Recebido em: 31/07/2022
Aprovado em: 14/11/2022
Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos
Digital slavery: uberized work and the
labor violence(s) suffered by algorithmic
workers
La esclavitud digital: el trabajo
uberizado y la(s) violencia(s) laboral(es)
que sufren los trabajadores algoritmicos
Marcia da Cruz Girardi
Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS)
Faculdade de Educação Santa Terezinha (FEST)
Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão (UNISULMA)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7157776499386067
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3443-2402
Anderson Jordan Alves Abreu
Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão (IESMA)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4812365809512112
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2575-2797
RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar o trabalho algorítmico e sua relação
com a violência trabalhista. A pesquisa aqui realizada parte do problema:
em que medida a uberização do trabalho, através de aplicativos e
algoritmos, promove a violência laboral contra os trabalhadores
algorítmicos? A partir disso, buscou-se conceituar o trabalho algorítmico;
examinar a violência trabalhista no aspecto jurídico; compreender de que
formas ocorre a violência trabalhista nas relações algorítmicas; e identificar
perspectivas de superação do problema da violência trabalhista nas relações
de trabalho algorítmicas. A pesquisa aqui exposta consiste em uma revisão
integrativa em que se analisou qualitativamente, e por meio de método
dedutivo, a literatura, a doutrina e ao ordenamento jurídico brasileiro e
internacional. A pesquisa concluiu que o trabalho algorítmico está
relacionado com as violências trabalhistas na medida em que obsta o acesso
a direitos trabalhistas constitucionalmente erigidos, reduz o trabalhador
algorítmico à condição análoga a de escravo e promove deliberadamente a
violência psicológica. A pesquisa propõe como método de solução do
problema a articulação dos setores da sociedade organizada para que seja
promulgado um marco regulatório do trabalho algorítmico e da proteção do
trabalhador em face da automação.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho Algorítmico. Uberização. Violência
Trabalhista. Escravidão Digital. Proteção em face da automação.
ABSTRACT
This article aims to analyze algorithmic work and its relationship with labor
violence. The research carried out here starts from the problem: to what
extent does the uberization of work, through applications and algorithms,
promote labor violence against algorithmic workers? From this, we sought to
conceptualize the algorithmic work; examine labor violence in the legal
aspect; understand how labor violence occurs in algorithmic relationships;
2
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
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GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
and to identify perspectives for overcoming the problem of labor violence in
algorithmic labor relations. The research presented here consists of an
integrative review in which the literature, the doctrine and the Brazilian
and international legal system were qualitatively analyzed, using a
deductive method. The research concluded that algorithmic work is related
to labor violence insofar as it prevents access to constitutionally established
labor rights, reduces the algorithmic worker to a condition analogous to
slavery and deliberately promotes psychological violence. The research
proposes, as a method of solving the problem, the articulation of sectors of
organized society so that a regulatory framework for algorithmic work and
worker protection in the face of automation is enacted.
KEYWORDS: Algorithmic Work. Uberization. Labor Violence. Digital Slavery.
Protection against automation.
RESUMEN
Este artículo tiene como objetivo analizar el trabajo algorítmico y su
relación con la violencia laboral. La investigación aquí realizada parte del
problema: ¿en qué medida la uberización del trabajo, a través de
aplicaciones y algoritmos, promueve la violencia laboral contra los
trabajadores algorítmicos? A partir de ello, buscamos conceptualizar el
trabajo algorítmico; examinar la violencia laboral en el aspecto legal;
comprender cómo se produce la violencia laboral en las relaciones
algorítmicas; e identificar perspectivas para la superación del problema de
la violencia laboral en las relaciones laborales algorítmicas. La investigación
que aquí se presenta consiste en una revisión integradora en la que se
analizó cualitativamente la literatura, la doctrina y el sistema jurídico
brasileño e internacional, utilizando un método deductivo. La investigación
concluyó que el trabajo algorítmico está relacionado con la violencia laboral
en la medida en que impide el acceso a los derechos laborales
constitucionalmente establecidos, reduce al trabajador algorítmico a una
condición análoga a la esclavitud y promueve deliberadamente la violencia
psicológica. La investigación propone, como método de solución del
problema, la articulación de sectores de la sociedad organizada para que se
promulgue un marco normativo para el trabajo algorítmico y la protección
del trabajador frente a la automatización.
PALABRAS CLAVE: Trabajo algorítmico. Uberización. Violencia Laboral.
Esclavitud digital. Protección frente a la automatización.
INTRODUÇÃO
A plataformização do trabalho, ou uberização, é um fenômeno que nasce com
a Revolução 4.0, a Quarta Revolução Industrial, e com a Economia de
Compartilhamento, paradigma econômico da atualidade. Nesta conjuntura surge a
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figura do trabalhador algorítmico, indivíduo que presta serviços especializados às
plataformas por meio de aplicativos e sistemas gerenciados por algoritmos.
O trabalho uberizado se vende como aquele trabalho em que o indivíduo possui
liberdade e flexibilidade de trabalhar quando e como quiser, livre de patrões. Tal
cenário, todavia, esconde violações de direitos trabalhistas e violências laborais
diversas. Estas últimas são definidas pela Organização Internacional do Trabalho
como toda forma de violência praticada contra o indivíduo, que lhe atinja
fisicamente ou ainda, emocionalmente, psicologicamente, economicamente e
sexualmente, no contexto laboral
1
.
As plataformas e empresas algorítmicas, nesse ínterim, se mostram não
apenas inertes quanto à observância de uma gama de direitos e proteções laborais,
como também negam qualquer relação de trabalho empregatícia, eximindo-se de
responsabilidades para com o trabalhador algorítmico. Diante desse horizonte, surge
o problema desta pesquisa: em que medida a uberização do trabalho, através de
aplicativos e algoritmos, promove a violência laboral contra os trabalhadores
algorítmicos?
A presente pesquisa buscou, como objetivo geral, analisar o trabalho
algorítmico e sua relação com a violência trabalhista. Como objetivos específicos a
pesquisa almejou: conceituar trabalho algorítmico; examinar a violência trabalhista
no aspecto jurídico; compreender de que formas ocorre a violência trabalhista nas
relações algorítmicas; e identificar perspectivas de superação do problema da
violência trabalhista nas relações de trabalho algorítmicas.
A pesquisa se efetuou por meio de revisão integrativa, realizada pelos
procedimentos bibliográfico e documental. A base literária é composta por artigos,
teses, dissertações e livros, que foram buscados no Portal de Periódicos CAPES e em
outros bancos de dados científicos de reputação ilibada como o Scientific Electronic
Library Online (Scielo) e o Google Books. Os artigos, teses, dissertações e livros
1
OIT. Organização Internacional do Trabalho. Convenção nº 190 de 2019. Convenção sobre a
eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho. Tradução: CO-Jakarta (Iniciativa
Spotlight). Organização Internacional do Trabalho, 2019.
4
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foram selecionados conforme a pertinência temática e o critério temporal de
publicação, do ano de 2015 até o presente.
Foi feita ainda uma busca na legislação nacional e internacional, em que se
socorreu às normas vigentes sobre o tema, bem como manuais governamentais e
códigos. Estes materiais foram selecionados de acordo com a pertinência temática e
com o critério temporal da promulgação da Constituição Federal de 1988 até o
presente. Os materiais coletados foram analisados qualitativamente. A pesquisa se
deu por método dedutivo, em que se parte do geral para o particular.
O trabalho se encontra assim estruturado: no primeiro capítulo, discorreu-se
sobre os conceitos e características do trabalho algorítmico e da Economia de
Compartilhamento. No segundo capítulo se definiu a violência trabalhista e seus
desdobramentos frente à legislação pátria e internacional. No terceiro capítulo e em
seus subcapítulos, se examinou como ocorre a violência trabalhista nas relações
algorítmicas de trabalho. No quarto capítulo foram trazidas hipóteses de superação
do problema da pesquisa.
Ao termo, concluiu-se que há estreita relação entre as violências trabalhistas
e o trabalho algorítmico, se apresentando especialmente sob as formas de
obstaculização dos direitos trabalhistas, redução do trabalhador à condição análoga
a de escravo e violência psicológica. Concluiu-se ainda que é necessária uma
atualização jurídica dos conceitos que configuram as relações trabalhistas, diante da
evolução tecnológica e das novas formas de trabalho surgidas com a Quarta
Revolução Industrial, apontando-se para a necessidade de criação de um marco
regulatório do trabalho algorítmico capaz de suprir também o comando
constitucional da proteção do trabalhador em face da automação.
1. Trabalho algorítmico e a economia de compartilhamento: conceitos,
características e debates
O trabalho algorítmico, ou plataformizado, é conceituado como trabalho
coordenado por meio de plataformas ou aplicativos, programas de software que
funcionam através de algoritmos e que m como finalidade realizar determinada
5
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tarefa ou prover determinado serviço
2
. Abílio
3
descreve a plataformização do
trabalho como “uma nova forma de gestão, organização e controle do trabalho”, na
qual os aplicativos ou plataformas atuam como vetores da organização trabalhista,
definindo relações laborais e determinando seu impacto econômico, onde o
trabalhador se engaja no labor por meio das regras erigidas pelas plataformas.
Trata-se de um fenômeno em franca expansão, que decorre da Revolução 4.0
(Quarta Revolução Industrial), do avanço das Tecnologias da Informação e da
Computação (TICs) e do desenvolvimento da chamada Economia de
Compartilhamento
4
. Este modelo econômico, vigente na atualidade, conformou as
relações trabalhistas sob uma nova configuração, especialmente através de
algoritmos, conjuntos de instruções seguidos por um computador para desempenhar
determinada tarefa
5
.
A Economia de Compartilhamento, expressa por meio da determinação
algorítmica (controle pelos algoritmos), tem sido relacionada, assim, não apenas ao
contexto econômico, mas também a diversas outras áreas da vida humana
contemporânea, desde a vivência familiar, afetiva e escolar, até o trabalho e o
gerenciamento dos trabalhadores
6
. No modelo econômico algorítmico, a estrutura
organizacional das empresas descentralizam-se em cadeias de produção onde o
oferecimento de serviços especializados se torna o objetivo primário e onde os
indivíduos, e não mais a empresa propriamente dita, se tornam fornecedores destes
serviços especializados, agindo como conectores entre oferta e demanda
7
.
2
PARREIRA, Ana Carolina Rodrigues. Revolução digital e a relevância da transparência algorítmica nas
relações de trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 66,
n. 102, p. 315-329, jul./dez. 2020.
3
ABÍLIO, Ludmila Costhek. Plataformas digitais e uberização: Globalização de um Sul administrado?.
Contracampo, Niterói, v. 39, n. 1, p. 12-26, abr./jul. 2020.
4
RIEMENSCHNEIDER, Patrícia Strauss; MUCELIN, Guilherme Araújo Balczarek. Economia do
compartilhamento: a lógica algorítmica das plataformas virtuais e a necessidade de proteção da
pessoa nas atuais relações de trabalho. Revista Eletrônica Direito e Sociedade, Canoas, v. 7, n. 1,
p. 61-93, 2019.
5
PERELMUTER, Guy. Futuro presente: o mundo movido à tecnologia. 1. ed. Barueri: Companhia
Editora Nacional, 2019. 328 p.
6
FERRARI, Fabian; GRAHAM, Mark. Fissuras no poder algorítmico: plataformas, códigos e contestação.
Revista Fronteiras Estudos midiáticos, v. 23, n. 2, p. 207-219, maio ago., 2021.
7
RIEMENSCHNEIDER, Patrícia Strauss; MUCELIN, Guilherme Araújo Balczarek. Economia do
compartilhamento: a lógica algorítmica das plataformas virtuais e a necessidade de proteção da
6
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Com efeito, tal fenômeno, também identificado no panorama atual pelo
neologismo Uberização em decorrência da popularização do aplicativo de transporte
privado Uber
8
, encontra na crise econômica de 2008 um dos seus impulsionadores
recentes, uma vez que esta permitiu a experimentação de forças mais sofisticadas
de exploração da força de trabalho, em uma conjuntura de expansão de serviços no
qual a atividade laboral deixou de se vincular necessariamente a um lugar ou horário
específicos
9
. Franco e Ferraz determinam que:
A uberização do trabalho representa um modo particular de
acumulação capitalista, ao produzir uma nova forma de mediação da
subsunção do trabalhador, o qual assume a responsabilidade pelos
principais meios de produção da atividade produtiva, isto é, trabalho
ditado pelos algoritmos criados e gerenciados por uma empresa de
tecnologia que fornece serviços e produtos
10
.
Desta forma, o trabalho algorítmico ganha forma na Economia de
Compartilhamento através da determinação algorítmica do trabalho, ou
plataformização, onde o aplicativo gerencia o serviço através de algoritmos e
transmite ao trabalhador a responsabilidade de prestá-lo. A Economia de
Compartilhamento se consolida no cenário global ao mesmo tempo em que acumula
críticos e defensores. Tom Slee na obra “Uberização: a nova onda do trabalho
precarizado”, tece crítica ao afirmar que tal modelo econômico propaga um livre
mercado inóspito e desregulado em áreas da vida humana outrora protegidas
11
.
No âmbito nacional, em sentido similar ao que ocorre em grande parte do
planeta, se evidencia a consolidação desse modelo econômico pela expansão do
pessoa nas atuais relações de trabalho. Revista Eletrônica Direito e Sociedade, Canoas, v. 7, n. 1,
p. 61-93, 2019.
8
ANTUNES, Ricardo. Trabalho intermitente e uberização do trabalho no limiar da Indústria 4.0. In:
ANTUNES, Ricardo (org.). Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0. 1. ed. São Paulo: Boitempo,
2020. 336 p.
9
DUARTE, Fernanda da Costa Portugal; GUERRA, Ana. Plataformização e trabalho algorítmico:
contribuições dos Estudos de Plataforma para o fenômeno da uberização. Revista Eptic, v. 22, n. 2,
p. 38-55, mai. ago., 2020.
10
FRANCO, David Silva; FERRAZ, Deise Luiza da Silva. Uberização do trabalho e acumulação
capitalista. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro , v. 17, Edição Especial, p. 844-856, nov., 2019, p.
845.
11
SLEE, Tom. Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. 1. ed. São Paulo: Editora Elefante,
2019. 332 p.
7
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trabalho algorítmico. Em 2019 estimou-se uma média de quatro milhões de
trabalhadores por aplicativo no Brasil, entre os quais se destacam aqueles que
trabalham junto às plataformas Uber, iFood, 99 e Rappi, empresas que no Brasil
detêm a maior parte destes “empregados uberizados”
12
.
ainda intenso debate na jurisprudência e na academia sobre se existe neste
tipo de trabalho o critério da subordinação, que caracterizaria o trabalhador
algorítmico como empregado da plataforma. Destaca-se, nesse plano, o surgimento
de uma nova forma de subordinação denominada subordinação algorítmica,
consignada na “presença digital” do empregador através do algoritmo, pelo qual se
dá a fiscalização do trabalho prestado, efetuada pela própria plataforma
13
.
Além da ideia de subordinação algorítmica, cunha-se neste prisma também o
termo autogerenciamento subordinado, conceituado como a condição do
“empreendedor de si mesmo”, aquele que supostamente possui autonomia sobre o
próprio trabalho, suas metas e condições, e sobre os preços do seu serviço,
subordinado unicamente às regras do algoritmo
14,15
.
, portanto, indicativos na literatura de que as plataformas “maquiam” a
real natureza do trabalho algorítmico, anunciando ao trabalhador por aplicativo uma
ideia de liberdade profissional quando na verdade tal relação possui natureza
empregatícia
16
. Nesse sentido, Barzotto, Miskulin e Breda afirmam que “na
subordinação dita algorítmica ou potencial, o trabalhador internaliza a fiscalização
do próprio trabalho, mas nem por isso deixa de ser hipossuficiente”
17
.
12
AMORIM, Henrique; MODA, Felipe Bruner. Trabalho por aplicativo: gerenciamento algorítmico e
condições de trabalho dos motoristas da Uber. Revista Fronteira Estudos Midiáticos, v. 22, n. 1, p.
59-71, jan.abr., 2020.
13
BARZOTTO, Luciane Cardoso; MISKULIN, Ana Paula Silva Campos; BREDA, Lucieli. Condições
transparentes de trabalho, informação e subordinação algorítmica nas relações de trabalho. In:
CARELLI, Rodrigo de Lacerda; CAVALCANTI, Tiago Muniz; FONSECA, Vanessa Patriota da (orgs.).
Futuro do trabalho: os efeitos da revolução digital na sociedade. Brasília: ESMPU, 2020. 472 p.
14
UCHÔA-DE-OLIVEIRA, Flávia Manuella. Saúde do trabalhador e o aprofundamento da uberização do
trabalho em tempos de pandemia. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 45, e. 22, 2020.
15
ABÍLIO, Ludmila Costhek. Plataformas digitais e uberização: Globalização de um Sul administrado?.
Contracampo, Niterói, v. 39, n. 1, p. 12-26, abr./jul. 2020.
16
BIANCHI, Sabrina Ripoli; MACEDO, Daniel Almeida de; PACHECO, Alice Gomes. A uberização como
forma de precarização do trabalho e suas consequências na questão social. Revista Direitos, Trabalho
e Política Social, Cuiabá, v. 6, n. 10, p. 134-156, jan. jun., 2020.
17
BARZOTTO, Luciane Cardoso; MISKULIN, Ana Paula Silva Campos; BREDA, Lucieli. Condições
transparentes de trabalho, informação e subordinação algorítmica nas relações de trabalho. In:
8
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Evidencia-se, por esse viés, uma omissão voluntária das empresas quanto à
observância de direitos trabalhistas, sob a égide de um suposto empreendedorismo
por aplicativo no qualas empresas de aplicativos negam a real natureza da relação
que firmam com seus ‘parceiros’, trabalhadores uberizados”
18
. Neste âmbito,
acalora-se o debate sobre a inobservância dos direitos trabalhistas por parte das
plataformas contra os trabalhadores algorítmicos, o que configuraria a ocorrência de
violências laborais diversas.
2. Violência trabalhista: definições frente o ordenamento jurídico nacional e
internacional
A violência faz parte da História humana desde os primórdios. Thomas Hobbes
entendia o estado primevo do homem, ou estado de natureza, como um estado de
guerra de todos contra todos
19
. Na contemporaneidade, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) definiu violência como “uso intencional da força física ou do poder, real
ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma
comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte,
dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”
20
.
Compreende-se ainda a violência sob a ótica do constrangimento do indivíduo
de modo a levá-lo a praticar ou deixar de praticar atos que vão contra sua vontade,
podendo assim integrar tanto a força física quanto a constrição em sentido moral e
psíquico
21
. A OMS classifica a violência em três dimensões, violência dirigida a si
mesmo, violência interpessoal e violência coletiva, e a violência trabalhista ou
CARELLI, Rodrigo de Lacerda; CAVALCANTI, Tiago Muniz; FONSECA, Vanessa Patriota da (orgs.).
Futuro do trabalho: os efeitos da revolução digital na sociedade. Brasília: ESMPU, 2020. 472 p. p.
218.
18
AQUINO, J. V. M. A; PILATE, F. D. Q; FÉLIX, Y. S. Uberização do trabalho e os riscos à saúde dos
entregadores por aplicativo frente à pandemia de Covid-19. Revista Direitos, Trabalho e Política
Social, Cuiabá, v. 6, n. 11, p. 46-69, jul. - dez., 2020. p. 48.
19
HOBBES, Thomas. Leviatã. Tradução: João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo:
Martins Fontes, 2003. 615 p.
20
KRUG, Etienne G; Et al. Relatório mundial sobre violência e saúde. Organização Mundial da Saúde,
Genebra, 2002. 380 p., p. 05.
21
OLIVEIRA, Renato Tochetto; Et al. Violência, Discriminação e Assédio no Trabalho. Florianópolis:
Lagoa, 2020. 32 p.
9
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laboral se encontra no eixo das violências interpessoais, isto é, violências que
ocorrem fora de casa e que se dão entre indivíduos sem laços de parentesco
22
.
Entende-se também a violência trabalhista como qualquer forma de lesão,
agressão, dano ou ameaça sofrido por um profissional em sua esfera ocupacional
23
,
sendo externada em diversos panoramas, não se falando mais em uma violência
trabalhista, mas sim em violências trabalhistas, dado o extenso leque com que se
manifestam.
Embora a prevenção contra as violências trabalhistas tenha ganhado mais
relevância como direito fundamental na contemporaneidade, a preocupação com a
sua existência vem de longa data. A Convenção das Nações Unidas sobre Escravatura
de 1926, ratificada pelo Brasil em 1956, buscava, já a essa época, erigir o
compromisso da abolição do trabalho escravo entre os seus signatários
24
. Por sua vez
a Convenção nº 29, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em idos de 1930
intentou definir medidas contra a violência trabalhista, na forma da supressão ao
trabalho forçado
25
.
Compreendem-se as violências trabalhistas na atualidade com uma amplitude
nunca antes observada. Barreto e Heloani apontam que tais violências, no presente,
“apresentam contornos sutis que nos confundem e nos levam a cogitar sobre a
possível multiplicidade de atos individualizados, mal-intencionados e até
perversos”
26
. Esse contexto se agiganta com a evolução tecnológica e com as novas
formas de trabalho decorrentes da Revolução 4.0, devendo estas violências serem
encaradas sob uma perspectiva que abarque não apenas atos físicos mas também os
atos psicológicos, emocionais, econômicos e sociais
27
.
22
KRUG, Etienne G; Et al. Relatório mundial sobre violência e saúde. Organização Mundial da Saúde,
Genebra, 2002. 380 p.
23
RIBEIRO, Beatriz Maria dos Santos Santiago; Et al. Associação entre a síndrome de burnout e a
violência ocupacional em professores. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 35, p. 1-8, 2022.
24
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Manual de Combate ao Trabalho em Condições
Análogas às de Escravo. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2011.
25
OIT. Organização Internacional do Trabalho. Convenção nº 29 de 1930. Trabalho forçado ou
obrigatório. In: SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT. 2. ed. São Paulo: LTR, 1998. 338 p.
26
BARRETO, Margarida; HELOANI, Roberto. Violência, saúde e trabalho: a intolerância e o assédio
moral nas relações laborais. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 123, p. 544-561, jul. - set.,
2015. p. 546.
27
MENDONÇA, Juliana Moro Bueno; Et al. Violências no ambiente de trabalho: ponderações teóricas.
Psicologia & Sociedade, v. 30, p. 1-11, 2018.
10
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Diante de tal quadro, a Organização Internacional do Trabalho tomou medidas
para combater as violências trabalhistas em âmbito global. Através da Convenção
190, de 2019, a OIT reconheceu em caráter internacional o direito ao trabalho livre
da violência e do assédio
28
. Para fins de proteção enquanto direito, a definição de
violência no trabalho trazida pela OIT, no art. 1º da Convenção 190 é que se trata
de: “um conjunto de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou de suas ameaças,
de ocorrência única ou repetida, que visem, causem, ou sejam susceptíveis de causar
dano físico, psicológico, sexual ou ecomico, e inclui a violência e o assédio com
base no gênero”
29
.
No ordenamento jurídico pátrio, o conceito de violência para fins trabalhistas
se encontra disposto em diplomas, códigos e manuais diversos, não havendo até o
momento uma sistematização legal do tema
30
. É possível trazer à baila até mesmo a
Lei nº 11.340 de 2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, que pontua
em seu texto a definição legal de violência sob vários aspectos
31
. Embora a Lei Maria
da Penha defina tais violências em âmbito doméstico, praticadas contra a mulher, a
literatura tem compreendido que esta definição deve ser estendida também ao
mundo do trabalho, e, nesse sentido, os conceitos erigidos na legislação de proteção
à mulher podem ser usados para conceituar violências trabalhistas
32
.
28
OIT. Organização Internacional do Trabalho. Eliminar a violência e o assédio no mundo do trabalho
- Convenção 190: A OIT estabeleceu novas normas globais com o objetivo de acabar com a violência
e o assédio no mundo do trabalho. OIT Brasília, 2022.
29
OIT. Organização Internacional do Trabalho. Convenção nº 190 de 2019. Convenção sobre a
eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho. Tradução: CO-Jakarta (Iniciativa
Spotlight). Organização Internacional do Trabalho, 2019. p. 02.
30
OLIVEIRA, Renato Tochetto; Et al. Violência, Discriminação e Assédio no Trabalho. Florianópolis:
Lagoa, 2020. 32 p.
31
BRASIL. Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e
familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e
a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Atos do Poder Legislativo,
Brasília, DF, 08 ago. 2006. Seção 1, p. 1-4.
32
OLIVEIRA, Renato Tochetto; Et al. Violência, Discriminação e Assédio no Trabalho. Florianópolis:
Lagoa, 2020. 32 p.
11
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
No mesmo sentido, Engelman assente que a Lei Maria da Penha traz definições
de violência para fins trabalhistas, inovando sobretudo em relação à violência
psicológica
33
. Esta última é definida na Lei como:
[...] qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da
autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento
ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação,
manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade,
ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou
qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação.
34
Imperioso ainda apontar para a Política Nacional de Segurança e Saúde do
Trabalhador, publicada em 2004 pelos Ministérios do Trabalho e Emprego, da
Previdência Social e da Saúde em conjunto, a qual trouxe definições sobre várias
mazelas relacionadas à saúde dos trabalhadores, entre elas a questão da violência
trabalhista. O documento dispõe em seu apontamento 27:
27. Entre os problemas de saúde relacionados ao trabalho deve ser
ressaltado o aumento das agressões e episódios de violência contra o
trabalhador no seu local de trabalho, traduzida pelos acidentes e
doenças do trabalho; violência decorrente de relações de trabalho
deterioradas, como no trabalho escravo e envolvendo crianças; a
violência ligada às relações de gênero e o assedio moral,
caracterizada pelas agressões entre pares, chefias e subordinados
[grifo nosso].
35
Neste sentido, além das violências de ordem psicológicas e emocionais, é
possível identificar também a submissão do trabalhador à condição análoga a de
33
ENGELMAN, Fernanda. Vivências da violência no mundo do trabalho a partir de relatos de
trabalhadores. 2015. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, 2015. 107 p.
34
BRASIL. Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e
familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e
a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Atos do Poder Legislativo,
Brasília, DF, 08 ago. 2006. Seção 1, p. 1-4.
35
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Política Nacional de Segurança do trabalhador. Brasília:
Ministério do Trabalho e Emprego, 2004. p. 08.
12
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
escravo como uma violência trabalhista. O Ministério do Trabalho e Emprego, em
2011, lançou o Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo,
que trouxe a definição desta violência:
Qualquer trabalho que não reúna as mínimas condições necessárias
para garantir os direitos do trabalhador, ou seja, cerceie sua
liberdade, avilte a sua dignidade, sujeite-o a condições degradantes,
inclusive em relação ao meio ambiente de trabalho, há que ser
considerado trabalho em condição análoga à de escravo.
36
Destarte, se entende que situações que neguem ou obstem ao trabalhador o
acesso aos seus direitos trabalhistas básicos configuram violência trabalhista
37
.
Trata-se pois de violência não apenas contra as relações de trabalho, mas contra o
próprio indivíduo, lesando-o enquanto ser humano e ferindo diretamente a própria
dignidade da pessoa humana, corolário de todo o ordenamento constitucional.
3. Violências trabalhistas nas relações de trabalho algorítmicas
Como apontado, o progresso da relação entre o ser humano e a tecnologia fez
surgir novas formas de trabalho, consequentemente novas formas de violências
trabalhistas, e estas assumem na Economia de Compartilhamento uma diversidade
de formas cada vez mais abrangentes
38
. A uberização do trabalho, posto isto, se
relaciona à corrosão das relações de trabalho e à obliteração de direitos trabalhistas,
e nesse cenário se percebe a ocorrência de violências trabalhistas promovidas pelas
plataformas contra os trabalhadores algorítmicos
39
.
36
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Manual de Combate ao Trabalho em Condições
Análogas às de Escravo. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2011. p. 12.
37
SILVA, Eduardo Pinto e; FONSECA, Debora Cristina. Violência relacionada ao trabalho no brasil:
aspectos históricos e atuais. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO, 11., 2016, Cidade
do México. Anais eletrônicos [...] Cidade do México: Rede Estrado, 2016.
38
COUTINHO, Raianne Liberal. A subordinação algorítmica no arquétipo Uber: desafios para a
incorporação de um sistema de proteção constitucional trabalhista. 2021. Dissertação (Mestrado)
Universidade de Brasília, Brasília, 2021.
39
ANTUNES, Ricardo. Trabalho intermitente e uberização do trabalho no limiar da Indústria 4.0. In:
ANTUNES, Ricardo (org.). Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0. 1. ed. São Paulo: Boitempo,
2020. 336 p.
13
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
Ressalta-se que, segundo o que Engelman define, “a prática de ações voltadas
a preservar interesses específicos, contrários aos interesses e direitos coletivos,
desqualificando a práxis democrática, crítica e reflexiva, e instituindo um ambiente
de não questionamento da realidade”
40
é o que delineia a ocorrência das violências
trabalhistas atuais, sofridas na plataformização do trabalho. Desta perspectiva se
percebe, para os fins desta pesquisa, a ocorrência de violências trabalhistas nas
relações laborais algorítmicas tanto sob a ótica da obstaculização de direitos
trabalhistas quanto da redução à condição análoga a de escravo, e também sob o
viés da violência psicológica.
3.1. Violência trabalhista nas relações algorítmicas de trabalho sob a perspectiva
da obstaculização de direitos trabalhistas
De antemão, ocorre que o crescimento do trabalho algorítmico no contexto
recente tem sido relacionado às raízes da própria formação do mercado de trabalho,
em que parte da massa trabalhadora está submetida à regulação estatal, com
relativa observância dos direitos trabalhistas, e outra parte está alheia à essa
regulação, compondo a massa de trabalhadores informais
41
.
Nessa esteira, em relação à obstaculização de direitos trabalhistas, a
literatura evidencia que as plataformas não apenas tem se aproveitado de tal
formação histórica como também tem promovido uma precarização da relação de
trabalho
42
, sob o enfoque da já apontada subordinação algorítmica, num processo
em que aloca o trabalhador como “parceiro” da plataforma, todavia, o submete a
uma condição de obscuridade sobre direitos decorrentes da relação de trabalho
43
.
40
ENGELMAN, Fernanda. Vivências da violência no mundo do trabalho a partir de relatos de
trabalhadores. 2015. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, 2015. 107 p., p. 20.
41
AMORIM, Henrique; MODA, Felipe Bruner. Trabalho por aplicativo: gerenciamento algorítmico e
condições de trabalho dos motoristas da Uber. Revista Fronteira Estudos Midiáticos, v. 22, n. 1, p.
59-71, jan. abr., 2020.
42
FRANCO, David Silva; FERRAZ, Deise Luiza da Silva. Uberização do trabalho e acumulação
capitalista. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro , v. 17, Edição Especial, p. 844-856, nov., 2019.
43
ABÍLIO, Ludmila Costhek. Plataformas digitais e uberização: Globalização de um Sul administrado?.
Contracampo, Niterói, v. 39, n. 1, p. 12-26, abr./jul. 2020.
14
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
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GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
Reafirmando ao trabalhador uma propaganda de empreendedorismo individual
originada do neoliberalismo, sob o slogan de “ser o seu próprio patrão”, as
plataformas ofuscam o entendimento do indivíduo sobre a relação laboral a que está
efetivamente submetido e sobre aquilo a que faz jus, e diante disso, direitos
trabalhistas constitucionalmente erigidos são assimilados ou suprimidos
44
.
Ferrari e Graham
45
destacam que a narrativa da flexibilidade de tempo,
liberdade empreendedora e outros discursos neoliberais é tão bem construída pelas
plataformas justamente para que se possa, sistematicamente, por sobre os ombros
do trabalhador a responsabilidade e os riscos, eximindo-se da prestação de quaisquer
direitos trabalhistas ou assistenciais, e quanto à segurança e a incolumidade do
trabalhador algorítmico.
Se utilizando do marketing da independência patronal e financeira, as
plataformas promovem a responsabilização isolada do trabalhador algorítmico
colocando-o como único responsável pela prestação do serviço e também por arcar
com seus custos, seus riscos e com a manutenção dos veículos ou equipamentos
utilizados para a realização da prestação do serviço, o qual está sujeito às flutuações
dos valores financeiros, sem nenhuma contrapartida para o trabalhador a não ser o
valor cotejado e deferido pelo controle algorítmico da plataforma
46
.
Desta feita, o trabalhador algorítmico se encontra em evidente situação de
vulnerabilidade e hipossuficiência frente à plataforma, estando subordinado
algoritmicamente a esta, que no entanto intruja a existência de tal subordinação
47
.
Imprescindível destacar que o conceito de subordinação que define uma relação de
trabalho empregado/empregador segundo a matriz clássica tem sido
44
COUTINHO, Raianne Liberal. A subordinação algorítmica no arquétipo Uber: desafios para a
incorporação de um sistema de proteção constitucional trabalhista. 2021. Dissertação (Mestrado)
Universidade de Brasília, Brasília, 2021.
45
FERRARI, Fabian; GRAHAM, Mark. Fissuras no poder algorítmico: plataformas, códigos e
contestação. Revista Fronteiras Estudos midiáticos, v. 23, n. 2, p. 207-219, maio ago., 2021.
46
DUARTE, Fernanda da Costa Portugal; GUERRA, Ana. Plataformização e trabalho algorítmico:
contribuições dos Estudos de Plataforma para o fenômeno da uberização. Revista Eptic, v. 22, n. 2,
p. 38-55, mai. ago., 2020.
47
FIGUEIREDO, Carlos. Algoritmos, subsunção do trabalho, vigilância e controle: novas estratégias de
precarização do trabalho e colonização do mundo da vida. Revista Eptic, v. 21, n. 1, p. 156-172, jan.
abr., 2019.
15
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
sistematicamente criticado na academia e na jurisprudência de diversas cortes, dada
a atual conjuntura dos modelos econômicos e trabalhistas vigentes
48,49
.
No Poder Judiciário pátrio, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, no
ano de 2021, negou provimento a um Mandado de Segurança impetrado pela empresa
Uber e manteve decisão de primeira instância em que um motorista por aplicativo
requereu perícia no aplicativo Uber para aferir a existência de vínculo empregatício
entre o mesmo e a plataforma
50
. Ainda em 2021, o Tribunal Regional do Trabalho da
4ª Região reconheceu, em julgamento de Recurso Ordinário, a ocorrência de lesão
massiva de direitos sociais na relação entre trabalhador algorítmico e plataformas,
reconhecendo vínculo de emprego entre a Uber e um motorista por aplicativo
51
.
Bianchi, Macedo e Pacheco assinalam ainda que, no caso da empresa Uber, há
inúmeros depoimentos de empregados formais e também de prestadores de serviço,
isto é trabalhadores algorítmicos, coletados em audiências trabalhistas, que
evidenciam que a empresa exige do trabalhador uma certa frequência no uso do
aplicativo, sob pena de sanções como suspensão do direito de prestar o serviço e até
mesmo o desligamento definitivo da plataforma
52
.
Demonstra-se pois a necessidade de uma adequação do conceito de
subordinação do ponto de vista jurídico trabalhista, dada a evolução tecnológica e a
consolidação das formas algorítmicas de trabalho. Fincato e Wünsch deferem que “a
era de trabalho industrial dá espaço à era de trabalhos tecnológicos da era digital,
(...) verdadeiros remodeladores dos elementos de configuração do vínculo
48
ABÍLIO, Ludmila Costhek. Plataformas digitais e uberização: Globalização de um Sul administrado?.
Contracampo, Niterói, v. 39, n. 1, p. 12-26, abr./jul. 2020.
49
RIEMENSCHNEIDER, Patrícia Strauss; MUCELIN, Guilherme Araújo Balczarek. Economia do
compartilhamento: a lógica algorítmica das plataformas virtuais e a necessidade de proteção da
pessoa nas atuais relações de trabalho. Revista Eletrônica Direito e Sociedade, Canoas, v. 7, n. 1,
p. 61-93, 2019.
50
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (1ª Região). Mandado de Segurança Cível 120. Relatora:
Raquel de Oliveira Maciel. Pesquisa de Jurisprudência, TRT da 1ª Região, Acórdãos, 0103519-
41.2020.5.01.0000 MSCiv, em 30 abr. 2021.
51
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (4ª Região). Recurso Ordinário 0020750-38.2020.5.04.0405
RORSum. Relator: Marcelo Jose Ferlin D'Ambroso. Pesquisa de Jurisprudência, TRT da 4ª Região, 8ª
Turma, Acórdãos, 0020750-38.2020.5.04.0405 RORSUM, em 23 set. 2021.
52
BIANCHI, Sabrina Ripoli; MACEDO, Daniel Almeida de; PACHECO, Alice Gomes. A uberização como
forma de precarização do trabalho e suas consequências na questão social. Revista Direitos, Trabalho
e Política Social, Cuiabá, v. 6, n. 10, p. 134-156, jan. jun., 2020.
16
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GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
empregatício subordinado”
53
. O conceito jurídico de subordinação, frente à atual e
futura realidade das relações de trabalho é impulsionado, portanto, a adequar-se à
Economia de Compartilhamento e aos novos modelos econômicos e trabalhistas, se
ressignificando, afastando-se da matriz clássica por um lado e se aproximando de
uma nova abordagem por outro.
Franco e Ferraz
54
entendem inclusive que o trabalho uberizado não torna o
trabalhador algorítmico menos submisso, pelo contrário, a plataformização alimenta
um quadro de submissão estrutural do trabalho, o qual tem o condão de não apenas
expandir, mas também de solidificar uma situação de subordinação trabalhista ainda
mais patente que a observada nos modelos econômicos passados.
Ao cercear o acesso a direitos trabalhistas básicos dispostos na Carta Magna,
as plataformas incorrem em violência laboral contra os trabalhadores algorítmicos,
promovendo o desmonte de Direitos Fundamentais. Desse modo, o avanço
tecnológico acaba por servir à flexibilização de regras trabalhistas assecuratórias e
a eliminação de direitos e proteções
55
. Nesta esfera, violam-se princípios
constitucionais implícitos, entre eles a vedação ao retrocesso, e explícitos, como o
princípio da proteção do trabalhador em face da automação.
3.2. Violência trabalhista nas relações algorítmicas de trabalho sob a perspectiva
da redução à condição análoga a de escravo
Para compreender como esta violência trabalhista se configura no trabalho
algorítmico, é necessário entender que o sistema de precarização do labor, na
plataformização, se alimenta na medida em que há grandes massas de trabalhadores
precisando laborar e encontram o mercado de trabalho tradicional (regulado pelo
53
FINCATO, Denise Pires; WÜNSCH, Guilherme. Subordinação algorítmica: caminho para o direito do
trabalho na encruzilhada tecnológica?. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, vol. 86,
n. 3, p. 40-56, jul. set., 2020. p. 47.
54
FRANCO, David Silva; FERRAZ, Deise Luiza da Silva. Uberização do trabalho e acumulação
capitalista. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro , v. 17, Edição Especial, p. 844-856, nov., 2019.
55
ABÍLIO, Ludmila Costhek. Plataformas digitais e uberização: Globalização de um Sul administrado?.
Contracampo, Niterói, v. 39, n. 1, p. 12-26, abr./jul. 2020.
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GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
Estado) sem condições de contratar mais trabalhadores
56
. Esta conjunção, por sua
vez, gera massas de desempregados que veem nas empresas plataformizadas uma
possibilidade de auferir algum rendimento, levando o trabalhador a abrir mão de
uma gama de direitos, sob o efúgio da facilidade e da liberdade de trabalhar
57
.
Motta Júnior discorre que “a possibilidade de apropriação do valor em larga
escala ocorre através da grande perda de direitos trabalhistas e só é possível em um
contexto com massas de trabalhadores disponíveis em grandes quantidades,
necessitando vender a sua força de trabalho”
58
. A violência trabalhista sob a
perspectiva da redução à condição análoga a de escravo, no trabalho algorítmico, se
configura então na medida em que, além de obstarem direitos trabalhistas, as
plataformas submetem os trabalhadores algorítmicos a condições degradantes de
trabalho
59
.
Frente ao argumento neoliberal do autogerenciamento subordinado, em que
se recebe conforme aquilo que trabalha, sob a coordenação algorítmica, o
trabalhador uberizado acaba por ter que se submeter a jornadas laborais
extenuantes, nas quais a força de trabalho se dissolve em produto à disposição do
algoritmo
60
. Com efeito, Maia conduz que a uberização do trabalho, além de quebrar
o coletivo trabalhista, capturando a subjetividade do ser humano enquanto
trabalhador, também reduz a força de trabalho deste à uma mera mercadoria
61
.
56
FINCATO, Denise Pires; WÜNSCH, Guilherme. Subordinação algorítmica: caminho para o direito do
trabalho na encruzilhada tecnológica?. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, vol. 86,
n. 3, p. 40-56, jul. set., 2020.
57
BIANCHI, Sabrina Ripoli; MACEDO, Daniel Almeida de; PACHECO, Alice Gomes. A uberização como
forma de precarização do trabalho e suas consequências na questão social. Revista Direitos, Trabalho
e Política Social, Cuiabá, v. 6, n. 10, p. 134-156, jan. jun., 2020.
58
MOTTA JÚNIOR, Paulo Roberto Monsores da. Uberização como exemplo da precarização do trabalho
e do espaço urbano. In: SIMPÓSIO NACIONA DE GEOGRAFIA URBANA, 16., 2019, Vitória. Anais
eletrônicos [...] Vitória: UFES, 2019. p. 1907.
59
ANTUNES, Ricardo. Trabalho intermitente e uberização do trabalho no limiar da Indústria 4.0. In:
ANTUNES, Ricardo (org.). Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0. 1. ed. São Paulo: Boitempo,
2020. 336 p.
60
MAIOR, Nívea Maria Santos Souto; VIDIGAL, Viviane. Em modo de espera: a condição de trabalho e
vida uberizada. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 25, n. 1, p. 62-73, jan. abr., 2022.
61
MAIA, Patrícia da Silva. Trabalho e família: um olhar sobre o filme “Você não estava aqui”. Revista
Trabalho (En)Cena, Palmas, v. 6, p. 1-14, 2021.
18
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Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
Destarte, ocorre uma “invisibilização” do tempo dedicado à plataforma,
ficando o trabalhador algorítmico submisso à convocação do usuário do aplicativo
62
e tal tempo à disposição do algoritmo não é remunerado em nenhuma medida,
pagando-se o trabalhador apenas pelo serviço prestado, omitindo-se qualquer
remuneração quanto ao tempo à disposição do aplicativo, à depreciação de seu
veículo e equipamentos e aos riscos da vida urbana.
Nada obstante, há em grande parte das plataformas sistemas de
ranqueamento e classificações, aos quais Maia
63
identificou como verdadeiros
sistemas de ameaça, pelos quais a plataforma, a qualquer tempo e sem maiores
justificativas, bloqueia ou suspende o trabalhador algorítmico, ficando o mesmo a
mercê de um sistema no qual depende não apenas da sua capacidade de prestar o
serviço especializado, mas também de fatores algorítmicos e de percepções
subjetivas do usuário da plataforma
64
.
Esta situação gera uma condição de insegurança trabalhista, na medida em
que existe efetivamente a possibilidade de o trabalhador ser dispensado a qualquer
tempo, sem maiores justificativas
65
. A pesquisa conduzida por Baptistella
66
também
apontou que o sistema de classificação das plataformas contribui para a insegurança
do trabalhador, pois através deste sistema a plataforma envia uma quantidade maior
ou menor de ofertas de trabalho, a depender da “nota” do trabalhador algorítmico
na plataforma, de modo que, se obtiver pontuação abaixo do esperado, o trabalhador
recebe dos algoritmos menos direcionamento de serviços, desconsiderando qualquer
particularidade quanto à necessidade de subsistência do trabalhador.
62
MAIA, Patrícia da Silva. Trabalho e família: um olhar sobre o filme “Você não estava aqui”. Revista
Trabalho (En)Cena, Palmas, v. 6, p. 1-14, 2021.
63
MAIA, Patrícia da Silva. Trabalho e família: um olhar sobre o filme “Você não estava aqui”. Revista
Trabalho (En)Cena, Palmas, v. 6, p. 1-14, 2021.
64
FRANCO, David Silva. Uberização do trabalho: a materialização do valor entre plataformas
digitais, gestão algorítmica e trabalhadores nas redes do capital. 2020. Tese (Doutorado)
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2020.
65
MAIA, Patrícia da Silva. Trabalho e família: um olhar sobre o filme “Você não estava aqui”. Revista
Trabalho (En)Cena, Palmas, v. 6, p. 1-14, 2021.
66
BAPTISTELLA, Camilla Voigt. Uma pontuação que eu não sei de onde é”: reflexões da classificação
algorítmica no trabalho de entregadores de um aplicativo de delivery. In: REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA
DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 8., 2021, Campinas. Anais eletrônicos [...] Campinas: Unicamp, 2021, p.
1387-1401.
19
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GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
Ademais, não esclarecimento sobre como se dá tal ranqueamento ou que
critérios objetivos e subjetivos são ou não utilizados para tal classificação, havendo
entre os trabalhadores imprecisão quanto a qualquer transparência algorítmica
nestas relações de trabalho
67
. A opacidade algorítmica inviabiliza a proteção de
direitos fundamentais básicos como o direito à privacidade, à intimidade e também
o direito à informação, comprometendo a própria identidade do trabalhador
algorítmico.
Não obstante, Baptistella
68
identificou que o sistema de classificação de
trabalhadores algorítmicos nas plataformas promove a já apontada vigilância da
plataforma sobre o trabalhador. Ocorre que, na plataformização, perde-se a
visualização da figura humana no gerenciamento dos serviços, o que, todavia, não
afasta a existência da supervisão do trabalho pelo “empregador”, ficando a
coordenação ou vigilância dos trabalhos a cargo dos algoritmos
69
.
Em tal cenário é que Ricardo Antunes nomeou como escravidão digitalo
complexo de relações algorítmicas atuais
70
, em que o trabalhador por aplicativos,
para obter um mínimo rendimento capaz de prover seu sustento precisa
necessariamente se submeter a extensas jornadas laborais, estando a mercê da
vigilância de algoritmos que não compreende, e ainda, tendo que arcar, por si
mesmo, com todos os riscos decorrentes da profissão, sem compensação alguma e
sob constante ameaça de ser punido.
Semelhantemente, Teodoro e Andrade
71
compreendem que o modelo
econômico atual configura uma escravidão moderna, pois gera postos de trabalho
67
PARREIRA, Ana Carolina Rodrigues. Revolução digital e a relevância da transparência algorítmica
nas relações de trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte,
v. 66, n. 102, p. 315-329, jul./dez. 2020.
68
BAPTISTELLA, Camilla Voigt. Pra quem tem fome: vigilância e controle algorítmicos no processo
de trabalho de um aplicativo de entrega em Curitiba. 2021. Dissertação (Mestrado) Universidade
Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2021.
69
MELO, Sandro Nahmias. Eu, algoritmo. A precarização do trabalho humano. Revista da Academia
Brasileira de Direito do Trabalho, a. 23, n. 23, p. 65-79, 2020.
70
ANTUNES, Ricardo. Trabalho intermitente e uberização do trabalho no limiar da Indústria 4.0. In:
ANTUNES, Ricardo (org.). Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0. 1. ed. São Paulo: Boitempo,
2020. 336 p.
71
TEODORO, Maria Cecília Máximo; ANDRADE, Karin Bhering. O panóptico pós-moderno no trabalho.
In: CARELLI, Rodrigo de Lacerda. CAVALCANTI, Tiago Muniz. FONSECA, Vanessa Patriota da (orgs.).
Futuro do trabalho: os efeitos da revolução digital na sociedade. Brasília: ESMPU, 2020. 472 p.
20
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
por meio da exploração de trabalho sem observância de direitos, conduzindo a um
mercado precário, inseguro e miseravelmente remunerado. A título de resgate
conceitual, aponta-se novamente para o Manual de Combate ao Trabalho em
Condições Análogas as de Escravo, do Ministério do Trabalho e Emprego, que define:
A degradação mencionada vai desde o constrangimento físico e/ou
moral a que é submetido o trabalhador seja na deturpação das
formas de contratação e do consentimento do trabalhador ao celebrar
o vínculo, seja na impossibilidade desse trabalhador de extinguir o
vínculo conforme sua vontade, no momento e pelas razões que
entender apropriadas até as péssimas condições de trabalho e de
remuneração: alojamentos sem condições de habitação, falta de
instalações sanitárias e de água potável, falta de fornecimento
gratuito de equipamentos de proteção individual e de boas condições
de saúde, higiene e segurança no trabalho; jornadas exaustivas;
remuneração irregular, promoção do endividamento pela venda de
mercadorias aos trabalhadores
72
.
Sob o manto do autogerenciamento subordinado, as plataformas ditam as
regras do trabalho e, nesse processo, imbui-se o algoritmo na figura de verdadeiro
“capitão-do-mato algorítmico”, promovendo a supervisão e gerenciamento do
trabalho de forma velada, atingindo assim a vulnerabilidade do trabalhador
algorítmico
73
. Nesta perspectiva, resta clara a redução do trabalhador por aplicativo
à condição análoga a de escravo em diversos prismas, configurando-se assim a
violência trabalhista ora apontada.
3.3. Violência trabalhista nas relações algorítmicas de trabalho sob a perspectiva
da violência psicológica
A rotina do trabalho algorítmico, como supra evidenciado, conduz a uma carga
de trabalho em que a disposição de tempo para a plataforma dificulta ao trabalhador
separar a vida profissional da vida pessoal, levando a um quadro em que o sentimento
de liberdade gerado pelo discurso capitalista do empreendedorismo caminha lado a
72
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Manual de Combate ao Trabalho em Condições
Análogas às de Escravo. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2011. p. 12.
73
MAIA, Patrícia da Silva. Trabalho e família: um olhar sobre o filme “Você não estava aqui”. Revista
Trabalho (En)Cena, Palmas, v. 6, p. 1-14, 2021.
21
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
lado com a auto exploração
74
. Cuida-se, assim, da existência de violência trabalhista
psicológica, promovida pelas plataformas contra os trabalhadores algorítmicos, na
relação de trabalho uberizada.
De início, ocorre que o trabalhador algorítmico é mal remunerado. Pesquisa
conduzida por Amorim e Moda evidenciou que os motoristas por aplicativo costumam
trabalhar de dez a doze horas diárias, auferindo um valor líquido de cento e
cinquenta reais por dia
75
. Santiago
76
, em pesquisa divulgada através do site Uol
Economia, apontou que um motorista prestando serviço para a empresa Uber na
cidade de São Paulo chega a dirigir sessenta horas semanais, numa média de doze
horas diárias, a fim de auferir três mil reais por mês. Ainda, Riemenschneider e
Mucelin
77
expuseram em seu estudo que 70% dos trabalhadores algorítmicos
ultrapassam a duração de quarenta e quatro horas semanais de jornada de trabalho
e 35% dos trabalhadores superam as sessenta horas, chegando a alcançar
surpreendentes noventa horas semanais de trabalho.
Para alcançar um rendimento capaz de prover sua subsistência e as condições
básicas de vida, portanto, o trabalhador algorítmico precisa se submeter a extensos
períodos de disposição física e mental à plataforma. A submissão a tal rotina conduz
a uma série de malefícios à saúde. Maior e Vidigal aferem que existe inerente risco
psicológico no modelo de trabalho algorítmico
78
, se verificando uma gama de
problemas decorrentes desta forma de trabalho a longo prazo, entre os quais se
destaca a depressão, a síndrome do pânico e a síndrome de burnout. Esta última
figura na literatura como um dos mais recorrentes adoecimentos psicológicos
decorrentes desta forma de trabalho. Ribeiro conceitua que:
74
MAIOR, Nívea Maria Santos Souto; VIDIGAL, Viviane. Em modo de espera: a condição de trabalho e
vida uberizada. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 25, n. 1, p. 62-73, jan. abr., 2022.
75
AMORIM, Henrique; MODA, Felipe Bruner. Trabalho por aplicativo: gerenciamento algorítmico e
condições de trabalho dos motoristas da Uber. Revista Fronteira Estudos Midiáticos, v. 22, n. 1, p.
59-71, jan. abr., 2020.
76
SANTIAGO, Henrique. Motorista de Uber em SP roda até 60h por semana para lucrar R$ 3.000 no
mês. Uol Economia, São Paulo, 02 out. 2021.
77
RIEMENSCHNEIDER, Patrícia Strauss; MUCELIN, Guilherme Araújo Balczarek. Economia do
compartilhamento: a lógica algorítmica das plataformas virtuais e a necessidade de proteção da
pessoa nas atuais relações de trabalho. Revista Eletrônica Direito e Sociedade, Canoas, v. 7, n. 1,
p. 61-93, 2019.
78
MAIOR, Nívea Maria Santos Souto; VIDIGAL, Viviane. Em modo de espera: a condição de trabalho e
vida uberizada. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 25, n. 1, p. 62-73, jan. abr., 2022.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
O termo burnout representa a descrição de exaustão ou extenuação e
é específico do meio laboral; caracteriza-se como resposta prolongada
aos estressores interpessoais crônicos. Sua avaliação considera a
vivência de estresse determinado por um modelo social, envolvendo
três dimensões: a despersonalização, a exaustão emocional e a baixa
realização profissional
79
.
Destaca-se, ainda, que o burnout promove uma relação recíproca e causal
entre a exaustão no trabalho e a depreciação da saúde mental do indivíduo portador
da doença, pois em tal circunstância o trabalhador sofre um esgotamento mental e
físico que o leva a cometer mais erros e a ter maior dificuldade na gestão dos
trabalhos e recursos, conduzindo-o, consequentemente, a uma rotina de maior
exaustão no trabalho, num sistema cíclico em que uma situação leva à outra
80
.
É cediço, portanto, que no modelo algorítmico de trabalho existe uma
imposição desta rotina, abalizada sob o viés do discurso de que o prestador de serviço
ganha pelo que trabalha
81
. Ocorre que tal imposição, por mais disfarçada que seja,
configura uma efetiva violência trabalhista sob a perspectiva da violência
psicológica, conduzindo o trabalhador não pelo incentivo, mas sim pela
necessidade
82
.
O que se vende inicialmente como possibilidade de liberdade e flexibilidade
trabalhista torna-se, ao fim, em situação condicionante e degradante, em que o
trabalhador algorítmico somente conseguirá obter rendimentos suficientes à
subsistência se necessariamente submeter-se a estes longos períodos de jornada
laboral.
79
RIBEIRO, Beatriz Maria dos Santos Santiago; Et al. Associação entre a síndrome de burnout e a
violência ocupacional em professores. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 35, p. 1-8, 2022.
p. 02.
80
PAULA, Raquel T. Vianna de. A influência da personalidade e do tecnoestresse na síndrome de
burnout. 2019. Dissertação (Mestrado) Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do
Campo, 2019.
81
FRANCO, David Silva; FERRAZ, Deise Luiza da Silva. Uberização do trabalho e acumulação
capitalista. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro , v. 17, Edição Especial, p. 844-856, nov., 2019.
82
RIEMENSCHNEIDER, Patrícia Strauss; MUCELIN, Guilherme Araújo Balczarek. Economia do
compartilhamento: a lógica algorítmica das plataformas virtuais e a necessidade de proteção da
pessoa nas atuais relações de trabalho. Revista Eletrônica Direito e Sociedade, Canoas, v. 7, n. 1,
p. 61-93, 2019.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
Cabe ainda apontar que as plataformas não disponibilizam ao trabalhador
algorítmico quaisquer meios para ajudá-lo frente a um quadro de debilidade
psicológica, ao contrário, a lógica da uberização do trabalho é a de que se deve
estimular o trabalhador algorítmico pelo medo, pela incerteza e pela ameaça
constante de perder o trabalho
83
. Fica assim o trabalhador algorítmico a mercê dos
próprios meios para sanar os distúrbios de saúde decorrentes do labor. Maia
84
afirma
que, a fim de superar o cansaço físico e mental gerados pela rotina algorítmica de
trabalho e preservar sua saúde psicológica, os trabalhadores plataformizados
procuram descansar nos curtos períodos que possuem durante à noite para poderem
ter alguma disposição no dia seguinte, rotina que se estende durante toda a semana.
Soma-se a isto uma série de outros fatores que maximizam o sofrimento
psíquico, entre eles a questão já levantada dos riscos da profissão e, também,
questões de gênero e violência
85
. No que tange aos riscos, Franco afirma que, “caso
se envolvam em acidente de trânsito ou sofram algum dano por assalto, a empresa
também se exime de quaisquer responsabilidades”
86
. A sensação de desamparo
gerada por este comportamento das plataformas contribui assim para o sentimento
de abandono e de estafa profissional que atinge uma parcela considerável dos
trabalhadores por aplicativo.
Quanto aos fatores de gênero que influenciam o sofrimento psíquico, Alves e
Bezerra colocam que “para as mulheres é necessário lidar não só com os perigos
decorrentes da violência e do assédio, mas também de uma intensa jornada para
assegurar uma remuneração que seja próxima ao salário mínimo, e ainda dividir o
tempo com o trabalho doméstico e o cuidado com os(as) filhos(as) em muitos
83
COUTINHO, Raianne Liberal. A subordinação algorítmica no arquétipo Uber: desafios para a
incorporação de um sistema de proteção constitucional trabalhista. 2021. Dissertação (Mestrado)
Universidade de Brasília, Brasília, 2021.
84
MAIA, Patrícia da Silva. Trabalho e família: um olhar sobre o filme “Você não estava aqui”. Revista
Trabalho (En)Cena, Palmas, v. 6, p. 1-14, 2021.
85
ROCHA, Cláudio Janotti da; PORTO, Lorena Vasconcelos; ABAURRE, Helena Emerick. Discriminação
algorítmica no trabalho digital. Revista de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, Campinas,
v. 1, p. 1-21, 2020.
86
FRANCO, David Silva. Uberização do trabalho: a materialização do valor entre plataformas
digitais, gestão algorítmica e trabalhadores nas redes do capital. 2020. Tese (Doutorado)
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2020. p. 64.
24
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Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
casos”
87
. Fica evidente a existência de violência trabalhista psicológica praticada
contra o trabalhador algorítmico, não de forma involuntária, mas de forma
incentivada, pelas plataformas
88
. É certo, diante disso, que a preocupação com a
saúde e o bem estar psicológico do trabalhador algorítmico não perfaz uma
prioridade do modelo econômico que abaliza a plataformização do trabalho.
4. Perspectivas de superar o problema das violências trabalhistas em relações de
trabalho algorítmicas
Explicitada a relação entre a plataformização do trabalho, ou uberização, e
as violências trabalhistas, cabe apontar para possíveis horizontes na superação desta
mazela. Compreendemos que a resolução desta problemática, conquanto não se
esgote no prisma aqui apontado, deve se guiar necessariamente pela imprescindível
regulação legislativa quanto aos critérios que caracterizam uma relação trabalhista
algorítmica, quanto à definição objetiva das novas formas de violência e quanto à
transparência algorítmica nas relações uberizadas.
Isto posto, é necessário observar que o direito trabalhista apresenta, no
mundo inteiro, dificuldades de acompanhar as inovações tecnológicas trazidas pela
Quarta Revolução Industrial
89
. No âmbito pátrio, tal panorama parece se agravar,
máxime porque, até o momento, as medidas regulatórias legais e os esforços para
implementá-las se mostram mínimos.
À exceção de algumas poucas e esparsas leis, a regulação das plataformas e
do trabalho algorítmico na atualidade se encontra mais no plano mercadológico do
87
ALVES, Adriana Avelar; BEZERRA, Leandro Henrique Costa. Discriminação algorítmica de gênero no
trabalho em plataformas digitais. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, vol. 87, n.
3, p. 176-190, jul. set., 2021. p. 184.
88
COUTINHO, Raianne Liberal. A subordinação algorítmica no arquétipo Uber: desafios para a
incorporação de um sistema de proteção constitucional trabalhista. 2021. Dissertação (Mestrado)
Universidade de Brasília, Brasília, 2021.
89
MIRANDA, Gleyce K; GOMES, Sónia M. F. P. O. Informalidade e crise social no Brasil: um olhar sobre
o trabalho digital precarizado. Revista de Economia Regional Urbana e do Trabalho, v. 9, n. 2, p.
40-68, 2020.
25
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GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
que no aspecto legal
90
. Esse contexto de desregulação, no entanto não causa
espanto, pois como Franco ressalta: “a atuação do Estado burguês na sociedade,
como não poderia deixar de ser, está longe de ser neutra, assumindo
majoritariamente o interesse da classe capitalista”
91
. Assim, os interesses legais se
dobram quase que inteiramente aos anseios da “mão invisível” do mercado,
evidenciando um cenário em que o capital é o protagonista, e não o ser humano
92
.
Nesse horizonte, o fazer legislativo coloca a relação econômica e social gerada
pela uberização a serviço do capital, do neoliberal, alocando o trabalhador
algorítmico, não despropositadamente, em vulnerabilidade
93
. Ocorre assim que a
inovação tecnológica, social e econômica encontra no político e nos marcos
regulatórios, parecer desfavorável à classe trabalhadora, ficando as exigências e
dificuldades de tal classe em segundo plano no esquema de prioridades do
legislador
94
. Ademais, arrefecer diante da atuação inerte do Estado quanto à
regulação legal do trabalho algorítmico não pode ser uma opção.
Diante disso, entendemos que um marco regulatório do trabalho algorítmico
deve considerar, em primeira medida, a reforma dos critérios que delineiam uma
relação trabalhista entre empregado e empregador. Assim também entendem
Fincato e Wünsch ao dispor que “a economia de compartilhamento parece trazer à
tona a necessidade de uma ressignificação do conceito de subordinação, tomando
como base a semântica do vocábulo algoritmo”
95
. Quanto à questão fulcral da
90
COUTINHO, Raianne Liberal. A subordinação algorítmica no arquétipo Uber: desafios para a
incorporação de um sistema de proteção constitucional trabalhista. 2021. Dissertação (Mestrado)
Universidade de Brasília, Brasília, 2021.
91
FRANCO, David Silva. Uberização do trabalho: a materialização do valor entre plataformas
digitais, gestão algorítmica e trabalhadores nas redes do capital. 2020. Tese (Doutorado)
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2020. p. 224.
92
MELO, Sandro Nahmias. Eu, algoritmo. A precarização do trabalho humano. Revista da Academia
Brasileira de Direito do Trabalho, a. 23, n. 23, p. 65-79, 2020.
93
BIANCHI, Sabrina Ripoli; MACEDO, Daniel Almeida de; PACHECO, Alice Gomes. A uberização como
forma de precarização do trabalho e suas consequências na questão social. Revista Direitos, Trabalho
e Política Social, Cuiabá, v. 6, n. 10, p. 134-156, jan. jun., 2020.
94
MUNOZ, Andrea Elena Pizarro; Et al. Trabalho precarizado na pandemia e os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável. Anuário Unesco/Metodista de Comunicação Regional, a. 24, n. 24, p.
81-90, jan/dez. 2020.
95
FINCATO, Denise Pires; WÜNSCH, Guilherme. Subordinação algorítmica: caminho para o direito do
trabalho na encruzilhada tecnológica?. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, vol. 86,
n. 3, p. 40-56, jul. set., 2020. p. 49.
26
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GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
existência ou não de subordinação nas relações algorítmicas de trabalho,
compreendemos que o legislador deve repensar os critérios que dão forma a este
elemento, considerando o entendimento doutrinário recente sobre a figura da
subordinação algorítmica.
Antunes
96
afirma que é necessário à sociedade, antes de tudo, compreender
a nova morfologia do trabalho, erigida pela Revolução 4.0. Diante disso, a
ressignificação ora apontada deve se dar através do processo legislativo de forma
objetiva e orientada cientificamente, levando em conta os novos modelos
econômicos, sobretudo a Economia de Compartilhamento, buscando conciliar a
proteção aos direitos fundamentais com o avanço tecnológico e social.
Apontamos aqui para o princípio da proteção do trabalhador em face da
automação, princípio explícito contido no art. , inciso XXVII, da Carta Constituinte
de 1988, deferindo comando de criação de norma reguladora
97
, a qual inexiste até o
presente. Ao falar em automação o constituinte buscou englobar tanto a automação
do ponto de vista da substituição humana pelo trabalho robotizado como também a
automação relacionada aos sistemas inteligentes
98
. Assim, quando dispõe sobre
proteção em face da automação, tal comando deve ser interpretado envolvendo
também a proteção ao trabalhador algorítmico, sendo esta uma expressão da
vontade de proteção do constituinte quanto aos valores sociais do trabalho em face
da evolução tecnológica.
Uma vez que o princípio da proteção em face da automação se trata de norma
de eficácia limitada e considerando que a evolução tecnológica trazida pela
Revolução 4.0 não se trata de novidade passageira, mas de um modelo
socioeconômico concreto e estabilizado, motor da sociedade globalizada atual e que
96
ANTUNES, Ricardo. Trabalho intermitente e uberização do trabalho no limiar da Indústria 4.0. In:
ANTUNES, Ricardo (org.). Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0. 1. ed. São Paulo: Boitempo,
2020. 336 p.
97
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal: Centro Gráfico, 1988.
98
MARTINEZ, Luciano; MALTEZ, Mariana. O direito fundamental à proteção em face da automação.
Revista Nova Hileia, v. 2, n. 2, s/p., jan. jun., 2017.
27
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Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
se encontra em movimento pelo menos 30 anos
99
, faz-se urgente que esta lacuna
no Direito trabalhista seja suprida através de um marco regulatório.
Nesta senda, o operador da ciência jurídica ocupa espaço fundamental, pois
é quem fornecerá subsídio acadêmico e científico para validar a conclusão
legislativa
100
, como já ocorreu anteriormente com o Marco Civil da Internet
101
, com
a Lei Geral de Proteção de Dados
102
e como ocorre, atualmente, com o processo que
originará o marco regulatório da Inteligência Artificial, que se encontra em curso no
Senado Federal através da CJSUBIA (Comissão de juristas responsável por subsidiar a
elaboração de substitutivo sobre Inteligência Artificial no Brasil)
103
.
Quanto à regulação legal das formas de violência trabalhista atuais, entende-
se esta como uma medida necessária diante da carência de objetividade legislativa
na definição tanto das novas formas de violência laboral, fruto da evolução
tecnológica, quanto das sanções pela sua prática
104
. Neste azo, o Direito
Internacional demonstra caminhar em passos mais largos que o ordenamento pátrio.
A Convenção OIT 190, de 2019, inova ao abarcar em seu bojo as novas formas
de violência trabalhista, considerando fatores condizentes com as relações
trabalhistas contemporâneas e deferindo, em seu art. 8º, o comando aos países
signatários de adoção de medidas para prevenir estas violências na esfera da
economia informal
105
. Faz-se necessário, contudo, ratificar no ordenamento pátrio
99
MACHADO, Luciana de Aboim; CÔRTES, Priscila Cavalcanti. O direito fundamental à proteção em
face à automação e a Indústria 4.0. Revista Relações Internacionais do Mundo Atual, v.1, n. 26,
s/p., jan. mar., 2020.
100
MACHADO, Luciana de Aboim; CÔRTES, Priscila Cavalcanti. O direito fundamental à proteção em
face à automação e a Indústria 4.0. Revista Relações Internacionais do Mundo Atual, v.1, n. 26,
s/p., jan. mar., 2020.
101
BRASIL. Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres
para o uso da Internet no Brasil. Diário Oficial da União, Atos do Poder Legislativo, Brasília, DF, 24
abr. 2014. Seção 1, p. 1-3.
102
BRASIL. Lei nº 13.709 de 14 agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Diário Oficial
da União, Atos do Poder Legislativo, Brasília, DF, 15 out. 2018. Seção 1, p. 59-64.
103
BRASIL. Senado Federal. CJSUBIA Comissão de juristas responsável por subsidiar elaboração
do substitutivo sobre inteligência artificial no Brasil. Brasília: Senado Federal, 2022.
104
MENDONÇA, Juliana Moro Bueno; Et al. Violências no ambiente de trabalho: ponderações teóricas.
Psicologia & Sociedade, v. 30, p. 1-11, 2018.
105
OIT. Organização Internacional do Trabalho. Convenção nº 190 de 2019. Convenção sobre a
eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho. Tradução: CO-Jakarta (Iniciativa
Spotlight). Organização Internacional do Trabalho, 2019.
28
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
tal norma internacional, o que fará com que a proteção contra estas violências
entrem no bloco de constitucionalidade.
Quanto à regulação legislativa sobre a transparência algorítmica nas relações
uberizadas, compreendemos esta como uma medida que deve ser implementada com
objetivo de proteger não apenas o trabalhador algorítmico e seus direitos
fundamentais, mas também a própria relação de trabalho. Verifica-se que as
relações uberizadas se mostram ainda eivadas de obscuridade sobre fatores
essenciais que a compõem. Neves
106
, em pesquisa realizada com entregadores de
comida por aplicativo, aferiu que há opacidade no tratamento de dados desde o
momento em que o serviço é ofertado pela plataforma até à lógica por trás da
designação de tais ofertas, sendo esta opacidade um ponto de desconforto entre os
trabalhadores algorítmicos. Ocorre que a transparência algorítmica tem sido objeto
de incômodo que permeia as relações algorítmicas desde o seu advento.
Isto se deve, em parte, ao critério de competitividade e de segredo industrial
das plataformas, fatores que fazem a falta de transparência algorítmica ser uma das
principais características desta espécie de gestão
107
. Cabe ressaltar que as empresas
plataformizadas não possuem nenhuma obrigatoriedade de transparência sobre tais
dados e algoritmos, suas aplicações e processamentos
108
. Desta feita, os próprios
prestadores de serviço tornam-se alheios à forma como se dão classificações e regras
algorítmicas, colocados deliberadamente “no escuro” pela plataforma.
Todavia, deve se destacar que o trabalho algorítmico se realiza através de
dados e informações inseridas tanto pelos usuários quanto pelos trabalhadores.
Consta que tais dados possuem a natureza de dados pessoais
109
. Estes, por sua vez,
foram elevados à categoria de direito fundamental pela Emenda Constitucional nº
106
NEVES, Ianaira Barretto Souza. Algocracia: um estudo da gestão mediada por algoritmos pela
perspectiva dos trabalhadores de plataformas digitais. 2022. Dissertação (Mestrado) - Fundação
Getúlio Vargas, São Paulo, 2022. 111 p.
107
MIRANDA, Gleyce K; GOMES, Sónia M. F. P. O. Informalidade e crise social no Brasil: um olhar sobre
o trabalho digital precarizado. Revista de Economia Regional Urbana e do Trabalho, v. 9, n. 2, p.
40-68, 2020.
108
UCHÔA-DE-OLIVEIRA, Flávia Manuella. Saúde do trabalhador e o aprofundamento da uberização do
trabalho em tempos de pandemia. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 45, e. 22, 2020.
109
PARREIRA, Ana Carolina Rodrigues. Revolução digital e a relevância da transparência algorítmica
nas relações de trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte,
v. 66, n. 102, p. 315-329, jul./dez. 2020.
29
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
115 de 2022
110
. Não obstante, ainda em 2014, a Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da
Internet) já dispunha sobre a disciplina do uso da internet no Brasil, erigindo em seu
art. 4º, inciso II, como objetivo desta, a promoção do acesso à informação
111
.
Indispensável apontar, nesse ângulo, para a Lei nº13.709/2018, a Lei Geral de
Proteção de Dados, que em seu art. 2º, inciso II, estabeleceu o princípio da
autodeterminação informativa, que se consigna no direito do indivíduo de autogerir
e controlar seus dados pessoais
112
.
Neste sentido, em que pese o direito à proteção ao segredo industrial do qual
as plataformas são titulares, não se pode conceber que tal faculdade seja apta a
afastar direitos fundamentais relativos à intimidade e à privacidade, eivando de falta
de transparência a relação algorítmica de trabalho
113
.
Ao que se observa, sobre a exigência de transparência quanto aos dados
pessoais, este direito se encontra já delineado no ordenamento pátrio, porém de
modo geral, não havendo até o momento uma norma específica sobre este direito
em relação ao espectro trabalhista. Como Ferrari e Graham
114
apontam, é
indispensável garantir a transparência nas relações de trabalho que envolvem
governança algorítmica, o que, cremos, se dará com uma regulação legislativa que
venha a dispor especificamente sobre o dever legal das plataformas de ofertarem
transparência sobre o tratamento algorítmico dispensado aos dados dos
trabalhadores prestadores de serviços por aplicativo.
110
BRASIL. Emenda Constitucional nº 115 de 10 de fevereiro de 2022. Altera a Constituição Federal
para incluir a proteção de dados pessoais entre os direitos e garantias fundamentais e para fixar a
competência privativa da União para legislar sobre proteção e tratamento de dados pessoais. Diário
Oficial da União, Atos do Congresso Nacional, Brasília, DF, 11 fev. 2022. Seção 1, p. 2.
111
BRASIL. Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres
para o uso da Internet no Brasil. Diário Oficial da União, Atos do Poder Legislativo, Brasília, DF, 24
abr. 2014. Seção 1, p. 1-3.
112
BRASIL. Lei nº 13.709 de 14 agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Diário Oficial
da União, Atos do Poder Legislativo, Brasília, DF, 15 out. 2018. Seção 1, p. 59-64.
113
PARREIRA, Ana Carolina Rodrigues. Revolução digital e a relevância da transparência algorítmica
nas relações de trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte,
v. 66, n. 102, p. 315-329, jul./dez. 2020.
114
FERRARI, Fabian; GRAHAM, Mark. Fissuras no poder algorítmico: plataformas, códigos e
contestação. Revista Fronteiras Estudos midiáticos, v. 23, n. 2, maio ago., 2021.
30
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
É cediço que a regulação legislativa que objetive a redução e prevenção das
violências trabalhistas nas relações algorítmicas é caminho que se mostra necessário,
porém deveras árduo. Como Franco delineia:
A regulamentação das relações de trabalho envolve o jogo de forças
na dinâmica socioprodutiva que, pelas decisões expressas pelo Estado,
estabelece os patamares máximos de exploração da força de trabalho
situada na esfera do formal ou os patamares mínimos de subsistência
à classe trabalhadora “protegida” pelo Estado proteção dúbia, que
traz consigo o controle e a contenção de possíveis ações
revolucionárias da classe trabalhadora
115
.
Dado tal panorama, as forças mercadológicas se mostram, desde há muito,
combativas e contrárias aos direitos trabalhistas e, no plano da Revolução 4.0, da
Economia de Compartilhamento, da plataformização do trabalho e das relações
trabalhistas uberizadas, não é diferente. Resgata-se, contudo, a ilustre lição de
Rudolph Von Ihering, que dispôs que a luta não é um elemento estranho ao Direito,
mas sim uma parte integrante de sua natureza e uma condição de sua ideia
116
. Assim,
cabe aos movimentos sindicais e à classe trabalhadora organizada, bem como aos
juristas e pesquisadores da ciência jurídica, e às próprias plataformas, exercerem a
devida pressão sobre os atores políticos e legisladores para que possam movimentar-
se, mesmo a contragosto, no sentido de concretizar a proteção legislativa dos
trabalhadores por aplicativo contra as violências perpetradas pelas empresas
plataformizadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A plataformização do trabalho, ou uberização, nasce da Revolução Industrial
4.0, que conduziu à Economia de Compartilhamento, através da qual se deu o
surgimento da governança algorítmica, efetuada por meio de aplicativos,
plataformas e sistemas inteligentes geridos através de algoritmos, e pela qual se
115
FRANCO, David Silva. Uberização do trabalho: a materialização do valor entre plataformas
digitais, gestão algorítmica e trabalhadores nas redes do capital. 2020. Tese (Doutorado)
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2020. p. 224.
116
VON IHERING, Rudolph. A luta pelo Direito. Tradução: Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2019. 96 p.
31
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
criou a figura dos trabalhadores algorítmicos. Embora a relação de trabalho
algorítmica se propague por meio da narrativa de liberdade e independência laboral,
fica evidente que tal discurso não condiz com a verdade fática deste modelo
econômico.
Esta pesquisa buscou evidenciar a relação entre as violências trabalhistas e o
trabalho algorítmico. Neste sentido, observou-se que as violências trabalhistas, na
atualidade, abarcam formas diversas de se efetuarem, indo desde a violência do
ponto de vista físico quanto do ponto de vista emocional e psicológico, situação que
decorre da própria evolução das formas de trabalho, a qual se dá com o avanço
tecnológico.
Conquanto o império da Lei assegure, em certa medida, os direitos
fundamentais nas relações de trabalho formais, o trabalho informal sempre esteve à
margem desta regulação trabalhista e se as violências trabalhistas já são recorrentes
no panorama regulado, no informal se agravam sobre medida. O trabalho
algorítmico, que se aloca nesse plano, encontra-se assim eivado de violações a
direitos trabalhistas, consignadas na forma das violências laborais.
Se observou a ocorrência destas violências nas relações algorítmicas de
trabalho sob os aspectos da obstaculização de direitos trabalhistas, da redução à
condição análoga a de escravo, e da violência psicológica. Demonstrou-se que o
trabalhador algorítmico encontra-se em situação hipossuficiente em relação à
plataforma, submetido a uma configuração denominada na doutrina como
subordinação algorítmica. Aferiu-se que há necessidade de renovação dos conceitos
legais que delineiam as relações de trabalho, sobretudo no que tange à configuração
destes conceitos do ponto de vista das relações algorítmicas.
Apontamos ainda para possíveis soluções para o problema das violências
trabalhistas nas relações algorítmicas, nos colocando sob o posicionamento de que é
necessária a construção legislativa de um marco regulatório das relações de trabalho
algorítmicas e da proteção do trabalhador em face da automação. De tal construção
devem participar representantes das categorias de trabalhadores algorítmicos,
gestores das plataformas, agentes políticos e operadores do Direito.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
A pesquisa supriu seus objetivos gerais e específicos, colaborando para o
debate do tema das violências trabalhistas no contexto da Revolução Industrial 4.0,
em especial nas relações algorítmicas de trabalho. Aqui não se almejou esgotar o
tema, que se mostra extenso e complexo, como o são todas as problemáticas
originadas das relações sociais e dos direitos fundamentais, os quais não condizem
com esgotamentos nem soluções que se digam definitivas, sendo o debate
imprescindível para a efetivação plena destes direitos em um Estado democrático.
Urge colaborar com novas pesquisas para o esclarecimento acerca da natureza das
relações trabalhistas contemporâneas e sobre as muitas mazelas do trabalho
algorítmico.
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Marcia da Cruz Girardi
Professora dos cursos de Direito da Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS), da Faculdade
de Educação Santa Teresinha (FEST), da Universidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão
(UNISULMA). Doutora em Função Social do Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São
Paulo (FADISP). Mestre em Administração pela Faculdade de Estudos Administrativos (FEAD).
Advogada. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7157776499386067. ORCID:
https://orcid.org/0000-
0003-3443-2402. E-mail: marciacgirardi@hotmail.com.
Anderson Jordan Alves Abreu
Graduado em Direito pelo Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão (IESMA). Especialista
em Direito Digital pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas).
Especialista em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4812365809512112. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2575-2797
. E-
mail: and.jordan@outlook.com.