Recebido em: 19/03/2023
Aprovado em: 15/05/2023
O papel do Supremo Tribunal Federal no cumprimento da
Agenda 2030 da ONU à luz do objetivo do Trabalho Decente
The role of the Brazilian Supreme Court
on the implementation of the UN 2030
Agenda in the light of the Decent Work
goal
El papel del Tribunal Supremo Federal
en el cumplimiento de la Agenda 2030 de
las Naciones Unidas a la luz del objetivo
del Trabajo Decente
Gabriela Neves Delgado
Universidade de Brasília
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1551226169981813
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9400-4293
Ana Luisa Gonçalves Rocha
Universidade de Brasília
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4643262377298191
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8077-9410
Ana Carolina Paranhos
Universidade de Brasília
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2286268920472181
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9303-006X
RESUMO
Este artigo inicialmente aborda o percurso histórico das Agendas de
Desenvolvimento da ONU, para se concentrar, em seguida, na Agenda 2030,
com ênfase no estudo do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) n.
8, referente ao Trabalho Decente, conceito originalmente formulado pela
Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1999. Indicadas as bases
teóricas, a pesquisa segue para a análise jurisprudencial, em que são
examinadas decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal (STF). Busca-se
identificar se e como o STF faz referência aos conceitos da Agenda 2030 e
do Trabalho Decente e se ele tem decidido de modo a promover o Trabalho
Decente, considerados o significado e a densidade propostos pela OIT. Na
análise da jurisprudência, observam-se esforços de governança no sentido
da institucionalização da Agenda 2030 no âmbito do Tribunal, mas conclui-
se pela necessidade de aprofundamento da coerência qualitativa dos
resultados dos julgamentos em relação ao conteúdo do Trabalho Decente,
em um compromisso ético com a proteção de direitos humanos trabalhistas.
PALAVRAS-CHAVE: Agenda 2030. Trabalho decente. Decisões judiciais do
Supremo Tribunal Federal.
ABSTRACT
This paper examines the historical path of the United Nations Development
Agendas in order to contextualize the analysis of the 2030 UN Agenda and
its Sustainable Development Goal n. 8 on Decent Work, a concept brought
about by the International Labour Organization (ILO) in 1999. Relying on this
conceptual framework, this study adopts an investigation procedure on the
judicial decisions of the Brazilian Supreme Court (STF). The research seeks
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to identify if and how the Court acknowledges the concepts of the 2030
Agenda and Decent Work and if the decisions promote Decent Work,
considering the meaning and density proposed by the ILO. The analysis
observes governance efforts towards the institutionalization of the 2030
Agenda within the Court, but concludes that there is need to deepen the
qualitative coherence of the results of the judgments in relation to the
content of Decent Work, in an ethical commitment with the protection of
labor human rights.
KEYWORDS: 2030 Agenda. Decent work. Judicial decisions of the Brazilian
Supreme Court.
RESUMEN
Este artículo se inícia con un estudio del camino histórico de las Agendas de
Desarrollo de las Naciones Unidas y, luego, pone atención al Objetivo de
Desarrollo Sostenible n. 8, que trata del Trabajo Decente, un concepto
originalmente constituído por la Organización Internacional del Trabajo
(OIT) en 1999. Al amparo de ese substrato teórico, se pasa a una
investigación de las decisiones judiciales de la Suprema Corte de Brasil
(STF). La encuesta busca identificar si y cómo el STF hace referencia a los
conceptos de Agenda 2030 y Trabajo Decente y si las decisiones promueven
el Trabajo Decente, considerando el significado y la densidad propuesta por
la OIT. En el análisis de la jurisprudencia se observan esfuerzos de
gobernanza hacia la institucionalización de la Agenda 2030 en el ámbito de
la Corte, pero se concluye que existe la necesidad de profundizar la
coherencia cualitativa de los resultados de las sentencias con el contenido
del Trabajo Decente, en un compromiso ético con la protección de los
derechos humanos laborales.
PALABRAS CLAVE: Agenda 2030. Trabajo decente. Decisiones judiciales de
la Suprema Corte de Brasil.
INTRODUÇÃO
A Organização das Nações Unidas (ONU) foi constituída originalmente com a
perspectiva de consolidação da paz, mas desde sempre também se apresentou como
protagonista na construção dos direitos humanos nos mais variados campos. Em seu
percurso histórico, essa construção foi principalmente normativa, incluindo tratados
e convenções, por exemplo. A partir de 1992, no entanto, a ONU também passou a
elaborar agendas de políticas públicas, com compromissos éticos no campo dos
direitos humanos.
Como resultado desse aperfeiçoamento estratégico iniciado nos idos de 1992,
foram adotadas três Agendas de Desenvolvimento no âmbito das Nações Unidas, a
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dizer, a Agenda 21, a Agenda do Milênio e a Agenda 2030 de Desenvolvimento
Sustentável.
A Agenda 21 foi resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-1992. Sendo ela a agenda precursora da ideia
de compromissos de direitos humanos fortalecidos por programas de ação no campo
das políticas públicas, sua pauta tem sido reiteradamente renovada no tempo.
Em 2000, no âmbito da Assembleia Geral da ONU, adotou-se a Agenda do Milênio,
com prazo de duração de 15 anos (2000-2015), para tratar de políticas públicas de
direitos humanos para o desenvolvimento. Nesse momento, o conceito de
desenvolvimento esteve ancorado, em alguma medida, na dimensão social e já se
previa a imporncia de cooperações e parcerias para se lograr cumprir os oito
objetivos por ela elencados.
Em 2015, 20 anos após a Rio-1992, a ONU lançou, também no âmbito da sua
Assembleia Geral, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, com prazo
de duração de 15 anos (2015-2023) e uma pauta ambiciosa de 17 objetivos de
desenvolvimento sustentável (ODS). Nessa agenda, a ONU avançou ao apresentar
novas e importantes diretrizes para a concretização de patamares civilizatórios em
matéria de direitos humanos e para o desenvolvimento dos povos, contemplando o
engajamento de todos os 193 países membros para efetivá-la.
Compreende-se que essas Agendas de Desenvolvimento se configuram como
compromissos éticos de direitos humanos, em que se constata uma continuidade,
acompanhada de uma densidade em termos de ousadia nas metas e de um
aperfeiçoamento conceitual, sendo vistas como etapas ou mapas do caminho para o
alcance dos objetivos de desenvolvimento, em linha com o propósito constitutivo da
ONU, previsto na Carta de São Francisco, de 1945.
Nesse artigo, são estudadas as três etapas dos compromissos éticos da ONU
com os direitos humanos, expressas nas três Agendas para o Desenvolvimento,
destacando-se, especialmente, o ODS n. 8 da Agenda 2030, referente ao Trabalho
Decente, como requisito para o desenvolvimento sustentável no campo trabalhista
em sentido amplo.
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Em seguida, faz-se um levantamento jurisprudencial referente à incorporação
ou não da Agenda 2030 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), notadamente no que
tange ao ODS n. 8. Investiga-se o modo pelo qual a Corte tem colaborado com o
acesso à justiça para a concretização da Agenda 2030, diante do componente ético
do Direito Internacional dos Direitos Humanos nela contido, com base nas seguintes
perguntas: (i) O STF tem articulado em suas decisões o Trabalho Decente e a Agenda
2030 da ONU?; (ii) O STF tem decidido de forma a promover o Trabalho Decente,
conceito originário da OIT e previsto no ODS n. 8 da Agenda 2030, com todo o seu
significado e densidade?
Dessa forma, entendendo que a referência à Agenda 2030 é simbólica e
agregadora, argumenta-se que qualquer correlação entre ela e as decisões judiciais
dos Tribunais Superiores não pode ser meramente temática, mas sim de resultado,
salientando-se o aspecto qualitativo da concretização dos direitos humanos
trabalhistas.
1. As Agendas de Desenvolvimento da ONU
A ONU tem um papel ativo na construção de instrumentos de direitos humanos
desde sua origem. Em 1945, as nações reunidas em São Francisco, entre elas o Brasil,
negociaram e adotaram a Carta da Organização das Nações Unidas. Não à toa, a
paz e a segurança, a resolução pacífica de controvérsias, o respeito à dignidade
humana, o progresso dos povos e o desenvolvimento econômico e social rumo a um
nível mais alto de vida para todos foram reconhecidos como finalidades precípuas da
Organização (art. 1º).
Os direitos humanos passaram, desde então, a ser explicitamente
reconhecidos de modo progressivo, dinâmico e sistematizado em um grande guarda-
chuva normativo, cujo marco é a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948)1.
1 PIOVESAN, Flávia. Proteção internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais. Revista
Consultor Jurídico, São Paulo, 26 ago. 2002. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2002-ago-
26/direitos_economicos_sociais_culturais_desafios. Acesso em: 7 fev. 2023.
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Ao final do século XX, o desenvolvimento, que era um conceito simbólico e
estratégico, adquire natureza de direito humano, chamado de direito humano ao
desenvolvimento2. Nesse sentido, as abordagens do desenvolvimento passam a se
dar à luz dos direitos humanos e os direitos humanos passam a abarcar o
desenvolvimento enquanto seu componente3, por vezes gerando controvérsias em
matérias de obrigações, compromissos, justiciabilidade e monitoramento, como
ensina Arjun Sengupta4.
No entanto, é com essa natureza que o conceito de desenvolvimento se
encontra, de forma cada vez mais ampla e integrada, nas Agendas de
Desenvolvimento da ONU.
Sabe-se que a criação de Agendas de Desenvolvimento amplia a prodão
normativa de direitos humanos da ONU, transitando do que fora uma produção
predominantemente normativa para uma de natureza de política pública, adotada
enquanto compromisso ético de seus 193 países membros.
Esse aperfeiçoamento estratégico começou especificamente em 1992. A
Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), também chamada
de Cúpula da Terra ou Rio-92, reuniu representantes de 178 países e de organizações
internacionais, organizações não-governamentais, observadores e jornalistas, que
adotaram, sem resistência e de forma unânime, a Agenda 21: Programa de Ação
para o Desenvolvimento Sustentável.
Esta Agenda firmou o compromisso dos países com o desenvolvimento, tendo
estabelecido políticas e ações referentes à responsabilidade ambiental e ao combate
à pobreza, a qual, por sua vez, é entendida como uma das causas dos danos ao meio
ambiente.
A despeito de explicitar o desenvolvimento sustentável em seu texto
original, a Agenda 21 é conhecida por sua pauta de compromissos
2 SENGUNPTA, Arjun. On the Theory and Practice of the Right to Development. Human Rights
Quarterly, [S.l.], v. 24, n. 4, nov. 2002, p. 841-845.
3 UVIN, Peter. From the right to development to the rights-based approach: how human rights entered
development. Development In Practice, London, v. 17, n. 4-5, Aug. 2007, p. 597-606.
4 SENGUPTA, Arjun. On the theory and practice of the right to development. Human Rights Quarterly,
[S.l.], v. 24, n. 4, nov. 2002, p. 841-845.
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predominantemente ambientais. A demanda por sua implementação plena foi
reiterada também na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, ocorrida
em Johanesburgo, em 2002.
Entre os resultados da Rio-1992, além da Agenda 21, citam-se a Declaração
de Princípios sobre Floresta; a Declaração do Rio, que elenca princípios para uma
vida produtiva e saudável, incluindo o manejo ambiental e a cooperação
internacional para o desenvolvimento sustentável; a Convenção sobre Diversidade
Biológica (CDB); e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima
(UNFCCC).
Ademais, a Rio-92 levou à criação, no mesmo ano, da Comissão de
Desenvolvimento Sustentável (CDS), vinculada ao Conselho Econômico e Social da
ONU, e embasou a Conferência Rio+20, ocorrida em 2012, também no Rio de Janeiro.
Em 1997, o Brasil criou a Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da
Agenda 21 e lançou seu compromisso no marco da Agenda 21 Brasileira5. Em 2004,
o Brasil revisou e ampliou seus compromissos mediante consulta nacional com
diversos atores6 realizada entre 2000 e 2001, alinhando-se ao que seria a tendência
das demais Agendas de Desenvolvimento da ONU de adensar as dimensões sociais e
econômicas da sustentabilidade.
É importante destacar que a Agenda 21 brasileira foi lançada em um momento
histórico em que políticas de combate à pobreza e à miséria, de fortalecimento dos
grupos de representantes da sociedade civil, de elaboração de programas de
transferência de renda e outras de cunho social e econômico, distributivas e
redistributivas, tornaram-se cada vez mais frequentes, com o amparo da
Constituição Federal de 1988. Foi também nesse contexto que se abriu espaço
5 ANA (Agência Nacional De Águas e Saneamento Básico). Agenda 21 - Perguntas e Respostas.
Website. Disponível em:
https://www.ana.gov.br/AcoesAdministrativas/RelatorioGestao/Agenda21/port/se/agen21/perg.ht
ml#seis. Acesso em: 7 fev. 2023.
6 COMISSÃO DE POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DA AGENDA 21. Agenda 21
Brasileira: Resultado da Consulta Nacional. 2 ed. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2004.
Disponível em:
https://www5.pucsp.br/ecopolitica/downloads/agenda_brasileira_consulta_nacional.pdf. Acesso
em: 7 fev. 2023. p. 8.
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fecundo para o acesso à justiça como ferramenta para a concretização dos direitos
humanos, o que foi impulsionado, no ano seguinte, pelo reconhecimento do Estado
quanto à jurisdição obrigatória e vinculante da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, em 10 de dezembro de 19987.
De fato, ao final dos anos 1990, após a chamada Década das Conferências
Sociais da ONU, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução A/RES/55/2,
intitulada: “A Declaração do Milênio da ONU”, de 18 de setembro de 2000, durante
a Cúpula do Milênio das Nações Unidas8.
Esse documento reafirmou o compromisso da ONU com a promoção de um
mundo pacífico, próspero e justo, reiterou valores fundamentais para as relações
internacionais contemporâneas a exemplo da liberdade, igualdade, solidariedade,
tolerância, respeito pela natureza e responsabilidade compartilhada , bem como
elencou temas essenciais para o novo milênio, como paz, segurança e
desarmamento; desenvolvimento e erradicação da pobreza; proteção ambiental;
direitos humanos, democracia e boa governança; proteção aos vulneráveis; atenção
especial à África e fortalecimento da própria ONU.
A partir da Declaração do Milênio, a Assembleia Geral da ONU adotou a
Agenda do Milênio para o Desenvolvimento, com prazo de 15 anos para o alcance
dos seus oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), enquanto um mapa do
caminho a ser adotado no nível global, para os anos 2000 a 2015. Eram seus objetivos:
1) erradicar a pobreza extrema e a fome; 2) educação básica universal; 3) igualdade
de gênero e empoderamento da mulher; 4) redução da mortalidade infantil; 5)
melhorar a saúde materna; 6) combater o HIV/aids, a malária e outras doenças; 7)
7 CORREIA, Ana Luiza de Moraes Gonçalves. KOWARSKI, Clarissa Brandão de Carvalho. O Estado
Brasileiro perante as sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos: o caso Vladimir Herzog.
Revista Juris UniToledo, Araçatuba, v. 4, n. 1, jan.-mar. 2019. Disponível em:
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_ser
vicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/Rev-Juris-UNITOLEDO_v.4_n.1.05.pdf. Acesso em: 7
fev. 2023. p. 69.
8 ROMA, Júlio César. Os objetivos de desenvolvimento do milênio e sua transição para os objetivos de
desenvolvimento sustentável. Cienc. Cult., São Paulo, v. 71, n. 1, p. 33-39, jan. 2019. Disponível
em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-
67252019000100011&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 7 fev. 2023.
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garantir a sustentabilidade ambiental; 8) parcerias e cooperação para o
desenvolvimento.
Na Conferência Mundial de 2005, na sede da ONU em Nova York, assistida por
mais de 170 chefes de Estado e de governo, o ex-Secretário Geral Kofi Annan
impulsionou a concretização da Agenda do Milênio em seu Relatório Em maior
liberdade, no qual instava todos os atores a reiterar seu compromisso com o alcance
dos ODM até 2015 e a diversificar fontes de financiamento para sua concretização,
bem como a promover a liberalização comercial, a agenda da Rodada Doha na
Organização Mundial do Comércio e a sustentabilidade fiscal9.
Veja-se que a própria dimensão social da Agenda do Milênio foi expressa de
forma restritiva, ressaltando mais o combate a problemas sociais endêmicos e no
nível da base da pirâmide do subdesenvolvimento do que a proposição de soluções
para questões sociais entendidas em sentido mais amplo, como as que envolvem
trabalho, moradia, assistência social, previdência, entre outros.
Não obstante, em 2007, em novo impulso em prol da Agenda do Milênio, a
ONU lançou uma força tarefa entre 30 de suas agências, no marco do ODM n. 8
(“parcerias e cooperação para o desenvolvimento”). Esse foi o estopim para uma
ampliação do entendimento acerca do tripé do desenvolvimento sustentável em suas
três dimensões: ambiental, social e econômica.
Por isso, no final da primeira década dos anos 2000, com a proximidade do
prazo da Agenda do Milênio, deflagraram-se reflexões sobre o que ocorreria após
seu encerramento, razão pela qual a ONU convocou reuniões para se pensar uma
possível Agenda Pós-201510 que desse continuidade à Agenda do Milênio, em um
9 MARTENS, Jens. Em Maior Liberdade: o Relatório do Secretário-Geral da ONU referente à Cúpula do
Milênio+5. In: Informe FES. Dialogue on globalization. Berlim: Friedrich Ebert Stiftung, 2005. p. 1-12.
Disponível em: https://library.fes.de/pdf-files/iez/global/04670.pdf. Acesso em: 7 fev. 2023.
10 UNITED NATIONS. The Road to Dignity by 2030: Ending Poverty, Transforming all Lives and
Protecting the Planet. Synthesis Report of the Secretary-General on the Post-2015 Agenda. New York:
United Nations, 2014. Disponível em:
https://www.un.org/disabilities/documents/reports/SG_Synthesis_Report_Road_to_Dignity_by_203
0.pdf. Acesso em: 7 fev. 2023.
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debate que chegou a englobar temas sistêmicos, a exemplo de financiamento,
tecnologia, cooperação técnica e comércio11.
Assim, em 2015, após consultas transversais nos níveis local, regional e global,
a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução A/RES/70/1, intitulada
Transformando o Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável.
A Agenda 2030 também foi adotada de forma unânime, com prazo de 15 anos,
contendo 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS): 1) erradicação da
pobreza; 2) fome zero e agricultura sustentável; 3) saúde e bem-estar; 4) educação
de qualidade; 5) igualdade de gênero; 6) água potável e saneamento; 7) energia
limpa e acessível; 8) trabalho decente e desenvolvimento econômico; 9) indústria,
inovação e infraestrutura; 10) redução das desigualdades; 11) cidades e comunidades
sustentáveis; 12) consumo e produção responsáveis; 13) ação contra a mudança
global do clima; 14) vida na água; 15) vida terrestre; 16) paz, justiça e instituições
eficazes; 17) parcerias e meios de implementação.
Conforme o próprio preâmbulo da A/RES/70/1, a Agenda 2030 é um plano de
prosperidade que almeja fortalecer a paz universal com maior liberdade e que busca
dar seguimento aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, com vistas a completar
o que ainda não foi alcançado, em um compromisso global que transita para uma
meta mais ousada: a de concretizar de modo integrado, indivisível e balanceado as
três dimensões do desenvolvimento sustentável, isto é, a econômica, a social e a
ambiental.
Essa tríade foi conceitualmente edificada pela ONU em dois momentos. Em
1972, no contexto da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,
conhecida como Conferência de Estocolmo, as nações entenderam a necessidade
de se equacionar o desenvolvimento econômico e a redução da degradação
ambiental. E, em 1987, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
11 ROMA, Júlio César. Os objetivos de desenvolvimento do milênio e sua transição para os objetivos
de desenvolvimento sustentável. Cienc. Cult., São Paulo, v. 71, n. 1, p. 33-39, jan. 2019. Disponível
em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-
67252019000100011&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 7 fev. 2023.
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criada em 1983, publicou o Relatório Nosso Futuro Comum, conhecido como
Relatório Brundtland, em homenagem à Primeira Ministra da Noruega, Gro Harlem
Brundtland, que presidiu as discussões que culminaram na definição oficial do
desenvolvimento sustentável em três dimensões: ecológico-ambiental, econômica e
social12.
Oficialmente, o desenvolvimento sustentável é aquele que assegura a
satisfação das necessidades das gerações presentes sem comprometer as
necessidades das gerações futuras, uma vez que “satisfazer as necessidades e as
aspirações humanas é o principal objetivo do desenvolvimento”13. Assim, exige
“harmonizar em nível internacional a integração de fatores econômicos e ecológicos
nos sistemas legal e decisório dos países” com vistas a “promover a harmonia entre
os seres humanos e entre a humanidade e a natureza”14.
O tripé do conceito de desenvolvimento sustentável foi plenamente
reconhecido na Agenda 2030, dirigindo seu conteúdo, como um vetor normativo,
sempre conforme o objetivo constitutivo da ONU, a dizer, a paz e a segurança, o
progresso dos povos e a proteção e promoção dos direitos humanos, de acordo com
a Carta de São Francisco, de 1945.
Esse propósito tem exigido não somente compromissos dos países em relação
às convenções e tratados internacionais, mas também mecanismos de cooperação
internacional multidisciplinares e em diferentes formatos.
A Agenda 2030 didaticamente aponta para os cinco elementos que sustentam seus
objetivos de desenvolvimento sustentável: pessoas, planeta, paz, prosperidade e
parcerias. Esses cinco pilares demonstram que o desenvolvimento sustentável é
12 BRUNDTLAND, Gro Harlem. Nosso futuro comum: comissão mundial sobre meio ambiente e
desenvolvimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4245128/mod_resource/content/3/Nosso%20Futuro%20Co
mum.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023.
13 BRUNDTLAND, Gro Harlem. Nosso futuro comum: comissão mundial sobre meio ambiente e
desenvolvimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4245128/mod_resource/content/3/Nosso%20Futuro%20Co
mum.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023. p. 46.
14 BRUNDTLAND, Gro Harlem. Nosso futuro comum: comissão mundial sobre meio ambiente e
desenvolvimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4245128/mod_resource/content/3/Nosso%20Futuro%20Co
mum.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023. p. 74.
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DELGADO, Gabriela N.; ROCHA, Ana Luisa G.; PARANHOS, Ana Carolina. O papel do Supremo Tribunal Federal no
cumprimento da Agenda 2030 da ONU à luz do objetivo do Trabalho Decente. Revista Jurídica Trabalho e
Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-48, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.150.
multinível e integrado em suas facetas, assim como cada um dos três eixos pode ser
entendido de forma ampla.
Não por acaso, a construção da Agenda 2030 contou tanto com os membros
do Sistema ONU15, quanto com atores internacionais e domésticos de Estados,
organizações internacionais, empresas, entidades do terceiro setor e lideranças
sindicais ou comunitárias. Ela foi formulada, principalmente, a partir das
negociações ocorridas durante a Conferência Rio+20, isto é, a Conferência que
ocorreu em 2012 como seguimento à do Rio de Janeiro, de 1992, engajando os
presentes no esforço de definição de um compromisso pós-2015 e de mobilização,
mediante ações harmonizadas e convergentes, à luz da perspectiva de direitos
humanos, para alcançá-lo.16
-se um aperfeiçoamento no âmbito dos compromissos de direitos humanos
em cada agenda. Na Agenda 21, o compromisso originário foi adotado na Conferência
Rio-1992, pelos representantes dos 113 países presentes. Por outro lado, um ponto
comum relevante tanto na Agenda do Milênio quanto na Agenda 2030 é o prazo de
15 anos e o comprometimento de todos os 193 países membros da ONU, incluindo o
Brasil, membro da ONU desde 24 de outubro de 1945, para com esse mapa do
caminho, entendido como compromisso ético global.
Houve também um avanço de ordem conceitual. Enquanto a Agenda 21
enfatiza o desenvolvimento na perspectiva ambiental, a Agenda do Milênio enfatiza
o eixo social e econômico nos oito ODM, embora disponha sobre o compromisso com
o desenvolvimento e com a preservação ambiental, ainda que não de forma
associada. Já a Agenda 2030 adota o conceito de desenvolvimento sustentável,
incorporando seus três eixos ao longo da enumeração dos objetivos e qualificando o
15 Embora a ONU tenha surgido como entidade única, dado o aumento da complexidade internacional
e para melhor desempenhar suas funções constitutivas, foi estruturado o Sistema ONU, um sistema
de órgãos, escritórios, instituições, comitês, comissões, agências e agências especializadas, como a
OIT, a FAO, a OMS, entre outras. Algumas dessas agências especializadas são anteriores à própria ONU
e foram, posteriormente, incorporadas a ela, preservando sua autonomia, em razão da sua
especialidade em determinados assuntos.
16 FREY, Diane F. MACNAUGHTON, Gillian. A Human Rights Lens on Full Employment and Decent Work
in the 2030 Sustainable Development Agenda. Journal of Workplace Rights, [S.l.], v. 6, n. 2, Apr.-
June 2016. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/2158244016649580.
Acesso em: 7 fev. 2023.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
DELGADO, Gabriela N.; ROCHA, Ana Luisa G.; PARANHOS, Ana Carolina. O papel do Supremo Tribunal Federal no
cumprimento da Agenda 2030 da ONU à luz do objetivo do Trabalho Decente. Revista Jurídica Trabalho e
Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-48, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.150.
desenvolvimento almejado. Por essa razão, De Jong e Vijge argumentam que a
Agenda 2030 “surge como uma transição da Agenda do Milênio, ao incorporar a
sustentabilidade em sentido amplo17.
Houve, ainda, um diálogo de adensamento de compromissos entre o último
objetivo da Agenda do Milênio, o ODM 8 e o último objetivo da Agenda 2030, o ODS
n. 17. Ambos contemplam um compromisso de fortalecimento e revitalização da
parceria global para o desenvolvimento, pautada no espírito de solidariedade.
Além disso, a Agenda 2030 veio corrigir o que foram consideradas falhas nas agendas
anteriores18. Nesse sentido, ela institui mecanismos de acompanhamento da
implementação nacional dos objetivos de desenvolvimento sustentável, enfatizando
que estes só podem ser alcançados nos níveis local e regional por meio de ações de
cooperação e do fortalecimento e estruturação de instituições eficazes e responsivas
(ODS n. 16).
Logo, a ONU avança ao adotar o conceito de desenvolvimento sustentável, ao
reiterar a dimensão da cooperação e ao ampliar o entendimento sobre a extensão do
eixo social da sustentabilidade. De fato, a Agenda 2030 aponta para temas e
cuidados no plano social que não estavam explicitados nas agendas anteriores,
superando as concepções anteriores que se limitavam ao combate à pobreza, à fome
e a certas doenças objetivos civilizatórios altamente relevantes, mas que não
cobrem todas as esferas da dimensão social contemporânea.
É possível perceber, pois, uma natureza de política pública internacional no
teor das Agendas de Desenvolvimento da ONU, que aparecem com maior extensão e
ousadia na Agenda 2030. Ao se configurarem como um mapa do caminho para a
concretização dos direitos humanos, elas revelam uma dimensão ética estruturante.
17 DE JONG, Eileen. VIJGE, Marjanneke J. From Millennium to Sustainable Development Goals: Evolving
discourses and their reflection in policy coherence for development. Earth System Governance,
[S.l.], v. 7, Mar. 2021. Disponível em: https://globalgoalsproject.eu/globalgoals2020/wp-
content/uploads/2020/06/GlobalGoals2020_deJongVijge.pdf. Acesso em: 7 fev. 2023.
18 POGGE, Thomas. SENGUPTA, Mitu. The Sustainable Development Goals (SDGs) as Drafted: Great
Idea, Poor Execution. Washington International Law Journal, Seattle, v. 24, n. 3. p. 571-587, 2015.
Disponível em: https://digitalcommons.law.uw.edu/wilj/vol24/iss3/8 . Acesso em: 7 fev. 2023.
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cumprimento da Agenda 2030 da ONU à luz do objetivo do Trabalho Decente. Revista Jurídica Trabalho e
Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-48, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.150.
2. A convergência de entendimentos entre a ONU e a OIT quanto ao Trabalho
Decente
Como visto, a Agenda 2030 foi adotada em 2015 por meio da Resolução
A/RES/70/1 da Assembleia Geral das Nações Unidas intitulada “Transformando o
nosso mundo: a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável”, com prazo de 15
anos, 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) e 169 metas.
Conforme o recorte da pesquisa, vislumbra-se aqui a convergência de entendimento
entre a ONU e a OIT no marco do ODS 8 (“trabalho decente e crescimento
econômico”), que busca, segundo a redação da Resolução, “promover o crescimento
econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e
trabalho decente para todos”19.
Essa convergência é pertinente à luz do fato de ser a OIT o braço especializado
da ONU em matéria trabalhista20. Movida pelos valores de justiça e humanidade e
mantendo a sua natureza de agência autônoma, a OIT tem a prerrogativa de negociar
convenções e recomendações em busca da melhoria substancial do padrão
regulatório trabalhista.
Na mesma linha das Declarações e Programas de Ação da ONU, a OIT, em 1998,
lançou a Declaração sobre Princípios Fundamentais no Trabalho e seu
Seguimento, conhecida como Declaração de 1998 da OIT, um marco civilizatório
de peso que abarca todos os membros da Organização, incluindo o Brasil, que é
membro desde a origem.
O Ponto 2 da Declaração de 1998 explica que o compromisso alcança até os
membros que não tenham ratificado suas Convenções, exigindo a proteção e a
efetivação de ao menos quatro princípios relativos aos direitos fundamentais:
19 NAÇÕES UNIDAS. Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável
A/RES/70/1. Tradução: Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio). Brasília,
DF: MDS, 2016. Disponível em:
https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/Brasil_Amigo_Pesso_Idosa/Agenda2030.pdf.
Acesso em: 7 fev. 2023. p. 28.
20 DELGADO, Gabriela Neves. RIBEIRO, Ana Carolina Paranhos de Campos. Os direitos sociotrabalhistas
como dimensão dos direitos humanos. Revista Brasileira de Direitos Humanos, Porto Alegre, v. 2, n.
5, abr./jun. 2013. p. 19.
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cumprimento da Agenda 2030 da ONU à luz do objetivo do Trabalho Decente. Revista Jurídica Trabalho e
Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-48, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.150.
liberdade sindical e direito à negociação coletiva; eliminação de todas as formas de
trabalho forçado ou obrigatório; abolição do trabalho infantil; e eliminação da
discriminação em matéria de emprego e ocupação.
No ano seguinte, o conceito de Trabalho Decente foi formalizado pela OIT21
e introduzido pelo Diretor-Geral mediante uma estratégia de enfoque integrado, que
concatena quatro objetivos: “proteção dos direitos humanos das relações de
trabalho, geração de empregos de qualidade, ampliação da proteção social e
fomento do diálogo social”.22
Além de o conceito não ter ficado restrito à OIT23, a adoção do referencial do
Trabalho Decente pelo sistema das Nações Unidas foi um movimento gradativo de
convergência conceitual, cujo zênite ocorreu no ano de 2015, momento em que o
Relatório Anual de Desenvolvimento Humano fez menção expressa ao termo
enquanto “fator de reforço do desenvolvimento humano24.
21 O conceito surge nos discursos proferidos na 87ª Conferência Internacional do Trabalho da OIT, em
Genebra, em 1999, principalmente na fala de Amartya Sen, Professor indiano de Harvard e Prêmio
Nobel de Economia, que foi o marco teórico deste conceito. Porquanto seu teor seria consolidado
apenas nos anos seguintes, ainda naquela Conferência, o Diretor-Geral da OIT à época, Juan Somavia,
o endossaria. BELTRAMELLI NETO, Silvio. VOLTANI, Julia de C. Investigação histórica do conteúdo da
concepção de Trabalho Decente no âmbito da OIT e uma análise de sua justiciabilidade. Revista de
Direito Internacional, Brasília, DF, v. 16, n. 1, 2019. Disponível em:
https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/rdi/article/view/5900. Acesso em: 7 fev. 2023. p.
171.
22 BELTRAMELLI NETO, Silvio. RODRIGUES, Mônica Nogueira. Trabalho Decente: comportamento ético,
política pública ou bem juridicamente tutelado? Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, DF,
v. 11, n. 1, p. 471494, 2 abr. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.5102/rbpp.v11i1.6738. Acesso
em: 7 fev. 2023. p. 473.
23 Prova disso é que no mesmo ano de 1999 o Diretor-Geral apresentou a proposta de promoção do
Trabalho Decente no âmbito da III Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio
(OMC), em sua fala intitulada “Trabalho Decente para todos em uma economia global: a perspectiva
da OIT”, em reunião realizada em Seattle, nos Estados Unidos. SOMAVIA, Juan. Decent Work for all in
a global economy: an ILO perspective. In: WTO MINISTERIAL CONFERENCE, 3., 1999, Seattle.
Statements 1999. Geneva: ILO, 1999. Disponível em:
https://www.ilo.org/public/english/bureau/dgo/speeches/somavia/1999/seattle.htm. Acesso em:
10 fev. 2023.
24 BELTRAMELLI NETO, Silvio. MELO, Maria Gabriela Vicente Henrique de. Trabalho decente e a
cooperação internacional para o desenvolvimento humano: análise a partir dos relatórios de
desenvolvimento humano globais. Revista Jurídica Unicuritiba, Curitiba, v. 1, n. 58, p. 270-304,
jan./mar. 2020. Disponível em:
http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/view/3833/371372174. Acesso em: 7
fev. 2023.
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cumprimento da Agenda 2030 da ONU à luz do objetivo do Trabalho Decente. Revista Jurídica Trabalho e
Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-48, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.150.
Conforme pesquisa de Beltramelli Neto e Júlia Voltani, o conceito foi
segmentado em seis facetas, clareando seu teor e eliminando possível imprecisão25.
Em primeiro, o Trabalho Decente abarca a faceta da oportunidade de
trabalho, isto é, a quantidade e a geração de emprego e trabalho disponível, com
vistas a atender aos que desejam trabalhar. Em segundo, a faceta do trabalho em
condições de liberdade, incluindo a liberdade de escolha do trabalho e a
possibilidade de filiação a associações sindicais, sem discriminação. Em terceiro, a
faceta do trabalho produtivo, isto é, remunerado de forma a proporcionar ao menos
os meios mínimos de subsistência para o trabalhador e sua família. Em quarto, a
faceta da igualdade no trabalho, que proporcione um trabalho justo e sem
discriminação em nenhuma das fases da carreira, desde a seleção e a contratação.
Em quinto, a faceta da segurança e saúde no trabalho, incluindo a dimensão da
previdência social para amparar o trabalhador e sua família no caso de doença,
invalidez, morte ou aposentadoria. Em sexto, a faceta da dignidade no trabalho, a
fim de que o trabalhador seja tratado com respeito e tenha direito de participar das
decisões sobre as condições de trabalho26.
Com isso, a OIT logrou resumir seu propósito institucional dos mais de 100 anos
de construção do Direito do Trabalho enquanto dimensão dos direitos humanos, “cuja
dimensão ética requer a aglutinação dos conceitos de dignidade, de cidadania e de
justiça social”27.
Aliás, a própria OIT reconhece essa relação ao adotar a Declaração sobre a
Justiça Social para uma Globalização Equitativa (2008). Pouco depois,
25 BELTRAMELLI NETO, Silvio. VOLTANI, Julia de C. Investigação histórica do conteúdo da concepção
de Trabalho Decente no âmbito da OIT e uma análise de sua justiciabilidade. Revista de Direito
Internacional, Brasília, DF, v. 16, n. 1, 2019. Disponível em:
https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/rdi/article/view/5900. Acesso em: 7 fev. 2023. p.
171.
26 BELTRAMELLI NETO, Silvio. VOLTANI, Julia de C. Investigação histórica do conteúdo da concepção
de Trabalho Decente no âmbito da OIT e uma análise de sua justiciabilidade. Revista de Direito
Internacional, Brasília, DF, v. 16, n. 1, 2019. Disponível em:
https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/rdi/article/view/5900. Acesso em: 7 fev. 2023. p.
171.
27 DELGADO, Gabriela Neves. RIBEIRO, Ana Carolina Paranhos de Campos. Os direitos sociotrabalhistas
como dimensão dos direitos humanos. Revista Brasileira de Direitos Humanos, Porto Alegre, v. 2, n.
5, p. 5-24, abr./jun. 2013. p. 6.
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cumprimento da Agenda 2030 da ONU à luz do objetivo do Trabalho Decente. Revista Jurídica Trabalho e
Desenvolvimento Humano, Campinas, v.6, p. 1-48, 2023. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v6.150.
aprofundando a noção de justiça social contida em sua Constituição, um grupo
consultivo da OIT, em parceria com a OMS, lança em 2011, o Relatório Piso de
Proteção Social para uma Globalização Equitativa e Inclusiva. Esse relatório
dialoga diretamente com a Declaração de Filadélfia, da OIT, de 1944, que
reconhecera a proteção social como um direito fundamental do trabalho.
Na Agenda 2030, ao fazer menção expressa ao Trabalho Decente, conceito-
síntese da OIT, a ONU revelou uma convergência institucional e temática, conceitual
e simbólica, em um esforço qualitativo de concretização dos direitos humanos socio
trabalhistas, que são uma dimensão inegociável do Direito Internacional dos Direitos
Humanos28.
Isso revela um ponto essencial sobre o conteúdo do Trabalho Decente e a
valorização do Direito do Trabalho. É que, com a transição da Agenda do Milênio
para a Agenda 2030, passou-se a compreender a dimensão social do
desenvolvimento sustentável de forma ainda mais ampla e profunda do que nas
décadas anteriores, conforme reforçam Silvio Beltramelli Neto e Mônica Rodrigues29.
Para Alberto Balazeiro, Afonso Rocha e Ananda Tostes Isoni, “sustentabilidade é a
busca da garantia do bem-estar da humanidade e do planeta agora e no futuro”30,
visão convergente com os cinco pilares da Agenda 2030 pessoas, planeta, paz,
prosperidade, parcerias , que são os elementos de sustentação dos 17 ODS.
Nesse sentido, entende-se que o conceito de desenvolvimento sustentável
incorporado à Agenda 2030 é um norte para a humanidade, mas precisará
transcender a mera dimensão econômica e promover a transformação social31:
28 DELGADO, Gabriela Neves. RIBEIRO, Ana Carolina Paranhos de Campos. Os direitos sociotrabalhistas
como dimensão dos direitos humanos. Revista Brasileira de Direitos Humanos, Porto Alegre, v. 2, n.
5, p. 5-24, abr./jun. 2013. p. 19.
29 BELTRAMELLI NETO, Silvio. RODRIGUES, Mônica Nogueira. Trabalho Decente: comportamento ético,
política pública ou bem juridicamente tutelado? Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, DF,
v. 11, n. 1, p. 471494, 2 abr. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.5102/rbpp.v11i1.6738. Acesso
em: 7 fev. 2023. p. 474-475.
30 BALAZEIRO, Alberto Bastos. ROCHA, Afonso de Paula Pinheiro. ISONI, Ananda Tostes. A dimensão
social da sustentabilidade: os trabalhos verdes. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 22 fev. 2023.
Opinião. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-fev-22/opiniao-dimensao-social-
sustentabilidade. Acesso em: 24 fev. 2023.
31 BALAZEIRO, Alberto Bastos. ROCHA, Afonso de Paula Pinheiro. ISONI, Ananda Tostes. A dimensão
social da sustentabilidade: os trabalhos verdes. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 22 fev. 2023.
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Qualquer projeto de transformação social comprometido com a
preservação da natureza e o desenvolvimento humano deve
abranger o direito ao trabalho digno para todas as pessoas,
imbuído de conteúdo e sentido, com remuneração justa e
proteção social, em ambiente seguro e saudável. É também
fundamental a promoção do diálogo social efetivo, que inclua
representantes de trabalhadores(as), empregadores(as) e
governo na definição e consecução dos passos necessários à
transição ecológica.32
Assim, o compromisso com o desenvolvimento sustentável deve superar a
promoção de um trabalho decente que vise apenas à perspectiva econômica de
aumento da produtividade, mas não ao bem-estar da pessoa humana que trabalha,
pois a dimensão social da sustentabilidade impacta diretamente o meio ambiente de
trabalho, isto é, as condições de trabalho e os projetos de vida dos trabalhadores,
bem como a possibilidade de negociação frente aos direitos reconhecidos, saúde e
segurança no trabalho, combate à discriminação, inclusão33.
Esse conceito de desenvolvimento sustentável que reconhece o Trabalho
Decente amplia a dimensão social e, sob o guarda-chuva do ODS n. 8, é possível
inferir que, para assegurar direitos humanos socio trabalhistas, é preciso promover
saúde, bem-estar e qualidade de vida no trabalho, sendo este o “sentido civilizatório
do trabalho humano”34.
Nesse sentido, segundo a tese de Lucyla Tellez Merino, o conteúdo do conceito
de Trabalho Decente da OIT nunca será compatível com qualquer forma de
Opinião. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-fev-22/opiniao-dimensao-social-
sustentabilidade. Acesso em: 24 fev. 2023.
32 BALAZEIRO, Alberto Bastos. ROCHA, Afonso de Paula Pinheiro. ISONI, Ananda Tostes. A dimensão
social da sustentabilidade: os trabalhos verdes. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 22 fev. 2023.
Opinião. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-fev-22/opiniao-dimensao-social-
sustentabilidade. Acesso em: 24 fev. 2023.
33 BALAZEIRO, Alberto Bastos. ROCHA, Afonso de Paula Pinheiro. ISONI, Ananda Tostes. A dimensão
social da sustentabilidade: os trabalhos verdes. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 22 fev. 2023.
Opinião. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-fev-22/opiniao-dimensao-social-
sustentabilidade. Acesso em: 24 fev. 2023.
34 FERREIRA, Mário César. Ergonomia da Atividade Aplicada à Qualidade de Vida no Trabalho:
Problemas e Soluções. Entrevistadora: Khrissley Guimarães de Oliveira Lopes. Revista ComCenso,
Brasília, DF, v. 9, n. 4, p. 74-76, nov. 2022. Dossiê Entrevista. Disponível em:
http://periodicos.se.df.gov.br/index.php/comcenso/article/view/1516/910. Acesso em: 7 fev.
2023.
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