Trabalho decente para uma vida digna: um estudo piloto a partir da abordagem consensual na cidade de Campinas


Decent work for a decent life: a pilot

study using the consensual approach in the city of Campinas

Trabajo decente para una vida digna: un

estudio piloto con enfoque consensual en la ciudad de Campinas


Flavia Uchôa de Oliveira

Laboratório de Estudos do Trabalho, Movimentos Sociais e Políticas Sociais (TraMPos)

Lattes: http://lattes.cnpq.br/1336320203039409 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6847-8436


Shailen Nandy

Universidade de Cardiff ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1066-9181


Gabriela Fraga Fernandez Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Lattes: http://lattes.cnpq.br/0589442224692395 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0224-2973


Ana Elisa Spaolonzi Queiroz Assis Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM) Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Lattes: http://lattes.cnpq.br/9527743086394186 ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3759-4845


Luis Renato Vedovato

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) Lattes: http://lattes.cnpq.br/7171365095068677

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0684-4522


RESUMO

Este artigo tem por objetivo apresentar a relação entre trabalho decente e pobreza a partir da percepção de participantes de oito grupos focais, realizados em 2019, na cidade de Campinas, São Paulo. Utilizando a metodologia da Abordagem Consensual, os grupos focais possibilitaram que os participantes discutissem suas perspectivas sobre o que é pobreza. A partir dessas discussões, empreendemos uma análise de conteúdo, buscando a interpretação dos significados das falas dos participantes. A relação entre pobreza e trabalho emergiu como um dos mais significativos aspectos dessas discussões, reforçando o conceito do trabalho decente como elemento essencial para a erradicação da pobreza. Os grupos focais forneceram análises para a construção do conceito de trabalho decente, apontando para a problemática da compreensão do trabalho como um regulador de acesso a direitos sociais, desconsiderando-o como um direito social. Este estudo lança bases para uma discussão psicossocial na utilização do conceito de trabalho decente, algo que outros pesquisadores brasileiros têm buscado fazer ao longo dos últimos anos.


PALAVRAS-CHAVE: trabalho decente, pobreza, abordagem consensual, análise de conteúdo.


Recebido em: 31/01/2022 Aprovado em: 21/03/2022


ABSTRACT

This paper aims at presenting the relationship between decent work and poverty based on the perceptions of participants of eight focus groups held in the city of Campinas, in 2019. Using the Consensual Approach, the focus groups enabled participants to discuss their perspectives on the definitions of poverty. From these discussions, we conducted a content analysis, seeking to interpret the meanings of the participants' statements. The relationship between poverty and work emerged as one of the most significant aspects of these discussions, reinforcing the concept of decent work as an essential element for the eradication of poverty. The focus groups provided valuable analysis for the construction of the concept of decent work, indicating the problem of understanding work as a way of accessing social rights, disregarding it as a social right. This study lays the foundations for a psychosocial discussion on the use of the concept of decent work, something that other Brazilian researchers have sought to do over the last few years.


KEYWORDS: decent work; poverty; consensual approach; content analysis.


RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo presentar la relación entre trabajo decente y pobreza a partir de las percepciones de los participantes de ocho grupos focales realizados en la ciudad de Campinas, en 2019. Utilizando el Enfoque Consensuado, los grupos focales permitieron a los participantes discutir sus perspectivas sobre las definiciones de pobreza. A partir de estas discusiones, realizamos un análisis de contenido, buscando interpretar los significados de las declaraciones de los participantes. La relación entre pobreza y trabajo surgió como uno de los aspectos más significativos de estas discusiones, reforzando el concepto de trabajo decente como elemento esencial para la erradicación de la pobreza. Los grupos focales proporcionaron análisis valiosos para la construcción del concepto de trabajo decente, indicando el problema de entender el trabajo como una forma de acceder a los derechos sociales, desconsiderándolo como un derecho social. Este estudio sienta las bases para una discusión psicosocial sobre el uso del concepto de trabajo decente, algo que otros investigadores brasileños han buscado hacer en los últimos años.


PALABRAS-CLAVE: trabajo decente; pobreza; enfoque consensuado; análisis de contenido


INTRODUÇÃO


Este artigo apresenta parte dos resultados do projeto de pesquisa iniciado em 2019, fruto de um acordo de cooperação entre a Universidade de Cardiff (Reino Unido) e o Núcleo de Estudos de População Elza Berquó (NEPO) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com o Ministério Público do Trabalho.


A partir da Abordagem Consensual (daqui em diante, AC) – metodologia sobre a qual nos debruçaremos mais à frente –, esse projeto tem por objetivo compreender o que é socialmente percebido como necessidade para um padrão de vida digno (entre bens de consumo, atividades e direitos sociais), e estabelecer o nível de privação de tais necessidades nos contextos estudados1. Em outras palavras, procuramos compreender o que as pessoas consideram como um padrão de vida digno e identificar se elas têm ou não acesso a esse padrão.

Neste artigo, privilegiamos a apresentação da análise qualitativa dos dados coletados em 8 grupos focais, realizados na cidade de Campinas, em 2019. Nossos esforços se voltam à compreensão dos participantes sobre o direito ao trabalho para erradicação da pobreza e das desigualdades sociais. Para tanto, teremos no trabalho decente, como definido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), um referencial central de análise e uma possibilidade estratégica de ação política.

Os grupos focais constituem o passo inicial da AC e possibilitam espaços coletivos de discussão, formulação e compreensão sobre dignidade e cidadania. Entre os direitos sociais mais citados pelos participantes, e considerado por eles indispensável para uma vida digna, está o direito ao trabalho que gere renda suficiente, exercido em um ambiente livre de discriminações, assegurando proteção social e saúde às trabalhadoras e aos trabalhadores. O trabalho como direito social necessário para uma vida digna, descrito pelos participantes, está em convergência com o paradigma do trabalho decente, preconizado pela OIT.

Nesse paradigma, o trabalho emerge como direito de todas e todos, imprescindível para a superação da pobreza e das desigualdades sociais, no qual as trabalhadoras e os trabalhadores são agentes na construção de uma vida digna. Neste sentido, os grupos focais possibilitaram democratizar a formulação do que é trabalho decente. Mais do que um paradigma estabelecido em convenções internacionais, nos grupos focais, o “trabalho decente” passou a fazer parte das discussões da população


1 UCHÔA DE OLIVEIRA, F. M. de et al, O que os brasileiros pensam ser necessário para que se tenha um padrão de vida digno em seu país? Estudo piloto na cidade de São Paulo, Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, v. 4, 2021.


em geral, ampliando sua definição para além daquela estabelecida por decisores políticos e especialistas acadêmicos.

Neste espaço, argumentamos que promover e viabilizar a agenda do “trabalho decente”, a partir de uma formulação coletiva e democrática possibilitada pela AC, torna-se importante no momento histórico no qual vivemos. Sobretudo, quando reformas legislativas transformam profundamente o que é trabalhar em nosso país. Transformação, por sua vez, intensificada pela atual crise sanitária.

Para estruturarmos nossos argumentos, organizamos este texto da seguinte forma: em primeiro lugar, fornecemos nossa síntese teórica, apresentando o conceito e a agenda do trabalho decente como referencial central para nossas análises. Em segundo lugar, apresentamos a metodologia que guia nosso estudo. Em sequência, apresentamos as percepções dos participantes dos grupos focais, relacionando-as com as premissas contidas no trabalho decente. Por fim, registramos nossas conclusões e os desdobramentos possíveis a partir das análises empreendidas.


  1. Trabalho Decente: uma via para superação da precarização do trabalho e da pobreza


    A partir da década de 1980, a força política neoliberal transforma os mundos do trabalho. As formas de organização produtiva foram alteradas tendo em vista o receituário da desregulação, da privatização, da terceirização e da flexibilização2. Os impactos dessas alterações para os trabalhadores são largamente registrados do Norte ao Sul, ao redor do globo. Ao Norte, a insegurança no trabalho emerge entrelaçada com o desmantelamento do Estado de bem-estar social; enquanto no Sul, as breves e curtas experiências de construção de tal Estado são sucessivamente interrompidas3.

    Ao redor do globo, o emprego – isto é, o trabalho formalizado em contrato, regulado por uma legislação específica – deixou de ser um dispositivo articulador das


    2 DAVIES, William, Neoliberalism: A Bibliographic Review, Theory, Culture & Society, v. 31, n. 7–8, p. 309–317, 2014.

    3 CONNELL, Raewyn; DADOS, Nour, Where in the world does neoliberalism come from? The market agenda in southern perspective, Theory and Society, v. 43, n. 2, p. 117–138, 2014.


    garantias sociais e a inserção individual no mercado de trabalho tornou-se uma norma a ser seguida4. Essa forma de inserção reproduziu a informalização e a precarização, replicando em países centrais características anteriormente vinculadas às economias ditas periféricas. Nesse sentido, a economia globalizada e o neoliberalismo reproduziram as desigualdades, a exclusão social e a pobreza, aprofundando-as ao Sul e fazendo-as reemergir ao Norte.

    A esse respeito, Proni e Rocha5 indicam que, ao final da década de 1990, coloca-se em questão “não apenas os fatores econômicos associados com a distribuição de renda e os fatores institucionais relacionados com as políticas de bem-estar social”, mas, igualmente, questiona-se a compreensão que “cada sociedade tem sobre o que seja a integração social” e sobre “o padrão de vida da população condizente com o grau de desenvolvimento alcançado pelo país”. Tais questionamentos ganharam corpo em um debate sobre o desenvolvimento do capitalismo e sobre as relações de trabalho, emprego e desemprego, desigualdade, exclusão social e pobreza. Organismos internacionais como o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) lançaram propostas baseadas nesses questionamentos6. A OIT, em específico, direcionou este debate a partir do conceito de “trabalho decente” (daqui em diante, TD). Este conceito surge para reafirmação dos valores originários desta agência, qual seja para a reafirmação de que


    [...] a paz duradoura e universal só pode ser estabelecida com base na justiça social; a pobreza, em qualquer contexto, é uma ameaça à prosperidade de todos e todas; e, sobretudo, o trabalho não é uma mercadoria, mas sim uma das mais poderosas vias de inclusão social, autonomia, dignidade e distribuição dos frutos do crescimento econômico7.



    4 UCHÔA DE OLIVEIRA, Flávia Manuella, A demanda por empreender: uma proposta para o estudo do empreendedorismo de acordo com a psicologia social do trabalho, Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, v. 23, n. 2, p. 115–128, 2020.

    5 PRONI, M. W.; ROCHA, T. T. da. A OIT e a promoção do trabalho decente no brasil, Revista da ABET, v. IX, 2010, p. 11–12.

    6 GIMENEZ, Denis Maracci, Ordem liberal e a questão social no Brasil, São Paulo: LTr, 2008.

    7 ABRAMO, Laís. Uma década de promoção do trabalho decento no brasil: uma estratégia baseada no diálogo social. OIT, Brasília, 2015, p. 13.


    Todavia, o conceito de TD vai além do reforço dos valores originários da OIT pois trata primordialmente da promoção de oportunidades de trabalho para mulheres e homens em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana. Esse conceito foi oficialmente formulado em 1999 e registrado na comunicação do Diretor Geral da OIT à 87ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho8.

    É possível pensar o TD como um ponto de convergência entre quatro objetivos estratégicos:

    1. A promoção dos direitos fundamentais no trabalho. O que quer dizer, a promoção de trabalhos regulados por lei, especialmente como definido na Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho9. Importa indicar que estes princípios tratam da liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; da eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; da abolição efetiva do trabalho infantil; e da eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.

    2. O emprego. Isto é, a geração de empregos produtivos e de qualidade para o enfrentamento do desemprego. Este objetivo não se resume à geração de vagas, mas, à transformação de condições de trabalho precarizado, “que geram renda insuficiente para que os indivíduos e suas famílias superem a situação de pobreza ou que se baseiam em atividades insalubres, perigosas, inseguras e/ou degradantes”10.

    3. A proteção social. O que quer dizer assegurar a proteção para os trabalhadores, retirando-os de situações de vulnerabilidade e de imprevistos que podem impedi-los de exercer suas atividades. Essa proteção deve se dar independentemente de quaisquer causas: seja pelo desemprego, pela perda dos meios de subsistência, por adoecimentos e acidentes, ou pela velhice.

    4. O diálogo social. O diálogo seria um meio pelo qual é possível defender e debater as oportunidades de trabalho produtivas e de qualidade entre empregados, empregadores, governo e a sociedade em geral. O diálogo social requer a ampla


      8 OIT (Org.), Trabajo decente: Memoria del Director General, Ginebra: Oficina Internacional del Trabajo, 1999. 9 OIT. Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. OIT, Ginebra, 1998. Disponível em: https://www.ilo.org/public/english/standards/declaration/declaration_portuguese.pdf. Acesso em: 16 abr. 2021.

      10 ABRAMO, Laís. Uma década de promoção do trabalho decento no brasil: uma estratégia baseada no diálogo social. OIT, Brasília, 2015, p. 25.


      participação e a liberdade de associação, uma das bases para o funcionamento da democracia. Trata-se de uma ferramenta para a resolução de conflitos, para a justiça social e para a efetivação real da política.

      Em suma, o trabalho decente corresponde a possibilidade de “[...] expressar, numa linguagem cotidiana, a integração de objetivos sociais e econômicos, reunindo as dimensões do emprego, dos direitos no trabalho, da segurança e da representação, em uma unidade com coerência interna e que adquire sentido quando considerada na sua totalidade”11. A inovação trazida por este conceito está posta em sua multidimensionalidade. O trabalho decente é a integração da dimensão econômica com as dimensões fundamentais das sociedades democráticas, a partir da representação, participação e proteção social das trabalhadoras e dos trabalhadores. À noção outrora consolidada de “emprego de qualidade”, o conceito de trabalho decente acrescenta as noções de direito, proteção e participação social.

      A garantia da participação social no conceito de trabalho decente está atrelado ao fato de que a OIT inclui neste conceito aquelas e aqueles que estão à parte ou nas margens do mercado formal de trabalho12: as trabalhadoras e os trabalhadores informais, autônomos, que trabalham por conta própria, subcontratados, terceirizados, que trabalham em domicílios, no trabalho de cuidado e no trabalho reprodutivo. O conceito amplia, portanto, a visão de um mercado de trabalho simplificado na formalidade e traz à tona a “polimorfia”, característica dos mundos do trabalho nas suas várias dimensões e formas, muitas vezes, interligadas e sobrepostas13.

      Cabe ressaltar que o adjetivo “decente” intenta promover justamente a ideia de diálogo e de participação democrática. Nesse adjetivo, está contida a noção daquilo que é definido socialmente como digno, dentro dos parâmetros percebidos como positivos e benéficos para a comunidade. Atualmente, a provocação do termo “decente” torna-se particularmente útil. A partir desse termo, podemos questionar


      11 ABRAMO, Laís. Uma década de promoção do trabalho decento no brasil: uma estratégia baseada no diálogo social. OIT, Brasília, 2015, p. 28.

      12 RODGERS, Gerry, El trabajo decente como una meta para la economía global, CINTERFOR/OIT, 2002, p. 20. 13 SATO, Leny; COUTINHO, M. C.; BERNARDO, M. H. Diferentes faces do trabalho no contexto urbano. Psicologia social do trabalho, p. 151-174, 2017.


      que melhorias humano-societais buscamos a partir das formas de trabalho precarizado e desprotegido, colocadas como inevitáveis para a geração de postos de trabalho14. No entanto, é necessário compreender que este adjetivo é usado em sua acepção mais comum, como utilizado na língua inglesa, e que não está ligado às traduções e antônimos que sugerem uma moralização da expressão (por exemplo, em “indecente”). Nas palavras de Rodgers15, a expressão trabalho decente deve traduzir uma combinação de algo que é suficiente e desejável socialmente.

      Mais que um paradigma, o trabalho decente torna-se uma estratégia de participação e ação social. Nesse sentido, é possível indicar que essa estratégia poderá diferir em muitos aspectos, considerando a complexidade dos mundos do trabalho ao redor do globo. Isto quer dizer que a efetivação do que é trabalho decente será distinto se falarmos de um trabalhador agrícola, no leste da Índia, ou de um especialista em tecnologia, no Vale do Silício, na costa oeste do Estados Unidos da América16. Para além das profundas diferenças entre esses trabalhadores, denominadores comuns podem uni-los, por exemplo: o trabalho como um dos aspectos centrais da vida social, e a participação e a seguridade sociais como elementos indispensáveis para uma vida digna17.

      Compreendido como uma estratégia de ação, o trabalho decente é efetivado em uma agenda. Desde 1999, a Agenda Global de Trabalho Decente é discutida. O que quer dizer que, há mais de vinte anos, vem sendo discutida a elaboração, a implementação, o monitoramento e a avaliação de políticas públicas voltadas ao trabalho decente, buscando envolver representações coletivas das trabalhadoras e trabalhadores e de empregadores. Essa Agenda foi desenvolvida tendo por base três pressupostos. O primeiro deles está centrado no trabalho compreendido como o principal caminho de saída da pobreza e de erradicação das desigualdades e da exclusão social. Por sua centralidade na vida humana e em nossa sociedade18, o


      14 ANTUNES, Ricardo (Org.), Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0, São Paulo: Boitempo, 2020.

      15 RODGERS, Gerry. El trabajo decente como una meta para la economía global, CINTERFOR/OIT, 2002, p. 14.

      16 RODGERS, El trabajo decente como una meta para la economía global, CINTERFOR/OIT, 2002.

      17 NANDY, Shailen; POMATI, Marco. Applying the Consensual Method of Estimating Poverty in a Low Income African Setting. Social Indicators Research, v. 124, n. 3, p. 693–726, 2015.

      18 ANTUNES, Ricardo, Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho., Campinas: Cortez, 2003.


      trabalho seria aspecto crucial para a redução permanente da pobreza e das desigualdades. O que não implica a desconsideração de outros direitos sociais, como saúde e educação, mas envolve o reconhecimento de que a renda necessária para o consumo e acesso a bens e serviços básicos, no atual sistema de produção, dá-se pelo trabalho19.

      O segundo pressuposto para essa Agenda é o de que haveria uma correlação direta entre o desenvolvimento econômico e uma distribuição mais justa dos frutos desse desenvolvimento para as pessoas. O trabalho seria a via direta para que o crescimento econômico que, por sua vez, seria partilhado por meio da elevação da renda e pela geração de empregos. O terceiro pressuposto dessa Agenda está ligado à ação política contida no trabalho decente. Como uma das formas centrais e fundamentais de inclusão e de acesso às condições básicas que garantam a dignidade humana, o trabalho se tornaria via para construção e exercício da cidadania e, por conseguinte, para o fortalecimento da democracia20.

      Seguindo análises e estudos recentes21, neste artigo, propomos que o trabalho decente, como referencial de análise e estratégia de ação política possível, seja discutido e estudado a partir do caminho teórico-metodológico possibilitado pela Abordagem Consensual. Argumentamos que a AC é uma metodologia desenvolvida para levar à cabo uma análise multidimensional da realidade, promovendo o diálogo e a participação social, condizentes com o paradigma e a estratégia do trabalho decente. Compreendemos que a participação das trabalhadoras e trabalhadores na construção do trabalho decente pode ser realizada utilizando o ferramental qualitativo e quantitativo dessa Abordagem.



      19 FONTES, Virgínia, Capitalismo em tempos de uberização: do emprego ao trabalho, Marx e o Marxismo - Revista do NIEP-Marx, v. 5, n. 8, p. 45–67, 2017.

      20 ABRAMO, Laís. Uma década de promoção do trabalho decento no brasil: uma estratégia baseada no diálogo social. OIT, Brasília, 2015.

      21 BERG, Janine et al, Digital labour platforms and the future of work Towards decent work in the online world, Geneva: OIT, 2018; FAIRWORK, Fairwork: Relatório Anual, Oxford: Fairwork, 2020; ROSENFIELD, Cinara et al, Trabalho decente no capitalismo contemporâneo: dignidade e reconhecimento no microtrabalho por plataformas, Sociedade e Estado, v. 35, n. 3, p. 741–764, 2020.


  2. Metodologia


    Como já mencionado, neste artigo apresentamos uma análise qualitativa da compreensão dos participantes sobre o direito ao trabalho e sobre como esse direito pode ser uma das vias para erradicação da pobreza e das desigualdades sociais. Partimos da abordagem consensual, utilizando os grupos focais e a análise de conteúdo, respectivamente, como técnica de coleta e análise de dados.

    A Abordagem Consensual (AC) é uma metodologia de pesquisa estabelecida e validada internacionalmente. Elaborada por Joanna Mack e Stewart Lansley22, essa metodologia está sustentada teoricamente no conceito de privação relativa de Peter Townsend23, em que a pobreza é compreendida como um dado relativo, que deve estar em acordo com os critérios socioculturais de cada contexto estudado. Nessa perspectiva, seria um equívoco pensar e mensurar a pobreza como um dado absoluto. A partir dessa premissa, Mack e Lansley desenvolveram a AC, procurando enfatizar o ponto de vista dos atores sociais no processo de definição e medição da pobreza24. Por um lado, esses autores recusaram uma leitura absoluta e meramente monetária desse fenômeno e, por outro lado, recusaram uma definição vinda apenas de especialistas e acadêmicos sobre o que é pobreza. Ao perguntar ao público em geral o que é considerado como necessidade básica para um padrão de vida digno, essa metodologia se torna um meio efetivo de definir, de forma democrática, o que

    é pobreza e o que deve ser considerado para sua mensuração e erradicação.

    A AC é uma metodologia endossada pelo grupo de especialistas em estatística sobre pobreza da Organização das Nações Unidas (ONU), conhecido como “Grupo do Rio”, no Compêndio de Melhores Práticas em Pesquisa sobre Pobreza, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística25. Ao longo das duas últimas décadas, a AC tem sido utilizada ao redor do globo: em diversos países da União Europeia26;


    22 MACK, Joanna; LANSLEY, Stewart. Poor Britain. London; Boston: G. Allen & Unwin, 1985.

    23 TOWNSEND, P. Poverty in the United Kingdom: A survey of household resources and standards of living, Middlesex: Penguin Books, 1979.

    24 MACK, Joanna; LANSLEY, Stewart. Poor Britain. London; Boston: G. Allen & Unwin, 1985, p. 35.

    25 IBGE (Org.), Compendium of best practices in poverty measurement, Rio de Janeiro: Expert Group on Poverty Statistics (Rio Group), 2006.

    26 GUIO, Anne-Catherine et al, Improving the measurement of material deprivation at the European Union level,

    Journal of European Social Policy, v. 26, n. 3, p. 219–333, 2016.


    da América Latina, recentemente utilizado no México e na Argentina27; em países e territórios das Ilhas do Pacífico28; e em diversos países em África, como África do Sul, Uganda e Benin29.

    Os grupos focais são a técnica primordial nessa metodologia. Neles, amostras representativas da população são convidadas a discutir e buscar um consenso sobre o que pensam ser as necessidades básicas para que se tenha um padrão de vida digno em seu contexto. A discussão desses grupos é iniciada com a apresentação de vários itens, serviços, atividades e direitos sociais em uma lista definida previamente pelos pesquisadores. Tal lista é constituída considerando atividades e itens comuns em cada contexto estudado, desde dieta e vestimentas, passando por moradia, trabalho e emprego, saúde, educação, até atividades e celebrações sociais30. Por exemplo, a lista pode incluir itens mais gerais, de apelo à maioria da população, como o item “três a quatro refeições ao dia”; mas, também pode incluir itens que variam enormemente de acordo com o contexto estudado, como o item “aquecedor para os dias de inverno”, que pode ser incluído em regiões com invernos rigorosos.

    Dessa forma, há um trabalho prévio à discussão dos grupos focais para que os pesquisadores possam coletar informações sobre os estilos de vida presentes no contexto estudado e possam testá-los para verificar sua importância naquele contexto. Com essa lista de itens e atividades, os participantes dos grupos focais são orientados a discutir cada um dos itens buscando classificá-los em três grupos: o grupo de itens considerados necessidades, ou seja, imprescindíveis para um padrão de vida digno; o grupo de itens desejáveis, o que quer dizer itens que, apesar de sua importância, não são imprescindíveis para que se tenha um padrão de vida digno; e o grupo de itens ditos de luxo ou itens considerados supérfluos para que se tenha um padrão de vida digno. A discussão e a classificação de cada item devem ser guiadas


    27 CATALÁN, Héctor E. Nájera; GORDON, David, The Importance of Reliability and Construct Validity in Multidimensional Poverty Measurement: An Illustration Using the Multidimensional Poverty Index for Latin America (MPI-LA), The Journal of Development Studies, v. 56, n. 9, p. 1763–1783, 2020.

    28 LANAU, Alba; MACK, Joanna; NANDY, Shailen, Including services in multidimensional poverty measurement for SDGs: modifications to the consensual approach, Journal of Poverty and Social Justice, v. 28, p. 149–168, 2020. 29 NANDY, Shailen; POMATI, Marco, Applying the Consensual Method of Estimating Poverty in a Low Income African Setting, Social Indicators Research, v. 124, n. 3, p. 693–726, 2015.

    30 MACK, Joanna; LANSLEY, Stewart. Poor Britain. London; Boston: G. Allen & Unwin, 1985.


    tendo em vista um padrão de vida que é de direito, incondicional e possível para toda população, no contexto sociocultural estudado.

    Os itens e atividades são testados durante a discussão nos grupos focais e aqueles classificados por 50% ou mais do total de participantes como necessidades são nomeados como “necessidades socialmente percebidas”. Com o consenso em torno das “necessidades socialmente percebidas”, a concepção de uma linha da pobreza absoluta baseada na renda e no poder de consumo pode ser ultrapassada. Outras atividades de importância simbólica, como “ter atividades e equipamentos para lazer”, podem ser incluídas entre as “necessidades socialmente percebidas”, considerando uma vida para além da subsistência.

    Na AC, considera-se que a percepção social do que é pobreza é relativa, variando ao longo da história, o que torna ainda mais complexo o estabelecimento das “necessidades socialmente percebidas” e ainda mais relevante a fase qualitativa com os grupos focais31. É possível compreender essa variação e transformação históricas em suas complexidades quando dos estudos realizadas nos anos de 1980, em que um padrão de vida digno não levava em consideração o acesso à internet, ao passo que, depois de três décadas, a exclusão digital passa a ser discutida como desafio para o exercício da plena cidadania.

    As discussões promovidas nos grupos focais, portanto, servem como a base para estabelecer um consenso e definir uma lista que faça sentido em cada contexto sociocultural, sustentada por amostras representativas da população estudada. Por meio dessa lista, a pobreza passa a ser mensurada a partir da “privação forçada das necessidades socialmente percebidas” a que certos grupos ou indivíduos estão sujeitos32. Em outras palavras, a pobreza será compreendida como a situação em que, forçosamente, indivíduos e grupos não têm recurso ou acesso às necessidades percebidas naquela sociedade e em determinado momento histórico como imprescindíveis para um padrão de vida digno.


    31 WALKER, Robert, Consensual Approaches to the Definition of Poverty: Towards an Alternative Methodology,

    Journal of Social Policy, v. 16, n. 2, p. 213–226, 1987.

    32 MACK, Joanna; LANSLEY, Stewart. Poor Britain. London; Boston: G. Allen & Unwin, 1985, p. 38.


    A lista das “necessidades socialmente percebidas” servirá de base para a etapa subsequente aos grupos focais, a aplicação de questionário para ampliação da validação dessas necessidades e, sobretudo, para a identificação de indivíduos e grupos que estejam sendo privados delas. Nessa segunda etapa, os participantes passam a ser questionados não apenas sobre o que consideram ser necessidade para um padrão de vida digno, mas se eles próprios têm acesso ou não àqueles itens e atividades. Essa questão possibilita que os participantes respondam se possuem ou não determinado item e, caso não possuam, se isso se dá por uma escolha pessoal ou se por falta de recursos.

    Será considerada “privação forçada das necessidades socialmente percebidas” aquela que se dá somente quando os indivíduos não têm acesso aos itens e às atividades por falta de recursos e/ou acesso, desconsiderando os itens que eles não possuam por uma escolha pessoal. Com a utilização de questionários, é possível abranger uma amostra maior e ainda mais representativa da população estudada, identificando os grupos mais vulneráveis e os itens, atividades, serviços e direitos de que eles são privados, o que, por conseguinte, fornece dados relevantes para estabelecer prioridades na construção e efetivação de políticas públicas.

    Como já apontamos, ao longo das últimas décadas, a abordagem consensual tem sido utilizada para examinar a pobreza relativa em países de alta renda e, mais recentemente, a aplicação tem também alcançado os países de renda média e baixa. Tomando como modelo essas experiências prévias, a aplicação dessa metodologia com o passo inicial dos grupos focais foi iniciada na cidade de Campinas, São Paulo33. É, neste sentido, que a análise de dados apresentada aqui faz parte do passo inicial e do esforço conjunto de inserção da abordagem aos contextos latino-americanos e da agenda de investigação sobre a pobreza multidimensional.

    Esse passo inicial desdobrou-se em duas fases. Na primeira, a metodologia de aplicação e seleção dos perfis dos grupos focais foi elaborada em conjunto com as equipes da Universidade de Cardiff e da Unicamp. Na segunda fase, a equipe da


    33 GOMES, Janaína Dantas Germano et al, Pensando a Pobreza entre Crianças no Brasil: relatório de aplicação de grupos focais a partir da metodologia da Abordagem Consensual, Pesquisa & Debate. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política, v. 32, n. 1(57), 2020. Número de aprovação do estudo no Comitê de Ética: CAAE 35208820.5.0000.8142.


    Unicamp selecionou os participantes e liderou a aplicação dos grupos focais. Para a seleção da amostragem dos grupos utilizou-se a abordagem não probabilística, mais conhecida como método bola de neve (snow ball sampling). O método bola de neve pode tanto ser feito de maneira linear, onde um participante convida outro, quanto de maneira exponencial, onde um participante – ou a instituição parceira – indica dois ou mais indivíduos para participar da pesquisa. Nesse caso, foi empregada a abordagem exponencial facilitada pela parceria com instituições como A Casa da Gestante, a Coordenadoria de Assistência Social da Prefeitura de Campinas, a rede de Servidores Públicos do Estado de Campinas e a de servidores e alunos da Unicamp. No total, 70 pessoas participaram da pesquisa em oito grupos focais. A composição desse número por sexo, raça, faixa etária e renda está sintetizada na Tabela 1.


    Tabela 1 – Composição dos grupos focais por sexo, raça, faixa etária e renda.


    Composição

    %

    Sexo

    Mulheres

    74

    Homens

    26


    Raça/ Cor/ Etnia

    Negros e pardos

    48

    Brancos

    41

    Amarelos

    0,5

    Indígenas

    0,5

    Não declararam

    10


    Faixa Etária

    14 a 20 anos

    31

    21 a 30 anos

    31

    31 a 40 anos

    15

    41 a 50 anos

    10

    Mais de 50 anos

    13


    Renda

    Mais de 8 salários-mínimos

    20

    Até 4 salários-mínimos

    15

    Até 2 salários-mínimos

    21

    Até 1 salário-mínimo

    33

    Não declararam

    11

    Fonte: elaboração própria


    Finalizada a aplicação dos grupos focais, com o material coletado e devidamente transcrito, a equipe da Universidade de Cardiff procedeu à análise de conteúdo. Ou seja, passou-se à análise sistemática do conteúdo textual. A análise de conteúdo é uma técnica adequada para análise de entrevistas fechadas ou semiestruturadas, comunicações de massa e questões abertas de questionários34. Esse tipo de análise busca, através da codificação, interpretar os significados subjetivos das falas dos atores em determinado contexto. O foco se volta ao conhecimento das variáveis psicológicas, sociológicas e históricas através do conteúdo textual. O que não significa a mera produção de suposições a partir do conteúdo, mas de inferências embasadas em pressupostos teóricos e no contexto histórico e social de produção35.

    Essa técnica pressupõe a realização de algumas etapas e, aqui, utilizamos a sequência como proposta por Campos36. A primeira etapa pode ser chamada de “pré-exploração” ou “leitura flutuante” do material textual. Isso quer dizer um primeiro contato com texto de maneira despretensiosa e pouco sistemática, na qual o pesquisador buscará registrar suas impressões e os aspectos que surgem como relevantes. Essa etapa deve ser compreendida como o momento de conhecer o texto, lendo-o repetidas vezes, colocando-o em perspectiva e buscando seus significados mais gerais. A segunda etapa é o que pode ser chamada de seleção das unidades de análise ou unidades de significado. O que se compreende como “unidades de análise” são palavras, frases ou trechos do material analisado que auxiliam a responder à pergunta da pesquisa e os interesses que guiam o pesquisador. Toma-se como pressuposto a interdependência entre as escolhas teóricas e temáticas do pesquisador para o recorte dessas unidades. Tais escolhas devem, por assim dizer, encontrar ressonância nas “unidades de análise”.

    As “unidades de análise” sustentam a terceira etapa, chamada de “categorização e subcategorização”. A construção de categorias deve ser feita pela


    34 ABDAL, Alexandre; OLIVEIRA, Maria Carolina Vasconcelos; GHEZZI, Daniela Ribas et al (Orgs.). Métodos de pesquisa em ciências sociais: Bloco Qualitativo. São Paulo: Sesc Sp/ CEBRAP, 2016.

    35 BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011.

    36 Método de análise de conteúdo: ferramenta para a análise de dados qualitativos no campo da saúde, Revista Brasileira de Enfermagem, v. 57, n. 5, p. 611–614, 2004.


    diferenciação e pelo agrupamento. Isso quer dizer que será necessário diferenciar as “unidades análise” entre si, mas também verificar sua proximidade. O grau de proximidade, relação entre as unidades, a frequência (repetição) e a relevância são os aspectos que devem guiar o estabelecimento das categorias. Por isso, codificar as “unidades de análise” é um passo importante na categorização, isto é, marcar as unidades com códigos (símbolos, sinais, palavras etc.) que facilitem o agrupamento e, por conseguinte, a formação das categorias. O processo de categorização pode se iniciar antes mesmo do contato com o texto, quando o pesquisador já estabeleceu categorias a priori, seja por suas experiências anteriores de pesquisa ou pelos seus interesses teóricos; ou, ainda, as categorias podem ser estabelecidas ao longo da exploração do material, nas repetidas leituras que serão realizadas pelo pesquisador.

    Neste artigo, o corpus de análise é composto por oito transcrições de grupos focais que tiveram em média 1 hora 30 minutos de duração. O processo de transcrição resultou em mais de 500 páginas que foram analisadas por uma equipe de três pesquisadores. Levando em consideração o montante de material textual a ser trabalhado, a equipe optou pelo uso do software Nvivo, como ferramenta de organização e codificação. Com o uso desse software, conseguimos executar a “pré-exploração” do material, produzindo relatórios individuais das leituras e compartilhando-os com toda a equipe.

    Os processos de codificação e categorização também foram facilitados pelo software e resultaram na formação de quatro grandes categorias, são elas: i) percepções sobre a pobreza; ii) vetores de pobreza; iii) trabalho; e iv) necessidades. Buscamos distinguir, entre o conjunto de elementos gerais, aqueles negativos e positivos relacionados ao tema da pesquisa. Na primeira categoria agrupamos as concepções mais gerais dos participantes sobre a pobreza; na segunda, agrupamos o que foi citado como condições sociais que levam à pobreza (por isso, consideradas negativas); na terceira e na quarta categoria, agrupamos aquilo que foi citado como necessário à superação da pobreza (por isso, consideradas positivas).

    Ressaltamos que a análise foi guiada tanto pela questão da pesquisa – o que os participantes consideram como necessidade para um padrão de vida digno em nosso país –, quanto por aquilo que os participantes mais trouxeram para a discussão


    (repetição) e aquilo que, quando trazido por eles, se relacionava com os interesses teóricos da equipe de pesquisadores (relevância). A categoria trabalho, por exemplo, surgiu tanto pela frequência com que os participantes falavam sobre a necessidade de “emprego”, de ter um “serviço”, de fazer sua “renda” etc., quanto da relevância do tema para a equipe de pesquisadores e para o contexto histórico em que vivemos. A partir da categoria trabalho, formulamos 8 subcategorias que serão apresentadas a seguir, condensando as percepções dos participantes e o embasamento teórico que sustentam nossas análises. Na figura 1, esquematizamos o processo de análise de conteúdo, tendo por foco a categoria “Trabalho”.


    Figura 1 – Processo de categorização


    Fonte: elaboração própria.


  3. Resultados: trabalho decente para uma vida digna


Tendo em vista o trabalho decente como ponto de convergência dos direitos fundamentais no trabalho, do emprego em quantidade e qualidade, da proteção e da participação social; e, ainda, considerando a perspectiva do trabalho como uma das vias possíveis de superação da pobreza, das desigualdades e da exclusão social, examinamos as discussões trazidas pelos participantes dos grupos focais.

Pela análise de conteúdo empreendida, estabelecemos a categoria trabalho que abarca oito subcategorias. Organizarmos essas subcategorias a partir dos pontos que convergem no conceito de trabalho decente – tanto aqueles considerados fundamentais (os direitos no trabalho, o emprego, a proteção e o diálogo), quanto os que foram desenvolvidos na Agenda deste conceito, discutidos mais acima – e das percepções da totalidade dos participantes. Levando em conta as limitações do espaço de um artigo, apresentamos nossas análises a seguir, por subcategoria, exemplificando-as com “unidades de análise” que consideramos representativas para a análise desenvolvida.

A sequência da apresentação dessas subcategorias diz respeito à sua frequência no material analisado. Iniciamos com as categorias mais comentadas pelos participantes (repetição) até os tópicos que surgiram com menor força nas discussões, mas que se mostram igualmente importantes para os objetivos da pesquisa (relevância).


    1. Trabalho infantil


      A erradicação do trabalho infantil é uma das prioridades da Agenda do trabalho decente37. Na construção dessa Agenda, algumas ações foram elencadas como desafios para a erradicação desse tipo de trabalho, dentre elas: aceleração do ritmo de redução do trabalho infantil; compreensão das características atuais desse tipo de trabalho e de seus determinantes, o que incluiu estudá-lo a partir de


      37 ABRAMO, Laís. Uma década de promoção do trabalho decento no brasil: uma estratégia baseada no diálogo social. OIT, Brasília, 2015.


      abordagens qualitativas; desenvolvimento de estratégias para monitorar as piores formas de trabalho infantil; melhoramento das políticas para o trabalho no campo; tornar responsabilidade municipal as políticas de prevenção e eliminação do trabalho infantil, compreendendo e fortalecendo a gestão local; aprimoramento e ampliação da inserção dos adolescentes em programas de aprendizagem; implementação de educação integral de qualidade; desenvolvimento de estratégias de transição trabalho-escola38.

      Na percepção dos participantes, o trabalho infantil pode estar ligado à estratégia familiar de complementação de renda e ao contexto das condições de trabalho que se apresentam para essa família. Os participantes demonstram ambivalência ao comentar o trabalho durante a infância, citando que, muitas vezes, sem o trabalho infantil as famílias não conseguem o básico para sobrevivência. Há cautela para evitar uma criminalização da pobreza a partir do trabalho infantil39. Os grupos mostraram-se preocupados em não segregar, desqualificar ou penalizar as famílias pobres e seus filhos.


      Então, o que eu estava pensando, na verdade, seria mais a questão do trabalho. Por que muitas crianças, que como a gente tá pegando essa faixa etária do 0 aos 18, não conseguem frequentar a escola, por uma demanda dos pais precisarem de ajuda. Dependendo da área que eles também se encontram se é uma área rural ou não ou, se é tipo norte, nordeste. Eu acho que tem muito dessa questão: quem vai ser contra o trabalho infantil? E tudo mais. Eu acho que é uma visão muito descolada da realidade, né? Porque uma coisa é uma criança ou adolescente que vai fazer um curso profissionalizante que vai trabalhar para poder comprar o celular que ele quer. E aí, beleza. É diferente também daquela criança que precisa trabalhar para complementar a renda de casa. Que daí são dois tipos de trabalho totalmente diferentes. Criança, sei lá, de 04, 05 anos, carregando carriola cheia de cana para ajudar no sustento da casa. Então, isso também é um fator que distancia a criança da escola. Mas para isso, e para não ganhar nada. Vamos dizer, bem entre aspas: a própria criança acaba preferindo trabalhar para ajudar no sustento da casa porque ela vê as dificuldades que mãe e pai, sei lá, irmão, enfrentam. E isso está muito ligado com essa questão da pobreza mesmo, de você meio que forçar a criança, meio que a perder a infância, né? Porque também tem uma diferença entre ser criança e ter infância por essa


      38 ABRAMO, Lais. Panorama Mundial do Trabalho Infantil e a Experiência Brasileira. OIT Brasil, Brasília, 2013.

      39 NASCIMENTO, Maria Lívia do; CUNHA, Fabiana Lopes da; VICENTE, Laila Maria Domith, A desqualificação da família pobre como prática de criminalização da pobreza, Revista Psicologia Política, v. 7, n. 14, p. 0–0, 2007.


      questão de renda. É uma coisa muito delicada assim de entender até (R., mulher branca, 57 anos).


      Eu acho que também entra, neste contexto de criança e pobreza, acho que entra muito a questão do trabalho infantil. É muito pesado a gente falar nossa criança trabalhando, mas é uma realidade se a gente for ver. O exemplo do semáforo, muitas crianças vendendo trufa, vendendo bala no semáforo. E, às vezes, a gente fala “não pode, não pode”. Mas, se é criança não tiver ali, talvez, não ajude no que realmente precisa [em casa]. Infelizmente, acontece isso, entendeu? Eu acho que é um ponto também [que precisa ser considerado]. (J., homem negro, 41 anos).


      Se a gente for parar para pensar, às vezes, uma pessoa que não tem condição de ter um filho, tem um filho, o que é grave. É, aí os pais não conseguem bancar a criança, aí a criança cresce, aí ou ela vai trabalhar para comer ou ela passa fome. E aí, o que que a gente faz? (L., mulher branca, 21 anos).


      Uma coisa também que eu acho, esses negócios, assim, hoje, colocar em uma lei que uma criança, tipo assim, os adolescentes só podem trabalhar...Tá, é crime! Eu acho que isso também atrapalha [em] um certo [nível]. Não fazer nossos filhos de escravo. Mas, assim, já começar a ensinar o que é já, o que é fazer uma coisa. Se você [fizer isso], hoje, é crime! Hoje, a gente é presa se for [defender o trabalho infantil]. Porque aconteceu uma cena [comigo]: o meu filho [com 16 anos] tá doido pra trabalhar, ele tá no primeiro emprego, e eu que fui atrás (M., mulher parda, 42 anos).


      No entanto, levando em consideração tanto a Agenda do trabalho decente quanto as percepções dos participantes, um desafio para a erradicação do trabalho infantil, identificado por Campos e Alverga40, parece persistir. Trata-se da crença, compartilhada socialmente – até mesmo por aqueles “encarregados do combate a esse tipo de trabalho”, isto é, por decisores políticos –, de que o trabalho infantil auxiliará de alguma forma o desenvolvimento das crianças. A integração precoce no mercado produtivo de trabalho é trazida como atividade necessária, especialmente, para os adolescentes com o objetivo de que eles “comecem a aprender o que fazer”. Ao que constatamos, a reificação do trabalho como atividade que desenvolve e faz aprender se junta à realidade da pobreza como uma justificativa cabível para tolerar alguma forma de trabalho infantil. Assim como Campos e Alverga, concordamos que,


      40 Trabalho infantil e ideologia: contribuição ao estudo da crença indiscriminada na dignidade do trabalho,

      Estudos de Psicologia (Natal), v. 6, p. 227–233, 2001.


      para a erradicação do trabalho infantil, é necessário que as políticas públicas se voltem à transformação dos sentidos do trabalho para infância e adolescência, na mesma medida em que se voltam às questões das condições econômicas.


    2. Desgaste no trabalho


      O trabalho decente é apresentado como um dos principais caminhos de saída da pobreza, com o qual se busca estabelecer condições desejáveis e suficientes para a maior qualidade dos postos de trabalho gerados41. A perspectiva apresentada pelos participantes da pesquisa indica a relação da qualidade do trabalho – o que se relaciona à precariedade e à precarização das condições de trabalho42 – e da pobreza. A relação entre sobrecarga de trabalho, extensão da jornada e desgaste do trabalhador em suas atividades conformam as principais relações estabelecidas pelos participantes. Aqueles considerados pobres estão mais sujeitos a trabalhar mais e em situações mais precárias. A falta de trabalho e o desemprego são também vinculados intimamente à pobreza. Os pobres estão mais sujeitos a ficar fora do intercâmbio social e econômico que é o trabalho, sendo esse grupo colocado em um estado de constante insegurança psicossocial.


      A pessoa pobre, ela pode acordar 4 horas da manhã pra pegar trem em São Paulo, pra chegar no trabalho às 8, e depois sair às 17 e chegar às 21, ou às 19. Então, acho que também vai nessa questão da própria valoração do tempo porque o tempo do rico é mais valioso que o tempo do pobre, sendo que geralmente quem é pobre precisa usar mais o tempo [de vida] pra poder se sustentar e enfim. [..] se você tenta acordar cedo e trabalhar, aí pra ter seu dinheiro no final do mês, eu vejo muito isso em discussões do tipo: “Aí não, por que nossa eu pobre? ‘Magina’, eu ganho X”. Só que se a pessoa não acordar e não for lá trabalhar, ela não vai ganhar, então tipo assim, né? Então tem isso. A pobreza, ela gera lucro pra alguém, né? Senão, ela não existiria nesse modo de produção. Mas, essa questão de a pessoa achar que ela é pobre porque ela ou não trabalha suficiente, ou não faz por merecer pra sair dessa condição, também é algo que prejudica o ser humano, assim no sentido de que na verdade você


      41 RODGERS, Gerry. El trabajo decente como una meta para la economía global. CINTERFOR/OIT, 2002.

      42 THÉBAUD-MONY, A.; DRUCK, Maria da Graça. Terceirização: a erosão dos direitos dos trabalhadores na frança e no brasil. In: DRUCK, Graça; FRANCO, T. (Org.) A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.


      expor essa pobreza, e falar da pobreza, na verdade a gente tá colocando dedo na ferida de um sistema que consome o trabalhador (R., mulher branca, 21 anos).

      .

      Não tem meio termo, você é pobre! Você é pobre, se você precisa trabalhar, se você precisa acordar cedo, se você precisa, sabe? Você é sugado pelo sistema, você é pobre (T., mulher negra, 38 anos).


      Tem muita gente que batalha, pobre mesmo que batalha muito, passa o dia todo naquela no sol quente vendendo coisas no semáforo. E ainda assim não consegue ter uma vida, que eu diria de subsistência, que não conseguem ter comida todo dia, não consegue ter uma água limpa, enfim eu acho muito difícil de definir [a pobreza] (J., mulher negra, 21 anos).


      Os participantes apontam para questões caras à tradição de estudos sobre saúde do trabalhador e saúde mental relacionada ao trabalho. Especialmente, a relação entre vulnerabilidade social, precariedade e precarização, e adoecimento. Trabalhar mais, em horas e intensidade, em condições precárias, inseguras e intermitentes são fatores fortemente ligados ao maior desgaste físico e psíquico do trabalhador43. Nesse sentido, os participantes apontam que ser pobre também está relacionado com a qualidade do trabalho e com o nível de desgaste que esse provoca nos sujeitos. Caracterizam-se como pobres aqueles que estão mais vulneráveis à precarização e à precariedade do trabalho. O direito ao tempo de vida fora do trabalho é outra questão que está incluída na caracterização da pobreza. Conforme Aquino e Martins, baseados na sociologia do tempo, torna-se importante incluirmos na análise do trabalho o estudo de como os sujeitos distribuem e valoram o sentido do tempo cotidiano para si mesmos, principalmente, mas não exclusivamente, em relação às demandas externas, isto é, ao “heterocondicionamento” dos sujeitos pelas atividades laborais44.


      43 ANTUNES, Ricardo; PRAUN, Luci, A sociedade dos adoecimentos no trabalho. Serviço Social & Sociedade,

      n. 123, p. 407–427, 2015; FRANCO, Tânia; DRUCK, Graça; SELIGMANN-SILVA, Edith, As novas relações de trabalho, o desgaste mental do trabalhador e os transtornos mentais no trabalho precarizado. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 35, p. 229–248, 2010; LAURELL, Asa Cristina; NORIEGA, Mariano. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989; SELIGMANN-SILVA, Edith, Desemprego e Desgaste mental: Desafio às Políticas Públicas e aos Sindicatos. Revista Ciências do Trabalho, v. 0, n. 4, p. 89–109, 2015.

      44 AQUINO, Cássio Adriano Braz; MARTINS, José Clerton de Oliveira. Ócio, lazer e tempo livre na sociedade do consumo e do trabalho. Revista Subjetividades, v. 7, n. 2, p. 479–500, 2007. Disponível em: https://repositorio.ufc.br/handle/riufc/27034. Acesso em: 14 jun. 2021.


      A partir da perspectiva dos participantes, é possível indicarmos que, para a construção do trabalho decente como via de superação da pobreza, a qualidade do trabalho deverá incluir a análise do nível de desgaste físico e psíquico a que os sujeitos estão submetidos. O tempo de vida fora do trabalho – particularmente quando temos, no nosso tempo histórico, meios tecnológicos para diminuição das horas e do desgaste no trabalho45 – mostra-se elemento fundamental para a erradicação da pobreza e para que todos tenham um padrão de vida digno.


    3. Divisão sexual do trabalho


      O conceito de trabalho decente preconiza a equidade de oportunidades entre homens e mulheres no mercado de trabalho46. Na última década, o trabalhos de cuidado e o trabalho reprodutivo passaram a figurar na discussão dada a urgência de pensá-los com a devida importância na construção do trabalho decente47. A divisão sexual do trabalho, resultado das relações sociais de sexo, destina às mulheres a esfera reprodutiva da vida, a partir da diferenciação e hierarquização do trabalho48. O trabalho de cuidado desempenhado por mulheres, de maneira gratuita, surge como tema das discussões dos participantes na caracterização da pobreza.


      [...] Ou faz faculdade ou trabalho. Ou eu fico com ele [com o filho pequeno] ou eu trabalho. Então, eu não tenho assim... A prefeitura falou assim: “ah, deixa ele no período integral”. Isso aí eu não tenho! A metade do meu salário é pagando uma escola particular no período integral. Então, eu não tenho escolha. Eu vou ficar nesse padrão de vida, até não sei quando. É desse modo que eu vivo. Eu vivo para pagar a escola, então não tenho acesso do governo, nada. Nada! Eu tenho daqui da Universidade. Eu não posso contar com postinho de saúde lá no bairro que eu moro. Esses dias eu fui lá pela vacina, não tinha vacina. Então, aí eu tive que pagar para aplicar. Então, eu acho assim, falando de modo de pobreza, eu não falar qual é. Eu não sei em que nível que eu meu encaixo também, entendeu? Porque eu acho assim, se eu parar de trabalhar, e deixar ele numa escola meio


      45 ANTUNES, Ricardo (Org.). Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0. São Paulo: Boitempo, 2020.

      46 OIT (Org.), Trabajo decente: Memoria del Director General, Ginebra: Oficina Internacional del Trabajo, 1999.

      47 LAURA ADDATI, Umberto Cattaneo. Care work and care jobs for the future of decent work. ILO, Ginebra, 2018.

      48 KERGOAT, Danièle, Dinâmica e consubstancialidade das relações sociais, Novos estudos CEBRAP, p. 93–103, 2010.


      período, como é que eu vou fazer para... [ter renda suficiente], né? (S., mulher parda, 44 anos).


      Chegar uma mãe, no final do dia, que trabalhou o dia inteiro de doméstica, que limpou uma casa de sete quartos, aguentou o filho de três pessoas diferentes que convivem ali naquele lugar, estressou ela no último do dia. Falar que ela vai chegar em casa com paciência pra contar historinha até o filho ter sono pra dormir? Não vai! (L., mulher branca, 39 anos).


      Eu sei… Eu sei por que eu passo por isso, mas, tipo assim, o que eu faço com a minha filha ela tem 9 anos. Às vezes, eu tranco a porta. Que Deus me perdoe, eu entrego na mão de Deus! Se eu tiver que trabalhar e minha mãe não tá, eu deixo comida lá no prato pra ela, ponho no micro-ondas, ponho suco, ela se vira (A., mulher negra, 31 anos).


      Porque a mulher ela tem muito, muito assim... Como eu posso [dizer]? Habilidade de muitas das coisas, pra fazer muitas das coisas, sabe? Assim, se ela aprendeu em um ofício: pintar um tecido, fazer um crochê, fazer uma faxina. A mulher se arranja, né? Agora o homem é mais complicado, né? (I., mulher negra, 53 anos).


      Porque eu vou falar uma coisa: se a mulher tiver filho, a maioria... Você sabe que tem certos preconceitos. Se a mulher vem de lá com filho... Às vezes, surge uma faxina, com quem ela vai deixar o filho? (M., mulher negra 38 anos).


      Para as participantes da pesquisa, mulheres em sua maioria (74% do total de participantes), ser mãe solteira, sem rede adequada de apoio para os cuidados com os filhos é característica da experiência da pobreza. Trata-se de uma situação histórica, amplamente registrada tanto em dados estatísticos quanto na literatura acadêmica: mães negras, solteiras, únicas responsáveis por seus domicílios, são mais vulneráveis à pobreza49. São também mulheres negras que estão nas margens do mercado de trabalho, com atividades por demanda, sem maior estabilidade de renda ou proteção social. Para a construção do trabalho decente, reiteramos o que anuncia Adatti: é urgente incluir com a devida relevância a discussão e a ação voltada à divisão sexual do trabalho e à importância do trabalho reprodutivo e de cuidado para


      49 IBGE. Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro, 2020.


      a vida em sociedade50. Sobretudo, quando vivenciamos com a pandemia da Covid-19 não somente uma crise sanitária, mas um aprofundamento da já bem documentada crise do cuidado51.


    4. Preconceito e discriminação


      Conforme indica Coutinho, para a construção do trabalho decente, é necessária a constante reafirmação e a garantia de combate à discriminação para que todos tenham “um trabalho digno, em condições de liberdade, igualdade de oportunidades, proteção, e garantia à dignidade humana da pessoa do trabalhador”52. Essa garantia está refletida também naquilo que os participantes compreendem sobre o trabalho e pobreza em nosso país. Na leitura dos participantes, a discriminação – pela raça, pelo gênero e pela sexualidade – surge como barreira de acesso ao trabalho e ao emprego e, por isso mesmo, como vetor de manutenção da pobreza.


      Também tem que ser [levado em conta] sexualidade [para arranjar trabalho]. Também porque, às vezes, a pessoa é trans, gay... E existem homofóbicos. É bem mais simples para gente [cis hétero]. Já tá difícil de arrumar trabalho, se a pessoa é trans, gay, aí eles não aceitam. E também por causa da cor (W., mulher parda, 16 anos).


      [Uma] moça estava contando uma história: um rapaz que conseguiu um emprego, ele era negro. Ele é negro. E o gerente chegou nele perguntou se o cabelo dele entrava água. E, tipo assim, ele ficou sem graça, mas depois o gerente pegou um copo de água e jogou água no cabelo dele para ver se entrava mesmo. E era um escritório e todo mundo estava vendo (F., mulher negra, 17 anos).


      Essas minorias acabam sendo levadas porque a sociedade exclui. Vem de uma exclusão muito grande. Então, [na organização onde trabalho] a gente pega negros que não conseguem arrumar emprego, que são considerados marginalizados simplesmente pela cor deles.



      50 LAURA ADDATI, Umberto Cattaneo. Care work and care jobs for the future of decent work. ILO, Ginebra, 2018.

      51 CEA - UFRRJ. Trabalho e cuidado em tempos de pandemia – entrevista com Helena Hirata (CNRS, França / USP). Youtube, 05 ago. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=udwgIdgpgKU. Acesso em: 19 abr. 2021.

      52 COUTINHO, Maria Luiza Pinheiro. Discriminação no Trabalho: Mecanismos de Combate à Discriminação e Promoção de Igualdade de Oportunidades. OIT: Brasília, 2006, p. 7.


      Nós pegamos homossexuais que são considerados “estranhos”, “excluídos”, “pessoa de outro mundo”, simplesmente, porque não estão com uma pessoa do sexo oposto e sim como uma pessoa do mesmo sexo. Pegamos mulheres que simplesmente são taxadas pelos seus corpos, que quando vão para uma entrevista de emprego não estão lá para mostrar sua credibilidade (L., homem branco, 14 anos).


      Diálogo entre as participantes I. (mulher negra, 53 anos), R. (mulher parda, 38 anos), D. (mulher branca, 18 anos) e M. (mulher negra, 17 anos).

      I: Tem lugares que você chega, que você tá precisando de um emprego e você se encaixa. [Mas], olham pra você e você é preto... R: Eles têm preconceito tanto com o corpo…

      D: Com cabelo…

      R: Eles têm preconceito se você tem tatuagem ou se você não tem! D: Com piercing... Se você é gay.

      I: Se é gay, né? Só por causa da sua cor, acham que você é bandido. M: O Brasil é muito preconceituoso.


      A violência e o assédio organizacional no trabalho são percebidos como frutos do preconceito e da discriminação social. Ser capaz de se retirar de situações de violência e de superar a discriminação no trabalho também tem a ver com a experiência da pobreza. O trabalho como única garantia de sustento para a maioria da população diminui a possibilidade de os trabalhadores denunciarem e superarem situações de violência no trabalho. Além disso, para a construção do trabalho decente, é importante compreender o desgaste subjetivo53, provocado pelas situações de preconceito, discriminação e violência. O ataque constante à identidade e à dignidade torna ainda mais vulneráveis os sujeitos em situação de pobreza.


    5. Educação


      A Agenda do trabalho decente para a juventude tem como seus pilares o acesso à educação de qualidade, a conciliação entre estudos, trabalho e vida familiar, e a inserção digna no mercado de trabalho54. A relação trabalho-educação


      53 FRANCO, Maria A. Ciavatta. Formação profissional para o trabalho incerto: um estudo comparativo Brasil, México e Itália. In: FRIGOTTO, Gaudêncio et al. (Org.). Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século. 7 ed. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 100–137.

      54 ABRAMO, Laís. Uma década de promoção do trabalho decento no brasil: uma estratégia baseada no diálogo social. OIT, Brasília, 2015, p. 28.


      também é encontrada nas discussões dos grupos focais. Os participantes trazem contradições percebidas entre a qualidade e o acesso ao ensino público gratuito no nível básico e no nível superior.

      Quem está na classe mais pobre não tem esse acesso e não tem o acesso. A gente sabe a diferença, às vezes, de uma escola particular pra uma escola pública. Hoje, infelizmente, no Brasil, a educação pública não é boa. Então, isso já vai diminuir a oportunidade lá pra frente, de trabalho, eu acho! (S., mulher branca, 53 anos).


      Acho que isso [educação] não garante o emprego, acho que vai da pessoa mesmo. Porque a escola é importante, sim, mas se você não for... se você não tiver a sua capacidade de fazer algo, acho que a escola podia ter atinado para isso (F., homem negro, 17 anos).


      Até que ponto o que eu vivo também não é um tipo de pobreza, que é o que a [outra participante] trouxe antes. De você não conseguir, por exemplo, de ter as condições de só estudar. Estudar e fazer outra coisa. Porque de qualquer forma você precisa trabalhar, ter um sustento para conseguir terminar a faculdade. Se não você não tem nem a faculdade, nem o emprego, nem nenhum dos dois, aí você não faz nada. Então é difícil (B, mulher negra, 22 anos).


      E liga um pouco porque a escola, hoje em dia, a escola pública, ela prepara a criança, o jovem, não para passar, não para ingressar numa faculdade. Prepara o jovem para fazer uma função. E aí ela sabe que ele tem a hora dele ir no banheiro, a hora dele lanchar e depois voltar para o trabalho. É isso que a escola faz a escola pública (M., homem pardo, 21 anos).


      Para os participantes, a educação básica pública é considerada de pouca qualidade, oferecendo aos alunos uma formação que não possibilita o acesso ao ensino superior e ao mercado de trabalho menos precarizado, o que é visto como um vetor de manutenção da pobreza. Em outras palavras, o acesso à educação básica, se pública e gratuita no nosso contexto, não é visto como alternativa ou garantia de superação da pobreza. Não somente acesso, mas assistência para permanência no ensino superior também é vista como necessidade, principalmente, dos estudantes que são também trabalhadores. As questões abordadas pelos grupos remetem à ampla discussão nas políticas públicas de educação e formação profissional: como educar e formar para um mundo de incerteza do trabalho e de condições precárias de trabalho? As palavras de Franco explicam essa encruzilhada: parece não haver


      menor clareza quanto às opções concretas de formação profissional para a aquisição de novas habilidades e conhecimentos55, pois já não há um mercado de trabalho formal – como aquele que ao longo do século XX, na era fordista, foi minimamente estruturado na ideia do emprego – para a maioria da classe-que-vive-do-trabalho56.


    6. Proteção social


A proteção social às trabalhadoras e aos trabalhadores é um dos elementos constituintes do trabalho decente57. Sua expansão é um dos objetivos da Agenda deste conceito. Nos grupos focais, os participantes indicaram que a insegurança atrelada ao trabalho e à impossibilidade de acesso ao mercado de trabalho tem relação direta com a falta de proteção social.


É, é, o Estado. O Estado. Pra mim é o Estado. Tem que ter emprego. Cê tem que ter, tem que ter ... com 13 milhões de desempregados, mais 30, 20 tantos milhões de desalentados… (L.R., mulher branca, 39 anos).


Meu pai ficou uns 2 anos para se aposentar aí ele conseguiu se aposentar e aí assim parte da aposentadoria dele vai tudo para o meu irmão e aí o trabalho dele ele continua trabalhando também vai tudo para pagar a conta e sobra um pouquinho (L.R., mulher parda, 20 anos).


Então se a gente for fazer soluções, por exemplo, se a gente for ... não é a pergunta atual, mas por exemplo, se a gente for querer trabalhar isso, como a gente pode trabalhar? Tanto por meio disso, mas também tem uma questão governamental também que é … como que a gente vai tirar eles da pobreza sendo que os pais não conseguem nem arrumar um emprego estável? Um emprego integral, eles não conseguem ter uma rotina eficiente, boa o bastante para eles terem uma rotina sem que não seja dentro de uma pobreza (L.S., homem negro, 19 anos).



55 FRANCO, Maria A. Ciavatta. Formação profissional para o trabalho incerto: um estudo comparativo Brasil, México e Itália. In: FRIGOTTO, Gaudêncio et al. (Org.). Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século. 7 ed. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 100–137, p. 102.

56 ANTUNES, Ricardo, Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho, São Paulo: Boitempo Editorial, 2015.

57 ABRAMO, Laís. Uma década de promoção do trabalho decento no brasil: uma estratégia baseada no diálogo social. OIT, Brasília, 2015.


É possível observar também que, na perspectiva dos participantes, a geração de emprego e a aposentadoria são dois suportes necessários para trabalhadoras e trabalhadores. Os participantes indicam que mesmo aqueles que acessam de alguma forma essas proteções, não estão realmente protegidos. Por exemplo, quando aposentados tem de continuar trabalhando para complementar a renda familiar. Nessa discussão, impõe-se pensar tanto na proteção social que efetivamente proteja os sujeitos, como pensar na construção do trabalho como direito social e não como regulador daqueles que têm acesso ou não a direitos sociais, sendo dispositivo para uma “cidadania regulada”58.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


A partir dos dados apresentados é possível indicar que os participantes compreendem o trabalho como elemento central da vida humana e, especificamente, como aspecto estruturante de nossa sociedade.

Os participantes trazem a complexidade dos mundos do trabalho em suas falas. Indicam que, em nosso país, trabalhar não é o suficiente para o sustento de si e de seus dependentes. Trazem, ainda, a ideia de que não há necessariamente uma correlação positiva entre trabalho e saída da pobreza. De acordo com os participantes, o desgaste no trabalho, a sobrecarga e a intensidade do ritmo de trabalho não remetem à maior renda ou melhores condições de trabalho. O esforço de trabalho não determina menor experiência de pobreza.

A relação entre a precarização das condições de trabalho e a pobreza são elementos importantes nos indicadores estabelecidos pelos grupos focais. A relação exposta pelos participantes indica que o trabalho pode se tornar vetor da experiência de pobreza, com o desgaste e a violência presentes nas condições de trabalho. Os participantes fornecem análises preciosas para a construção do conceito de trabalho decente, apontando para a problemática da compreensão do trabalho como um regulador de acesso a direitos sociais, desconsiderando-o como um direito social.


58 SANTOS, Wanderly Guilherme dos, Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1979.


No contexto brasileiro, mesmo antes da crise sanitária que nos assola, o foco na geração de postos de trabalho, especialmente prometido (mas não alcançado) pela Reforma Trabalhista de 2017, sem a devida atenção para a qualidade do trabalho, impôs uma visão regressiva às garantias de emprego, trabalho e renda59. O desmantelamento das relações de emprego e trabalho podem ser traduzidos na dissolução do Ministério do Trabalho no Ministério da Economia, sustentados no discurso de que trabalho é uma troca econômica e que os trabalhadores são agentes “livres” e “iguais” para estabelecer essas trocas60.

Diante desse cenário, nosso estudo contribui para que retomemos uma Agenda do Trabalho Decente tendo em vista a participação social com trabalhadoras e trabalhadores na discussão das políticas públicas que lhes afetam, a partir de suas representações coletivas. Sejam elas os sindicatos ou as associações e redes de trabalhadores precarizados que têm surgido nos últimos anos. Ainda, este estudo possibilita as bases para uma discussão psicossocial necessária na utilização do conceito de trabalho decente, algo que outros pesquisadores brasileiros têm buscado fazer ao longo dos últimos anos61.

Tendo em vista a importância de tais contribuições, a equipe de trabalho envolvida neste estudo continua ativa e expandiu a utilização da Abordagem Consensual em estudo piloto durante a pandemia na cidade de São Paulo62. Em 2022, esperamos publicar novas análises a partir dos dados coletado ao longo de 2021, construindo uma base metodológica sólida para o estudo de políticas públicas, o que inclui as políticas de trabalho, emprego e renda em nosso país.


59 KREIN, José Dari, O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da ação coletiva: consequências da reforma trabalhista, Tempo Social, v. 30, n. 1, p. 77–104, 2018.

60 UCHÔA-DE-OLIVEIRA, Flávia Manuella, Saúde do trabalhador e o aprofundamento da uberização do trabalho em tempos de pandemia, Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 45, 2020.

61 RIBEIRO, Marcelo A.; SILVA, Fabiano F.; FIGUEIREDO, Paula M., Discussing the Notion of Decent Work: Senses of Working for a Group of Brazilian Workers without College Education, Frontiers in Psychology, v. 7, 2016; RIBEIRO, Marcelo Afonso; TEIXEIRA, Marco Antônio Pereira; AMBIEL, Rodolfo Augusto Matteo, Decent work in Brazil: Context, conceptualization, and assessment, Journal of Vocational Behavior, v. 112, p. 229–240, 2019; SPINK, Peter Kevin, Micro cadeias produtivas e a nanoeconomia: repensando o trabalho decente, Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, v. 12, n. 2, p. 227–241, 2009.

62 UCHÔA DE OLIVEIRA, F. M. de; NANDY, S; FERNANDEZ, G. F.; et al. O que os brasileiros pensam ser necessário para que se tenha um padrão de vida digno em seu país? Estudo piloto na cidade de São Paulo. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, v. 4, 2021.


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Flavia Uchôa de Oliveira

Doutora e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP). Doutorado sanduíche na Escola de Ciências Sociais da Cardiff University pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior da CAPES. Membro do Laboratório de Estudos do Trabalho, Movimentos Sociais e Políticas Sociais (TraMPos). E-mail: flavia.muo@gmail.com.



Shailen Nandy

PhD em Política Social pela Universidade de Bristol. Pesquisador e Professor da Universidade de Cardiff, Reino Unido. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1066-9181. E-mail: NandyS1@cardiff.ac.uk



Gabriela Fraga Fernandez

Mestra em Sociologia com especialização em Antropologia e Doutoranda em Antropologia, ambos pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA - UFRJ). Lattes: http://lattes.cnpq.br/0589442224692395. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0224-2973. Email: fernandezfgabriela@gmail.com.



Ana Elisa Spaolonzi Queiroz Assis

Professora da graduação e da pós-graduação da Faculdade de Direito do Sul de Minas e da Faculdade de Educação da UNICAMP. Pesquisadora e líder do Laboratório de Políticas Públicas e Direitos Fundamentais (LabDirF/FDSM). Pesquisadora e vice-líder do Laboratório de Políticas Públicas e Planejamento Educacional - LaPPlanE da Faculdade de Educação. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9527743086394186. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3759-4845. Email: anaelisasqa@gmail.com.



Luis Renato Vedovato

Professor do Programa de Pós Graduação Mestrado/Doutorado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor de Direito Internacional Público da PUC-Campinas. Membro do Academic Advisory Group of the Global Center for Legal Innovation on Food Environments (“Global Center”) do O’Neill Institute for National and Global Health Law (Georgetown University). Pesquisador do Projeto de pesquisa conjunto (Cardiff University e UNICAMP) "Examining poverty in a polarised and unequal society: the potential of the Consensual Approach to poverty research in Brazil" - UK E-mail: lrvedova@unicamp.br