Recebido em: 31/07/2022
Aprovado em: 14/11/2022
Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos
Digital slavery: uberized work and the
labor violence(s) suffered by algorithmic
workers
La esclavitud digital: el trabajo
uberizado y la(s) violencia(s) laboral(es)
que sufren los trabajadores algoritmicos
Marcia da Cruz Girardi
Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS)
Faculdade de Educação Santa Terezinha (FEST)
Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão (UNISULMA)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7157776499386067
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3443-2402
Anderson Jordan Alves Abreu
Instituto de Ensino Superior do Sul do Maranhão (IESMA)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4812365809512112
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2575-2797
RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar o trabalho algorítmico e sua relação
com a violência trabalhista. A pesquisa aqui realizada parte do problema:
em que medida a uberização do trabalho, através de aplicativos e
algoritmos, promove a violência laboral contra os trabalhadores
algorítmicos? A partir disso, buscou-se conceituar o trabalho algorítmico;
examinar a violência trabalhista no aspecto jurídico; compreender de que
formas ocorre a violência trabalhista nas relações algorítmicas; e identificar
perspectivas de superação do problema da violência trabalhista nas relações
de trabalho algorítmicas. A pesquisa aqui exposta consiste em uma revisão
integrativa em que se analisou qualitativamente, e por meio de método
dedutivo, a literatura, a doutrina e ao ordenamento jurídico brasileiro e
internacional. A pesquisa concluiu que o trabalho algorítmico está
relacionado com as violências trabalhistas na medida em que obsta o acesso
a direitos trabalhistas constitucionalmente erigidos, reduz o trabalhador
algorítmico à condição análoga a de escravo e promove deliberadamente a
violência psicológica. A pesquisa propõe como método de solução do
problema a articulação dos setores da sociedade organizada para que seja
promulgado um marco regulatório do trabalho algorítmico e da proteção do
trabalhador em face da automação.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho Algorítmico. Uberização. Violência
Trabalhista. Escravidão Digital. Proteção em face da automação.
ABSTRACT
This article aims to analyze algorithmic work and its relationship with labor
violence. The research carried out here starts from the problem: to what
extent does the uberization of work, through applications and algorithms,
promote labor violence against algorithmic workers? From this, we sought to
conceptualize the algorithmic work; examine labor violence in the legal
aspect; understand how labor violence occurs in algorithmic relationships;
2
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
and to identify perspectives for overcoming the problem of labor violence in
algorithmic labor relations. The research presented here consists of an
integrative review in which the literature, the doctrine and the Brazilian
and international legal system were qualitatively analyzed, using a
deductive method. The research concluded that algorithmic work is related
to labor violence insofar as it prevents access to constitutionally established
labor rights, reduces the algorithmic worker to a condition analogous to
slavery and deliberately promotes psychological violence. The research
proposes, as a method of solving the problem, the articulation of sectors of
organized society so that a regulatory framework for algorithmic work and
worker protection in the face of automation is enacted.
KEYWORDS: Algorithmic Work. Uberization. Labor Violence. Digital Slavery.
Protection against automation.
RESUMEN
Este artículo tiene como objetivo analizar el trabajo algorítmico y su
relación con la violencia laboral. La investigación aquí realizada parte del
problema: ¿en qué medida la uberización del trabajo, a través de
aplicaciones y algoritmos, promueve la violencia laboral contra los
trabajadores algorítmicos? A partir de ello, buscamos conceptualizar el
trabajo algorítmico; examinar la violencia laboral en el aspecto legal;
comprender cómo se produce la violencia laboral en las relaciones
algorítmicas; e identificar perspectivas para la superación del problema de
la violencia laboral en las relaciones laborales algorítmicas. La investigación
que aquí se presenta consiste en una revisión integradora en la que se
analizó cualitativamente la literatura, la doctrina y el sistema jurídico
brasileño e internacional, utilizando un método deductivo. La investigación
concluyó que el trabajo algorítmico está relacionado con la violencia laboral
en la medida en que impide el acceso a los derechos laborales
constitucionalmente establecidos, reduce al trabajador algorítmico a una
condición análoga a la esclavitud y promueve deliberadamente la violencia
psicológica. La investigación propone, como método de solución del
problema, la articulación de sectores de la sociedad organizada para que se
promulgue un marco normativo para el trabajo algorítmico y la protección
del trabajador frente a la automatización.
PALABRAS CLAVE: Trabajo algorítmico. Uberización. Violencia Laboral.
Esclavitud digital. Protección frente a la automatización.
INTRODUÇÃO
A plataformização do trabalho, ou uberização, é um fenômeno que nasce com
a Revolução 4.0, a Quarta Revolução Industrial, e com a Economia de
Compartilhamento, paradigma econômico da atualidade. Nesta conjuntura surge a
3
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
figura do trabalhador algorítmico, indivíduo que presta serviços especializados às
plataformas por meio de aplicativos e sistemas gerenciados por algoritmos.
O trabalho uberizado se vende como aquele trabalho em que o indivíduo possui
liberdade e flexibilidade de trabalhar quando e como quiser, livre de patrões. Tal
cenário, todavia, esconde violações de direitos trabalhistas e violências laborais
diversas. Estas últimas são definidas pela Organização Internacional do Trabalho
como toda forma de violência praticada contra o indivíduo, que lhe atinja
fisicamente ou ainda, emocionalmente, psicologicamente, economicamente e
sexualmente, no contexto laboral
1
.
As plataformas e empresas algorítmicas, nesse ínterim, se mostram não
apenas inertes quanto à observância de uma gama de direitos e proteções laborais,
como também negam qualquer relação de trabalho empregatícia, eximindo-se de
responsabilidades para com o trabalhador algorítmico. Diante desse horizonte, surge
o problema desta pesquisa: em que medida a uberização do trabalho, através de
aplicativos e algoritmos, promove a violência laboral contra os trabalhadores
algorítmicos?
A presente pesquisa buscou, como objetivo geral, analisar o trabalho
algorítmico e sua relação com a violência trabalhista. Como objetivos específicos a
pesquisa almejou: conceituar trabalho algorítmico; examinar a violência trabalhista
no aspecto jurídico; compreender de que formas ocorre a violência trabalhista nas
relações algorítmicas; e identificar perspectivas de superação do problema da
violência trabalhista nas relações de trabalho algorítmicas.
A pesquisa se efetuou por meio de revisão integrativa, realizada pelos
procedimentos bibliográfico e documental. A base literária é composta por artigos,
teses, dissertações e livros, que foram buscados no Portal de Periódicos CAPES e em
outros bancos de dados científicos de reputação ilibada como o Scientific Electronic
Library Online (Scielo) e o Google Books. Os artigos, teses, dissertações e livros
1
OIT. Organização Internacional do Trabalho. Convenção nº 190 de 2019. Convenção sobre a
eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho. Tradução: CO-Jakarta (Iniciativa
Spotlight). Organização Internacional do Trabalho, 2019.
4
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
foram selecionados conforme a pertinência temática e o critério temporal de
publicação, do ano de 2015 até o presente.
Foi feita ainda uma busca na legislação nacional e internacional, em que se
socorreu às normas vigentes sobre o tema, bem como manuais governamentais e
códigos. Estes materiais foram selecionados de acordo com a pertinência temática e
com o critério temporal da promulgação da Constituição Federal de 1988 até o
presente. Os materiais coletados foram analisados qualitativamente. A pesquisa se
deu por método dedutivo, em que se parte do geral para o particular.
O trabalho se encontra assim estruturado: no primeiro capítulo, discorreu-se
sobre os conceitos e características do trabalho algorítmico e da Economia de
Compartilhamento. No segundo capítulo se definiu a violência trabalhista e seus
desdobramentos frente à legislação pátria e internacional. No terceiro capítulo e em
seus subcapítulos, se examinou como ocorre a violência trabalhista nas relações
algorítmicas de trabalho. No quarto capítulo foram trazidas hipóteses de superação
do problema da pesquisa.
Ao termo, concluiu-se que há estreita relação entre as violências trabalhistas
e o trabalho algorítmico, se apresentando especialmente sob as formas de
obstaculização dos direitos trabalhistas, redução do trabalhador à condição análoga
a de escravo e violência psicológica. Concluiu-se ainda que é necessária uma
atualização jurídica dos conceitos que configuram as relações trabalhistas, diante da
evolução tecnológica e das novas formas de trabalho surgidas com a Quarta
Revolução Industrial, apontando-se para a necessidade de criação de um marco
regulatório do trabalho algorítmico capaz de suprir também o comando
constitucional da proteção do trabalhador em face da automação.
1. Trabalho algorítmico e a economia de compartilhamento: conceitos,
características e debates
O trabalho algorítmico, ou plataformizado, é conceituado como trabalho
coordenado por meio de plataformas ou aplicativos, programas de software que
funcionam através de algoritmos e que m como finalidade realizar determinada
5
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
tarefa ou prover determinado serviço
2
. Abílio
3
descreve a plataformização do
trabalho como “uma nova forma de gestão, organização e controle do trabalho”, na
qual os aplicativos ou plataformas atuam como vetores da organização trabalhista,
definindo relações laborais e determinando seu impacto econômico, onde o
trabalhador se engaja no labor por meio das regras erigidas pelas plataformas.
Trata-se de um fenômeno em franca expansão, que decorre da Revolução 4.0
(Quarta Revolução Industrial), do avanço das Tecnologias da Informação e da
Computação (TICs) e do desenvolvimento da chamada Economia de
Compartilhamento
4
. Este modelo econômico, vigente na atualidade, conformou as
relações trabalhistas sob uma nova configuração, especialmente através de
algoritmos, conjuntos de instruções seguidos por um computador para desempenhar
determinada tarefa
5
.
A Economia de Compartilhamento, expressa por meio da determinação
algorítmica (controle pelos algoritmos), tem sido relacionada, assim, não apenas ao
contexto econômico, mas também a diversas outras áreas da vida humana
contemporânea, desde a vivência familiar, afetiva e escolar, até o trabalho e o
gerenciamento dos trabalhadores
6
. No modelo econômico algorítmico, a estrutura
organizacional das empresas descentralizam-se em cadeias de produção onde o
oferecimento de serviços especializados se torna o objetivo primário e onde os
indivíduos, e não mais a empresa propriamente dita, se tornam fornecedores destes
serviços especializados, agindo como conectores entre oferta e demanda
7
.
2
PARREIRA, Ana Carolina Rodrigues. Revolução digital e a relevância da transparência algorítmica nas
relações de trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 66,
n. 102, p. 315-329, jul./dez. 2020.
3
ABÍLIO, Ludmila Costhek. Plataformas digitais e uberização: Globalização de um Sul administrado?.
Contracampo, Niterói, v. 39, n. 1, p. 12-26, abr./jul. 2020.
4
RIEMENSCHNEIDER, Patrícia Strauss; MUCELIN, Guilherme Araújo Balczarek. Economia do
compartilhamento: a lógica algorítmica das plataformas virtuais e a necessidade de proteção da
pessoa nas atuais relações de trabalho. Revista Eletrônica Direito e Sociedade, Canoas, v. 7, n. 1,
p. 61-93, 2019.
5
PERELMUTER, Guy. Futuro presente: o mundo movido à tecnologia. 1. ed. Barueri: Companhia
Editora Nacional, 2019. 328 p.
6
FERRARI, Fabian; GRAHAM, Mark. Fissuras no poder algorítmico: plataformas, códigos e contestação.
Revista Fronteiras Estudos midiáticos, v. 23, n. 2, p. 207-219, maio ago., 2021.
7
RIEMENSCHNEIDER, Patrícia Strauss; MUCELIN, Guilherme Araújo Balczarek. Economia do
compartilhamento: a lógica algorítmica das plataformas virtuais e a necessidade de proteção da
6
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
Com efeito, tal fenômeno, também identificado no panorama atual pelo
neologismo Uberização em decorrência da popularização do aplicativo de transporte
privado Uber
8
, encontra na crise econômica de 2008 um dos seus impulsionadores
recentes, uma vez que esta permitiu a experimentação de forças mais sofisticadas
de exploração da força de trabalho, em uma conjuntura de expansão de serviços no
qual a atividade laboral deixou de se vincular necessariamente a um lugar ou horário
específicos
9
. Franco e Ferraz determinam que:
A uberização do trabalho representa um modo particular de
acumulação capitalista, ao produzir uma nova forma de mediação da
subsunção do trabalhador, o qual assume a responsabilidade pelos
principais meios de produção da atividade produtiva, isto é, trabalho
ditado pelos algoritmos criados e gerenciados por uma empresa de
tecnologia que fornece serviços e produtos
10
.
Desta forma, o trabalho algorítmico ganha forma na Economia de
Compartilhamento através da determinação algorítmica do trabalho, ou
plataformização, onde o aplicativo gerencia o serviço através de algoritmos e
transmite ao trabalhador a responsabilidade de prestá-lo. A Economia de
Compartilhamento se consolida no cenário global ao mesmo tempo em que acumula
críticos e defensores. Tom Slee na obra “Uberização: a nova onda do trabalho
precarizado”, tece crítica ao afirmar que tal modelo econômico propaga um livre
mercado inóspito e desregulado em áreas da vida humana outrora protegidas
11
.
No âmbito nacional, em sentido similar ao que ocorre em grande parte do
planeta, se evidencia a consolidação desse modelo econômico pela expansão do
pessoa nas atuais relações de trabalho. Revista Eletrônica Direito e Sociedade, Canoas, v. 7, n. 1,
p. 61-93, 2019.
8
ANTUNES, Ricardo. Trabalho intermitente e uberização do trabalho no limiar da Indústria 4.0. In:
ANTUNES, Ricardo (org.). Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0. 1. ed. São Paulo: Boitempo,
2020. 336 p.
9
DUARTE, Fernanda da Costa Portugal; GUERRA, Ana. Plataformização e trabalho algorítmico:
contribuições dos Estudos de Plataforma para o fenômeno da uberização. Revista Eptic, v. 22, n. 2,
p. 38-55, mai. ago., 2020.
10
FRANCO, David Silva; FERRAZ, Deise Luiza da Silva. Uberização do trabalho e acumulação
capitalista. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro , v. 17, Edição Especial, p. 844-856, nov., 2019, p.
845.
11
SLEE, Tom. Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. 1. ed. São Paulo: Editora Elefante,
2019. 332 p.
7
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
trabalho algorítmico. Em 2019 estimou-se uma média de quatro milhões de
trabalhadores por aplicativo no Brasil, entre os quais se destacam aqueles que
trabalham junto às plataformas Uber, iFood, 99 e Rappi, empresas que no Brasil
detêm a maior parte destes “empregados uberizados”
12
.
ainda intenso debate na jurisprudência e na academia sobre se existe neste
tipo de trabalho o critério da subordinação, que caracterizaria o trabalhador
algorítmico como empregado da plataforma. Destaca-se, nesse plano, o surgimento
de uma nova forma de subordinação denominada subordinação algorítmica,
consignada na “presença digital” do empregador através do algoritmo, pelo qual se
dá a fiscalização do trabalho prestado, efetuada pela própria plataforma
13
.
Além da ideia de subordinação algorítmica, cunha-se neste prisma também o
termo autogerenciamento subordinado, conceituado como a condição do
“empreendedor de si mesmo”, aquele que supostamente possui autonomia sobre o
próprio trabalho, suas metas e condições, e sobre os preços do seu serviço,
subordinado unicamente às regras do algoritmo
14,15
.
, portanto, indicativos na literatura de que as plataformas “maquiam” a
real natureza do trabalho algorítmico, anunciando ao trabalhador por aplicativo uma
ideia de liberdade profissional quando na verdade tal relação possui natureza
empregatícia
16
. Nesse sentido, Barzotto, Miskulin e Breda afirmam que “na
subordinação dita algorítmica ou potencial, o trabalhador internaliza a fiscalização
do próprio trabalho, mas nem por isso deixa de ser hipossuficiente”
17
.
12
AMORIM, Henrique; MODA, Felipe Bruner. Trabalho por aplicativo: gerenciamento algorítmico e
condições de trabalho dos motoristas da Uber. Revista Fronteira Estudos Midiáticos, v. 22, n. 1, p.
59-71, jan.abr., 2020.
13
BARZOTTO, Luciane Cardoso; MISKULIN, Ana Paula Silva Campos; BREDA, Lucieli. Condições
transparentes de trabalho, informação e subordinação algorítmica nas relações de trabalho. In:
CARELLI, Rodrigo de Lacerda; CAVALCANTI, Tiago Muniz; FONSECA, Vanessa Patriota da (orgs.).
Futuro do trabalho: os efeitos da revolução digital na sociedade. Brasília: ESMPU, 2020. 472 p.
14
UCHÔA-DE-OLIVEIRA, Flávia Manuella. Saúde do trabalhador e o aprofundamento da uberização do
trabalho em tempos de pandemia. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 45, e. 22, 2020.
15
ABÍLIO, Ludmila Costhek. Plataformas digitais e uberização: Globalização de um Sul administrado?.
Contracampo, Niterói, v. 39, n. 1, p. 12-26, abr./jul. 2020.
16
BIANCHI, Sabrina Ripoli; MACEDO, Daniel Almeida de; PACHECO, Alice Gomes. A uberização como
forma de precarização do trabalho e suas consequências na questão social. Revista Direitos, Trabalho
e Política Social, Cuiabá, v. 6, n. 10, p. 134-156, jan. jun., 2020.
17
BARZOTTO, Luciane Cardoso; MISKULIN, Ana Paula Silva Campos; BREDA, Lucieli. Condições
transparentes de trabalho, informação e subordinação algorítmica nas relações de trabalho. In:
8
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
GIRARDI, Marcia da Cruz; ABREU, Anderson Jordan Alves. Escravidão digital: trabalho uberizado e a(s) violência(s)
trabalhista(s) sofrida(s) pelos trabalhadores algorítmicos. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano,
Campinas, v. 5, p. 1-40, 2022. DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.135
Evidencia-se, por esse viés, uma omissão voluntária das empresas quanto à
observância de direitos trabalhistas, sob a égide de um suposto empreendedorismo
por aplicativo no qualas empresas de aplicativos negam a real natureza da relação
que firmam com seus ‘parceiros’, trabalhadores uberizados”
18
. Neste âmbito,
acalora-se o debate sobre a inobservância dos direitos trabalhistas por parte das
plataformas contra os trabalhadores algorítmicos, o que configuraria a ocorrência de
violências laborais diversas.
2. Violência trabalhista: definições frente o ordenamento jurídico nacional e
internacional
A violência faz parte da História humana desde os primórdios. Thomas Hobbes
entendia o estado primevo do homem, ou estado de natureza, como um estado de
guerra de todos contra todos
19
. Na contemporaneidade, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) definiu violência como “uso intencional da força física ou do poder, real
ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma
comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte,
dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”
20
.
Compreende-se ainda a violência sob a ótica do constrangimento do indivíduo
de modo a levá-lo a praticar ou deixar de praticar atos que vão contra sua vontade,
podendo assim integrar tanto a força física quanto a constrição em sentido moral e
psíquico
21
. A OMS classifica a violência em três dimensões, violência dirigida a si
mesmo, violência interpessoal e violência coletiva, e a violência trabalhista ou
CARELLI, Rodrigo de Lacerda; CAVALCANTI, Tiago Muniz; FONSECA, Vanessa Patriota da (orgs.).
Futuro do trabalho: os efeitos da revolução digital na sociedade. Brasília: ESMPU, 2020. 472 p. p.
218.
18
AQUINO, J. V. M. A; PILATE, F. D. Q; FÉLIX, Y. S. Uberização do trabalho e os riscos à saúde dos
entregadores por aplicativo frente à pandemia de Covid-19. Revista Direitos, Trabalho e Política
Social, Cuiabá, v. 6, n. 11, p. 46-69, jul. - dez., 2020. p. 48.
19
HOBBES, Thomas. Leviatã. Tradução: João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo:
Martins Fontes, 2003. 615 p.
20
KRUG, Etienne G; Et al. Relatório mundial sobre violência e saúde. Organização Mundial da Saúde,
Genebra, 2002. 380 p., p. 05.
21
OLIVEIRA, Renato Tochetto; Et al. Violência, Discriminação e Assédio no Trabalho. Florianópolis:
Lagoa, 2020. 32 p.