Recebido em: 04/04/2023
Aprovado em: 10/07/2023
Impactos psicossociais dos acidentes de trabalho graves: um
olhar sobre os trabalhadores acompanhados pelo Centro de
Referência em Sde do Trabalhador
Psychosocial impacts of serious
accidents at work: a look at the workers
monitored by the Worker´s Health
Reference Center
Impactos psicosociales de los accidentes
graves de trabajo: una mirada a los
trabajadores monitoreados por el
Centro de Referencia en Salud del
Trabajador
Marta Neckel Menezes
Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9328223033866238
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9274-4001
Márcia Luíza Pit Dal Magro
Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4245517133560770
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2127-9261
RESUMO
Inseridos no contexto de precarização do trabalho no Brasil, os acidentes de
trabalho graves geram demandas complexas, exigindo múltiplas
intervenções e representando um importante problema de saúde pública. O
objetivo desta pesquisa foi analisar os impactos psicossociais dos acidentes
de trabalho graves para os trabalhadores e suas famílias. Foi realizada
pesquisa mista, de caráter descritivo e exploratório, que utiliza como
instrumentos e técnicas a observação participante, a entrevista
semiestruturada e a pesquisa documental. Os resultados indicam que
acidentes de trabalho graves impactam a vida dos trabalhadores e de suas
famílias, produzindo e agravando suas vulnerabilidades sociais e psíquicas,
das quais são exemplos a baixa renda, a informalidade, o baixo nível de
escolaridade e os conflitos familiares. Nesse sentido, destaca-se a
sobrecarga das funções das famílias na proteção social e no cuidado quando
não dispõem de recursos psíquicos, sociais e econômicos para responder às
demandas impostas pela situação que vivenciam.
PALAVRAS-CHAVE: acidente de trabalho grave; desgaste mental; saúde do
trabalhador; vulnerabilidade social.
ABSTRACT
Embedded in the context of work precariousness in Brazil, serious accidents
at work generate complex demands, requiring multiple interventions and
representing an important public health problem. The aim of this research
was to analyze the psychosocial impacts of serious accidents at work for
workers and their families. A mixed, descriptive, and exploratory research
was conducted, using participant observation, semi-structured interviews,
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
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MENEZES, Marta Neckel; MAGRO, Márcia L. Pit Dal. Impactos psicossociais dos acidentes de trabalho graves: um olhar
sobre os trabalhadores acompanhados pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador. Revista Jurídica Trabalho
e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 6, p. 1-30, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.152.
and documentary research as tools and techniques. The results indicate that
serious accidents at work impact the lives of workers and their families,
producing and exacerbating their social and psychological vulnerabilities,
including low income, informality, low education level, and family conflicts.
In this sense, the burden of family roles is highlighted in social protection
and care when they lack the psychological, social, and economic resources
to respond to the demands imposed by the situation they experience.
KEYWORDS: mental exhaustion; severe occupational accident; social
vulnerability; worker's health.
RESUMEN
Insertados en el contexto del trabajo precario en Brasil, los accidentes de
trabajo graves generan demandas complejas, requiriendo múltiples
intervenciones y representando un importante problema de salud pública.
El objetivo de esta investigación fue analizar los impactos psicosociales de
los accidentes de trabajo graves para los trabajadores y sus familias. Se
realizó una investigación mixta, descriptiva y exploratoria, utilizando como
herramientas y técnicas la observación participante, la entrevista
semiestructurada y la investigación documental. Los resultados indican que
los accidentes laborales graves impactan la vida de los trabajadores y sus
familias, produciendo y agravando sus vulnerabilidades sociales y psíquicas,
de las cuales los bajos ingresos, la informalidad, el bajo nivel educativo y
los conflictos familiares son ejemplos. En este sentido, se destaca la
sobrecarga de las funciones de protección y cuidado social de las familias
cuando no cuentan con los recursos psíquicos, sociales y económicos para
responder a las exigencias que impone la situación que viven.
PALABRAS CLAVE: accidente laboral grave; desgaste mental; salud del
trabajador; vulnerabilidad social.
INTRODUÇÃO
A saúde do trabalhador é um direito constitucional e um dever do Estado que
se inscreve no âmbito do direito à saúde e é operacionalizada na rede de serviços
públicos, sendo corolário de avanços regulatórios que, a partir da criação do SUS
(Sistema Único de Saúde), exige a implementação de políticas públicas de proteção
universal e integral à saúde do trabalhador. Trata-se de um delineamento
constitucional incorporado pela Carta Magna de 1988, com marcada participação dos
movimentos social e sindical, e que carrega muitos desafios para o caminho da sua
efetiva consolidação.
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A tendência geral de precarização e terceirização do trabalho no Brasil
promovida pelo capitalismo global, como refere Ricardo Antunes1, vem trazendo
consequências para os trabalhadores, dando origem a uma “sociedade do
adoecimento no trabalho” marcada pela degradação das condições laborais e de
vida. Para falar apenas da informalidade crescente das relações trabalhistas,
segundo a Política Nacional por Amostra de Domicílios mais recente, o número de
trabalhadores informais no mercado de trabalho brasileiro atingiu o recorde de 39,3
milhões de pessoas no segundo trimestre de 20222.
Em pesquisa que problematiza as sucessivas reformas legislativas efetivadas
na América Latina em face dos preceitos da garantia dos direitos sociais, com
destaque aos laborais, a conclusão aponta que o ideário do neoliberalismo [...] tem
influenciado reformas trabalhistas com caráter precarizante dos direitos humanos e
fundamentais, notadamente dos sociais [...], como se deu com a reforma
trabalhista implantada no Brasil (Lei 13.467/2017).3
É nesse quadro que a acidentalidade do trabalho escancara a precariedade das
atuais condições de trabalho e, sendo os acidentes de trabalho acontecimentos
complexos e multicausais, afetam trabalhadores, famílias e a sociedade como um
todo. No Brasil, as estatísticas oficiais tomam como base a definição legal de
acidente de trabalho, dada pela Lei Geral da Previdência Social, em seu artigo 19,
como aquele
[...] que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de
empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados [...],
provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a
perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o
trabalho4.
1 ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 1. ed.
o Paulo: Boitempo, 2018. p. 189.
2 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. PNAD Contínua: mercado de trabalho.
Disponível em: https://painel.ibge.gov.br/pnadc/. Acesso em: 15 nov. 2022.
3 NUNES, Cicília Araújo; MARTINS, Juliane Caravieri; CROSARA, Daniela de Melo. A globalização
neoliberal e a mitigação de direitos dos trabalhadores na América Latina. In: Revista Jurídica
Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1, 2023. DOI:
https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.141.
4 BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre Planos de Benefícios da Previdência Social
e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 jul.
1991, republicado 11 abr. 1996 e republicado em 14 ago. 1998. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213cons.htm#art19. Acesso em: 5 ago. 2021.
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e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 6, p. 1-30, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.152.
As estatísticas da Organização Internacional do Trabalho (International Labour
OrganizationILO) sobre a morbimortalidade ocupacional apontam que, no mundo,
em decorrência de acidente de trabalho ou doença profissional, morrem 6.400
pessoas por dia, perfazendo o total de 2,3 milhões de mortes por ano. Registram,
ainda, 313 milhões de trabalhadoras e trabalhadores vítimas de acidentes de
trabalho não-fatais, que sofrem lesões graves e precisam se ausentar ao trabalho5.
No cenário brasileiro, os acidentes de trabalho representam aproximadamente
25% das lesões por causas externas atendidas em serviços de emergência do país e
mais de 70% dos benefícios acidentários da Previdência Social6. Segundo a
EPSJV/FIOCRUZ (Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/ Fundação Oswaldo
Cruz)7, considerada uma lista de 200 países, o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking
das nações que mais registram mortes decorrentes de atividades laborais, sendo
superado apenas por Estados Unidos, Tailândia e China e, quanto aos registros de
acidentes de trabalho, ocupa o quinto lugar, depois de Colômbia, França, Alemanha
e Estados Unidos.
O Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho8 informa que, de 2012
quando teve início a série histórica compilada pelo Observatório - a 2020, foram
notificados 5.589.837 acidentes de trabalho no Brasil, dos quais 20.467 resultaram
5 INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Global trends on occupational accidents and diseases.
28 abr. 2015. Disponível em:
https://www.ilo.org/legacy/english/osh/en/story_content/external_files/fs_st_1-ILO_5_en.pdf.
Acesso: em 5 ago. 2021.
6 GALDINO, Adriana; SANTANA, Vilma Sousa; FERRITE, Silvia. Os Centros de Referência em Saúde do
Trabalhador e a notificação de acidentes de trabalho no Brasil. In: Cadernos de Saúde Pública, Rio
de Janeiro, v. 28, n. 1, p. 145159, jan. 2012. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/csp/a/X5tn8RT9WLQNBqxttVYs7kn/?format=html. Acesso: em 5 ago. 2021.
7 ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO/FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Brasil é um dos
países com maior número de mortes e acidentes de trabalho no mundo: será o trabalhador brasileiro
superprotegido? Rio de Janeiro: Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana
(CESTEH) da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp), da Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz). 23 jan. 2019. Disponível em: http://www.cesteh.ensp.fiocruz.br/noticias/brasil-e-um-dos-
paises-com-maior-numero-de-mortes-e-acidentes-de-trabalho-no-mundo-sera-o. Acesso em: 4 ago.
2021.
8 BRASIL. Ministério Público do Trabalho. Observatório digital de saúde e segurança no trabalho.
Brasília, DF: Ministério Público do Trabalho, 2022. Disponível em: https://smartlabbr.org/sst. Acesso
em: 4 ago. 2022.
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MENEZES, Marta Neckel; MAGRO, Márcia L. Pit Dal. Impactos psicossociais dos acidentes de trabalho graves: um olhar
sobre os trabalhadores acompanhados pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador. Revista Jurídica Trabalho
e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 6, p. 1-30, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.152.
em morte. Um estudo publicado em 20179 aponta que 50,4% dos trabalhadores
acidentados deixam de realizar suas atividades habituais, 8,8% foram internados e
19% relatam sequelas decorrentes dos acidentes, o que caracteriza uma demanda
complexa e que dá sinais sobre os avassaladores impactos produzidos por um
acidente de trabalho.
As estatísticas evidenciam que a acidentalidade da população trabalhadora
representa um importante problema de saúde blica, o que não é diferente na
região de abrangência do CEREST (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador)
de Chapecó, Estado de Santa Catarina. Esta região, que é formada por 76 municípios,
apresenta altos índices de acidentes de trabalho graves e fatais10.
Dada essa realidade, o CEREST Regional de Chapecó, no seu papel de subsidiar
o desenvolvimento de ações com vistas a prevenir agravos, fomentar ações de
promoção, prevenção e reabilitação à saúde dos trabalhadores vítimas de acidentes
de trabalho, no ano de 2016, deu início ao desenvolvimento de um projeto para o
acompanhamento socioassistencial de trabalhadores vítimas de acidente de trabalho
grave, que passaram por internação hospitalar. Isso ocorreu por meio da estratégia
de matriciamento em saúde do trabalhador, tendo como propósito estimular a
articulação da rede de atenção à saúde para o atendimento das demandas
decorrentes desse tipo de acidente. Tendo em vista esta ação, o presente trabalho
teve como objetivo analisar os impactos psicossociais dos acidentes de trabalho
graves para os trabalhadores e suas famílias.
Trata-se de uma pesquisa mista, de caráter descritivo e exploratório. Foram
utilizados como instrumentos e técnicas a observação participante, a entrevista
semiestruturada e a pesquisa documental.
A observação participante aconteceu durante o ano de 2019, por meio da
participação nas rotinas e nas ações e capacitações promovidas pela coordenação e
9 MALTA, Deborah Carvalho et al. Acidentes de trabalho autorreferidos pela população adulta
brasileira, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. In: Ciência & Saúde Coletiva, Rio de
Janeiro, v. 22, n. 1, p. 169-178, jan. 2017. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/csc/a/YP5DzH76QHBRx6QKnFdbgDs/?lang=pt. Acesso em: 4 ago. 2022.
10 MOMOLI, Rodrigo. Saúde do trabalhador na indústria da construção civil no oeste de Santa
Catarina. 2017. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) Universidade Comunitária da Região
de Chapecó, Chapecó, 2017.
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equipe técnica do CEREST de Chapecó, incluindo encontro de matriciamento,
reuniões de técnicos do CEREST, reuniões e capacitações de profissionais da rede de
saúde, fórum de debates e eventos municipais sobre a temática da pesquisa,
mediante produção de registros documentais. Também foram acompanhadas duas
visitas domiciliares a trabalhadores participantes do projeto socioassistencial,
realizadas pela assistente social do CEREST e por outras duas assistentes sociais do
Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica.
A entrevista semiestruturada foi realizada com técnica do CEREST que
coordenou o projeto, de forma remota, por meio de plataforma Google Meet, em
razão das recomendações sanitárias decorrentes da pandemia de covid-19.
Foram objeto da pesquisa documental as fichas de acompanhamento
socioassistencial de 201 trabalhadores, vítimas de acidente de trabalho grave, que
foram acompanhados pelo projeto do CEREST, no período de 2016 a 2019, no
município de Chapecó. Uma das pesquisadoras, na condição de acadêmica bolsista
de iniciação científica, teve acesso às referidas fichas nas instalações do CEREST, no
período de junho a julho de 2020, tendo feito a coleta, a computação e a análise dos
dados e informações mediante a criação de um banco de dados digital.
As materialidades empíricas foram analisadas por meio da análise temática de
conteúdo proposta por Maria Cecília de Souza Minayo11, bem como foi realizada
estatística descritiva de dados quantitativos presentes nas fichas de
acompanhamento. A pesquisa cumpriu os preceitos éticos previstos pelo Conselho
Nacional de Saúde, tendo sido aprovada, em 26/05/2020, pelo Comitê de Ética em
Pesquisa envolvendo seres humanos, por meio do parecer nº 4.047.964/2020.
Os resultados indicam que acidentes de trabalho graves impactam a vida dos
trabalhadores e de suas famílias, produzindo e agravando suas vulnerabilidades
sociais e psíquicas, das quais são exemplos a baixa renda, a informalidade, o baixo
nível de escolaridade e os conflitos familiares. Nesse sentido, destaca-se a
sobrecarga das funções das famílias na proteção social e no cuidado quando não
11 MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14.
ed. São Paulo: Hucitec, 2014.
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dispõem de recursos psíquicos, sociais e econômicos para responder às demandas
impostas pela situação que vivenciam.
1. A realidade de uma saga
As reflexões e análises deste trabalho partem da tese de que os acidentes de
trabalho representam um grave problema de saúde pública com marcantes
repercussões na vida dos trabalhadores acidentados e de suas famílias. O projeto
implementado pelo CEREST foi desenvolvido de modo processual, tendo início com a
seleção de um caso-piloto que sinalizou a dimensão dos impactos e vulnerabilidades
decorrentes de um acidente de trabalho grave. Tratou-se do acompanhamento do
trabalhador 1, profissional da construção civil que, aos 53 anos de idade, foi vítima
de um choque elétrico, sofrendo amputação parcial de membros superiores e
inferiores. Após dirigir-se à UBS (Unidade Básica de Saúde) do território a que
pertencia o referido trabalhador e constatar que a ocorrência do acidente era ali
desconhecida, a assistente social do CEREST fez uma visita domiciliar, na qual
verificou que o seu endereço estava descoberto de atendimento da agente
comunitária de saúde, estando o trabalhador “perdido” na rede pública de saúde.
Na citada visita domiciliar, o trabalhador relatou que tinha feito
encaminhamentos para preparar o coto para a colocação de prótese e que não soube
mais nada sobre a concessão da respectiva autorização. Referiu que seus amigos
fizeram uma “prótese provisória” para que ele conseguisse se movimentar, mas que
ela não era “adequada”. Ao lado disso, o trabalhador parecia bastante abatido e
emocionalmente abalado, dizendo que, após o acidente, sentia-se “confuso”, sentia
dor e não conseguia comer. A visita, enfim, permitiu constatar que o trabalhador
carecia de muitos cuidados específicos, entre eles, a atenção especializada às lesões
de pele sofridas por conta das queimaduras, bem como os encaminhamentos para
colocação de prótese e para o tratamento de sérios problemas digestivos decorrentes
do acidente.
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Cabe ressaltar que o início do acompanhamento do caso-piloto se deu 11
meses após a ocorrência do acidente, quando a assistente social do CEREST inteirou
os profissionais da UBS sobre a situação, solicitou atendimento do PSC (Programa
Saúde em Casa) e seguiu fazendo articulações na rede de saúde para atendimento
do trabalhador, como a verificação das autorizações para fisioterapia e para
realização de exames incluindo ultrassom de abdômen , os encaminhamentos para
atendimento psicológico, para a realização de práticas integrativas (acupuntura,
auriculoterapia), para a reabilitação e preparação do coto para colocação da
prótese, o que exigiu deslocamento desse trabalhador para outra cidade. No decurso
do acompanhamento foram prestadas orientações à família sobre direitos sociais,
previdenciários e trabalhistas, feitas pesquisas para compra de meia de silicone para
prótese transtibial, entre outras intervenções.
O acompanhamento desse trabalhador seguiu envolvendo muitas ações, sendo
realizadas seguidas visitas domiciliares, inclusive interprofissionais. Numa das visitas
realizadas, a esposa do trabalhador disse que estava “esgotada”, mostrando-se
bastante nervosa, sendo percebida situação de conflito familiar e, após, houve
separação do casal por alguns meses, quando o trabalhador foi acolhido pela igreja
que frequentava e passou a morar sozinho, em condições precárias. Nesse ínterim, a
esposa do trabalhador foi orientada sobre a busca de atendimento psicológico na
rede e o trabalhador passou a utilizar psicotrópicos, sob prescrição médica. Algum
tempo depois, o casal reatou o relacionamento e, após ter sido protetizado e ter
recebido alta, o trabalhador acabou sendo aposentado em razão do acidente.
Esse acompanhamento permitiu o acesso à dura experiência vivida por uma
vítima de acidente de trabalho grave, mostrando as diversas dimensões e
desdobramentos dessa ocorrência. E, seguindo na construção do projeto, foi possível
constatar que não se tratava de uma situação isolada, ou seja, os trabalhadores
acidentados, após alta hospitalar, acabavam ficando, muitas vezes, desassistidos,
sofrendo uma cronificação dos seus quadros de saúde e sendo expostos às mais
variadas formas de vulnerabilidade, que impactavam a sua vida e a de suas famílias.
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e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 6, p. 1-30, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.152.
Como ressalta Solange de Fátima Cardozo Daneluz12, os trabalhadores acidentados
necessitam do suporte de diversos profissionais de saúde para que sejam atendidas
as suas demandas, sem o qual o tratamento pode se estender, aumentando o tempo
de afastamento do trabalho, agravando os sintomas, ampliando os impactos do
acidente na vida do trabalhador e, como se pretende demonstrar, atingindo
diretamente sua família.
A partir das visitas domiciliares realizadas, a Assistente Social do CEREST
identificou situações em que os trabalhadores acidentados sequer possuíam cadastro
no SUS, ficando invisíveis para os serviços da Atenção Básica que poderiam atendê-
los nos territórios. Também foram verificadas situações em que esses trabalhadores
perambulavam pela rede, passando por diversos serviços até conseguir chegar ao
local em que poderiam receber o atendimento devido.
2. Condição laboral e registro dos acidentes de trabalho graves
Para falar sobre os acidentes acompanhados pelo projeto, cabe registrar que
o acidente de trabalho grave é classificado pelo Guia de Vigilância em Saúde, editado
pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, sob o CID (Código de
Identificação da Doença) 10: Y96, que o define como aquele que ocasione
[...] lesão que resulte em internação hospitalar; incapacidade para as
ocupações habituais por mais de 30 dias, incapacidade permanente para o
trabalho, queimaduras graves, politraumatismo, fraturas, amputações,
esmagamentos, luxações, traumatismo cranioencefálico; desmaio (perda de
consciência) provocado por asfixia, choque elétrico ou outra causa externa;
qualquer outra lesão, levando à hipotermia, doença induzida pelo calor ou
inconsciência requerendo ressuscitação; aceleração de parto ou aborto
decorrente do acidente13.
12 DANELUZ, Solange de Fátima Cardozo. Reabilitação profissional: um olhar interdisciplinar e
interinstitucional na atenção integral à saúde do trabalhador. 2011. 167 f. Dissertação (Mestrado em
Saúde e Gestão do Trabalho) - Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2011.
13 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral de
Desenvolvimento da Epidemiologia em Serviços. Guia de Vigilância em Saúde: volume único. 3. ed.
Brasília: Ministério da Saúde, 2019. p. 681. Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_vigilancia_saude_3ed.pdf. Acesso em: 4 ago.
2022.
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sobre os trabalhadores acompanhados pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador. Revista Jurídica Trabalho
e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 6, p. 1-30, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.152.
Conforme dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho14, de 2016
a 2019, período em que foram feitos os acompanhamentos socioassistenciais em
análise, foram registrados, para o Brasil, 356.473 casos de acidente de trabalho grave
no SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação)15. Em Chapecó, no
mesmo período referido, foram registrados 1.762 casos de acidentes de trabalho
graves, tudo conforme série histórica apresentada na tabela 1. Destaca-se, ainda, o
significativo número de acidentes desse tipo, ocorridos em Chapecó, que não fizeram
parte do acompanhamento socioassistencial realizado pelo CEREST, o que confirma
a necessidade de sua ampliação e, portanto, de investimento na estrutura técnica e
de profissionais suficientes para dar conta das demandas implicadas na ação.
Tabela 1 - Paralelo dos dados dos acidentes de trabalho acompanhados pelo
projeto do CEREST de Chapecó com os dados do Observatório de Segurança e
Saúde no Trabalho16
ACIDENTES DE TRABALHO GRAVES
Ano
Brasil
(registros SINAN)
Chapecó
(registros SINAN)
17
Chapecó
(Projeto CEREST)
2016
85.127
400
11
2017
90.992
589
49
2018
86.001
413
61
2019
94.353
360
61
Não contém
informação
----
----
18
14 BRASIL. Ministério Público do Trabalho. Observatório de saúde e segurança no trabalho. Brasília,
DF: Ministério Público do Trabalho, 2022. Disponível em: https://smartlabbr.org/sst. Acesso em: 4
ago. 2022.
15 Conforme Observatório Digital da Plataforma SmartLab, “as bases de dados do SINAN são atualizadas
periodicamente com dados encaminhados pelas unidades descentralizadas ao Ministério da Saúde, o
que ocorre, inclusive, por determinado tempo, quanto a comunicações do ano anterior [...]”. Assim,
os dados apresentados na plataforma podem ser entendidos como parciais e sujeitos a atualizações à
medida que a referida centralização aconteça. BRASIL. Ministério Público do Trabalho. Observatório
de saúde e segurança no trabalho. Brasília, DF: Ministério Público do Trabalho, 2022. Disponível em:
https://smartlabbr.org/sst. Acesso em: 4 ago. 2022.
16 BRASIL. Ministério Público do Trabalho. Observatório de saúde e segurança no trabalho. Brasília,
DF: Ministério Público do Trabalho, 2022. Disponível em: https://smartlabbr.org/sst. Acesso em: 4
ago. 2022.
17 Sobre a métrica, o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho informa que o Sistema de
Informação de Agravos de Notificação SINAN é alimentado, principalmente, pela notificação de casos
de doenças e agravos que constam da lista nacional de doenças de notificação compulsória (Portaria
de Consolidação nº 4, de 28/09/2017, anexo V, capítulo II, mas é facultado a estados e municípios a
inclusão de outros problemas de saúde importantes em sua região. BRASIL. Ministério Público do
Trabalho. Observatório de saúde e segurança no trabalho. Brasília, DF: Ministério Público do
Trabalho, 2022. Disponível em: https://smartlabbr.org/sst. Acesso em: 4 ago. 2022.
11
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sobre os trabalhadores acompanhados pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador. Revista Jurídica Trabalho
e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 6, p. 1-30, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.152.
quanto ano da
ocorrência
Caso-piloto Projeto CEREST (acidente ocorrido em 2015)
1
Total
356.473
1.762
201
Fonte: Elaboração própria, 2022
Serviram de elementos para a análise das repercussões do acidente de
trabalho grave na vida dos trabalhadores e de suas famílias os dados levantados sobre
o tipo de acidente, a quantidade de acidentes pesquisados, por ano, o tipo de vínculo
da relação de trabalho, bem como sobre a concessão e a espécie de benefício
previdenciário (tabela 2).
Tabela 2 - Condição laboral e dados do acidente de trabalho
TIPO DE ACIDENTE
Acidente típico
Acidente de trajeto18
Acidente típico ocorrido fora do local de
trabalho
19
Sem informação
Total
VÍNCULO
Empregado
Servidor (a) Público (a) Estatutário (a)
Autônomo
Informal
Desempregado
Sem informação
Total
CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
Aguardando perícia
Possui auxílio-doença
Não possui auxílio-doença
18 Acidente de trajeto é aquele sofrido pelo trabalhador, ainda que fora do local e horário de trabalho,
“no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio
de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado”, conforme Lei nº 8.213/91, art. 21,
inciso IV, letra d. BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre Planos de Benefícios da
Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 25 jul. 1991, republicado 11 abr. 1996 e republicado em 14 ago. 1998. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213cons.htm#art19. Acesso em: 5 ago. 2021.
19 Os acidentes típicos ocorridos fora do local de trabalho ocorreram nos deslocamentos feitos pelo
trabalhador, a serviço do empregador, sendo identificados em separado dos demais acidentes típicos,
ocorridos nas dependências da empresa, apenas para fins de análise de suas peculiaridades,
apresentada adiante.
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Aguardando resultado perícia
Sem informação
Total
ESPÉCIE DO BENEFÍCIO
Aguardando perícia
Aguardando resultado da perícia
Auxílio-doença acidentário (B91)
Auxílio-doença comum (B31)
Não possui auxílio-doença
Não sabe informar
Sem informação
Total
Fonte: Elaboração própria, 2022
A tabela 2 mostra que a ocorrência de acidentes típicos foi um pouco superior
aos demais, contudo, o número de acidentes de trajeto é bastante significativo,
correspondendo a 40,3% dos acidentes graves do período analisado. Este índice é
colocado em destaque porque, durante o período da análise deste estudo, ocorreu
alteração legislativa que revogou, no período de 01/01/2020 a 19/04/2020, a
equiparação de acidente de trajeto a acidente de trabalho típico. Tratou-se da
Medida Provisória nº 905/2019, que foi uma tentativa de criação do Contrato de
Trabalho Verde e Amarelo, uma nova modalidade de contrato trabalhista que
alterava dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e de outras
disposições especiais, a qual foi revogada pela Medida Provisória nº 955/202020 21.
No referido período os trabalhadores que sofreram acidente de trabalho de trajeto
perderam garantias trabalhistas, entre elas a estabilidade de um ano após o retorno
do afastamento do trabalho, ainda que o afastamento fosse superior a 15 dias.
20 BRASIL. Medida Provisória nº 905, de 11 de novembro de 2019. Institui o Contrato de Trabalho Verde
e Amarelo, altera a legislação trabalhista e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília,
DF, 12 nov. 2019, republicado em 12 nov. 2019, edição extra. 2019. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv905.htm. Acesso em: 4 ago.
2022.
21 BRASIL. Medida Provisória nº 955, de 20 de abril de 2020. Revoga a Medida Provisória nº 905, de 11
de novembro de 2019, que institui o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo e altera a legislação
trabalhista. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 abr. 2020 edição extra. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv955impressao.htm.Acesso
em: 4 ago. 2022.
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Entre os casos acompanhados pelo projeto do CEREST, não houve acidente de
trajeto ocorrido no referido período, no entanto, a alteração legislativa temporária
representou um retrocesso na proteção social dos trabalhadores que deve ser
destacado para que sirva de alerta quanto aos efeitos nocivos das políticas
reducionistas de direitos dos trabalhadores, como se depreende do contexto exposto
ao longo deste trabalho.
Os dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 indicam que cerca de um
terço dos acidentes de trabalho se deram no deslocamento para o trabalho, o que
confere com os apontamentos feitos pela literatura22. Os acidentes de trajeto estão
associados à questão da mobilidade, sendo permeados por fatores que expõem o
trabalhador a riscos. Na pesquisa sobre acidentes de trânsito realizada por Marcos S.
Queiroz e Patricia C. P. Oliveira23, os autores explicam que os acidentes, na maioria
das vezes, estão associados à condição perversa imposta pelo mercado de trabalho,
causadora de desgaste mental e de incapacidade do motorista de agir com equilíbrio
e tranquilidade. Essa associação também pode ser estendida às 19 ocorrências
identificadas na tabela 2 como acidentes típicos ocorridos fora do local de trabalho,
os quais também ocorreram em deslocamentos feitos pelo trabalhador e aos quais,
portanto, também se aplicam as problemáticas relativas à mobilidade.
Quanto ao vínculo da relação de trabalho, há que se chamar a atenção para
os 17,4% de trabalhadores informais que sofreram acidente de trabalho grave e foram
acompanhados pelo projeto do CEREST. Diferentemente dos trabalhadores formais,
cujo vínculo laboral proporciona algum nível de segurança e de garantia de direitos
durante o afastamento do trabalho, mediante a proteção social previdenciária não
obstante as falhas desse sistema , os trabalhadores informais ficam desamparados,
sem renda e sem seguridade, o que toma proporções devastadoras quando as
22 MALTA, Deborah Carvalho et al. Acidentes de trabalho autorreferidos pela população adulta
brasileira, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. In: Ciência & Saúde Coletiva, Rio
de Janeiro, 22, n. 1, p. 169-178, jan. 2017. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/csc/a/YP5DzH76QHBRx6QKnFdbgDs/?lang=pt. Acesso em: 4 ago. 2022.
23 QUEIROZ, Marcos S.; OLIVEIRA, Patricia C. P. Acidentes de trânsito: uma análise a partir da
perspectiva das vítimas em Campinas. In: Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, v. 15, n. 2, p. 101
123, jul. 2003. Disponível em https://doi.org/10.1590/S0102-71822003000200008. Acesso em: 4 ago.
2022.
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sequelas do acidente geram incapacidade laboral duradoura, parcial ou total,
ampliando a vulnerabilidade social do trabalhador e da sua família. Assim, todas as
demandas decorrentes de um acidente de trabalho grave são potencializadas nas
relações de trabalho informais, comuns no atual cenário de precarização das relações
trabalhistas. Nesse sentido são as colocações da técnica do CEREST entrevistada:
O trabalhador informal fica mais vulnerável, ele e a família, nesses
momentos. Nessa situação, sim, a gente precisa articular toda a rede,
articular assistência social para solicitar um acompanhamento para aquela
família [...] Já teve situações em que a gente verificou, a partir do momento
em que estivesse em condição de retornar ao trabalho [o trabalhador], quais
seriam as opções, então a gente conversou com a assistente social para
verificar possibilidades dessa orientação para ele tentar se inserir no
mercado formal de novo, em razão de toda a proteção social que teria, como
a previdência social, a partir desse trabalho formal.
A fala anterior remete a uma característica da realidade brasileira, em que a
proteção social se dá, quase que exclusivamente, pelo acesso ao trabalho formal. No
entanto, é preciso ponderar sobre os limites desse modelo que exclui a maioria dos
trabalhadores e que apresenta um cenário de aprofundamento da precarização do
trabalho.
A leitura quanto aos dados relativos à concessão e à espécie de benefício
previdenciário, deve ser feita com algumas ressalvas, considerando que eles foram
obtidos nas visitas domiciliares, havendo variação quanto ao momento da coleta, de
acordo com o tempo transcorrido após o acidente e, portanto, quanto ao estágio em
que se encontravam os encaminhamentos junto ao INSS. São exemplos disso os 38
casos que estão “aguardando perícia”; 8 casos que estão “aguardando resultado da
perícia”; 3 casos em que aparece “não sabe informar”; 22 casos em que aparece
“sem informação”. É importante considerar, ainda, que essas informações foram
fornecidas pelo trabalhador acidentado e/ou pelo seu cuidador, geralmente um
familiar, portanto, se essa pessoa não tivesse em mãos o documento do
encaminhamento, poderia não saber informar ou não haver precisão na resposta.
Mesmo consideradas as ressalvas apontadas, a tabela 2 permite extrair
observações relevantes acerca da concessão de benefícios previdenciários.
Desconsiderados os casos em que não foi possível computar a concessão ou não de
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benefício, observa-se que foram concedidos 64, dos quais 37 correspondem a
auxílios-doença acidentários (B-91) e 27 a auxílios-doença previdenciários (B-31), o
que representa um número considerável de trabalhadores que não teve o acidente
reconhecido como acidente de trabalho. Conforme pesquisa documental, desses 27
trabalhadores que receberam o benefício B-31, 13 eram autônomos, 01 era
informal24, e os demais, 13 trabalhadores, sofreram acidente de trajeto, os quais
não foram reconhecidos como acidente de trabalho - um destes informou tratar-se
de acidente típico ocorrido fora da empresa.
A principal implicação decorrente do reconhecimento da natureza acidentária
é a estabilidade provisória, de 12 meses, após retorno ao trabalho. Além disso, nesse
caso, a empresa deve continuar recolhendo o FGTS do trabalhador. Dados os
impactos que um acidente de trabalho pode representar para o trabalhador e para a
sua família, tais direitos representam proteção social importante.
A pesquisa documental permitiu observar dificuldades para que sejam
efetivados direitos previdenciários e trabalhistas dos trabalhadores acidentados
acompanhados, bem como de seus familiares, a começar pela falta de entendimento
acerca das normas jurídicas pertinentes às questões e trâmites envolvidos, por vezes
inclusive por parte dos profissionais que prestavam o acompanhamento
socioassistencial. A essa observação é possível correlacionar a frágil condição
econômica e a pouca instrução que são proeminentes na população investigada,
elementos que configuram vulnerabilidade maior ao adoecimento25.
24 Refere-se do trabalhador 7 que, mesmo sendo informal, recebeu o benefício do auxílio-doença
previdenciário (B-31) porque, após ter sido trabalhador formal, ficou desempregado e passou a
receber seguro-desemprego. Estando nessa circunstância, estava prestando trabalho informal, como
pedreiro, quando se acidentou (no trajeto). Como ele ainda mantinha a qualidade de segurado, pode
requerer auxílio-doença, mediante renúncia do recebimento do seguro-desemprego, já que não
poderia continuar recebendo ambos os benefícios concomitantemente. Nesse caso, como estava na
condição de informal, portanto, sem vínculo empregatício, o benefício concedido foi o auxílio-doença
(B-31). Trata-se de um caso que demandou articulações do projeto de acompanhamento
socioassistencial do CEREST para que fossem feitos todos esses esclarecimentos quanto aos direitos
previdenciários e trabalhistas e prestadas as respectivas orientações ao trabalhador.
25 SELIGMANN-SILVA, Edith. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São
Paulo: Cortez; 2022.
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Edith Seligmann-Silva26 assinala que o nível de gravidade do desgaste humano
no trabalho, em sentido amplo, está propenso a ser maior nas situações de maior
vulnerabilidade humana. Para a autora, essa vulnerabilidade tende a ser mais intensa
quanto maior seja a precariedade das condições de vida e quanto menos estabelecido
esteja o respeito aos direitos humanos fundamentais e à cidadania no contexto
envolvido.
3. Características sociodemográficas dos trabalhadores acidentados
A pesquisa documental permitiu levantar elementos do perfil
sociodemográfico da população de trabalhadores vitimados por acidente de trabalho
grave e submetidos à internação hospitalar, que também contribuíram para a
presente discussão (tabela 3).
Tabela 3 - Dados sociodemográficos dos trabalhadores acidentados
SEXO
QUANTIDADE
Feminino
39
Masculino
162
Total
201
IDADE
QUANTIDADE
Abaixo de 20 anos
02
De 20 a 29 anos
60
De 30 a 39 anos
50
De 40 a 49 anos
32
De 50 a 59 anos
39
Acima de 60 anos
10
Sem informação
08
Total
201
ESCOLARIDADE
QUANTIDADE
Não alfabetizado
1
Fundamental Incompleto
49
Fundamental Completo
31
Médio Incompleto
23
Médio Completo
57
Superior Incompleto
10
Superior Completo
7
Sem informação
23
Total
201
RENDA FAMILIAR
QUANTIDADE
26 SELIGMANN-SILVA, Edith. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São
Paulo: Cortez; 2022.
17
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Menor que 1 salário-mínimo
3
De 1 a 2 salários-mínimos
35
De 2 a 3 salários-mínimos
51
De 3 a 4 salários-mínimos
45
De 4 a 5 salários-mínimos
14
Maior que 5 salários-mínimos
10
Sem renda
4
Sem informação
39
Total
201
COMPOSIÇÃO FAMILIAR
QUANTIDADE
Até 1 pessoas
26
Até 2 pessoas
34
Até 3 pessoas
69
Até 4 pessoas
39
Até 5 pessoas
15
Até 6 pessoas
10
Acima de 6 pessoas
4
Sem informação
4
Total
201
Fonte: Elaboração própria, 2022
A tabela 3 mostra a predominância significativa de vítimas de acidentes de
trabalho graves na população do sexo masculino, correspondente a 80,6% dos 201
trabalhadores acompanhados. Os dados indicados no Observatório de Segurança e
Saúde no Trabalho27, embora referentes a todos os tipos de acidentes notificados
pelo universo de trabalhadores com vínculo de emprego, evidenciam razoável
equivalência com os índices apontados nesta pesquisa, com destaque para a
predominância de vítimas na população do sexo masculino, que corresponde a quase
70% dos acidentes registrados no Observatório.
Julice Salvagni28 considera que o trabalho, socialmente construído
paralelamente à dominação do masculino, foi ditando formas diferentes de labor
para homens e para mulheres. Dada essa premissa, a citada autora atribui ao sistema
27 BRASIL. Ministério Público do Trabalho. Observatório digital de saúde e segurança no trabalho.
Brasília, DF: Ministério Público do Trabalho, 2022. Disponível em: https://smartlabbr.org/sst. Acesso
em: 4 ago. 2022.
28 SALVAGNI, Julice. Risco, trabalho e masculinidade: um estudo sobre os trabalhadores do setor
elétrico. Catalão, GO. In: Revista Opsis, Catalão, v. 13, n. 2, p. 15-35, jul./dez. 2013. Disponível em:
https://periodicos.ufcat.edu.br/Opsis/article/view/22089/15906. Acesso em: 4 ago. 2022.
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de oposições, descrito por Pierre Bourdieu29, o fato de que, por exemplo, o trabalho
braçal seja marcado pela virilidade masculina do homem e sugere que certos tipos
de trabalho sejam marcados pelo masculino, como aqueles que envolvem riscos.
Embora esta questão não tenha sido objeto de investigação da presente pesquisa, o
percentual majoritário de homens como vítimas de acidente de trabalho grave
parece ir ao encontro da leitura da autora, partindo da hipótese de que as vítimas
desse tipo de acidente estavam mais expostas aos riscos relacionados à integridade
física, ao corpo do indivíduo.
Os acidentes de trabalho graves estudados aconteceram com trabalhadores de
diferentes escolaridades, sendo 28,35%, entre aqueles que possuem ensino médio
completo e 24,37%, que possuem ensino fundamental incompleto. Outro aspecto
importante diz respeito à renda familiar dos trabalhadores acidentados,
predominando a faixa de um a três salários-mínimos para 44,28% dos casos
acompanhados. Ainda foram identificadas quatro famílias sem nenhuma renda, o que
denuncia alto nível de vulnerabilidade social. Do total de acompanhamentos, apenas
4,97% das famílias dos trabalhadores acidentados possuíam renda superior a cinco
salários-nimos. A esse quadro, soma-se o achado da análise documental dando
conta de que, comumente, um membro da família da vítima tinha que atuar como
seu cuidador, perdendo a possibilidade de trabalhar para contribuir com a renda
familiar, o que gera implicações à condição socioeconômica da família.
Para Carla Bronzo Ladeira Carneiro e Laura da Veiga30, riscos e
vulnerabilidades emergem de uma multiplicidade de fatores interdependentes,
sendo a vulnerabilidade o resultado de uma exposição a riscos somada à baixa
capacidade material, simbólica e comportamental das pessoas e famílias para
29 Para Pierre Bourdieu, “[...] a divisão das coisas e das atividades (sexuais e outras) segundo a
oposição entre o masculino e o feminino recebeu a necessidade objetiva e subjetiva de sua inserção
em um sistema de oposições homólogas, alto/baixo, em cima/embaixo, na frente/atrás,
direita/esquerda [...]”. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2003. p. 16.
30 CARNEIRO, Carla Bronzo Ladeira; VEIGA, Laura da. O conceito de inclusão, dimensões e indicadores.
In: Pensar BH Política Social, 2. Belo Horizonte: Secretaria Municipal de Coordenação da Política
Social, encarte especial da edição n. 10, jun. 2004.
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enfrentá-los, resultando em exclusão. Nessa mesma direção, Rosane Janczura31 diz
que a pobreza gera uma maior exposição aos riscos “[...] principalmente em
contextos em que famílias pobres não contam com uma rede pública de proteção
social (acesso a bens e serviços básicos que viabilizem melhores oportunidades para
enfrentar as adversidades). Nesse sentido, Edith Seligmann-Silva32 também aponta
que o desgaste mental tem estreita relação com o cotidiano extralaboral e as
condições concretas de vida do trabalhador.
Assim, entre as vítimas acompanhadas pelo projeto do CEREST, é prevalente
a ocorrência de agravamento das condições socioeconômicas da família, a exemplo
do trabalhador 144, com 35 anos, motoboy, com renda familiar de 1,5 salários-
mínimos, que morava em casa cedida e sofreu acidente que lhe causou múltiplas
fraturas, passou por cirurgia de fêmur e de antebraço e precisou residir com sua
mãe, em outra região da cidade, para que ela o cuidasse. Este trabalhador declarou
ter sofrido acidente típico, porém, este não foi reconhecido como tal, portanto, não
recebeu o auxílio acidentário e, sim, o auxílio-doença (B-31). Observa-se nesse relato
que, paralelamente aos impactos socioeconômicos descritos, ocorrem implicações
marcantes que tocam as funções da família, o que será tratado a seguir.
A idade dos trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho graves indica o
predomínio de pessoas jovens, sendo 29,85% dos trabalhadores com idade entre 20
e 29 anos e 24,87% com idade entre 30 aos 39 anos, sendo que dois trabalhadores
tinham menos de 20 anos de idade. Ao encontro desses resultados, estudos de 200733
indicam que os acidentes de trabalho “[...] acometem mais comumente pessoas
jovens, no início da vida laboral”, repercutindo negativamente na capacidade
produtiva e econômica do país, o que pode ser acrescentado ao aumento da
vulnerabilidade social destes trabalhadores e suas famílias.
31 JANCZURA, Rosane. Risco ou vulnerabilidade social? In: Textos & Contextos, Porto Alegre, v. 11,
n. 2, ago./dez. 2012. p. 304. Disponível em:
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/12173. Acesso em: 4 ago.
2022.
32 SELIGMANN-SILVA, Edith. Desgaste mental no trabalho dominado. São Paulo: Cortez, 1994. 322 p.
33 SANTANA, Vilma Souza et al. Mortalidade, anos potenciais de vida perdidos e incidência de acidentes
de trabalho na Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 11, nov. 2007, p.
2643. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007001100012. Acesso em: 4 ago. 2022.
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A baixa escolaridade de 40,29% dos trabalhadores, os quais possuem até o
ensino fundamental completo, é outro indicador que remete essa parcela de
trabalhadores a uma ampliação da vulnerabilidade social frente ao acidente e
repercute na sua capacidade de reinserção laboral, especialmente quando
remanescem sequelas, a exemplo de quando impedem a realização de trabalhos
braçais.
Um acidente de trabalho grave dispõe também a vítima a um estado de maior
vulnerabilidade psicológica, produzindo-lhe sofrimento e desgaste psíquicos. Edith
Seligmann-Silva34, considera desgaste mental [...] como um conceito que abrange
tanto a dimensão psíquica (sofrimento mental) como a psicofisiológica (estresse
laboral e aspectos psicossomáticos) [...]”. Como explica a autora35, a vivência de um
acidente de trabalho envolve questões muito complexas, a começar pela dor física e
pelos desconfortos decorrentes do processo de reabilitação, pelas sequelas
anatômicas e funcionais dos seus próprios corpos, que podem causar limitações e
afetar as atividades mais elementares da sua vida cotidiana. Sebastião Geraldo de
Oliveira36, reportando-se às nefastas marcas deixadas pelos acidentes de trabalho
com óbito, ilustra as repercussões daqueles acidentes que deixam o trabalhador
incapacitado:
[...] daí porque em outras milhares de residências vamos encontrar a dor da
exclusão, a tristeza da inatividade precoce, a solidão do abandono na
intimidade do lar, o vexame da mutilação exposta, a dificuldade para os
cuidados pessoais básicos, o constrangimento da dependência permanente
de outra pessoa, a sensão aflitiva de inutilidade, o conflito permanente
entre um cérebro que ordena e um corpo que não consegue responder, o
vazio da inércia imposta.
34 SCHMIDT, Maria Luiza Gava; SELIGMANN-SILVA, Edith. Entrevista com Edith Seligmann-Silva: saúde
mental relacionada ao trabalho ― concepções e estratégias para prevenção. In: Revista Laborativa,
Assis, v. 6, n. 2, out. 2017. p. 107. Disponível em:
https://ojs.unesp.br/index.php/rlaborativa/article/view/1849. Acesso em: 4 ago. 2022.
35 SELIGMANN-SILVA, Edith. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São
Paulo: Cortez, 2022.
36 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de Oliveira. O dia nacional em memória das vítimas de acidentes do
trabalho e o imperativo da prevenção. In: SOUZA, Adriana Augusta de Moura et al. Grandes acidentes
do trabalho no Brasil: repercussões jurídicas e abordagem multidisciplinar. Belo Horizonte: Editora
RTM, 2021. p. 26.
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e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 6, p. 1-30, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.152.
Conforme estudo da população de amputados inscritos no Programa de
Reabilitação Profissional (PRP) do INSS de Campinas/SP37, no período de 2007 a 2012,
o número de pessoas portadoras de deficiência no Brasil e no mundo é expressivo e
o acidente de trabalho é um dos fatores que elevam essas estatísticas, podendo
provocar sequelas permanentes, como amputações, comprometendo a qualidade de
vida e do trabalho da vítima. Nessa população estudada, 65% dos trabalhadores
protetizados foram reinseridos no mercado de trabalho, restando evidenciada a falta
de suporte psicossocial desses trabalhadores para o acompanhamento e a efetiva
reinserção. Embora o presente trabalho não inclua pesquisa quantitativa quanto às
sequelas decorrentes dos acidentes de trabalho graves, são consistentes as
informações extraídas da pesquisa acerca da saga enfrentada pelos trabalhadores e
das evidências das referidas sequelas.
Os casos acompanhados no projeto do CEREST contêm relatos em que o
processo de reabilitação do trabalhador exigiu longos períodos de internação
hospitalar, muitas em unidades de terapia intensiva, com idas e vindas ao hospital
para realização de vários procedimentos cirúrgicos, situações envolvendo
amputações, fraturas, perfurações de órgãos com hemorragias internas, enxertos
ósseos, rejeições de enxertos e/ou de implantes, traumatismos cranioencefálicos
graves, comprometimentos neurológicos, entre tantas outras lesões e complicações.
Ao lado disso, os relatos dão conta dos longos processos de tratamento, como os
curativos, fisioterápicos e ocupacionais, e o enfrentamento das consequências
relacionadas à redução da capacidade laborativa que podem ou não resultar na
aposentadoria por invalidez e dos impactos socioeconômicos e relacionais que se
entrelaçam de variadas formas.
Edith Seligmann-Silva38, ao falar da vulnerabilidade psicológica ocasionada por
um acidente de trabalho, faz referência a uma vivência de fragilização que envolve
37 FARIAS, Samantha Hasegawa. Estudo dos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho grave
participantes do Programa de Reabilitação Profissional do Instituto Nacional de Seguridade Social
de Campinas, usuários de órtese e prótese. 2013. 85 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de
Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013. Disponível em:
https://hdl.handle.net/20.500.12733/1619922. Acesso em: 4 ago. 2022.
38 SELIGMANN-SILVA, Edith. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São
Paulo: Cortez, 2022.
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MENEZES, Marta Neckel; MAGRO, Márcia L. Pit Dal. Impactos psicossociais dos acidentes de trabalho graves: um olhar
sobre os trabalhadores acompanhados pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador. Revista Jurídica Trabalho
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o corpo do trabalhador, como um todo, gerando perda de autoconfiança e
configurando sofrimento e desgaste psíquicos. Essa vulnerabilidade, para a autora,
envolve certa complexidade, passando primeiramente pelas questões anatômicas e
funcionais decorrentes dos danos físicos, mas incluem o desgaste psíquico devido à
deterioração da autoimagem, o que também advém dos aspectos físicos, mas alcança
a identidade social o reconhecimento de si e, por vezes, o
reconhecimento/valorização do outro.
Essa leitura de Edith Seligmann-Silva39 vai ao encontro dos relatos da
trabalhadora 48 que, no início do acompanhamento, referia sentir muita dor na mão
amputada e muita sensibilidade no coto, dizendo que até a água do chuveiro fazia
“doer de arrepiar”. Numa das visitas, relatou que não conseguia dormir, que estava
muito ansiosa, irritada, chorando várias vezes ao dia e que queria ficar isolada, tendo
iniciado uso de psicotrópicos prescritos pelo médico. Após ter sido acompanhada pelo
projeto do CEREST por certo tempo, a trabalhadora solicitou alta, inclusive quanto
aos atendimentos psicológicos que vinha recebendo e, passados alguns meses,
procurou o CEREST pedindo para retomar o acompanhamento, relatando que o
abandono do tratamento havia se dado porque ela ficou muito decepcionada quando
soube que a prótese que estava por receber teria apenas efeito estético e não
funcional. Quando essa trabalhadora retornou ao trabalho, a empresa a colocou em
outra função, porém, ela disse que encontrava muita dificuldade para executar a
atividade e sentia-se constrangida pelo “olhar dos colegas”, demonstrando estar
abalada emocionalmente com a situação. Verifica-se que, como elucida Carla Júlia
Segre Faiman40, o retorno ao trabalho é também uma experiência complexa,
especialmente quando o motivo do afastamento também tem relação com o
trabalho.
Os resultados deste estudo evidenciam que as vulnerabilidades sociais e
psíquicas oriundas dos acidentes de trabalho graves se desdobram, se associam entre
39 SELIGMANN-SILVA, Edith. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São
Paulo: Cortez, 2022.
40 FAIMAN, Carla Júlia Segre. Saúde do trabalhador: possibilidades e desafios da psicoterapia
ambulatorial. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2012. (Coleção Clínica Psicanalítica)
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MENEZES, Marta Neckel; MAGRO, Márcia L. Pit Dal. Impactos psicossociais dos acidentes de trabalho graves: um olhar
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e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 6, p. 1-30, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.152.
si e, muitas vezes, se associam às precárias condições de vida preexistentes ao
acidente sofrido, envolvendo riscos e vulnerabilidades de muitas ordens.
4. Repercussões dos acidentes de trabalho graves para as famílias dos
trabalhadores
Os casos acompanhados denotam sobrecarga das funções da família, como um
todo, o que vai ao encontro do que se verifica com mais intensidade na
contemporaneidade, ante a difusão de políticas neoliberais que proclamam a
redução das demandas do Estado e a atuação de provedores informais de bem-estar,
“[...] recaindo sobre a família expectativas, atribuições e responsabilidades
superiores à sua capacidade de resposta”, como arremata Solange Maria Teixeira41.
Ilustra esta questão o caso do trabalhador 26, de 71 anos de idade, aposentado,
jardineiro, que sofreu fraturas em razão de queda de altura, em trabalho informal,
situação em que foi necessária a mobilização de seus familiares. Como ele morava
sozinho, um filho do trabalhador o ajudava com o deslocamento para as consultas e
para receber outros tratamentos, sua neta fazia os curativos e sua ex-esposa levava
almoço para ele todos os dias. A recuperação do trabalhador não estava andando
bem e foi necessário novo procedimento cirúrgico para fazer enxerto ósseo e colocar
um fixador externo na perna, o que indica a extensão dos cuidados demandados a
essa família.
Na pesquisa, foram identificados muitos outros casos nos quais recaem sobre
as famílias responsabilidades e atribuições que extrapolam suas possibilidades de
resposta, produzindo o agravamento da vulnerabilidade social que já as acomete.
São exemplos disso vários relatos de familiares que, à evidência, se desdobravam
para conseguir providenciar a locomoção da vítima para que ela pudesse receber
tratamento. O trabalhador 7, por exemplo, precisou ficar na casa da irmã para ser
cuidado e sua mãe veio de outra cidade para ajudar.
41 TEIXEIRA, Solange Maria. A família na política de assistência social: concepções e as tendências do
trabalho social com famílias nos CRAS de Teresina. Teresina: EDUFPI, 2013. 218 p. p. 29
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A pesquisa documental mostrou a frequência de casos em que a companheira
era a cuidadora do trabalhador acidentado lembrando que 80,6% da população
pesquisada era do sexo masculino , em quadros e contextos complexos, como são,
no mais das vezes, as situações que decorrem de um acidente de trabalho grave e
que foram mostradas ao longo deste artigo. Um exemplo que ilustra essa situação é
o caso do trabalhador 33, de 61 anos de idade, composição familiar de oito pessoas,
com ensino fundamental incompleto e que, como trabalhador informal em serviços
gerais, sofreu acidente (queda de altura) que lhe causou trauma cranioencefálico
grave e fraturas. O trabalhador era cuidado por sua companheira, que recebeu
orientações, inclusive sobre como fazer os curativos e, em razão de lesão na região
sacrococcígea, precisava atentar às mudanças de decúbito (reposicionamentos para
reduzir duração e intensidade de pressão na área vulnerável). Essa companheira
também era cuidadora de uma filha com deficiência, que apresentava
comprometimento cognitivo e motor, e de dois netos, de dois e três anos de idade.
As articulações feitas pelo projeto do CEREST incluíram busca de creche para os
netos, em período integral, pedido de acompanhamento do Programa Saúde em Casa
(PCS), entre outros atendimentos prestados.
Edith Seligmann-Silva42 traduz as percepções de Heleieth Safiotti sobre o
trabalho da mulher no Brasil, dando conta de que “[...] na situação brasileira, a
insuficiência da política pública na prevenção e na assistência às vítimas do trabalho
é dissimulada e invisibilizada pela dedicação de mulheres que assumem a prestação
de cuidados nos próprios lares, mesmo que em condições bastante precárias”. O
trabalho de cuidado desempenhado por mulheres, de forma gratuita, vem sendo
tema de discussão43 e, nesta pesquisa, a realidade de muitos dos casos estudados
42 SELIGMANN-SILVA, Edith. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São
Paulo: Cortez, 2022. p. 382.
43 OLIVEIRA, Flavia Uchôa de; NANDY, Shailen; FERNANDEZ, Gabriela Fraga; ASSIS, Ana Elisa Spaolonzi
Queiroz; VEDOVATO, Luis Renato. Trabalho decente para uma vida digna: um estudo piloto a partir
da abordagem consensual na cidade de Campinas. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento
Humano, Campinas, v. 5, p. 1-38, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.120.
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sobre os trabalhadores acompanhados pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador. Revista Jurídica Trabalho
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mostrou que, efetivamente, em famílias que já viviam em condições bastante
precárias, o cuidado recaiu sobre as companheiras dos trabalhadores vitimados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste artigo foi analisar os impactos psicossociais do acidente de
trabalho grave para os trabalhadores e para as suas famílias, observados a partir das
vulnerabilidades sociais produzidas e agravadas pela sua ocorrência, geradora de
complexas demandas, as quais somente podem ser atendidas por meio de múltiplas
intervenções.
Os resultados deste estudo evidenciam que as vulnerabilidades sociais e
psíquicas oriundas dos acidentes de trabalho graves se desdobram, se associam entre
si e, muitas vezes, se associam às precárias condições de vida preexistentes ao
acidente sofrido, envolvendo riscos e vulnerabilidades de muitas ordens.
A pesquisa permitiu acessar às especificidades do acidente de trabalho grave
no cotidiano da vida do trabalhador e das pessoas envolvidas, revelando que se trata
de um evento violento, de uma experiência dolorosa, que tende a deixar sequelas
duradouras e prejudicar o funcionamento psicossocial e físico do trabalhador
acidentado, impactando fortemente mais pessoas, especialmente seus familiares.
Um dos pontos marcantes da pesquisa foi a demonstração da extensão dos
efeitos dos acidentes de trabalho graves ao âmbito da família, para além da esfera
laboral, com repercussões diretas nas relações familiares. A pesquisa mostrou a
sobrecarga das funções das famílias na proteção social e no cuidado quando não
dispõem de recursos psíquicos, sociais e econômicos para responder às demandas
impostas pela situação que vivenciam, o que dá contornos ainda mais graves à
acidentalidade do trabalho como um sério problema social e de saúde pública e,
mais, que denuncia a difusão das políticas neoliberais, as quais intentam e primam
pela redução das demandas do Estado a qualquer custo.
O estudo constatou que, no universo pesquisado, 80,6% das vítimas dos
acidentes de trabalho eram homens, e que o cuidado desses trabalhadores
acidentados recaiu sobre suas companheiras, em condições bastante precárias.
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Trata-se de uma relevante temática que atravessa a sociedade e alcança as
dimensões sociais relativas às relações de gênero e de trabalho, e que poderia ser
objeto de exploração em outros estudos, o que se sugere.
Restou evidente que o limitado recebimento de apoio social e profissional
diante de um acidente de trabalho grave pode agravar seus impactos. Portanto, são
necessárias políticas públicas que promovam ações intra- e intersetoriais e
interinstitucionais, políticas integrativas efetivas no cotidiano do trabalho, dando
visibilidade à saúde do trabalhador, mediante programas e ações promovidas por
profissionais capacitados e qualificados.
O enfoque da vulnerabilidade está intimamente relacionado aos fatores de
risco e de proteção, mencionados e articulados frequentemente pelas políticas
sociais. No entanto, como consequência da concepção de Estado mínimo e da política
pública restritiva de direitos, deu-se a precarização do trabalho, de um lado, e o
desmonte do SUS, de outro, incluindo a falta de renovação de seus quadros técnicos.
O processo histórico de subfinanciamento do SUS, a partir da Emenda Constitucional
95/2016 (Teto de Gastos), passou a ser um processo de desfinanciamento, mediante
a retirada de seus recursos, o que vem causando desmonte e retrocessos nas políticas
públicas de proteção social.
A realidade social estampada na presente pesquisa evidencia um desafio de
ordem ética e política de denunciar o que está em jogo no desmonte das instâncias
destinadas a garantir os direitos sociais e a fortalecer os vínculos de solidariedade
social, para que a resposta do Estado brasileiro às condições de vida da população
trabalhadora não se subordine aos limites impostos pelo capital rentista.
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Financiamento
Bolsa de auxílio à pesquisa - Edital 023/REITORIA/2019 da Unochapecó -
FUMDES/UNIEDU (art. 171 da Constitucional Estadual). Trabalho financiado pela
FAPESC e CNPQ Edital 06/2016.
Marta Neckel Menezes
Graduada em Direito e em Psicologia pela Unochapecó. Psicóloga Clínica e Psicanalista em
formação. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9328223033866238. ORCID: https://orcid.org/0000-
0002-9274-4001.
Márcia Luíza Pit Dal Magro
Mestre e Doutora em Psicologia pela UFSC. Professora do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4245517133560770. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2127-9261.