Recebido em: 24/05/2022
Aprovado em: 23/09/2022
Análise jurisprudencial no contexto do julgamento com
perspectiva de gênero
Jurisprudencial analysis in the context
of judgment with a gender perspective
Análisis jurisprudencial en el marco del
juicio con perspectiva de género
Marcela Rage Pereira
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1694648550520120
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5209-2416
Viviane Afonso de Araújo
Universidade do Porto (UP)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1275021777891812
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1171-3957?lang=pt
RESUMO
O trabalho objetiva discutir se o julgamento que inclui a dimensão de gênero
como categoria analítica das normas jurídicas e o feminismo jurídico
permitem distanciamento da ficção normativa que leva em consideração um
trabalhador padrão, homem, branco, heterossexual. Para tanto, buscar-se-
á verificar se o julgamento com perspectiva de gênero tem adotado
interpretação interseccional, que escapa da cilada de considerar gênero
como uma categoria não problematizada, ou, a categoria mulher
representativa de todas as mulheres. Pretende-se compreender como as
diretrizes para o julgamento com perspectiva de gênero têm refletido na
Justiça do Trabalho, a partir de revisão bibliográfica e análise de decisões
judiciais.
PALAVRAS-CHAVE: Justiça do Trabalho; perspectiva de gênero;
interseccionalidade.
ABSTRACT
This work has the objective to discuss the judgments which include a gender
dimension as analytics categories of legal standards and if the legal feminism
is able to detach of the legal fiction which consider a male, white,
heterosexual standard worker. For this purpose, it will be analysed if the
judgments with gender perspective have adopted an intersectional
interpretation, which escape from the common trap to consider as a non-
problematized category, or a category where woman represents all women.
The intent is to understand how the guidelines for a judgment with gender
perspective has been impacting on the labour law, through a bibliography
review and judicial decisions analyses.
KEYWORDS: Labour Justice; gender perspective; intersectionality.
2
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
PEREIRA, Marcela Rage; ARAÚJO, Viviane A. de. Análise jurisprudencial no contexto do julgamento com perspectiva
de gênero. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 5, p. 1-34, 2022. DOI:
https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.129
RESUMEN
El trabajo tiene como objetivo discutir si el juicio que incluye la dimensión
de género como categoría analítica de las normas jurídicas y del feminismo
jurídico permite distanciarse de la ficción normativa que toma en cuenta a
un trabajador estándar, varón, blanco, heterosexual. Para ello, se buscará
verificar si la sentencia con perspectiva de género ha adoptado una
interpretación interseccional, que escape a la trampa de considerar el
género como una categoría no problemática, o la categoría mujer
representativa de todas las mujeres. Se pretende comprender cómo se han
reflejado los lineamientos para juzgar con perspectiva de género en el
Tribunal Laboral, a partir de una revisión bibliográfica y análisis de
decisiones judiciales.
PALABRAS CLAVE: Justicia Laboral; perspectiva de género;
interseccionalidad.
INTRODUÇÃO
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) lançou no dia 11/12/2020 a
cartilha para o julgamento com perspectiva de gênero. O documento foi apresentado
durante a programação da semana do associado e da associada que ocorreu entre os
dias 8 e 11 de dezembro de 2020. No âmbito institucional representou a primeira
iniciativa oficial de se buscar efetivamente a igualdade material sob a perspectiva
interseccional.
1
O documento objetivou orientar os juízes e juízas federais a levarem em
consideração os aspectos que perpassam a vida do jurisdicionado como gênero, raça
e classe. Destaca-se que a cartilha da Ajufe foi produzida em atendimento a normas
internacionais: a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho; e as diretrizes
da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), relativas ao julgamento
com perspectiva de gênero.
1
ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL (AJUFE). Julgamento com Perspectiva de Genero.
Um guia para o direito previdenciário. Tani Maria Wurster e Clara da Mota Santos Pimenta Alves
(coord.). Ribeirão Preto, SP: Migalhas, 2020. Disponível em:
http://ajufe.org.br/images/pdf/CARTILHAJULGAMENTO_COM_PERSPECTIVA_DE_GÊNERO_2020.pdf
.
Acesso em: 12 jul. 2021.
3
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de gênero. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 5, p. 1-34, 2022. DOI:
https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.129
Com efeito, os julgamentos com perspectiva de gênero têm o potencial de
alcançar a igualdade material, vez que buscam desconstruir o mito da neutralidade
jurídica perpetuada ao longo de décadas. Suplantar a suposta noção de neutralidade
abstrata é feito de suma importância, pois essa não é neutra em sua essência, haja
vista que atua na realidade como método de exclusão e perpetuação de desigualdade
em diferentes níveis.
A seu turno, o Poder Judiciário constitui reflexo da sociedade na qual se
insere, portanto, sua estrutura institucional não está imune às dificuldades
enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho. Destaca-se que, inicialmente,
no momento do preenchimento das vagas, não se verifica desigualdade entre homens
e mulheres, em razão da igualdade garantida pela norma constitucional do concurso
público. No entanto, em relação à progressão da carreira, os dados revelam que as
juízas encontram as mesmas barreiras que todas as mulheres enfrentam no mercado
formal de trabalho.
De acordo com o Diagnostico da Participação Feminina no Poder Judiciário de
2019, o Judiciário brasileiro é composto majoritariamente por homens: 62,2%. As
magistradas representam 38,8% do total. Já nos cargos de Desembargadoras,
Corregedoras, Vice-Presidentes e Presidentes a participação das mulheres está no
patamar de 25% a 30% do total. Analisando somente a Justiça do Trabalho, esta
apresenta perfil mais igualitário, em 2018, 50,5% do corpo de magistrados em
atividade eram mulheres, sendo que do total 52,5% são juízas substitutas. Já nos
Tribunais Regionais do Trabalho a proporção de mulheres desembargadoras cai para
41,3%, em relação aos desembargadores. No Tribunal Superior do Trabalho, as
mulheres ocupam 5% das vagas de ministras.
2
É preciso fazer essa introdução para demonstrar que o Judiciário, assim como
os demais setores da sociedade perpetuam a desigualdade de gênero, principalmente
quando se fala de cargos de direção e chefia. Assim, exatamente por essa
2
Anota-se que os dados extraídos do referido Diagnóstico foram em números percentuais, razão pela
qual os números absolutos não puderam ser informados no presente trabalho. CNJ. Diagnostico da
participação feminina no Poder Judiciário. Brasília, [2019]. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/05/cae277dd017bb4d4457755febf5eed9f.pdf
.
Acesso em: 9 ago. 2021.
4
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https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.129
desigualdade de representação, convertem-se em instrumentos de grande valia as
diretrizes constantes da cartilha publicada pela Ajufe.
Breve panorama teórico permite afirmar que a teoria feminista sociojurídica
tem se desenvolvido nos últimos vinte anos de forma polêmica e instigante no
mundo.
3
Embora não tenha sido diferente no Brasil, parece que o alcance dessas
teorias na prática jurídica ainda é limitado. Apenas nos últimos anos as teorias
jurídicas feministas deixaram a academia para ganhar espaço no Judiciário
brasileiro. Observa-se, por exemplo, que algumas poucas decisões na Justiça do
Trabalho utilizaram, o método da pergunta feminista para aplicar a lei ao caso
concreto.
Adotar o método da pergunta feminista consiste na postura adotada pelo
julgador ao proferir sua decisão, no sentido de questionar se a legislação aplicável
ao caso concreto quando concebida levou em consideração a situação fática das
mulheres.
Decisões fundamentadas nesse parâmetro argumentativo permitem
demonstrar como os instrumentos utilizados pelo Direito não são neutros. Pelo
contrário, são masculinizados, vez que adotam o sujeito homem como universal. No
entanto, para melhor alcançar a pluralidade de sujeitos que compõem a sociedade,
a melhor interpretação da norma deve partir de uma perspectiva interseccional.
De acordo com as lições de Kimbérle Crenshaw, o gênero e a raça são dois
eixos de subordinação que interagem formando a interseccionalidade, tornando
visível o que não é tão evidente quando as categorias estão separadas.
4
As categorias
mulher e negro enquanto separadas não incluem a mulher de cor. Assim, mulheres
não brancas experimentam no mínimo duas formas de opressões: i) ligada ao gênero
e; ii) ligada à cor da pele. Pela primeira, são inferiorizadas por serem mulheres. Pela
segunda, são mais uma vez expropriadas do poder por não serem brancas.
3
SMART, Carol. Feminism and the Power of Law. London: Routledge, 1989. p. 1419.
4
CRENSHAW, Kimbérle W. A interseccionalidade na discriminação de raça e gênero. In: VV.AA.
Cruzamento: raça e gênero. v. 1, n. 1, p. 7-16, Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a
Mulher, ONU Brasil, Brasília, 2004.
5
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PEREIRA, Marcela Rage; ARAÚJO, Viviane A. de. Análise jurisprudencial no contexto do julgamento com perspectiva
de gênero. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 5, p. 1-34, 2022. DOI:
https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.129
Desse modo, a partir desse panorama buscar-se-á apresentar a amostragem
das decisões proferidas pela Justiça do Trabalho entre 2018 e 2020, em diferentes
estados da federação, a fim de evidenciar a aplicação ou não do método das teorias
feministas para alcançar a solução mais adequada do caso concreto diante das
peculiaridades das partes envolvidas.
Nesse ponto, é importante abrir parênteses para pontuar que a maioria dos
julgados foram proferidos por homens. Tal fato, contudo, não invalida os argumentos
lançados anteriormente de que o direito é sexista e historicamente colocou mulheres
em desvantagem.
5
Na verdade, o fato de a maior parte das decisões ter sido
proferida por Desembargadores, apenas corrobora a hipótese defendida.
O principal objetivo do presente trabalho consiste em demonstrar em que
medida a Justiça do Trabalho tem adotado o método das teorias feministas ao aplicar
e interpretar a legislação levando em consideração a perspectiva de gênero e os
todos interseccionais. Para tanto, ao apresentar as decisões judiciais
selecionadas, buscar-se-á verificar o potencial dos julgamentos com perspectiva de
gênero para transformar a cultura jurídica em matéria de acesso à justiça. Na
análise, será trazida à tona a influência dos estereótipos de gênero, bem como as
opressões interseccionadas de raça, classe e gênero no sistema de justiça.
1. Metodologia
Para execução do estudo será realizada análise de conteúdo de decisões de
primeira e segunda instância da Justiça do Trabalho, nas quais o gênero representou
o cerne da disputa laboral de alguma forma.
A pesquisa dos julgados foi realizada pelo sistema de consulta do Tribunal
Superior do Trabalho, utilizando como palavras-chave: “discriminação e gênero”.
Vale esclarecer que houve uma primeira tentativa de busca com as palavras
5
SMART, Carol. Feminism and the Power of Law. London: Routledge, 1989. p. 1422.
6
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PEREIRA, Marcela Rage; ARAÚJO, Viviane A. de. Análise jurisprudencial no contexto do julgamento com perspectiva
de gênero. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 5, p. 1-34, 2022. DOI:
https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.129
“julgamento, perspectiva e gênero” como parâmetro. Todavia, não se obteve êxito
na busca, vez que nenhum acórdão foi encontrado com tais palavras.
Como se trata de análise qualitativa e não quantitativa, foram selecionados
julgados de Tribunais Regionais do Trabalho (TRT’s) diversos, utilizando como
critério pelo menos um julgado de cada região do Brasil. Registra-se que a região
Sudeste apresentou mais julgados do que as demais.
Nessa trilha, foram selecionadas 14 (quatorze) decisões judiciais acórdãos
oriundas dos TRT’s dos estados de Alagoas
6
(TRT-19), Campinas
7
(TRT-15), Mato
Grosso
8
(TRT-23), Mato Grosso do Sul
9
(TRT-24), Minas Gerais
10
(TRT-3), Paraná
11
(TRT-9), Pará (TRT-8)
12
e Rio de Janeiro
13
(TRT-1).
6
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (19. Região). Acórdão. Processo n. 0000468-
58.2019.5.19.0061. Recurso Ordinário em Rito Sumaríssimo. 1ª Turma. Relator: Desembargador Pedro
Inácio da Silva. 4 Dez. 2020. Maceió, [2020].
7
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (15. Região). Acórdão. Processo n. 0010021-
18.2017.5.15.0092. Recurso Ordinário Trabalhista. 3ª Turma. Relator: Desembargador Helcio Dantas
Lobo Júnior. 25 Set. 2018. São Paulo, [2018]. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (15. Região).
Acórdão. Processo n. 0011989-27.2017.5.15.0046. Recurso Ordinário Trabalhista. 6ª Turma. Relator:
Desembargador Luiz Felipe Paim da Luz Bruno Lobo. 24 Out. 2019. São Paulo, [2019]. BRASIL. Tribunal
Regional do Trabalho (15. Região). Acórdão. Processo n. 0012154-35.2017.5.15.0059. Recurso
Ordinário Trabalhista. 6ª Turma. Relator: Desembargador João Batista Martins César. 26 Nov. 2020.
São Paulo, [2020]. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (15. Região). Acórdão. Processo n. 0011314-
30.2016.5.15.0101. Recurso Ordinário Trabalhista. 4ª Turma. Relator: Desembargador Marcelo
Magalhães Rufino. 12 Fev. 2019. São Paulo, [2019].
8
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (23. Região). Acórdão. Processo n. 0000382-
04.2015.5.23.0001. Recurso Ordinário Trabalhista. 1ª Turma. Relator: Desembargador Edson Bueno.
16 Dez. 2016. Cuiabá, [2016]. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (23. Região). Acórdão. Processo
n. 0000349-61.2019.5.23.0037. Recurso Ordinário Trabalhista. 1ª Turma. Relator: Desembargador
Paulo Barrionuevo. 26 Maio 2020. Cuiabá, [2020].
9
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (24. Região). Acórdão. Processo n. 0025271-
49.2016.5.24.0101. Recurso Ordinário Trabalhista. 2ª Turma. Relator: Desembargador Francisco das
C. Lima Filho. 10 Abr. 2021. Campo Grande, [2021].
10
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (3. Região). Acórdão. Processo n. 0010325-
27.2019.5.03.0174. Recurso Ordinário Trabalhista. 1ª Turma. Relator: Desembargador Luiz Otávio
Linhares Renault. 23 Nov. 2020. Belo Horizonte, [2020].
11
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (9. Região). Acórdão. Processo n. 0001054-
18.2018.5.09.0673. Recurso Ordinário Trabalhista. 5ª Turma. Relator: Desembargador Sérgio
Guimarães Sampaio. 15 Out. 2020. Curitiba, [2020].
12
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (8. Região). Acórdão. Processo n. 0000023-
83.2020.5.08.0005. Recurso Ordinário Trabalhista. 3ª Turma. Relatora: Desembargadora Pastora do
Socorro Teixeira Leal. 17 Mar. 2021. Belém, [2021].
13
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (1. Região). Acórdão. Processo n. 0010051-
48.2015.5.01.0501. Recurso Ordinário Trabalhista. 7ª Turma. Relatora: Desembargadora Sayonara
Grillo Coutinho Leonardo da Silva. 18 Jan. 2016. Rio de Janeiro, [2016]. BRASIL. Tribunal Regional do
Trabalho (1. Região). Acórdão. Processo n. 0101649-76.2016.5.01.0201. Recurso Ordinário
Trabalhista. 1ª Turma. Relator: Desembargador Bruno Losada Albuquerque Lopes. 25 Jul. 2017. Rio
7
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de gênero. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 5, p. 1-34, 2022. DOI:
https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.129
Pontua-se que grande parte dos julgados analisados na presente pesquisa são
anteriores à publicação da cartilha da Ajufe. Do total de 14 (quatorze) julgados
analisados, 2 (dois) foram posteriores à divulgação da cartilha.
14
Ainda, destaca-se
que 11 decisões foram proferidas por Desembargadores e 3 por Desembargadoras.
15
No que tange ao processo de análise, explica-se que esta será objetiva. A
análise dos julgados irá atentar aos critérios para um julgamento com perspectiva
de gênero, propostos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH),
replicados pela Ajufe.
16
Em cada uma das 14 decisões, foram analisados
objetivamente os 7 (sete) critérios propostos na Cartilha, ou seja, se os critérios
foram considerados naquela decisão ou não. Após haverá breve explicação de cada
critério, sendo apresentados trechos de algumas das decisões que ilustram a
aplicação ou não do critério em discussão.
17
de Janeiro, [2017]. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (1. Região). Acóro. Processo n. 0100846-
58.2019.5.01.0017. Recurso Ordinário Trabalhista. 7ª Turma. Relatora: Desembargadora Carina
Rodrigues Bicalho. 22 Mar. 2021. Rio de Janeiro, [2021].
14
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (8. Região). Acórdão. Processo n. 0000023-
83.2020.5.08.0005. Recurso Ordinário Trabalhista. 3ª Turma. Relatora: Desembargadora Pastora do
Socorro Teixeira Leal. 17 Mar. 2021. Belém, [2021]. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (1. Região).
Acórdão. Processo n. 0100846-58.2019.5.01.0017. Recurso Ordinário Trabalhista. 7ª Turma. Relatora:
Desembargadora Carina Rodrigues Bicalho. 22 Mar. 2021. Rio de Janeiro, [2021].
15
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (8. Região). Acórdão. Processo n. 0000023-
83.2020.5.08.0005. Recurso Ordinário Trabalhista. 3ª Turma. Relatora: Desembargadora Pastora do
Socorro Teixeira Leal. 17 Mar. 2021. Belém, [2021]. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (1. Região).
Acórdão. Processo n. 0100846-58.2019.5.01.0017. Recurso Ordinário Trabalhista. 7ª Turma. Relatora:
Desembargadora Carina Rodrigues Bicalho. 22 Mar. 2021. Rio de Janeiro, [2021]. BRASIL. Tribunal
Regional do Trabalho (1. Região). Acórdão. Processo n. 0010051-48.2015.5.01.0501. Recurso
Ordinário Trabalhista. 7ª Turma. Relatora: Desembargadora Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da
Silva. 18 Jan. 2016. Rio de Janeiro, [2016].
16
CIDH. Compendio sobre derechos laborales y sindicales: estándares interamericanos, 2020. OEA,
documento 331. 30 de outubro de 2020, on-line. Disponível em:
http://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/DerechosLaboralesSindicales-es.pdf
. Acesso em: 12 jul.
2021.
17
É importante destacar que embora a questão racial seja amplamente discutida e considerada na
Cartilha da AJUFE, não foi possível fazer essa análise pormenorizada aqui, haja vista a não
identificação racial das reclamantes nos acórdãos. Desta forma, não é possível afirmar
categoricamente se houve nos casos selecionados intersecção entre raça, gênero, deficiência e
orientação sexual.
8
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Quadro 1 Critérios para um julgamento com perspectiva de gênero
Critérios de análise dos
julgados sob o viés da
perspectiva de gênero
Julgados posteriores a
cartilha
Julgados anteriores a
cartilha
Análise do contexto social,
político e cultural
1 caso
18
6 casos
19
Apreciação dos fatos
1 caso
20
13 casos
21
Valoração das provas
2 casos
22
12 casos
23
Verificação dos
procedimentos da
investigação administrativa
1 caso
24
3 casos
25
18
Processo nº 0000468-58.2019.5.19.0061.
19
Processos nº 0011989-27.2017.5.15.0046; nº 0012154-35.2017.5.15.0059; nº 0010325-
27.2019.5.03.0174; nº 0001054-18.2018.5.09.0673; nº 0000023-83.2020.5.08.0005; nº 0100846-
58.2019.5.01.0017.
20
Processo nº 0000468-58.2019.5.19.006.
21
Processos nº 0010021-18.2017.5.15.0092; nº 0011989-27.2017.5.15.0046; nº 0012154-
35.2017.5.15.0059; nº 0011314-30.2016.5.15.0101; nº 0000382-04.2015.5.23.0001; nº
0000349-61.2019.5.23.0037; nº 0025271-49.2016.5.24.0101; nº 0010325-27.2019.5.03.0174; nº
0001054-18.2018.5.09.0673; nº 0000023-83.2020.5.08.0005; nº 0010051-48.2015.5.01.0501;
0101649-76.2016.5.01.0201; nº 0100846-58.2019.5.01.0017.
22
Processos nº 0000468-58.2019.5.19.0061; nº 0010021-18.2017.5.15.0092.
23
Processos nº 0011989-27.2017.5.15.0046; nº 0012154-35.2017.5.15.0059; nº 0011314-
30.2016.5.15.0101; nº 0000382-04.2015.5.23.0001; nº 0000349-61.2019.5.23.0037; nº 0025271-
49.2016.5.24.0101; nº 0010325-27.2019.5.03.0174; nº 0001054-18.2018.5.09.0673; nº 0000023-
83.2020.5.08.0005; nº 0010051-48.2015.5.01.0501; nº 0101649-76.2016.5.01.0201; nº 0100846-
58.2019.5.01.0017.
24
Processo nº 0010021-18.2017.5.15.0092.
25
Processos nº 0010325-27.2019.5.03.0174; nº 0010051-48.2015.5.01.0501; nº 0100846-
58.2019.5.01.0017.
9
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Critérios de análise dos
julgados sob o viés da
perspectiva de gênero
Julgados posteriores a
cartilha
Julgados anteriores a
cartilha
Identificação dos níveis de
discriminação/
interseccionalidade
1 caso
26
5 casos
27
Identificação preconceito e
estereótipos de gênero
2 casos
28
10 casos
29
Fixação Medidas de
Reparação
1 caso
30
12 casos
31
Fonte: Elaboração própria
2. Análise dos critérios para um julgamento com perspectiva de gênero
2.1. Análise do contexto social e político
Por esse critério, explica a Cartilha da Ajufe que o julgador deve ponderar na
decisão se existe uma desigualdade estrutural entre homens e mulheres na
26
Processos nº 0012154-35.2017.5.15.0059.
27
Processos nº 0011989-27.2017.5.15.0046; nº 0100846-58.2019.5.01.0017; nº 0000382-
04.2015.5.23.0001; nº 0010325-27.2019.5.03.0174; nº 0001054-18.2018.5.09.0673.
28
Processos 0000468-58.2019.5.19.0061; nº 0010021-18.2017.5.15.0092.
29
Processos 0011989-27.2017.5.15.0046, nº 0012154-35.2017.5.15.0059; nº 0000382-
04.2015.5.23.0001; nº 0000349-61.2019.5.23.0037; nº 0010325-27.2019.5.03.0174; nº 0001054-
18.2018.5.09.0673; nº 0000023-83.2020.5.08.0005; nº 0010051-48.2015.5.01.0501; nº 0101649-
76.2016.5.01.0201; nº 0100846-58.2019.5.01.0017.
30
Processos nº 0000468-58.2019.5.19.0061;
31
Processos 0010021-18.2017.5.15.0092; nº 0011989-27.2017.5.15.0046; nº 0012154-
35.2017.5.15.0059; nº 0011314-30.2016.5.15.0101; 0000382-04.2015.5.23.0001; nº
0000349-61.2019.5.23.0037; nº 0010325-27.2019.5.03.0174; nº 0001054-18.2018.5.09.0673; nº
0000023-83.2020.5.08.0005; nº 0010051-48.2015.5.01.0501; nº 0101649-76.2016.5.01.0201; nº
0100846-58.2019.5.01.0017.
10
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PEREIRA, Marcela Rage; ARAÚJO, Viviane A. de. Análise jurisprudencial no contexto do julgamento com perspectiva
de gênero. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 5, p. 1-34, 2022. DOI:
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sociedade, a qual deve ser levada em consideração para análise das relações de
poder na sociedade e, especialmente, no ambiente de trabalho.
Por exemplo, na decisão proferida no processo nº 0100846-58.2019.5.01.0017,
a Desembargadora, Carina Rodrigues Bicalho do TRT 1ª Região, não só manteve a
decisão de primeiro grau, que reconheceu a dispensa discriminatória de empregado
transgênero, como ao analisar o contexto econômico e social atual, ponderou sobre
o papel da empresa nesse universo:
[...] A empresa, como agente de transformação social que é e pela
importância que ocupa no cenário econômico nacional e internacional,
deveria contribuir para a construção dessa sociedade inclusiva, mais
justa, mais igualitária, mais feliz a partir da felicidade de cada um.
[...].
32
O entendimento exarado no acórdão está de acordo com as proposições de
julgamento com perspectiva de gênero, ao passo que se reconheceu o papel da
empresa em desconstruir estereótipos que se traduzem em características, atitudes
e papéis que a sociedade impõe aos indivíduos, reforçando posições de subordinação
e submissão.
Já nos autos do processo nº 0000023-83.2020.5.08.0005, proveniente do TRT
da 8ª Região, a Desembargadora Pastora Leal, embora tenha mantido a decisão de
primeiro grau que condenou a empresa Natura ao pagamento de danos morais por
discriminação de empregado homossexual e com deficiência, foi vencida quanto à
manutenção do valor da condenação em danos morais, arbitrados em R$60.000,00
pelo Juízo de primeiro grau.
33
Veja que a condenação em primeira instância foi fixada em R$ 60.000,00,
tendo a relatora manifestado pela manutenção do valor fixado. No entanto, os
demais membros da 3ª Turma do TRT da 8ª Região abriram divergência para reduzir
32
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (1. Região). Acórdão. Processo n. 0100846-
58.2019.5.01.0017. Recurso Ordinário Trabalhista. 7ª Turma. Relatora: Desembargadora Carina
Rodrigues Bicalho. 22 Mar. 2021. Rio de Janeiro, [2021].
33
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (8. Região). Acórdão. Processo n. 0000023-
83.2020.5.08.0005. Recurso Ordinário Trabalhista. 3ª Turma. Relatora: Desembargadora Pastora do
Socorro Teixeira Leal. 17 Mar. 2021. Belém, [2021].
11
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PEREIRA, Marcela Rage; ARAÚJO, Viviane A. de. Análise jurisprudencial no contexto do julgamento com perspectiva
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a condenação para R$ 15.000,00. No caso, chama a atenção a redução considerável
do valor e os argumentos apresentados. Segundo o desembargador, Luis José de Jesus
Ribeiro, o fato de o empregado não ter utilizado os canais de denúncia e o fato de o
preposto da empresa ter comportamento desrespeitoso com outros empregados,
foram determinantes para a mitigação do dano.
34
É de se notar que os demais Desembargadores desconsideraram o contexto
social e político do caso. Não levaram em consideração a dependência econômica da
vítima, a homofobia estrutural da sociedade brasileira, que no caso em apreço foi
exacerbada pela deficiência física. Minimizar o sofrimento da vítima porque ela não
se insurgiu contra a violência praticada durante a vigência do contrato de trabalho
demonstra certo desconhecimento da realidade cotidiana do mercado laboral
brasileiro.
35
Ademais, diminuir a gravidade da conduta do preposto da empresa, por agir
da mesma forma com vários empregados, sejam eles homossexuais, pessoas com
deficiência, gordos ou negros, não parece forma adequada de prevenir novos casos.
Por outro lado, a decisão proferida pelo Desembargador do TRT da 15ª Região,
Luiz Felipe Paim da Luz Bruno Lobo, no processo nº 0011989-27.2017.5.15.0046,
reconheceu a gravidade da conduta da ré, ao dispensar empregada em virtude da
sua transexualidade, mantendo condenação no montante de R$ 60.000,00.
36
A decisão também destacou a importância do papel social da empresa no
contexto da sociedade contemporânea em não só respeitar, mas integrar a
diversidade em seus quadros:
Nos dias atuais, a sociedade ainda encontra dificuldades para
compreender e aceitar os efeitos decorrentes da mudança de sexo e
nome, mormente quando não se realiza a cirurgia, tanto que o Poder
34
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (8. Região). Acórdão. Processo n. 0000023-
83.2020.5.08.0005. Recurso Ordinário Trabalhista. 3ª Turma. Relatora: Desembargadora Pastora do
Socorro Teixeira Leal. 17 Mar. 2021. Belém, [2021].
35
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (8. Região). Acórdão. Processo n. 0000023-
83.2020.5.08.0005. Recurso Ordinário Trabalhista. 3ª Turma. Relatora: Desembargadora Pastora do
Socorro Teixeira Leal. 17 Mar. 2021. Belém, [2021].
36
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (15. Região). Acórdão. Processo n. 0011989-
27.2017.5.15.0046. Recurso Ordinário Trabalhista. 6ª Turma. Relator: Desembargador Luiz Felipe
Paim da Luz Bruno Lobo. 24 Out. 2019. São Paulo, [2019].
12
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Legislativo não enfrentou esta questão, exigindo o pronunciamento da
questão pelo Supremo Tribunal Federal. Apesar de causar perplexidade
em algumas pessoas, não deveria causar insegurança, dúvida ou
perplexidade em uma empresa de grande porte como a reclamada que
deveria saber como proceder nestas situações.
37
Em meticulosa decisão, o desembargador João Batista Martins César do
também do TRT da 15ª Região nos autos nº 0012154-35.2017.5.15.0059, apresentou
dados estatísticos, que permitem visualizar o quadro geral da discriminação de
gênero no Brasil. Ao analisar o caso concreto se valeu da Constituição Federal e das
Convenções Internacionais para enquadrar como discriminatória a conduta da
empresa, que se negou a promover a empregada pelo simples fato dela ser mulher:
[...] Esses dados confirmam a falta de foco na paridade de gênero em
níveis mais baixos e revelam que, se os problemas na extremidade
inferior da balança não forem resolvidos, não haverá mulheres
disponíveis, nas organizações, para alcançarem cargos de liderança.
Nesse contexto, é urgente implementar medidas de combate e
superação das discriminações à mulher, para a efetivação da jus
fundamentalidade da Constituição de 1988 e das Convenções
Internacionais adotadas pelo Brasil para efetivação dos melhores ideais
de democraticidade, respeitabilidade e simetria entre gêneros. 5. No
caso dos autos, a trabalhadora exerceu, por cinco anos, atividades
pesadas em metalúrgica, e o conjunto probatório revelou preterição
da trabalhadora simplesmente por ser mulher, em razão da misoginia
comumente observada em locais de trabalho pesado. Ressalte-se a
dificuldade da prova do assédio moral em casos como esse, nos quais
a violação é naturalizada e os comportamentos são socialmente
aceitos. [...]
38
A análise do contexto social e político que envolve o caso concreto é a única
forma de se ir além da igualdade formal prevista na Constituição Federal e alcançar
a igualdade material. É necessário reconhecer as diferenças sociais, históricas e
37
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (15. Região). Acórdão. Processo n. 0011989-
27.2017.5.15.0046. Recurso Ordinário Trabalhista. 6ª Turma. Relator: Desembargador Luiz Felipe
Paim da Luz Bruno Lobo. 24 Out. 2019. São Paulo, [2019].
38
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (15. Região). Acórdão. Processo n. 0012154-
35.2017.5.15.0059. Recurso Ordinário Trabalhista. 6ª Turma. Relator: Desembargador João Batista
Martins César. 26 Nov. 2020. São Paulo, [2020].
13
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culturais que perpassam os gêneros em cada época, para combater as discriminações
e as posições de subalternidade das mulheres.
Aqui, cumpre anotar que por subalternidade entende-se a condição de
indivíduos sem voz e destituídos de poder na estrutura hegemônica que estão
inseridos, consoante os ensinamentos de feministas decoloniais, como María
Lugones.
39
No presente estudo, 7 (sete) dos 14 (quatorze) acórdãos analisados
consideraram no julgamento os aspectos sociais e políticos que envolviam o processo,
atendendo integralmente as diretrizes da Cartilha da Ajufe.
40
Os demais julgados se
ativeram aos fatos, provas e legislação aplicável, nada mais.
2.2. Da apreciação dos fatos
Na análise desse critério, buscou-se averiguar se o julgador ao identificar os
fatos envolvidos no caso concreto, se ateve ao máximo à realidade, sem julgamentos
prévios de valor. Verificou-se se foram levados em consideração pelo juiz os
problemas sociais, econômicos e políticos que podem impactar na conduta de cada
uma das partes. Também foi analisado se o magistrado sopesou as relações de poder
estabelecidas na sociedade e que podem de alguma forma estar refletidas nas
instituições envolvidas no caso.
No julgado proveniente do TRT da 15ª Região, proferido pelo Desembargador,
Hélcio Dantas Lobo Junior, a relação de poder entre a empregada e o seu superior
foi analisada e reconhecida como um dos fatores, para caracterizar o assédio moral
e a discriminação de gênero:
39
LUGONES, María. Colonialidad y género. In: Tabula rasa. Revista de Humanidades, n. 9, p. 73-101,
Bogotá, 2008. p. 84. Disponível em: https://www.revistatabularasa.org/numero-9/05lugones.pdf.
Acesso em: 23 fev. 2021.
40
ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL (AJUFE). Julgamento com Perspectiva de Genero.
Um guia para o direito previdenciário. Tani Maria Wurster e Clara da Mota Santos Pimenta Alves
(coord.). Ribeirão Preto, SP: Migalhas, 2020. Disponível em:
http://ajufe.org.br/images/pdf/CARTILHA_-
_JULGAMENTO_COM_PERSPECTIVA_DE_GÊNERO_2020.pdf. Acesso em: 12 jul. 2021.
14
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Ao contrário, ficou claro em ata de audiência que essas avaliações
eram feitas unilateralmente pelo Sr. Kanji, algoz e ofensor da
Reclamante, e depois repassadas para o gestor, tudo acompanhado
pelo RH. Assim, a Reclamante foi dispensada com base em relatórios
elaborados pelo seu superior Kanji, que conforme já exposto, a
humilhava e manifestava menosprezo por suas atividades no trabalho,
pois era mulher.
41
Em outra decisão proveniente do TRT da 15ª Região, agora da lavra do
Desembargador João Batista Martins César, o acórdão analisou não apenas a prova
dos autos, documental e oral, mas também as estatísticas do mercado de trabalho
das mulheres no Brasil, para reconhecer:
No caso dos autos, a trabalhadora exerceu, por cinco anos, atividades
pesadas em metalúrgica, e o conjunto probatório revelou preterição
da trabalhadora simplesmente por ser mulher, em razão da misoginia
comumente observada em locais de trabalho pesado. Ressalte-se a
dificuldade da prova do assédio moral em casos como esse, nos quais
a violação é naturalizada e os comportamentos são socialmente
aceitos.
42
Em geral, é de notar que em menor ou maior grau os julgadores buscaram
apontar que os problemas detectados no processo não eram casos isolados. Pelo
contrário, estavam inseridos em contexto social, econômico e político que impacta
diretamente a vida dos envolvidos. As relações de poder também foram consideradas
em alguns acórdãos, inclusive para afastar eventual inação da vítima frente às
agressões diárias sofridas. Nesse ponto, vale citar trecho da decisão proferida pela
Desembargadora Pastora Leal do TRT da 8ª Região, no processo nº 0000023-
83.2020.5.08.0005:
41
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (15. Região). Acórdão. Processo n. 0010021-
18.2017.5.15.0092. Recurso Ordinário Trabalhista. 3ª Turma. Relator: Desembargador Helcio Dantas
Lobo Júnior. 25 Set. 2018. São Paulo, [2018].
42
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (15. Região). Acórdão. Processo n. 0012154-
35.2017.5.15.0059. Recurso Ordinário Trabalhista. 6ª Turma. Relator: Desembargador João Batista
Martins César. 26 Nov. 2020. São Paulo, [2020].
15
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Com receio de penalidades, os funcionários não denunciam,
perfazendo se o pacto do silêncio coletivo. Diante desse contexto, não
podemos culpabilizar a vítima pela ausência de denúncia durante a
relação de emprego, sob pena de cometer mais uma agressão.
43
Em ponto oposto ao dos julgadores do TRT das 15ª e 8ª Regiões, apresenta-se
a decisão proferida no processo nº 0025271-49.2016.5.24.0101, proveniente do TRT
da 24ª Região. O Desembargador Francisco das C. Lima Filho, ao proferir o acórdão,
não se ateve aos fatos, nem às provas dos autos, realizando julgamento de acordo
com seus valores de foro pessoal e íntimo.
44
Constatou-se que ao longo de todo o julgado há menções a estereótipos de
gênero. Por exemplo, justificou-se o agravamento da depressão da empregada pelo
único fato de ela ter sofrido um aborto. Desconsiderou o contexto em que a obreira
estava inserida: labor em regime recorrente horas extras, em frigorífico, submetida
a baixas temperaturas, realizando atividades repetitivas, deslocando peças de alto
peso. Tais fatos foram atestados pela perícia médica, a qual concluiu pela existência
de nexo de causalidade entre os problemas de saúde da ex-empregada e as atividades
desenvolvidas na empresa. Contudo, os elementos da perícia não foram utilizados
pelo julgador.
Insta anotar que não se desconsidera o aborto como evento traumático, que
envolve aspectos físicos e psicológicos da mulher. Todavia, o principal fato a ser
enfrentado no caso era a condição do cotidiano de trabalho no frigorífico, o que não
foi expressamente ponderado pelo Juízo.
45
Aliás, extrai-se que o julgador
43
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (8. Região). Acórdão. Processo n. 0000023-
83.2020.5.08.0005. Recurso Ordinário Trabalhista. 3ª Turma. Relatora: Desembargadora Pastora do
Socorro Teixeira Leal. 17 Mar. 2021. Belém, [2021].
44
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (24. Região). Acórdão. Processo n. 0025271-
49.2016.5.24.0101. Recurso Ordinário Trabalhista. 2ª Turma. Relator: Desembargador Francisco das
C. Lima Filho. 10 Abr. 2021. Campo Grande, [2021].
45
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (24. Região). Acórdão. Processo n. 0025271-
49.2016.5.24.0101. Recurso Ordinário Trabalhista. 2ª Turma. Relator: Desembargador Francisco das
C. Lima Filho. 10 Abr. 2021. Campo Grande, [2021].
16
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PEREIRA, Marcela Rage; ARAÚJO, Viviane A. de. Análise jurisprudencial no contexto do julgamento com perspectiva
de gênero. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 5, p. 1-34, 2022. DOI:
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demonstrou desconhecimento dos impactos da dinâmica do trabalho em frigorífico
para a saúde da trabalhadora, ao afirmar que:
Portanto, não poderia a mera mudança de temperatura do ambiente
laboral ou o esforço físico no cumprimento de atribuições, ter
aptidão para agravá-la, especialmente porque tendo a sido vítima
de aborto natural, certamente foi abalada pela perda de um futuro
filho, sendo esse tipo de fato um dos fatores de desencadeamento ou
agravamento desse tipo de patologia como afirma a doutrina
especializada, inclusive internacional. (Grifo nosso)
46
Nota-se que, nesse caso específico, o julgador, ainda que de forma
inconscientemente, acabou por reproduzir estereótipos, sem levar em consideração
as especificidades do caso concreto.
Em suma, nos 14 acórdãos analisados, os julgadores identificaram os fatos
envolvidos no caso concreto, em 13 deles se ativeram ao máximo à realidade, sem
julgamentos prévios de valor. Em um deles, todavia, no julgamento proferido pelo
TRT da 24ª Região
47
, conforme já mencionado, houve uma análise dos fatos que
reverberou estereótipos de gênero que devem ser evitados, segundo as diretrizes da
Cartilha da Ajufe.
48
2.3. Da valoração das provas
Quanto às provas, resguardado que as provas colidas são idôneas e produzidas
de acordo com o devido processo legal, a valoração destas é de suma importância.
46
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (24. Região). Acórdão. Processo n. 0025271-
49.2016.5.24.0101. Recurso Ordinário Trabalhista. 2ª Turma. Relator: Desembargador Francisco das
C. Lima Filho. 10 Abr. 2021. Campo Grande, [2021].
47
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (24. Região). Acórdão. Processo n. 0025271-
49.2016.5.24.0101. Recurso Ordinário Trabalhista. 2ª Turma. Relator: Desembargador Francisco das
C. Lima Filho. 10 Abr. 2021. Campo Grande, [2021].
48
ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL (AJUFE). Julgamento com Perspectiva de Genero.
Um guia para o direito previdenciário. Tani Maria Wurster e Clara da Mota Santos Pimenta Alves
(coord.). Ribeirão Preto, SP: Migalhas, 2020. Disponível em:
http://ajufe.org.br/images/pdf/CARTILHA_-
_JULGAMENTO_COM_PERSPECTIVA_DE_GÊNERO_2020.pdf. Acesso em: 12 jul. 2021.
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Cabe aqui frisar que, sendo o empregado hipossuficiente, não detém a posse da maior
parte dos documentos relativos ao seu contrato de trabalho, razão pela qual o juiz
deve avaliar o arcabouço probatório em função do cenário fático de desigualdades
entre empregado e empregador, conforme diretivas da Cartilha Julgamento com
perspectiva de Gênero da Ajufe.
De acordo com a cartilha da Ajufe, dois aspectos devem ser considerados
quanto à produção da prova:
i) em primeiro lugar, é preciso analisar se a própria produção das
provas foi enviesada por estereótipos de gênero;
ii) em segundo lugar, cabe ao julgador se questionar se as provas
apresentadas são suficientes para um julgamento com perspectiva de
gênero ou se é necessário solicitar ex officio a produção de novas.
49
Em nenhum dos julgados analisados foi necessária a realização de provas ex
officio, bem como não foi determinada a inversão do ônus da prova, prevista no
artigo 818, §1º da CLT, para os casos em que seja reconhecida pelo julgador a
impossibilidade ou dificuldade excessiva para a parte autora cumprir o encargo
probatório.
Dos 14 acórdãos analisados a prova oral só não foi determinante para a decisão
em um deles.
50
Vale mencionar que na decisão proferida pelo Desembargador Paulo
Barrionuevo do TRT da 23ª Região, no processo nº 0000349-61.2019.5.23.0037, a
prova oral foi crucial para afastar a discriminação de gênero discutida.
51
Já, a prova documental foi utilizada direta e indiretamente em todos os
processos, mesmo naqueles em que foi afastada a discriminação de gênero.
49
ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL (AJUFE). Julgamento com Perspectiva de Genero.
Um guia para o direito previdenciário. Tani Maria Wurster e Clara da Mota Santos Pimenta Alves
(coord.). Ribeirão Preto, SP: Migalhas, 2020. Disponível em:
http://ajufe.org.br/images/pdf/CARTILHA_-
_JULGAMENTO_COM_PERSPECTIVA_DE_GÊNERO_2020.pdf. Acesso em: 12 jul. 2021.
50
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (24. Região). Acórdão. Processo n. 0025271-
49.2016.5.24.0101. Recurso Ordinário Trabalhista. 2ª Turma. Relator: Desembargador Francisco das
C. Lima Filho. 10 Abr. 2021. Campo Grande, [2021].
51
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (23. Região). Acórdão. Processo n. 0000349-
61.2019.5.23.0037. Recurso Ordinário Trabalhista. 1ª Turma. Relator: Desembargador Paulo
Barrionuevo. 26 Maio 2020. Cuiabá, [2020].
18
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A prova pericial foi utilizada em 1 (um) dos 14 (quatorze) processos
analisados.
52
No caso julgado pelo TRT da 24ª Região, a decisão de primeiro grau foi
embasada no laudo pericial médico, que concluiu que a doença da empregada foi
significativamente agravada pelo trabalho executado na reclamada, o qual consistia
no corte e embale de carne. A despeito disso, o Desembargador, Francisco das C.
Lima Filho, entendeu pela reforma da decisão que condenou a empresa a pagar danos
morais.
53
Destaca-se que não foram apresentados argumentos científicos ou médicos
para desqualificar a conclusão do perito. A perícia técnica e a consequente
condenação foram afastadas por argumentos baseados na “experiência” do
magistrado relator.
Por fim, é de se observar que em alguns julgados as expressões utilizadas pelas
testemunhas e prepostos foram consideradas para caracterizar a discriminação de
gênero, como por exemplo, “trabalho de mulher”, “não é trabalho de mulher”,
“mulher não podia ser promovida por menstruar”, “dormiu de calça jeans”, dentre
outras. Os julgadores consideraram o contexto social e cultural em que foram
utilizadas tais expressões, para caracterizar a conduta do empregador como
discriminação de gênero. Nesse aspecto cabe citar a decisão proferida pelo
Desembargador João Batista Martins César da 15ª Região:
A autora alegou, na inicial, que "durante todo o pacto laboral recebeu
tratamento diferenciado e degradante pelo seu Chefe direto", que a
preteriu nas promoções e afirmava que "mulher não podia ser
promovida por menstruar e por isso não aguentam a rotina pesada dos
fornos".
54
52
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (24. Região). Acórdão. Processo n. 0025271-
49.2016.5.24.0101. Recurso Ordinário Trabalhista. 2ª Turma. Relator: Desembargador Francisco das
C. Lima Filho. 10 Abr. 2021. Campo Grande, [2021].
53
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (24. Região). Acórdão. Processo n. 0025271-
49.2016.5.24.0101. Recurso Ordinário Trabalhista. 2ª Turma. Relator: Desembargador Francisco das
C. Lima Filho. 10 Abr. 2021. Campo Grande, [2021].
54
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (15. Região). Acórdão. Processo n. 0012154-
35.2017.5.15.0059. Recurso Ordinário Trabalhista. 6ª Turma. Relator: Desembargador João Batista
Martins César. 26 Nov. 2020. São Paulo, [2020].
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PEREIRA, Marcela Rage; ARAÚJO, Viviane A. de. Análise jurisprudencial no contexto do julgamento com perspectiva
de gênero. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 5, p. 1-34, 2022. DOI:
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Em síntese, tem-se que dos 14 acórdãos analisados a prova oral e documental
foi determinante para a decisão final em 13 deles. A seu turno, a prova pericial foi
realizada em um processo, no qual foi desconsiderada pelo Tribunal.
55
2.4. Dos procedimentos da investigação administrativa
Nesse ponto buscou-se analisar se houve algum procedimento administrativo
prévio ao ajuizamento da ação. No caso de resposta afirmativa, se tal procedimento
buscou mitigar o conflito relatado, ou, se o próprio procedimento estava enviesado
por estereótipos de gênero.
No acórdão proferido pela Desembargadora do TRT da 1ª Região, Carina
Rodrigues Bicalho, houve o reconhecimento de que a empresa tentou tomar medidas
administrativas para coibir as micro agressões sofridas todos os dias pelo empregado
transgênero. No entanto, a empresa não comprovou ter punido nenhum dos algozes
do empregado, tendo, ao final, optado por demitir a vítima.
Tal fato demonstrou, tanto para a juíza de primeiro grau, quanto para a Turma
julgadora, que o procedimento administrativo em nada mitigou o conflito e estava
impregnado pelos mesmos preconceitos que tentava coibir.
56
No mesmo sentido, o acórdão proferido pelo Desembargador Luiz Otávio Linhares
Renault, do TRT da 3ª Região:
Com efeito, o simples fato de a empresa entregar cartilhas contendo
Código de Ética ou promover eventuais palestras, só por si, não é
suficiente para combater o preconceito e orientar os funcionários, de
modo a traçar uma política realmente inclusiva de tratamento e de
55
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (24. Região). Acórdão. Processo n. 0025271-
49.2016.5.24.0101. Recurso Ordinário Trabalhista. 2ª Turma. Relator: Desembargador Francisco das
C. Lima Filho. 10 Abr. 2021. Campo Grande, [2021].
56
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (1. Região). Acórdão. Processo n. 0100846-
58.2019.5.01.0017. Recurso Ordinário Trabalhista. 7ª Turma. Relatora: Desembargadora Carina
Rodrigues Bicalho. 22 Mar. 2021. Rio de Janeiro, [2021].
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PEREIRA, Marcela Rage; ARAÚJO, Viviane A. de. Análise jurisprudencial no contexto do julgamento com perspectiva
de gênero. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 5, p. 1-34, 2022. DOI:
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enfrentamento da questão. A empresa Ré deveria adotar meios
concretos e eficazes de promover a verdadeira inclusão e promoção da
igualdade de gênero, com campanhas de conscientização e aplicação
de penalidades aos funcionários que pratiquem atos de discriminação,
bem como promover alterações em suas instalações sanitárias de modo
a mitigar possíveis constrangimentos.
57
Em síntese, nota-se que dos 14 acórdãos analisados, em 4 deles, as empresas
informaram que abriram processo administrativo para apurar os casos de
discriminação ou violência de gênero, sendo que tais iniciativas foram consideradas
pelos julgadores na apreciação dos fatos. No entanto, verifica-se pelos acórdãos que
tal prática não é usual. Como destacado no acórdão supratranscrito, a instauração
de processo interno pela empresa na maioria dos casos é insuficiente e ineficaz, haja
vista a ausência da real intenção de se promover a alteração da cultura da empresa.
2.5. Identificação dos níveis de discriminação/interseccionalidade
Aqui, buscou-se verificar se o julgador ultrapassou a análise do gênero para
buscar uma perspectiva interseccional e se existem fatores no caso concreto que
podem acentuar ou atenuar as discriminações de gênero.
Com efeito, é válido situar que o conceito de interseccionalidade surgiu nas
décadas de 1960 e 1970, inicialmente aplicado na Sociologia e ligado aos movimentos
feministas de mulheres negras. A perspectiva interseccional mostra-se fundamental
para compreender a condição da mulher negra na sociedade a partir das opressões
entrecruzadas.
58
A interseccionalidade é um método utilizado por diferentes teóricas
feministas para enfrentar a inferiorização/discriminação sob o prisma da
raça/classe/gênero. A título de exemplo, menciona-se Lélia Gonzales que, mesmo
57
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (3. Região). Acórdão. Processo n. 0010325-
27.2019.5.03.0174. Recurso Ordinário Trabalhista. 1ª Turma. Relator: Desembargador Luiz Otávio
Linhares Renault. 23 Nov. 2020. Belo Horizonte, [2020].
58
HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Pensamento Feminista: Conceitos Fundamentais. Rio de Janeiro:
Bazar do Tempo, 2019.
21
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sem utilizar o termo interseccionalidade em suas palestras, fóruns nacionais ou
internacionais, entrevistas e manifestos, defende a interconexão entre
discriminações e desigualdades da ordem de gênero, raça e classe. Para a autora, o
reconhecimento dessas opressões atuando em conjunto são fundamentais para
aprender a historicidade das mulheres negras na América Latina, diante do longo
histórico de colonialidade das Américas.
59
O estudo e a prática do julgamento com perspectiva de gênero têm como
baluarte exatamente esse conceito de múltiplas e entrecruzadas opressões que
incidem na realidade da jurisdicionada. Assim, segundo a cartilha da Ajufe compete
ao julgador verificar:
i) as diversas características de identidade de cada uma das partes,
como idade, estado civil, raça e etnia, orientação sexual,
nacionalidade, língua e idioma, deficiência física, religião; e ii) o
contexto de cada uma, o que implica analisar aspectos como questões
migratórias, condições de saúde, educação formal, existência de
dependentes ou de dependência, condição econômica e trabalho.
60
Em apreço a essa perspectiva, apurou-se que no julgamento proferido no
processo nº 0012154-35.2017.5.15.0059, o Desembargador João Batista Martins César
ponderou a necessidade de se realizar um julgamento com perspectiva interseccional
a fim de atender às diretrizes da Convenção 190 da Organização Internacional do
Trabalho
61
:
Pontue-se que a Convenção190 da OIT trouxe conceito amplo de
violência e assédio em razão de gênero, avançando na salvaguarda do
59
GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de.
Pensamento Feminista: Conceitos Fundamentais. p. 41-55. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019.
60
ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL (AJUFE). Julgamento com Perspectiva de Genero.
Um guia para o direito previdenciário. Tani Maria Wurster e Clara da Mota Santos Pimenta Alves
(coord.). Ribeirão Preto, SP: Migalhas, 2020. Disponível em:
http://ajufe.org.br/images/pdf/CARTILHA_-
_JULGAMENTO_COM_PERSPECTIVA_DE_GÊNERO_2020.pdf. Acesso em: 12 jul. 2021.
61
OIT. Convenção sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho. Genebra,
2019. Disponível em:
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---
gender/documents/publication/wcms_750461.pdf. Acesso em: 19 jul. 2021.
22
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direito ao trabalho digno para todos os seres humanos ao englobar não
apenas as mulheres cisgênero, mas também as pessoas transgênero, as
que possuem orientação afetiva-sexual divergente do padrão
heteronormativo e aquelas não enquadradas no contexto binário de
gênero. A norma reconhece, portanto, a interseccionalidade, termo
desenvolvido por Kimbérle Crenshaw, dentro do movimento das
feministas negras, que se refere a sobreposição de múltiplos fatores
de opressão, dominação ou discriminação [...]. (Grifo nosso)
62
Já, no julgamento do processo nº 0010051-48.2015.5.01.0501, proveniente do
TRT da 1ª Região, a Desembargadora Sayonara Grillo, analisou o caso concreto
minuciosamente para constatar várias formas de discriminação interseccionadas,
como, por exemplo, desrespeito à saúde da mulher e aos seus direitos reprodutivos:
[...] desrespeito às mulheres nos locais de trabalho, de
desconsideração por suas opções reprodutivas, de violação de seus
direitos em razão da gravidez, de coisificação e de violência sexual
(considerando como tal não somente a violência física, como também
a violência psíquica e os insultos de conotação sexual), verificado no
caso dos autos merece uma pronta reparação, para que tais atos não
prossigam em afronta à ordem jurídica e à dignidade das mulheres.
63
Na decisão do processo nº 0000023-83.2020.5.08.0005, a Desembargadora
Pastora Leal do TRT da 8ª Região, destacou a conduta insidiosa do preposto da
empresa, não só por perseguir o seu subordinado em virtude de sua orientação
sexual, mas também por ser deficiente visual:
[...] A teor do transcrito, fica claro que o Sr. Rodrigo praticava
xingamentos, agressões verbais, brincadeiras ofensivas e
constrangedoras, todas baseadas na orientação sexual e deficiência
62
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (15. Região). Acórdão. Processo n. 0012154-
35.2017.5.15.0059. Recurso Ordinário Trabalhista. 6ª Turma. Relator: Desembargador João Batista
Martins César. 26 Nov. 2020. São Paulo, [2020].
63
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (1. Região). Acórdão. Processo n. 0010051-
48.2015.5.01.0501. Recurso Ordinário Trabalhista. 7ª Turma. Relatora: Desembargadora Sayonara
Grillo Coutinho Leonardo da Silva. 18 Jan. 2016. Rio de Janeiro, [2016].
23
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de gênero. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 5, p. 1-34, 2022. DOI:
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visual do reclamante, as quais são capazes de causar humilhações e,
portanto, atingir a dignidade do trabalhador.
64
A desembargadora, apesar de não ter mencionado expressamente o termo
“interseccionalidade”, reconheceu a dupla opressão sofrida pelo reclamante, em
razão de sua orientação sexual e deficiência visual.
65
Nos 14 acórdãos estudados, detectou-se uma análise interseccional em 7
deles, sendo que desse total 3 processos foram julgados por desembargadoras. Não
é possível afirmar com base em amostra tão diminuta que o fato de o julgador ser
uma mulher demonstra mais sensibilidade para as formas interseccionadas de
discriminação, tais como idade, estado civil, raça e etnia, orientação sexual,
nacionalidade, língua e idioma, deficiência física, religião.
Ademais, vale destacar que homens também proferiram votos com base na
perspectiva interseccional. Tal fato é indicativo de que os julgadores,
independentemente do gênero, têm mantido os olhares atentos para um dos aspectos
mais importantes do julgamento com perspectiva de gênero, qual seja a existência
de fatores sobrepostos ou concomitantes de discriminação.
2.6. Identificação preconceito e estereótipos de gênero
Neste ponto, foi analisada a conduta do empregador, isto é, se as ofensas
perpetradas tiveram como sucedâneos os preconceitos e os estereótipos de gênero,
fincados em ideias patriarcais e machistas, que estabelecem historicamente um lugar
de submissão e inferioridade das mulheres. Também, foi analisado o posicionamento
do próprio julgador ao decidir: se de alguma forma a decisão restou eivada por
64
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (8. Região). Acórdão. Processo n. 0000023-
83.2020.5.08.0005. Recurso Ordinário Trabalhista. 3ª Turma. Relatora: Desembargadora Pastora do
Socorro Teixeira Leal. 17 Mar. 2021. Belém, [2021].
65
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (8. Região). Acórdão. Processo n. 0000023-
83.2020.5.08.0005. Recurso Ordinário Trabalhista. 3ª Turma. Relatora: Desembargadora Pastora do
Socorro Teixeira Leal. 17 Mar. 2021. Belém, [2021].
24
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preconceitos e estereótipos, associando as partes a papéis de gênero
predeterminados.
Especificamente quanto ao julgamento proferido pelo TRT da 1ª Região, o
Desembargador, Bruno Losada Albuquerque Lopes, verificou que foi imposto às
empregadas atividade distinta da função para a qual foi contratada auxiliar de
pintura, exclusivamente por serem mulheres. No caso, o empregador determinava
que as empregadas do setor realizassem um rodízio para lavar os banheiros
femininos, mesmo havendo equipe de limpeza na empresa.
66
Também em julgado proveniente do TRT da 1ª Região, a Desembargadora
Sayonara Grillo destacou que as ofensas perpetradas pela empresa não tinham “outro
intuito senão ferir a reclamante, por sua condição de mulher e gestante, em total
afronta à ordem internacional, bem como as disposições constitucionais e legais
brasileiras.”
67
No caso, a empregada passou a ser perseguida pelo empregador a partir do
momento em que comunicou que estava grávida. O superior da reclamante tomou
várias medidas para dificultar e/ou impossibilitar a continuidade do contrato de
trabalho, como alteração de turno, determinação para que realizasse atividades
incompatíveis com sua condição de saúde, bem como impediu que outros
empregados lhe prestassem socorro quando passou mal no local de trabalho.
68
Já, na decisão proferida pelo Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault, do
TRT da 3ª Região, a análise das provas, especialmente dos depoimentos prestados,
identificou os estereótipos e preconceitos de gênero na atuação da empresa e de seu
preposto:
66
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (1. Região). Acórdão. Processo n. 0101649-
76.2016.5.01.0201. Recurso Ordinário Trabalhista. 1ª Turma. Relator: Desembargador Bruno Losada
Albuquerque Lopes. 25 Jul. 2017. Rio de Janeiro, [2017].
67
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (1. Região). Acórdão. Processo n. 0010051-
48.2015.5.01.0501. Recurso Ordinário Trabalhista. 7ª Turma. Relatora: Desembargadora Sayonara
Grillo Coutinho Leonardo da Silva. 18 Jan. 2016. Rio de Janeiro, [2016].
68
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (1. Região). Acórdão. Processo n. 0010051-
48.2015.5.01.0501. Recurso Ordinário Trabalhista. 7ª Turma. Relatora: Desembargadora Sayonara
Grillo Coutinho Leonardo da Silva. 18 Jan. 2016. Rio de Janeiro, [2016].
25
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de gênero. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 5, p. 1-34, 2022. DOI:
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Os próprios termos do depoimento prestado pelo superior hierárquico
da Reclamante, ouvido como testemunha, evidenciam que não havia
respeito ao direito do uso do nome social dos empregados transexuais,
o que, aliás, como deflui do conjunto probatório ocorria não apenas
com a Reclamante, mas também com outros empregados
transgêneros.
69
Outrossim, na decisão proferida pelo Desembargador do TRT da 9ª Região,
Sérgio Guimarães Sampaio, foi ressaltado como os estereótipos de gênero foram
utilizados para diminuir e humilhar as mulheres da banda:
Em relação ao fato ocorrido em setembro de 2018, a Reclamada
confessou em depoimento que os seus prepostos, ao verem três
mulheres da banda descansando antes do show, fizeram os seguintes
comentários: "ih, estou achando vocês lavaram muita louça hoje"; "ah,
eu to achando que vocês passaram muito escovão e muita cera"; "ah,
eu acho que elas estão pensando no que fazer no almoço de amanhã"
[...] Infere-se, mais uma vez, comportamento repreensível direcionado
às mulheres, que reforça o preconceito de gênero que já era
externalizado nas mensagens do grupo de whatsapp. Pontue-se que o
fato de a Reclamante ter respondido tais comentários com
xingamentos não se mostra apto a afastar a caracterização do dano
moral.
70
Na fundamentação, o julgador apontou que o réu externalizava um conjunto
de ideias machistas, que ligava às mulheres a atividades supostamente menores, que
lhes colocaria em posição de subordinação, inferioridade e submissão em relação ao
demais integrantes da banda.
71
Tendo em vista que essa forma de pensamento machista e patriarcal ainda
integra a estrutura da sociedade contemporânea, ressalta-se a importância de os
Tribunais atuarem de forma a punir esse tipo de comportamento, não perpetuando
69
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (3. Região). Acórdão. Processo n. 0010325-
27.2019.5.03.0174. Recurso Ordinário Trabalhista. 1ª Turma. Relator: Desembargador Luiz Otávio
Linhares Renault. 23 Nov. 2020. Belo Horizonte, [2020].
70
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (9. Região). Acórdão. Processo n. 0001054-
18.2018.5.09.0673. Recurso Ordinário Trabalhista. 5ª Turma. Relator: Desembargador Sérgio
Guimarães Sampaio. 15 Out. 2020. Curitiba, [2020].
71
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (9. Região). Acórdão. Processo n. 0001054-
18.2018.5.09.0673. Recurso Ordinário Trabalhista. 5ª Turma. Relator: Desembargador Sérgio
Guimarães Sampaio. 15 Out. 2020. Curitiba, [2020].
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condutas machistas que discriminam, diminuem e silenciam a mulher no ambiente
de trabalho.
Nesse trilho, o desembargador João Batista Martins César do TRT da 15ª Região
expôs como os preconceitos e estereótipos estão enraizados na sociedade
contemporânea, impedindo que mulheres alcancem melhores salários e posições de
liderança:
Entretanto, não obstante o vasto arcabouço normativo internacional,
fatores histórico-culturais enraizados na nossa sociedade machista e
patriarcal perpetuam a discriminação contra a mulher, com a adoção
do estereótipo de que à emocionalmente vulnerável, frágil fisicamente
e responsável pelos afazeres domésticos. (Grifo nosso).
72
Desse modo, a partir da análise dos acórdãos selecionados é possível dizer que
os estereótipos de gênero estão presentes nas empresas, impondo às mulheres e às
pessoas com deficiência e LGBTQIA+ a convivência com agressões de todo o tipo em
seu dia a dia laboral.
Em 12 dos 14 acórdãos analisados, houve a identificação de preconceitos e
estereótipos de gênero, especialmente quanto às mulheres e às pessoas
transgêneros, que tiveram seus direitos trabalhistas e constitucionais
desrespeitados.
2.7. Fixação de medidas de reparação
No âmbito da Justiça do Trabalho, as medidas de reparação mais comuns são
as de ordem pecuniária. Todavia, a depender do caso, ante a gravidade da conduta
constatada, cabe também ao magistrado encaminhar para o Ministério Público do
Trabalho e para outros órgãos fiscalizatórios informações sobre os fatos relatados na
72
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (15. Região). Acórdão. Processo n. 0012154-
35.2017.5.15.0059. Recurso Ordinário Trabalhista. 6ª Turma. Relator: Desembargador João Batista
Martins César. 26 Nov. 2020. São Paulo, [2020].
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reclamação trabalhista, para que sejam adotadas as medidas cabíveis, seja de ordem
penal, administrativa ou processual, na tutela da coletividade.
Por outro lado, antes do julgamento final o juiz deve ficar atento para
identificar possíveis situações de violência de gênero atual e eminente que exijam
atuação imediata. Por exemplo, se o caso envolve pedido de rescisão indireta, o juiz
pode determinar de imediato o afastamento da empregada de suas funções.
O presente trabalho voltou-se para a análise das medidas de reparação
arbitradas e a adequação delas ao direito lesado. Sintetiza-se que na maioria dos
julgados foi determinado apenas o pagamento de indenização reparatória pelos
danos morais sofridos, variando os valores arbitrados entre R$ 3.000,00 e cem vezes
o último salário da ex-empregada.
Em relação ao quantum indenizatório, apurou-se que dos 14 (quatorze) casos
analisados, o Tribunal chegou a majorar o valor em 1 (um) processo. Na decisão
proferida pela Desembargadora Carina Rodrigues Bicalho do TRT da 1ª Região, a
condenação de R$ 20.000,00 em primeira instância foi majorada para R$ 30.000,00.
73
Nos demais acórdãos, os valores da condenação foram mantidos e em alguns
casos chegou a ser reduzido. Por exemplo, em um caso apreciado pelo TRT 15ª
Região, o Desembargador Hélcio Dantas Lobo Junior reduziu a condenação em danos
morais arbitrados em R$ 30.000,00 para R$15.000,00, sob o fundamento de que o
valor fixado em primeira instância se mostrava elevado, ante a conduta da ré,
assédio moral por parte do superior hierárquico da reclamante, bem como dispensa
discriminatória e o tempo de labor da reclamante (1 ano e 3 meses).
74
Em relação aos parâmetros utilizados para a mensuração do dano, todas as
decisões mencionaram “proporcionalidade”, “razoabilidade”, “gravidade da lesão”,
“capacidade econômica do ofensor”, “caráter pedagógico da pena”, “não
73
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (1. Região). Acórdão. Processo n. 0100846-
58.2019.5.01.0017. Recurso Ordinário Trabalhista. 7ª Turma. Relatora: Desembargadora Carina
Rodrigues Bicalho. 22 Mar. 2021. Rio de Janeiro, [2021].
74
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18.2017.5.15.0092. Recurso Ordinário Trabalhista. 3ª Turma. Relator: Desembargador Helcio Dantas
Lobo Júnior. 25 Set. 2018. São Paulo, [2018].
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enriquecimento sem causa”. O artigo 944 do Código Civil foi reiteradamente citado
para fundamentar juridicamente as decisões.
Destaca-se que na decisão proferida pelo Desembargador João Batista Martins
César, restou reconhecido o dano à coletividade e a fixação de medidas pedagógicas
que ultrapassaram o limite da reparação individual da reclamante:
No caso, a lesão extrapola o âmbito individual e atinge a coletividade
de empregados da empresa. Considerando que cabe ao empregador
coibir a prática de assédio moral e garantir que as mulheres sejam
respeitadas, evitando práticas misóginas, que afetem a dignidade
humana e criem um ambiente humilhante, determina-se que a
empresa promova todos os anos, no mês de março, campanhas sobre o
tema assédio moral e misoginia, notadamente sobre a importância da
adoção de ações afirmativas para garantir a igualdade de
oportunidades às mulheres nas promoções.
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A decisão acima mencionada enfrentou a discriminação de gênero no aspecto
de ofensa aos direitos humanos, aos direitos coletivos, em consonância com o
comando constitucional e principalmente com os tratados e convenções
internacionais dos quais o Brasil é signatário. Há de conferir relevo a tal decisão, vez
que normalmente as tratativas internacionais e os direitos humanos não são
invocadas pelos julgadores.
O reconhecimento da discriminação de gênero como violação a direitos difusos
coletivos e/ou individuais homogêneos, fixando indenizações e punições que vão
além do montante a ser pago pelo empregador diretamente ao empregado que sofreu
a violência serve de referência histórica para futuros julgados. O reconhecimento
pelo Judiciário de violações à igualdade de gênero é de suma importância, vez que
implicitamente sinaliza que esse tipo de violência, ofende a própria sociedade e deve
ser veementemente repudiada, a fim de superar opressões seculares.
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BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (15. Região). Acórdão. Processo n. 0012154-
35.2017.5.15.0059. Recurso Ordinário Trabalhista. 6ª Turma. Relator: Desembargador João Batista
Martins César. 26 Nov. 2020. São Paulo, [2020].
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PEREIRA, Marcela Rage; ARAÚJO, Viviane A. de. Análise jurisprudencial no contexto do julgamento com perspectiva
de gênero. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 5, p. 1-34, 2022. DOI:
https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.129
Com efeito, em 12 dos 14 acórdãos analisados, ou seja, em todos em que foi
reconhecida alguma forma de discriminação de gênero, as empresas foram
condenadas ao pagamento de indenizações por dano moral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foram analisadas decisões judiciais proferidas no âmbito dos TRT’s da 1ª, 3ª,
8ª, 9ª, 15ª, 19ª, 23ª, 24ª regiões. Nesses casos, a questão do gênero foi central para
configuração de um comportamento discriminatório por parte do empregador.
Apenas em uma decisão o julgamento foi eivado de preconceitos e estereótipos
patriarcais e sexistas.
A primeira conclusão que se pode destacar é que mesmo a maior parte dos
julgados sendo anteriores à publicação da Cartilha da Ajufe de 2020, sobre o
julgamento com perspectiva de gênero, as decisões seguiram as diretrizes ali
propostas e atenderam a maior parte dos critérios propostos pela Corte IDH. As
decisões não chegaram a cumprir os sete critérios propostos pela Corte IDH
integralmente, nem explicitamente. No entanto, é possível dizer que pelo menos
dois dos critérios sempre foram considerados pelos julgadores, sendo os mais
comuns: a valoração da prova e a apreciação dos fatos.
Ainda que em número ínfimo, tais decisões apontam para uma mudança de
comportamento do Judiciário, no sentido de haver preocupação real com a busca da
igualdade material e com os aspectos da interseccionalidade, que estão saindo da
seara meramente acadêmica para buscar efeitos práticos.
A segunda conclusão é que o número de decisões com julgamento com
perspectiva de gênero, ainda é muito escasso. Demonstrando, pois, a necessidade de
se promover capacitação e conscientização dos magistrados, no que tange às teorias
interseccionais, bem como buscar comprometimento maior com os tratados
internacionais dos quais o Brasil é signatário.
De fato, três dos quatorze julgados citaram explicitamente Recomendações e
Convenções da OIT, não sendo possível identificar o motivo de tal escassez
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PEREIRA, Marcela Rage; ARAÚJO, Viviane A. de. Análise jurisprudencial no contexto do julgamento com perspectiva
de gênero. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 5, p. 1-34, 2022. DOI:
https://doi.org/10.33239/rjtdh.v5.129
referencial. No entanto, parece que o uso estratégico dessas Convenções e
Recomendações é essencial para um julgamento com perspectiva de gênero, já que
apresentam parâmetros claros nesse sentido, estando em total consonância com os
princípios da Constituição da República de 1988. Ademais, as Convenções ratificadas
pelo Brasil, integram o arcabouço jurídico pátrio não devendo ser deixadas de lado
pelo julgador.
A terceira conclusão é no sentido de que ainda há certa reticência em
reconhecer que discriminação de gênero, raça e orientação sexual, implicam ofensa
aos direitos individuais dos ofendidos, mas também a toda a coletividade. Apenas
um julgado arbitrou indenização por dano à coletividade, bem como medidas
pedagógicas para prevenir novos casos. O valor das indenizações também tem se
mostrado modesto, o que não contribui para o aspecto pedagógico da decisão, nem
para evitar a reincidência do empregador na conduta discriminatória com outros
empregados.
Como a publicação da cartilha da Ajufe é recente e tendo em vista as
dificuldades do último ano, ante a pandemia de Covid-19, talvez no próximo ano, já
seja possível vislumbrar mudança mais significativa nos julgados, inclusive nos
Estados em que não foram encontradas decisões. Para os próximos anos, a pesquisa
não somente deve ser reiterada, como pode ser aprofundada no sentido de verificar
o alcance do julgamento com perspectiva de gênero na solução justa e adequada das
questões interseccionais levadas à apreciação do Poder Judiciário.
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Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
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Marcela Rage Pereira
Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no âmbito da linha de
pesquisa História, Poder e Liberdade. Advogada. Possui pós-graduação em Direito do Trabalho
pela Universidade Cândido Mendes. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de
Minas Gerais (2016). Lattes: http://lattes.cnpq.br/1694648550520120.
ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-5209-2416. E-mail: marcelarage@hotmail.com.
Viviane Araújo de Souza
Mestre em Comunicação Social, vertente Comunicação e Política, pela Universidade do Porto
em Portugal e reconhecido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2012.
Graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais em 2000 e Jornalismo pelo
Centro Universitário de Belo Horizonte (2010). Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1275021777891812. ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-1171-
3957?lang=pt. E-mail: viviane@manginiaraujo.com.br.