprego conferem o contexto ideal para a retirada de direitos98.
97 KREIN, José Dari [et. al.]. Negociações coletivas: pós-reforma trabalhista (2017). v. 2. São Paulo:
CESIT, 2021.
98 KREIN, José Dari. O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da
ação coletiva: consequências da reforma trabalhista. In: Tempo Social, v. 30, n. 1, p. 77-104, 2018.
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Com a Reforma, então, práticas flexibilizadoras das relações de trabalho são
legitimadas, assim como o são formas de contratação mais instáveis, a
despadronização do tempo de trabalho e o patamar mais rebaixado de direitos99. A
negociação coletiva também tem suas margens diminuídas, limitando seu campo de
ação. E a possibilidade de serem firmados acordos individuais coloca em xeque o
papel mesmo dos sindicatos em disputarem as condições de trabalho.
Tendo em vista o quanto exposto, não gera estranhamento o resultado da
pesquisa sindical realizada pela REMIR100, a qual aponta para uma maioria de
dirigentes sindicais que são contrários à Reforma. Referida pesquisa sindical
entrevistou 94 dirigentes filiados a sindicatos de diferentes centrais sindicais. Na
amostra também havia diversidade quanto às regiões do país em que os entrevistados
residiam e às categorias profissionais a que pertenciam. Fato é que 94,9% dos
dirigentes mostraram-se contrários à Reforma e 92,4% defendiam sua completa
revogação.
Graça Costa101 defende que a despeito das grandes transformações no mundo
do trabalho, o papel e a importância dos sindicatos continuam atuais, sendo
premente que estes recuperem seu poder organizacional. Entende que responder ao
desafio de se construir um novo sindicato perpassa, antes, pelo entendimento de que
o mundo do trabalho transformado requer formas de organização dos trabalhadores
também transformadas. Ou seja, seria preciso que o sindicato enquanto instância de
organização se reinventasse. Exemplo disto seria servir de referência não somente
aos trabalhadores formais, mas também aos que estão à margem da proteção sindical
tradicional.
99 KREIN, José Dari [et. al.]. Negociações coletivas: pós-reforma trabalhista (2017). v. 2. São Paulo:
CESIT, 2021, p. 561.
100 REMIR. Maioria dos dirigentes sindicais é contra a Reforma e defende sua revogação. 2019.
Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/remir/index.php/sindicalismo/145-maioria-dos-
dirigentes-sindicais-e-contra-a-reforma-e-defende-sua-revogacao-completa. Acesso em: 12 abr.
2023.
101 COSTA, Graça. Por um novo sindicato. Campinas: REMIR, 2021. Disponível em:
https://www.eco.unicamp.br/remir/index.php/sindicalismo/279-por-um-novo-sindicato. Acesso
em: 12 abr. 2023.
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Por fim, Campos, Galvão, Lemos e Trópia102 tratam sobre os dilemas
enfrentados pelo sindicalismo brasileiro no período posterior à Reforma Trabalhista
e apontam os mecanismos que estão sendo mobilizados para garantir a sobrevivência
dos sindicatos e para construir novos horizontes. Na seara da sobrevivência, os
sindicatos têm tentado manter suas estruturas administrativas, seja por meio de
iniciativas para diminuir a desfiliação, seja através de campanhas para novas
filiações. Para além destas questões materiais mais imediatas, contudo, os
pesquisadores apontam que a sobrevivência dos sindicatos também requer um
trabalho político que faça frente à lógica neoliberal. E aqui se insere a questão de
representar também aqueles trabalhadores precários e mesmo informais, para além
dos formais. Já na esfera da reinvenção dos sindicatos, os pesquisadores apontam
para a necessidade de discussão do modelo de organização sindical, posto que um
novo modelo poderia vir a assegurar uma liberdade e uma autonomia sindicais
efetivamente plenas.
Assim, no que se refere ao impacto da Reforma Trabalhista no âmbito sindical,
são diversos os desdobramentos. E a questão da sobreposição do quanto acordado
sobre o legislado, em conjunto com a maior dificuldade de sustentação financeira
dos sindicados corrobora para a degradação das relações e das condições de trabalho
no Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O neodesenvolvimentismo dos governos petistas não impediu o avanço do
capital imperialista contemporâneo e se encerrou no golpe de 2016. Com a saída dos
governos do PT, houve a reimplantação da agenda neoliberal pela burguesia interna
associada ao capital internacional, fato que impactou diretamente o padrão social
de proteção ao trabalho. Sob o argumento de que o país estava em crise por causa
da corrupção interna e, para sair dessa crise e gerar novos postos de emprego, era
102 CAMPOS, Anderson; GALVÃO, Andréia; LEMOS, Patrícia; TRÓPIA, Patrícia Vieira. Sobreviver e se
reinventar: os dilemas do sindicalismo brasileiro pós-reforma trabalhista. GGN, o jornal de todos os
Brasil. São Paulo, 5 jan. 2021. Disponível em: https://jornalggn.com.br/trabalho/sobreviver-e-se-
reinventar-dilemas-do-sindicalismo-brasileiro-pos-reforma-trabalhista/. Acesso em: 12 abr. 2023.
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necessária uma agenda de reformas no sentido de privatizar estatais, desonerar o
Estado, flexibilizar a legislação trabalhista e previdenciária e congelar os gastos
públicos.
Estabelecidas essas conclusões acimas, reitera-se que o objetivo do presente
estudo foi apresentar a retórica patronal em favor das modificações inseridas pela
Reforma Trabalhista de 2017, demonstrar sua fragilidade e apontar para a
exasperação das desigualdades no diálogo entre as partes dos contratos de trabalho,
para a insegurança jurídica que exsurge das alterações e para o atraso civilizacional
que foi imposto às relações de trabalho. O falacioso argumento neoliberal de geração
de postos de emprego utilizado para aprovar essa Reforma do sistema de proteção
social vigente, vai ao revés dos indicadores sociais do trabalho. Em verdade, houve
queda no número de empregados com carteira assinada no setor privado, aumento
do desemprego oculto pelo desalento e crescimento da informalidade no país.
Por meio de uma análise mais detida de três aspectos da Reforma,
demonstrou-se o legado desta Reforma. Analisou-se o contrato de trabalho
intermitente, no qual o empregado é convocado a trabalhar ao arbítrio das
necessidades do empregador, no intervalo de tempo determinado por este e não
tendo a garantia da remuneração mínima mensal. Em flagrante desrespeito à
Constituição Federal, fica totalmente ao crivo do empregador estabelecer tais
parâmetros contratuais, gerenciando unilateralmente as cláusulas contratuais mais
importantes da relação empregatícia, quais sejam: a remuneração e a jornada de
trabalho.
Também foi criticamente verificada a suposta “super” litigiosidade da Justiça
do Trabalho, pelo que foi possível concluir que a Reforma de 2017 dificultou o acesso
dos trabalhadores às instituições de proteção social, obstaculizando a reivindicação
destes atores sociais por seus direitos.
E, por último, foi estudada a questão da prevalência do acordado sobre o
legislado, a qual foi versada de maneira a apresentar os diversos impactos negativos
que a Reforma gerou sobre o âmbito sindical, por um lado aumentando a miríade de
direitos que podem ser negociados coletivamente, e por outro diminuindo a
capacidade de sustentação financeira dos sindicatos. A partir destes três temas
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elegidos, esperamos ter contraposto a argumentação da CNI de defesa da Lei de
2017, aportando indicadores sociais e resultados de pesquisas acadêmicas.
A Lei da Reforma Trabalhista é uma norma infraconstitucional que deve,
portanto, ser interpretada à luz do conjunto de normas e dos princípios fundamentais
positivados na Constituição Federal. E tal interpretação deve também ocorrer
sobretudo no que se refere às inovações legislativas nocivas ao mercado de trabalho
e aos trabalhadores, a exemplo do contrato de trabalho intermitente, do acesso à
Justiça do Trabalho e da sobreposição do negociado sobre o legislado.
Por fim, as conclusões desse estudo permitem constatar que apesar de muitos
retrocessos no âmbito da Corte Superior, o Judiciário é um espaço de disputa e que,
embora existam importantes adesões à agenda neoliberal, também existem
manifestações de resistência à implementação desse projeto. Portanto, o Judiciário,
entendido como espaço heterogêneo e permeável, ainda apresenta algum potencial
de impor limites constitucionais à legislação neoliberal.
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Súllivan Pereira
Advogada e Professora de Direito e Sociologia do Trabalho. Doutoranda em Sociologia
(Unicamp). Mestra em Direitos Fundamentais, Cultura e Relações Sociais (PPGD/UFBA).
Bacharela em Direito (UFBA). Lattes: http://lattes.cnpq.br/0190174078122673. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-8123-7485. E-mail: sullivanpereira83@gmail.com.
Renata Falavina
Socióloga e advogada. Mestranda em Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Campinas. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual
do Trabalho pela Escola Paulista de Direito. Bacharela em Ciências Sociais pela Universidade
Federal de São Paulo. Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7539223853752223. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5366-
8691. E-mail: renatafalavina@gmail.com.