Recebido em: 04/05/2023
Aprovado em: 06/09/2023
Reforma Trabalhista: o que a Espanha ensina ao Brasil?
Labor Reform: what does Spain teach
Brazil?
Reforma Laboral: ¿qué enseña España
a Brasil?
Vanessa Patriota da Fonseca
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9634415544539574
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1700-9610
Hugo Cavalcanti Melo Filho
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1618403722316877
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7627-3257
RESUMO
No Brasil, a Lei 13.467/2017, inspirada em reformas trabalhistas neoliberais
espanholas de 2010, 2011 e 2012, promoveu uma ampla alteração da
Consolidação das Leis do Trabalho com intensa flexibilização da legislação
laboral. Mas a Espanha, sob distintas premissas, efetuou nova reforma em
2022, que buscou fortalecer as entidades sindicais e reduzir a contratação
precária, em especial, a contratação temporária. O presente trabalho
consiste em um estudo comparado que busca contextualizar as referidas
normas do ponto de vista socioeconômico, identificar pontos comuns entre
as reformas espanholas e a brasileira e analisar suas consequências para os
trabalhadores e as entidades sindicais. Conclui que o Brasil precisa voltar a
se inspirar na Espanha, desta vez sob novas premissas e fundamentos
cientificamente comprovados, e, a partir de um amplo diálogo social, dar
início à reconstrução de sua legislação trabalhista de modo a fazer valer os
direitos constitucionalmente assegurados à classe que vive do trabalho.
PALAVRAS-CHAVE: direito comparado; mercado de trabalho;
neoliberalismo; reforma trabalhista.
ABSTRACT
In Brazil, Law 13.467/2017, inspired by the Spanish neoliberal labor reforms
of 2010, 2011 and 2012, promoted a broad amendment to the Consolidation
of Labor Laws with intense flexibility of labor legislation. But Spain, under
different assumptions, carried out a new reform in 2022, which sought to
strengthen unions and reduce precarious hiring, in particular temporary
hiring. The present work consists of a comparative study that seeks to
contextualize these norms from a socioeconomic point of view, identify
common points between the Spanish and Brazilian reforms and analyze their
consequences for workers and unions. It concludes that Brazil needs to be
inspired by Spain once again, this time under new assumptions and
scientifically proven foundations, and, based on a broad social dialogue,
beginning the reconstruction of its labor legislation in order to enforce the
constitutionally guaranteed rights to the class that lives from labor.
KEYWORDS: comparative law; labor market; labor reform; neoliberalism.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
FONSECA, Vanessa Patriota da; FILHO, Hugo Cavalcanti Melo. Reforma Trabalhista: o que a Espanha ensina ao Brasil?.
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 6, p. 1-35, 2023. DOI:
https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.154.
RESUMEN
En Brasil, la Ley 13.467/2017, inspirada en las reformas laborales
neoliberales españolas de 2010, 2011 y 2012, impulsó una amplia reforma a
la Consolidación de las Leyes Laborales con una intensa flexibilización de la
legislación laboral. Pero España, bajo distintos supuestos, llevó a cabo una
nueva reforma en 2022, que buscaba fortalecer los sindicatos y reducir la
contratación precaria, en particular la contratación temporal. El presente
trabajo consiste en un estudio comparativo que busca contextualizar estas
normas desde un punto de vista socioeconómico, identificar puntos en
común entre las reformas españolas y brasileña y analizar sus consecuencias
para los trabajadores y sindicatos. Concluye que Brasil necesita inspirarse
nuevamente en España, esta vez bajo nuevos supuestos y bases
científicamente comprobadas, y, con base en un amplio diálogo social,
iniciar la reconstrucción de su legislación laboral para hacer efectivos los
derechos de clase garantizados constitucionalmente para aquellos que viven
del trabajo.
PALABRAS CLAVE: ley comparativa; mercado de trabajo; neoliberalismo;
reforma laboral.
INTRODUÇÃO
Em julho de 2017, o Brasil aprovou a Lei nº 13.467 conhecida como Lei da
Reforma Trabalhista. Os defensores da Reforma argumentavam que era necessário
flexibilizar a legislação trabalhista para reduzir custos empresariais e gerar
empregos. A CLT, de 1943, era apontada como obsoleta, sem que se observasse que
mais de 560 artigos seus haviam sido modificados do seu nascedouro até a reforma,
boa parte deles mais de uma vez, demonstrando a fragilidade do argumento.
A reforma, diziam seus defensores, tinha forte inspiração em reformas
trabalhistas espanholas no plural porque, na Espanha, desde 1980 mais de 50
reformas laborais foram levadas a cabo. Em que pese esse caráter continuado e
frequente das reformas espanholas, que se assemelha a um processo de ensaio e
erro, dificulte a identificação dos efeitos de cada uma delas, é imprescindível
anali-las, perquirir sobre seus motivos e consequências, para que se possam
antever, com fundamento empírico, possíveis efeitos da reforma trabalhista
brasileira.
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O presente estudo, portanto, analisa as reformas trabalhistas espanholas e a
reforma trabalhista brasileira de 2017, a fim de identificar pontos comuns; comparar
suas consequências na vida dos trabalhadores e, especialmente, das entidades
sindicais; e fazer prospecções a respeito do porvir trabalhista no país. Dentre as
matérias analisadas, destacam-se: a) as relacionadas à representação sindical, tais
como ultratividade das normas coletivas, dispensa coletiva e arbitragem; b) a
flexibilização interna de entrada mediante o estímulo a formas atípicas de
contratação.
O capítulo 1 trata das reformas espanholas de 2010, 2011 e 2012, realçando o
contexto socioeconômico em que estavam inseridas e sua inspiração neoliberal, bem
como, destacando as principais alterações normativas levadas a cabo e suas
consequências na vida dos trabalhadores, na sociedade e no desenvolvimento
econômico do país.
O capítulo 2 adentra na reforma trabalhista brasileira de 2017, elucida seus
antecedentes e sua motivação e destaca as principais alterações legislativas
implementadas para, ao final, promover uma comparão com as reformas
espanholas abordadas no capítulo antecedente e indicar prejuízos causados à classe
trabalhadora e à organização sindical.
O capítulo 3 debruça-se sobre a reforma espanhola de 2022, ressaltando a
mudança de rumo adotada por aquele país em relação às reformas precedentes e
sugere que, se a reforma trabalhista brasileira de 2017 teve inspiração nas reformas
espanholas, é hora de o país dar a mesma guinada que a Espanha e ajustar os rumos
da sua legislação de modo a brecar a precarização e melhorar as condições de
trabalho, pois não faltam pesquisas científicas apontando os efeitos nocivos da
reforma laboral para os trabalhadores, as entidades sindicais, a previdência social e
a própria economia do país.
Conclui que há fortes semelhanças entre a reforma trabalhista brasileira de
2017 e as reformas trabalhistas espanholas da década passada, todas de cunho
neoliberal. Demonstra que as previsões outrora levantadas pelos defensores da
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reforma trabalhista brasileira não se configuraram, e apenas o mercado financeiro
foi beneficiado pela reforma, com fortes prejuízos à classe que vive do trabalho.
Portanto, cabe ao Brasil aprender com a Espanha e, a partir de um amplo diálogo
social, dar início à reconstrução de sua legislação trabalhista de modo a fazer valer
os direitos constitucionalmente assegurados, especialmente nos artigos 7º, 8º e 9º da
Constituição da República.
1. Reformas trabalhistas espanholas neoliberais
A unificação da Europa, levada a efeito nos últimos 60 anos, ocorreu no
contexto da evolução da economia no pós-guerra, que consolidou a crise no
continente, ao tempo em que se constituía o imperialismo global hegemônico dos
Estados Unidos da América, a partir das linhas traçadas na Conferência de Bretton
Woods e no denominado Consenso de Washington.
Durante os chamados Trinta Gloriosos (1945-1975), os europeus
experimentaram o crescimento econômico sem perda de direitos sociais, mas a partir
da década de 1980 e, especialmente, nos anos 1990, o movimento de
desregulamentação iniciado nos Estados Unidos de Reagan e na Inglaterra de
Thatcher, com a proposta de saída do Estado de bem-estar social, ditaram as
mudanças econômicas.
Desde a década de 1990, a Europa tem crescido vagarosamente e o PIB per
capta corresponde a cerca de 66% do PIB per capta dos Estados Unidos1. O mais grave:
as taxas de desemprego são elevadíssimas, a despeito das reformas precarizantes
levadas a efeito, inclusive no campo previdenciário, em contraste com o
envelhecimento da população. As baixas taxas de emprego e os níveis
persistentemente altos de desemprego estrutural, especialmente entre mulheres e
jovens, são sintomas críticos. Do começo da década de 1970 até 1994, a taxa de
1 Dados disponíveis em http://www.indexmundi.com/g/g.aspx?c=it&v=66&l=pt. Acesso em: 02 out.
2023.
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emprego europeia havia caído de 66% a 60%. Durante a década de 1990, a taxa média
de desemprego nos então - quinze países membros da União Europeia fora de 10,5%.
Some-se a isso importantes diferenças de níveis de salário-mínimo e de benefício
sociais entre os países membros2.
A união monetária, conduzida a partir do Tratado de Maastricht, levou os países
europeus a reduzir radicalmente os orçamentos. A dívida pública continuou sendo
um grande problema para a maioria dos países membros3. Depois de haver alcançado
um crescimento anual do PIB de 2,5%, em 1999, e de 3,5%, em 2000, a Europa
experimentou uma valorização excessiva do Euro, a partir de setembro de 2001. As
exportações caíram e o crescimento baixou a 0,5% do PIB em 2003. O déficit
orçamentário era realidade em diversos países. O desemprego havia subido de forma
brusca, sobretudo na França e na Alemanha.
A crise financeira mundial, como explica Melo Filho4,
(...) atingiu o seu ponto culminante em setembro de 2008 com colapso do
banco estadunidense Lehman Brothers. Eliminou 13% da produção e 20% do
comércio mundial e produziu uma fase de depressão que não afastava a
possibilidade de uma estagnação de longo prazo. A ordem capitalista
internacional foi desestabilizada pelo colapso financeiro, que atingiu débitos
soberanos de países da União Europeia. (...)
A fim de reduzir os impactos da crise sobre as respectivas economias, os
Estados ocidentais promoveram ajuda financeira aos setores mais críticos,
injetando bilhões de dólares. A previsão era de que os pacotes de ajuda
evitariam demissões de trabalhadores e mitigariam as drásticas
consequências das turbulências no setor financeiro. Ocorre que essas ajudas
determinaram a redução da arrecadação dos governos e a ampliação do
déficit orçamentário.
Por meio de programas de austeridade, as dívidas dos bancos foram transferidas
aos aposentados e pensionistas, com a destruição dos sistemas previdenciários e
2 VIETOR, Richard H. K. Cómo compiten los países. Barcelona: Deusto, 2008. p. 284-285, tradução
livre.
3 VIETOR, Richard H. K. Cómo compiten los países. Barcelona: Deusto, 2008. p. 286-288, tradução
livre.
4 MELO FILHO, Hugo Cavalcanti. De Bretton Woods a Wuhan e além. In: TOSTES, Anjuli; MELO FILHO,
Hugo (org.). Quarentena: reflexões sobre a pandemia e depois. Bauru: Canal 6, 2020. p. 75.
Disponível em: https://www4.fe.usp.br/wp-content/uploads/ebook-quarentena-1ed-2020.pdf
Acesso em: 4 set. 2023.
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elevação drástica da idade de aposentadoria, bem como aos trabalhadores, com a
eliminação de direitos e a redução de salários. Enfim, a austeridade se traduziu em
ataque aos direitos sociais da atual e das futuras gerações.
Em maio de 2010, o Parlamento grego anunciou cortes orçamentários de 30
bilhões de euros, em três anos. A Itália anunciou um plano de austeridade, no valor
de 24 bilhões de euros, para os próximos dois anos. Portugal e Espanha também
adotaram pacotes com cortes no orçamento de 2 bilhões de euros e 15 bilhões de
euros, respectivamente, em 2010 e 2011. A gravidade da crise foi acentuada pela
taxa de desemprego, liderada pela Espanha, que beirou os 30% da população sem
trabalho.5
Vicenç Navarro, examinando o caso espanhol, sustenta que, como o Banco
Central Europeu não empresta dinheiro aos Estados e não os protege frente à
especulação dos mercados financeiros, os Estados periféricos da Zona do Euro ficam
muito desprotegidos,
(...) pagando juros claramente abusivos, os quais deram origem à enorme
bolha da dívida pública desses países. Isto não ocorre nos EUA. Lá, o FRB
protege os estados. A Califórnia possui uma dívida pública tão preocupante
quanto a da Grécia, mas isso não asfixia sua economia. A da Grécia, asfixia.
À luz desses dados, torna-se absurda a acusação de que os países periféricos,
devido à sua falta de disciplina fiscal, foram os causadores da crise. Espanha
e Irlanda mantiveram suas contas públicas superavitárias no decorrer de
2005 a 2007. (...)
Não foi, pois, a falta inexistente de disciplina, mas a falta de um Banco
Central para sustentar sua dívida pública, que causou [na Espanha] o
crescimento dos juros da dívida pública serviços prestados por bancos
alemães e outros, beneficiando-se de elevadas taxas de alto risco. O
objetivo principal das medidas de corte nos gastos públicos, incluindo gastos
sociais, é pagar juros à banca alemã, entre outras. O enorme sacrifício dos
países GIPSI não tem nada a ver com a explicação encontrada na mídia e em
outros fóruns de difusão do pensamento neoliberal que atribuem os cortes
à necessidade de corrigir os excessos desses países.6
5 ENTENDA a crise na Europa. Portal R7. Disponível em:
http://noticias.r7.com/economia/noticias/entenda-a-crise-na-europa-20100526.html. Acesso em:
02 out. 2023.
6 NAVARRO Vice. Por trás da crise “financeira”, a velha luta de classes. Outras palavras, São Paulo, 5 nov.
2013. Disponível em:
http://outraspalavras.net/posts/por-tras-da-crise-financeira-a-velha-luta-de-classes. Acesso em: 02
out. 2023.
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E arremata:
(...) Como bem disse Marx, ‘a história da humanidade é a história da luta de
classes’. E as crises atuais (da financeira à econômica, passando pela social
e política) são um claro exemplo disso.
(...)
Nos países periféricos deveriam ser implantadas, também, políticas de
estímulo, revertendo as políticas de austeridadeque além de prejudicar as
classes populares contribuem para a recessão. A estas políticas, porém, se
oporão os agentes do capital, porque terão seus lucros reduzidos. Portanto,
é bem claro. Marx, afinal, estava certo.7
Com efeito, o Banco Central Europeu não empresta dinheiro aos Estados e não
os protege frente à especulação dos mercados financeiros. Assim, os Estados
periféricos da Zona do Euro ficam muito desprotegidos e se veem na contingência de
pagar juros elevados da dívida pública. Em tais circunstâncias, aos Estados membros,
especialmente os mais frágeis economicamente, ao invés de políticas de estímulo
foram impostas políticas de austeridade, com corte de gastos públicos - inclusive e,
principalmente, gastos sociais - que prejudicam os trabalhadores e as classes
populares e retroalimentam a crise econômica.
O discurso hegemônico das lideranças europeias parte do pressuposto de que
elevados níveis de proteção do trabalho subordinado determinam altas taxas de
desemprego, além de ampliar as modalidades de trabalho atípico e precário. E sob
a pressão das instituições centrais europeias, os governos locais de países como
Portugal, Espanha, Grécia e Itália promoveram substanciais alterações do mercado
de trabalho, marcadas pela intervenção no campo econômico e social.
As motivações das diretrizes fundamentais consagradas nos Tratados
comunitários são econômicas e referem-se apenas indiretamente aos problemas
trabalhistas. A legislação comunitária não é suficiente para delinear um sistema
abrangente de tutela dos trabalhadores. Os conflitos entre as normas e princípios
dos ordenamentos da UE e dos Estados Membros tendem a ser resolvidos, na esfera
7 NAVARRO Vicenç. Por trás da crise “financeira”, a velha luta de classes. Outras palavras, São Paulo, 5 nov.
2013. Disponível em:
http://outraspalavras.net/posts/por-tras-da-crise-financeira-a-velha-luta-de-classes. Acesso em: 02
out. 2023.
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dos direitos sociais, com a redução dos patamares de garantias já alcançados nos
Estados membros para os níveis mínimos admitidos nas normas comunitárias.
Nenhuma das reformas enfrentou o problema central que envolve as crises
políticas, econômicas e sociais contemporâneas e seus impactos nas relações de
trabalho: o ultraliberalismo global que espalha injustiça e miséria por todo o planeta.
A Europa não cuidou de ajustar a globalização à democracia, ao progresso econômico
e ao bem-estar social. Caminhou em sentido diametralmente oposto, como evidencia
o caso espanhol.
Nesse sentido, Piketty afirma que:
(...) os Estados de bem-estar social europeus precisam de reformas,
modernização e racionalização, não apenas para estabelecer o equilíbrio
fiscal e garantir a continuidade financeira, mas antes de tudo para que
possam assegurar um serviço público de maior qualidade, uma melhor
resposta às situações individuais e direito mais bem garantidos.8
Boa parte das reformas laborais espanholas tem na desregulamentação um
traço marcante. Uma delas fez com que seus efeitos socialmente negativos fossem
sentidos até os tempos atuais, a saber, a Lei 32/1984, que permitiu a utilização do
trabalho temporário sem causa, levando ao crescimento dos empregos atípicos no
país.9
Carlos García Serrano afirma que, no período de 1976 até a alteração promovida
em 1984, estabeleceram-se as bases jurídicas do que se pode chamar de modelo
espanhol de flexibilidade. A alteração promovida em 1984 possibilitou o uso
indiscriminado do contrato de trabalho temporário, com sua utilização mesmo
quando da inexistência de necessidades temporárias por parte das empresas. A partir
8 PIKETTY, Thomas É possível salvar a Europa? Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2015. p. 7.
9 RIGOLETTO, Tomás; PÁEZ, Carlos Salas. As experiências internacionais de flexibilização das leis
trabalhistas. In: KREIN, José Dari; GIMENEZ, Denis; SANTOS, Anselmo Luis dos (org.). Dimensões
críticas da reforma trabalhista no Brasil. Campinas: Curt Nimuendajú, 2018. p. 185-208. Disponível
em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/LIVRODimensoes-Criticas-da-Reforma-
Trabalhista-no-Brasil.pdf. Acesso em: 02 out. 2023.
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de então, houve uma verdadeira proliferação de tal sorte de contratação na
Espanha.10
A precarização provocada pela reforma de 1984 fez com que diversas alterações
legislativas fossem promovidas, a partir de 1992, objetivando limitar a
temporariedade. Foi restringido e depois revogado o contrato temporário para a
promoção do emprego, reservando-o para os grupos de trabalhadores mais
vulneráveis, tais como pessoas com deficiência, e foi reestabelecida a exigência de
causa temporária como condição autorizativa de uso desse tipo de contrato. No
entanto, o tempo mostrou que, uma vez aberta a possibilidade de contratação
temporária sem causa, fica difícil retroceder após ela ter se tornado prática comum.
O que aconteceu foi que as empresas passaram a fazer uso do contrato de obra ou
serviço e do contrato eventual por condições de produção, ainda que de forma
fraudulenta, aumentando a rotatividade do trabalhador no emprego.11
As reformas realizadas após 2010 na Espanha, sobre as quais este estudo se
debruça, foram promovidas dentro do contexto de consolidação do uso do trabalho
temporário e tiveram como motivo justificador a crise econômica de 2008,
considerada uma crise sistêmica em função do seu caráter global. Após a crise de
2008, o Produto Interno BrutoPIB espanhol desceu a níveis extremamente baixos e
o desemprego foi elevado a patamar atingido em 2002.12
Ocorre que a Comissão Europeia, o Eurogrupo, o Banco Central Europeu, o
Fundo Monetário Internacional e a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico começaram a pressionar os diferentes países a
10 GARCÍA SERRANO, Carlos. Déjà Vu? Crisis de empleo y reformas laborales en España. Revista de
Economía Aplicada, Zaragoza, v. 19, n. 56, p. 149-177, 2011. Disponível em:
https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3748435 Acesso em: 30 jun. 2018, tradução livre.
11 GARCÍA SERRANO, Carlos. Déjà Vu? Crisis de empleo y reformas laborales en España. Revista de
Economía Aplicada, Zaragoza, v. 19, n. 56, p. 149-177, 2011. Disponível em:
https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3748435 Acesso em: 30 jun. 2018, tradução livre.
12 BIAVASCHI, Magda et al. O impacto de algumas reformas trabalhistas na regulação e nas instituições
públicas do trabalho em diálogo comparado. In: KREIN, José Dari; GIMENEZ, Denis; SANTOS, Anselmo
Luis dos (org.). Dimensões críticas da reforma trabalhista no Brasil. Campinas: Curt Nimuendajú,
2018. p. 211-241. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/LIVRODimensoes-
Criticas-da-Reforma-Trabalhista-no-Brasil.pdf. Acesso em: 02 out. 2023.
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FONSECA, Vanessa Patriota da; FILHO, Hugo Cavalcanti Melo. Reforma Trabalhista: o que a Espanha ensina ao Brasil?.
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intensificarem uma política neoliberal de austeridade fiscal, contenção de gastos
públicos e aumento de impostos. A pressão ganhou um tom de ameaça no início de
2010 e se dirigiu principalmente a países devedores, como a Espanha. Esse giro ainda
mais à direita implicou em frear as medidas que visavam ao aquecimento da
economia e à geração de emprego em prol de medidas que visavam à redução da
dívida pública. E a Espanha decidiu seguir a cartilha recomendada, embora outros
países com moeda própria, como os Estados Unidos, tenham preferido manter uma
política mais focada no emprego que na redução do déficit público.13
A Espanha, antes do começo da crise, produzia superávit e sua dívida pública
girava em torno de 1/3 do PIB. O problema que se apresentava até então era quanto
à dívida privada, decorrente das bolhas financeira e imobiliária. As consequências
dessa guinada à direita foram o agravamento da crise econômica no país e da
recessão. Ademais, a dívida pública passou de 53,3% no final de 2009 a 100% do PIB
em 201514. Por sua vez, a taxa de desemprego ficou situada acima de 26%15. Entre os
jovens, ela chegou a 50%. E o tempo de desemprego passou a ser um dos maiores
entre os países membros da organização (14,8 meses em 2010).16
As autoridades europeias mencionadas também fizeram gestão para que fossem
implementadas reformas estruturais, o que incluiu a reforma laboral, sendo que esta
13 PÉREZ INFANTE, José Ignacio. Las reformas laborales en la crisis económica: su impacto económico.
Ekonomiaz: Revista Vasca de Economía, Vitoria-Gasteiz, n. 87, p. 246-281, 1º sem. 2015. Disponível
em https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5124136 Acesso em: 30 jun. 2018, tradução
livre.
14 PÉREZ INFANTE, José Ignacio. Las reformas laborales en la crisis económica: su impacto económico.
Ekonomiaz: Revista Vasca de Economía, Vitoria-Gasteiz, n. 87, p. 246-281, 1º sem. 2015. Disponível
em https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5124136 Acesso em: 30 jun. 2018, tradução
livre.
15 MANZANARES MARTÍNEZ, Domingo A.; ALCARAZ, José Luján. Cambios y reformas laborales en un
contexto de crisis. Areas: Revista Internacional de Ciencias Sociales, Murcia, n. 32, p. 7-15, 2013.
Disponível em:
https://digitum.um.es/xmlui/bitstream/10201/38408/1/01_Cambios%20y%20reformas%20laborales.
pdf Acesso em: 30 jun. 2018, tradução livre.
16 BIAVASCHI, Magda et al. O impacto de algumas reformas trabalhistas na regulação e nas instituições
públicas do trabalho em diálogo comparado. In: KREIN, José Dari; GIMENEZ, Denis; SANTOS, Anselmo
Luis dos (org.). Dimensões críticas da reforma trabalhista no Brasil. Campinas: Curt Nimuenda,
2018. p. 211-241. Disponível em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/LIVRODimensoes-
Criticas-da-Reforma-Trabalhista-no-Brasil.pdf. Acesso em: 02 out. 2023.
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quis dizer flexibilização, desregulamentação, redução de direitos trabalhistas e
aumento da liberdade e do poder das empresas.
A Espanha seguiu à risca a receita recebida, como demonstram as reformas de
2010, 2011 e 2012. Em todos os casos, as alterações normativas passaram ao largo
do debate político e de discussão com os representantes dos trabalhadores. Inclusive
as entidades sindicais profissionais se opuseram a tais reformas.17
Em 2010, a Lei 35/2010 implantou alterações legislativas que pretenderam
reduzir a temporariedade e a dualização do mercado de trabalho com a diminuição
das diferenças de custos dos desligamentos no caso de contratos indefinidos (por
tempo indeterminado) e no caso de temporários. Mas essas medidas foram tímidas:
a) fixação da duração dos contratos por obra ou serviço em três anos prorrogáveis
por mais um, mediante convênio coletivo setorial ou de âmbito inferior; b) restrição
ao encadeamento de contratos temporários e fixação de hipóteses em que ele se
tornaria indefinido; c) elevação da indenização por término do contrato temporário
de 8 para 12 dias de salário por ano; d) modificações nos contratos de formação
profissional estendendo-o a jovens de até 24 anos, com concessão de bônus de 100%
das contribuições do empregador para a Previdência Social durante todo o período
do contrato, entre outros.
Ainda, a Lei 35/2010: a) autorizou a realização de intermediação de mão de
obra pela iniciativa privada; b) estendeu a possibilidade de negociação de acordo
coletivo entre empregados e empregadores mesmo em empresas pequenas desde que
houvesse apenas uma comissão sindical; c) autorizou a redução salarial mediante
acordo entre as partes, sendo que, não logrando êxito o acordo, facultou a realização
de mediação extrajudicial; c) possibilitou que acordos ou convênios coletivos
estabelecessem cláusula prevendo arbitragem com efeito vinculante; d) flexibilizou
as condições para redução de jornada de trabalho; e) modificou as circunstâncias em
que se tornaria possível a despedida individual por causa econômica, técnica,
17 PÉREZ INFANTE, José Ignacio. Las reformas laborales en la crisis económica: su impacto económico.
Ekonomiaz: Revista Vasca de Economía, Vitoria-Gasteiz, n. 87, p. 246-281, 1º sem. 2015. Disponível
em https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5124136 Acesso em: 30 jun. 2018.
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FONSECA, Vanessa Patriota da; FILHO, Hugo Cavalcanti Melo. Reforma Trabalhista: o que a Espanha ensina ao Brasil?.
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organizacional e de produção; f) reduziu o prazo do aviso-prévio de 30 para 15 dias
no caso de despedida objetiva.
A reforma de 2011 (Decreto-lei 10/2011) suspendeu a proibição de
encadeamento de contrato de trabalho temporário para um mesmo trabalhador e
ampliação da idade para 30 anos no caso de contrato de formação e aprendizagem,
entre outras medidas nocivas.
E a reforma de 2012 (Lei 3/2012): a) previu contrato de experiência de até um
ano para empresas com menos de 50 empregados; b) ampliou as possibilidades de
utilização do contrato de formação e aprendizagem de jovens não qualificados; c)
permitiu a realização de horas extras em contratos de tempo parcial; c) incentivou
a despedida por causas econômicas ao autorizá-la mesmo quando a empresa não
tivesse perdas presentes ou futuras; d) suprimiu a necessidade de autorização
administrativa para o caso de despedida coletiva; e) fixou a possibilidade de as
empresas modificarem unilateralmente as condições de trabalho, inclusive salário,
desde que essas condições não estivessem fixadas em instrumento normativo; f)
acabou com ultratividade da norma coletiva a partir de um ano da denúncia do
acordo.
Nos anos seguintes, outras alterações legislativas foram levadas a efeito na
Espanha, mas este estudo focou nas três reformas mencionadas e na que será
debatida adiante, uma vez que mais significativas no contexto geral. A flexibilização
promovida pelas reformas referidas produziu precarização das condições de trabalho
e ampliação da desigualdade entre trabalhadores e trabalhadoras, jovens e adultos,
espanhóis e estrangeiros, com formação e sem formação.18
O certo é que nenhuma das reformas analisadas foi capaz de melhorar a
situação do mercado de trabalho. Ao contrário do propalado pelos seus defensores,
houve agravamento da crise econômica, fragilização da capacidade de negociação
18 MANZANARES MARTÍNEZ, Domingo A.; ALCARAZ, José Luján. Cambios y reformas laborales en un
contexto de crisis. Areas: Revista Internacional de Ciencias Sociales, Murcia, n. 32, p. 7-15, 2013.
Disponível em:
https://digitum.um.es/xmlui/bitstream/10201/38408/1/01_Cambios%20y%20reformas%20laborales.
pdf Acesso em: 30 jun. 2018.
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FONSECA, Vanessa Patriota da; FILHO, Hugo Cavalcanti Melo. Reforma Trabalhista: o que a Espanha ensina ao Brasil?.
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 6, p. 1-35, 2023. DOI:
https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.154.
dos trabalhadores e salários brutos diminuíram, em termos monetários ou nominais,
desde o final de 2012 e, em termos reais, desde 2010 o que levou a uma perda do
poder aquisitivo dos trabalhadores de mais de 7% no período de 2010 a 2014. A
Espanha foi o país, em toda a zona do euro, em que a desigualdade mais cresceu.
Ademais, a diminuição dos custos do trabalhador não implicou em melhora de
competitividade da economia espanhola.19
A essa altura, é importante ressaltar que nenhum empresário, em sã
consciência, vai contratar mais trabalhadores pelo fato de o custo da contratação e
do desligamento haver reduzido. O que aumenta a demanda por mão de obra é o
aumento da demanda por bens e serviços, que depende do poder aquisitivo da
população, ao contrário do que defende a teoria ortodoxa, segundo a qual, se o custo
do trabalho diminui, a quantidade de emprego aumenta, pois o aumento do lucro
empresarial eleva a poupança da economia e, consequentemente, os investimentos
produtivos e o estímulo à elevação das contratações20. Isto porque:
a) por mais que se cortem custos do trabalho, pode não haver demanda por
mais produtos e, portanto, não ocorrerem contratações; b) cortes podem ou
não aumentar o lucro (as vendas podem cair com uma redução de demanda);
c) mesmo que o lucro cresça, este pode ou não virar investimento (se a
demanda não aumenta, qual a razão de investir?); d) cortes de direitos
podem piorar a situação, pois trabalhadores tendem a consumir parcela
proporcionalmente maior dos seus ganhos, de modo que a transferência de
renda para os empresários pode reduzir a demanda agregada da economia e
a própria produção e o emprego. 21
19 PÉREZ INFANTE, José Ignacio. Las reformas laborales en la crisis económica: su impacto económico.
Ekonomiaz: Revista Vasca de Economía, Vitoria-Gasteiz, n. 87, p. 246-281, 1º sem. 2015. Disponível
em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5124136 Acesso em: 30 jun. 2018, tradução
livre.
20 FILGUEIRAS, Vitor Araújo. As promessas da Reforma Trabalhista: combate ao desemprego e redução
da informalidade. In: KREIN, José Dari; OLIVEIRA, Roberto Véras de; FILGUEIRAS, Vitor Araújo (org).
Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade. Campinas: Curt Nimuendajú, 2019, p. 20-21.
Disponível em: https://www.cesit.net.br/wp-content/uploads/2019/09/Livro-REMIR-v-site.pdf.
Acesso em: 02 out. 2023.
21 FILGUEIRAS, Vitor Araújo. As promessas da Reforma Trabalhista: combate ao desemprego e redução
da informalidade. In: KREIN, José Dari; OLIVEIRA, Roberto Véras de; FILGUEIRAS, Vitor Araújo (org).
Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade. Campinas: Curt Nimuendajú, 2019, p. 20.
Disponível em: https://www.cesit.net.br/wp-content/uploads/2019/09/Livro-REMIR-v-site.pdf.
Acesso em: 02 out. 2023.
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O fim da recessão espanhola não foi consequência de tais políticas de
austeridade adotadas desde 2010, mas: a) da permissão concedida pelas autoridades
europeias para postergar para 2016 o objetivo de manter o déficit público em até 3%
do PIB; b) da melhoria econômica de outros países europeus e seu reflexo sobre a
economia espanhola; c) das declarações do presidente do Banco Central Europeu,
em julho de 2012, no sentido de que faria tudo o que fosse preciso para salvar o
euro; d) da depreciação do euro; e) da queda do preço do petróleo; f) e da adoção,
pelo Banco Central Europeu, de uma política monetária mais expansiva a partir de
2015.22
Ainda assim, após a crise, os contratos temporários continuaram a crescer na
Espanha e eles se caracterizam pela curta duração. Em outubro de 2014, 25% deles
duraram menos de sete dias, fato que gera insegurança e precariedade. 23
2. Brasil: Reforma Trabalhista de 2017
Embora possa parecer demasiado falar na ocorrência de reformas trabalhistas -
no plural - no Brasil, como, sem dúvida, ocorreu na Espanha, é inegável que, sob
forte pressão do capital no sentido da flexibilização das relações sociais, o país
experimentou, nomeadamente entre 1996 e 2003, alterações substanciais na
legislação trabalhista.24
22 PÉREZ INFANTE, José Ignacio. Las reformas laborales en la crisis económica: su impacto económico.
Ekonomiaz: Revista Vasca de Economía, Vitoria-Gasteiz, n. 87, p. 246-281, 1º sem. 2015. Disponível
em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5124136 Acesso em: 30 jun. 2018, tradução
livre.
23 RIGOLETTO, Tomás; PÁEZ, Carlos Salas. As experiências internacionais de flexibilização das leis
trabalhistas. In: KREIN, José Dari; GIMENEZ, Denis; SANTOS, Anselmo Luis dos (org.). Dimensões
críticas da reforma trabalhista no Brasil. Campinas: Curt Nimuendajú, 2018. p. 185-208. Disponível
em: https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/LIVRODimensoes-Criticas-da-Reforma-
Trabalhista-no-Brasil.pdf. Acesso em: 02 out. 2023.
24 “Durante as décadas de 1980 e 1990, a crescente crise da dominação econômica norte-americana
e suas consequências, como ‘a erupção de grandes contradições no interior da Comunidade Econômica
Europeia, ameaçando-a de colapso’, sublinharam a ação de forças que definem uma crise estrutural
do capital. Economistas eminentes alertaram ‘que esse processo conduziria a uma economia de baixo
crescimento e baixos salários, sugerindo medidas bastante simples para evitá-los. Mas os grandes
arquitetos do Consenso de Washington optaram pelos efeitos previsíveis, que incluem lucros
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Em 1996, o governo brasileiro, num gesto inusitado, denunciou a Convenção 158
da Organização Internacional do Trabalho, que trata da garantia contra a dispensa
arbitrária ou sem justa causa25. Quase 27 anos depois, o Supremo Tribunal Federal
declarou lida a denúncia, mesmo já havendo decidido anteriormente que o
procedimento para tal exigia a anuência do Congresso Nacional, o que não ocorrera
no caso26.
Com a Lei n.º 9.601/98, foram ampliadas as possibilidades de contratação por
tempo determinado, antes restritas às hipóteses do art. 443, § 2.º, da CLT 27, e
instituído o banco de horas com prazo de compensação de jornada de até um ano.
Ainda em 1998, a Medida Provisória 1709 introduziu o art. 58-A na CLT, criando a
jornada de tempo parcial, mediante remuneração proporcional à duração semanal,
e a Emenda Constitucional-EC 20/98, restringiu o benefício do salário família aos
trabalhadores considerados de baixa renda28. Também em 1998, foi prevista a
elevadíssimos’. O Consenso de Washington é um conjunto de princípios orientados para o mercado,
traçados pelo governo dos Estados Unidos e pelas instituições financeiras internacionais que eles
controlam, em 1989, e por eles mesmos implementados de formas diversas, geralmente como rígidos
programas de ajuste estrutural. (...) No espaço de vinte e cinco anos, o neoliberalismo patrocinou um
cenário de baixo crescimento, se comparado a outros períodos e engendrou uma desigualdade
semelhante à de 100 anos atrás. Relatório da ONG internacional Oxfam, divulgado em 18.1.16, revelou
que o patrimônio do 1% mais rico do mundo ultrapassou, em 2015, a riqueza de 99% da população
mundial, pela primeira vez”. MELO FILHO, Hugo Cavalcanti. De Bretton Woods a Wuhan e além. In:
TOSTES, Anjuli; MELO FILHO, Hugo (org.). Quarentena: reflexões sobre a pandemia e depois. Bauru:
Canal 6, 2020. p. 75. Disponível em: https://www4.fe.usp.br/wp-content/uploads/ebook-
quarentena-1ed-2020.pdf Acesso em: 4 set. 2023.
25 No Brasil, a Convenção n.º 158 da Organização Internacional do Trabalho foi aprovada pelo Decreto
Legislativo n. 68, de 16 de setembro de 1992, do Congresso Nacional, e ratificada em 5 de janeiro de
1995, quando entrou em vigência no país, para ser denunciada no mesmo ano, em 20 de dezembro de
96, pelo Decreto n. 2.100. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção n. 158: término
da relação de trabalho por iniciativa do empregador. Disponível em:
https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_236164/lang--pt/index.htm Acesso em: 1 ago.
2023.
26 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. STF valida decreto que revogou norma internacional sobre
dispensa sem justa causa. Brasília, DF, 19 jun. 2023. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=509163&ori=1 Acesso em: 4
set. 2023.
27 Art. 443, §2º, da CLT: O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando: a) de
serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; b) de atividades
empresariais de caráter transitório; c) de contrato de experiência”. BRASIL. Decreto-lei nº 5.452,
de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm Acesso em: 1 ago. 2023.
28 Até então, o salário família era direito assegurado a qualquer empregado independentemente de
16
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hipótese de suspensão temporária coletiva do contrato de trabalho, diante de causas
econômicas, reorganização ou crise da empresa29.
Em 2000, a Lei 9.958 instituiu as Comissões de Conciliação Prévia, mecanismo
alternativo de resolução de conflitos trabalhistas, que se revelou um fator perverso
de fraude aos direitos dos trabalhadores 30, e a EC 28, equiparou o trabalhador rural
ao urbano, no que concerne ao prazo prescricional, reduzindo significativamente as
possibilidades de cobrança judicial de direitos sonegados aos rurícolas.
Além disso, em novembro de 1998, foi enviada ao Congresso Nacional Proposta
de Emenda Constitucional para alterar o art. 7.º da Constituição, a fim de que a
matéria negociada pelos atores sociais prevalecesse sobre a norma positivada. Como
não houve espaço político tal alteração, principalmente em face do quórum
qualificado exigido para a aprovão de Emendas à Constituição, o governo
apresentou o PL 5483/01, aprovado na Câmara dos Deputados em regime de
urgência, mas que não chegou a ser votado no Senado até o final de 2002. Com a
posse de Luís Inácio Lula da Silva, foi solicitada a devolução do projeto de lei ao
Executivo e os trabalhadores saíram vitoriosos daquela verdadeira guerra. Passados
15 anos, tal pretensão empresarial foi desarquivada pelo governo de Michel Temer,
com o envio ao Congresso Nacional do PL 6787/16, contendo apenas quatro artigos
que alteravam específicos aspectos da Consolidação das Leis do Trabalho (trabalho
a tempo parcial; representação dos trabalhadores no local de trabalho; prevalência
do negociado sobre o legislado; trabalho temporário). Tal singelo projeto de lei,
sua renda.
29 Art. 476-A , d a C LT. “O contrato de trabalho poderá ser suspenso, por um período de dois a cinco
meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido
pelo empregador, com duração equivalente à suspensão contratual, mediante previsão em convenção
ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, observado o disposto no art. 471
desta Consolidação. BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação
das Leis do Trabalho. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del5452.htm Acesso em: 1 ago. 2023.
30 A submissão do litígio trabalhista à instância administrativa foi reputada condição da ação
trabalhista por muitos anos, até decisão do STF, de 2009, no julgamento das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade n. 2139 e n. 2160, que afastou a obrigatoriedade de passagem pelas
Comissões. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO. STF suspende
obrigatoriedade das Comissões de Conciliação Prévia. Jusbrasil, Salvador, 14 maio 2009. Disponível
em: https://encurtador.com.br/hmrFY . Acesso em: 4 set. 2023.
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https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.154.
surpreendentemente, foi absolutamente alterado pelo relator da matéria, tendo sido
aprovado, ao final, substitutivo que modificava duzentas e uma passagens da CLT.
Como na Espanha, a reforma brasileira, pelas Leis nº 13.429 e 13.467 de 2017,
passou ao largo de qualquer debate político e, em que pese tenham sido promovidas
diversas audiências públicas com o fim de legitimá-la, as críticas das entidades
sindicais e de todos os órgãos que compõem o sistema de garantia trabalhista não
foram consideradas pelo reformador31. Considerando a dimensão das alterações
promovidas pela reforma, o presente estudo focou naquelas com maior potencial de
afetar negativamente os trabalhadores e suas entidades sindicais. Dentre as
mudanças em foco, destacam-se:
a) o fim da ultratividade das normas coletivas imediatamente após o seu
termo final, sem a possibilidade de os sindicatos estabelecerem cláusula em sentido
contrário (art. 614, §3º, da CLT);32
b) a equiparação das dispensas coletivas às dispensas individuais,
dispensando prévia consulta aos representantes dos trabalhadores e indo de encontro
à tese firmada pelo Tribunal Superior do Trabalho (art. 477-A da CLT);33
c) a previsão da arbitragem para a resolução de conflitos trabalhistas no
âmbito de contratos de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite
máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social (art.
507-A da CLT);
d) a ampliação do poder negocial das entidades sindicais, salvo matérias
específicas previstas no art. 611-B, parágrafo único, da CLT, de modo a possibilitar
31 SEVERO, Valdete Souto; SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Manual da Reforma Trabalhista: pontos e
contrapontos. São Paulo: Sensus, 2017.p. 13-15.
32 O fim da ultratividade “(...) pouco contribui para a pacificação duradoura dos conflitos sociais. Da
forma como ficou, as negociações coletivas promovem um mero armistício (paz efêmera e frágil)
entre as empresas, suas representações e os sindicatos profissionais, com ânimos reacendidos a cada
data-base das categorias”. LIMA, Francisco Gérson Marques. Instrumentos coletivos de trabalho e sua
ultratividade. In: COSTA, Ângelo Fabiano Farias da; MONTEIRO, Ana Cláudia Rodrigues Bandeira;
BELTRAMELLI NETO, Sílvio (coord.). Reforma Trabalhista na visão de Procuradores do Trabalho.
Salvador: Juspodivm, 2018. p. 487.
33 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. A Dispensa Coletiva na Lei n. 13.467/2017 da Reforma Trabalhista. In:
ROCHA, Cláudio Jannotti; PORTO, Lorena Vasconcelos; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de (org.). O
Direito e o Processo do Trabalho no século XXI. Belo Horizonte: Virtualis, 2019. p. 183-184.