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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
MOREIRA, Thiago O.; GURGEL, Yara M. Pereira; LINS, Ricardo G. de Sousa. O trabalho escravo contemporâneo no Brasil e o caso
José Pereira: o que efetivamente mudou? Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-30, 2021.
ao trabalho escravo no território nacional, pois consolidou a terceira fase da abordagem
normativa relativa ao conceito da escravidão contemporânea.
Após ter perpassado pelo primeira e segunda fases, respectivamente caracterizadas
pelo conceito clássico (exercício de atributos de direito de propriedade) e pela abertura
conceitual (para abranger o trabalho forçado ou obrigatório), com a nova redação atribuída
ao art. 149 do Código Penal, o Brasil passar a ter uma legislação vanguardista, mais moderna
e adequada inclusive do que os diplomas internacionais que tratam da matéria (OIT,
Convenções n.º 29 e 105; e os tratados pertinentes da ONU).
A partir da reforma do art. 149 do Código Penal
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, o crime de submissão à condição
análoga à de escravo passou a ser configurado nas hipóteses de trabalho forçado, de jornada
exaustiva, de condições degradantes de trabalho e de restrição de locomoção
44
. Como se vê,
a restrição de locomoção é apenas uma das hipóteses fáticas que configuram o tipo penal,
sendo desnecessária a sua ocorrência, quando se verificar qualquer uma das outras hipóteses.
Assim, mesmo que o trabalhador tenha se oferecido espontaneamente para determinado
serviço, pode-se configurar o trabalho escravo contemporâneo se, por exemplo, for
submetido a jornadas exaustivas de trabalho
45
.
Portanto, essa obrigação foi integralmente cumprida.
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“Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a
jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio,
sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito
anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I - cerceia o uso
de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II - mantém
vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com
o fim de retê-lo no local de trabalho. § 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I - contra
criança ou adolescente; II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem” (BRASIL. Lei
nº10.803, de 11 de dezembro de 2003. Altera o art. 149 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 –
Código Penal, para estabelecer penas ao crime nele tipificado e indicar as hipóteses em que se configura
condição análoga à de escravo. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.803.htm#:~:text=L10803&text=LEI%20No%2010.803%2C%
20DE,condi%C3%A7%C3%A3o%20an%C3%A1loga%20%C3%A0%20de%20escravo. Acesso em: 19 abr. 2021).
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CAVALCANTI, Tiago Muniz; FABRE, Luiz Carlos Michele; NOGUEIRA, Cristiane V.; KALIL, Renan B. Recentes
Avanços Legislativos no Combate à Escravidão. In: CORREIA, Henrique; MIESSA, Élisson. Estudos Aprofundados
do Ministério Público do Trabalho, vol. 2. Jus Podivm, 2015, pp. 235-252.
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BARBOSA, Leonardo Augusto de Andrade. Sobre a Definição de Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil:
Liberdade, Dignidade e Direitos Fundamentais. In: CAVALCANTI, Tiago Muniz; PAIXÃO, Cristiano (org). Combate
ao Trabalho Escravo: Conquistas, Estratégias e Desafios. LTr, 2017, p. 187.