A polêmica sobre o conceito de
terceirização e sua regulação
1
The so-called outsourcing (subcontracting) question and its regulation
La polemica sobre el concepto de subcontratación (outscourcing) y su
regulación
Renata Queiroz Dutra²
Vitor Araújo Filgueiras³
RESUMO
Apesar de a terceirização ser objeto de grandes controvérsias, existe um consenso acerca do
conceito que a define. O objetivo deste texto é problematizar esse consenso e apontar suas
contradições, demonstrando que a precarização do trabalho relacionada à terceirização não é
uma contingência, mas corolário da natureza dessa forma de contratação de trabalhadores, que
reduz as chances de limitação da exploração do trabalho.
PALAVRAS-CHAVE: Terceirização, divisão do trabalho, precarização.
ABSTRACT
Although outsourcing (or subcontracting) has been subject of great controversy, there is
predominant consensus over the concept that defines it. The aim of this paper is to discuss this
consensus and point out its contradictions, indicating that the casualization of labour related to
outsourcing is not a contingency, but corollary of the nature of this way of hiring workers, which
reduces the chances of limiting labour exploitation.
KEYWORDS: Outsourcing, Division of labour, casualization.
RESUMEN
Si bien la subcontratación es objeto de importantes controversias, existe un consenso sobre el
concepto que la define. El objetivo de este texto es problematizar este consenso y señalar sus
contradicciones, demostrando que la precariedad del trabajo relacionada con la subcontratación
no es una contingencia, sino un corolario de la naturaleza de esta forma de contratación de
trabajadores, que reduce las posibilidades de limitar la explotación del trabajo.
PALABRAS CLAVE: subcontratación, división del trabajo, precariedad.
1
Versão em português do artigo The so-called outsourcing (subcontracting) question and its regulation, publicado
originalmente por Renata Queiroz Dutra e Vitor Araújo Filgueiras na Revista Direito e Práxis, v. 11, n. 4, pp. 2543-
2571, dez. 2020. ISSN 2179-8966. A versão em português foi escrita pelos autores e é, neste ato, publicada com
autorização da Revista Direito e Práxis.
2
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DUTRA, Renata Queiroz; FILGUEIRAS, Vitor Araújo. A polêmica sobre o conceito de terceirização e sua regulação. Revista Jurídica
Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-31, 2021.
Introdução
Uma das principais estratégias de empresas capitalistas no mundo nas últimas quatro
décadas tem sido adotar o que internacionalmente se chama de outsourcing
2
ou
subcontratação. No Brasil, o termo “terceirização” abarca ambos os termos: outsourcing e
subcontratação. Esta estratégia de gestão afeta profundamente economias, políticas,
mercados de trabalho, condições de trabalho e as vidas dos trabalhadores ao redor do globo.
Há várias abordagens analíticas para distinguir outsourcing de subcontratação. Por
exemplo, o outsourcing pode ser descrito como uma relação de longo prazo, que
normalmente acontece fora dos limites das empresas: “a rigor, o outsourcing se define como
o desenvolvimento de uma fonte de abastecimento localizada fora de uma planta, uma fábrica
ou uma filial responsável por produzir produtos finais e serviços
3
. Neste caso, as fábricas
onde smartphones são produzidos configuram bons exemplos de outsourcing.
A literatura geralmente afirma que “uma maior concorrência no mercado de
produtos torna organismos do setor público e privado mais propensos a focar em atividades
especializadas e ‘externalizar’ aspectos secundários do trabalho e da produção
4
. Em outras
palavras, o outsourcing pode ser definido como “uma transferência de atividades realizadas
dentro de uma empresa para seus fornecedores que se tornou generalizada
5
.
Entretanto, a subcontratação pode ser considerada no contexto de acordos para a
execução de tarefas específicas por períodos mais curtos.
A subcontratação é um acordo entre duas unidades de produção, por meio
do qual uma das unidades (a subcontratante) provê a outra (a principal),
segundo termos e condições acordados, com produtos (peças ou produtos
finais) que são usados ou comercializados pela unidade principal, sob sua
exclusiva responsabilidade. Ordens de subcontratação podem incluir o
processamento, a transformação ou o acabamento de materiais ou peças
pelo subcontratante a pedido do contratante. A subcontratação pode ser
2
Termo sem tradução literal para o português, mas seria algo como contratação externa.
3
ANDREFF, Wladimir. Outsourcing in the new strategy of multinational companies: foreign investment,
international subcontracting and production relocation. Papeles de Europa, 18, 5-34. (Tradução do autor).
4
WRIGHT, C.F. Beyond the employment relationship. Collective bargaining and supply chain coordination. TUC,
2011, p. 5. (Tradução do autor).
5
DRAHOKOUPIL, Jan. The outsourcing challenge: organizing workers across fragmented production networks.
(2015), Brussels: European Trade Union Institute, ISBN 978-2-87452-366-3. (Tradução do autor).
3
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doméstica, quando ambas as unidades funcionam no mesmo país; caso
contrário, ela é internacional
6
.
Acordos geralmente realizados no setor da construção podem ilustrar o que é
subcontratação. A definição oficial da ONU sobre subcontratação é:
Uma relação de subcontratação existe sempre que uma empresa
(subcontratante) atua por conta de outra (contratante principal) durante o
processo de trabalho e execução de um produto específico, de acordo com
planos e especificações técnicas fornecidas pelo contratante principal, que
tem a responsabilidade econômica final
7
.
Apesar de serem dois termos diferentes para os quais as pessoas frequentemente
tentam dar significados distintos, terceirização e subcontratação são essencialmente a mesma
coisa. As definições e as diferenciações entre estas palavras podem variar, mas a essência de
ambos os conceitos é a mesma: a transferência de atividades acessórias (ou menos
importantes) de uma empresa para outra, normalmente uma empresa que esteja
formalmente estabelecida. Geralmente, a externalização é o conceito fundamental que
descreve ambas as palavras, adotado por empresas no sentido de focarem em seus negócios
principais.
Outros autores também consideram a subcontratação e o outsourcing como um
fenômeno único
8
. Não é uma coincidência que no Brasil o termo “terceirização” seja aplicado
tanto para o que poderia se considerar subcontratação, quanto para outsourcing, e é também,
predominantemente, definido como a externalização de alguma parte do processo de
produção a ser contratada por outra unidade interessada. Portanto, a partir de agora,
utilizaremos as três terminologias como sinônimas.
6
UNCTAD, 1975, apud HALBACH, Axel J. Multinational enterprises and subcontracting in the third world: a study
of inter-industrial linkages. In: Multinational Enterprises Programme Working Paper No. 58 (ILO). 01 January
1989. 92-2-107183-9[ISBN]. (Tradução do autor).
7
UNECE, 1995apud ANDREFF, Wladimir. Outsourcing in the new strategy of multinational companies: foreign
investment, international subcontracting and production relocation. Papeles de Europa, 18, 5-34. (Tradução do
autor).
8
“Usaremos os termos subcontratação, terceirização e desintegração vertical intercambiavelmente.” (VAN
LIEMT, Gijsbert. Subcontracting in electronics: From contract manufacturers to providers of Electronic
Manufacturing Services (EMS). In: Sectoral Activities Programme Working Paper. International Labour Office,
Geneva. April 2007. ISBN: 978-92-119906-9). (Tradução do autor).
4
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O objetivo deste texto, contudo, é mostrar que o que faz estas palavras
essencialmente equivalentes não é o que se tornou o senso comum acerca da “terceirização”.
Nosso principal objetivo é fornecer um conceito coerente para este fenômeno. Desta forma,
buscamos mostrar como o quadro regulamentar da “terceirização”, que é mundialmente
imposto, revela as limitações do conceito dominante, tendo como foco o caso brasileiro.
1. Consenso e inconsistências do conceito dominante de terceirização
9
Defensores da terceirização argumentam que, no contexto atual, as empresas não
podem se envolver diretamente em todas as etapas da produção como faziam durante o
Fordismo. Atualmente, elas têm que focar a atenção em seu negócio principal e no aumento
de sua produtividade, e então contratar outros agentes (normalmente outras empresas,
embora o intermediário possa ser descrito de diferentes formas) para exercer as atividades
menos importantes, nas quais estes intermediários são especializados. Ou seja, seus
argumentos baseiam-se na ideia de que as empresas estão delegando a outrem a execução
de atividades acessórias relacionadas a seus negócios.
Consultores de gestão aconselham empresas há muito tempo a focarem em
suas ‘competências principais’ e terceirizarem outras atividades (e.g.
Domberger 1998). A Globalização e a criação do Mercado Comum Europeu
podem ter, de fato, tornado mais lucrativo para as empresas, a
especialização no que elas sabem fazer de melhor (e.g. Meyer 2006)
10
.
Em todo o mundo, há muitas críticas à terceirização. Argumenta-se que este
fenômeno mina as condições de trabalho, reduz os salários, aumenta os acidentes de trabalho
etc. Inúmeros estudos realizados em vários países indicam que estas alegações são
verdadeiras. Mas, mesmo quando são engajadas em lutas sérias contra as consequências da
9
A formulação inicial do conceito de terceirização aqui adotado e desenvolvido A partir de novas situações
empíricas e dinâmicas regulatórias constou originalmente em: FILGUEIRAS, Vitor Araújo; CAVALCANTE, Sávio.
Terceirização: debate conceitual e conjuntura política. Revista da ABET (Impresso), v. 14, p. 15-36, 2015.
10
DRAHOKOUPIL, Jan. The outsourcing challenge: organizing workers across fragmented production networks.
(2015), Brussels: European Trade Union Institute, ISBN 978-2-87452-366-3. (Tradução do autor).
5
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terceirização, as críticas tendem a utilizar o mesmo entendimento conceitual usado pelos que
defendem esta estratégia de gestão. Por exemplo, alguns autores apontam:
(…) mudanças radicais na estrutura de emprego no Reino Unido,
particularmente na forma de transferência setorial, de setores tradicionais
(incluindo o setor industrial e o setor público) para setores de serviços
empresariais, ao passo que as atividades de serviço são retiradas de seus
ambientes originais e transferidas para empresas em outras áreas da
economia. Há inúmeras razões pelas quais empregadores escolhem
terceirizar serviços, incluindo a possibilidade de focar nas funções essenciais
e acessar serviços especializados, mas o desejo de reduzir custos é
frequentemente um fator-chave. Esta demanda por serviços de custos mais
baixos é transmitida para o fornecedor considerado eficaz, que deve cumprir
as metas de qualidade do serviço de acordo com o preço estipulado em
contrato, enquanto assegura a lucratividade do modelo de negócio. Há várias
estratégias que fornecedores utilizam para atingir tais metas, incluindo:
contenção salarial; redução da mão de obra, oferecendo o mesmo serviço,
mas com menos empregados; ou contratação de número menor de
empregados permanentes e uso de trabalhadores de agências
11
.
Sejam as consequências para os trabalhadores consideradas boas ou ruins, entende-
se que empresas distintas são responsáveis por vários elos da chamada cadeia produtiva
(cadeia de suprimento ou cadeia de valor): “Diante de uma produção fragmentada, os
produtores já não precisam controlar cadeias produtivas inteiras nem as organizar numa única
empresa
12
.
No entanto, empiricamente, a terceirização difere consideravelmente desta
descrição. Invariavelmente, a empresa contratante dirige o processo de produção e o trabalho
de acordo com suas necessidades. Há vários exemplos desta situação em empresas de todo o
mundo e em todos os setores.
11
HUWS, Ursula; PODRO, Sarah. Outsourcing and the fragmentation of employment relations: the challenges
ahead. ACAS future of workplace relations discussion paper. August, 2012. Disponível em: www.acas.org.uk/
.
Acesso em: 20 abr. 2021. (Tradução do autor).
12
ANDREFF, Wladimir. Outsourcing in the new strategy of multinational companies: foreign investment,
international subcontracting and production relocation. Papeles de Europa, 18, 5-34. (Tradução do autor).
6
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Várias pesquisas realizadas nas últimas décadas, envolvendo empresas de diversos
países, demonstram que não importa como a terceirização é juridicamente disposta, a
empresa contratante sempre controla a força de trabalho
13
.
Na terceirização, o comando das atividades permanece com a empresa contratante,
que determina efetivamente quando, onde e como a produção ocorre. As formas de controle
da mão de obra terceirizada podem variar um pouco entre contratantes e setores econômicos,
e são fortemente influenciadas por aspectos do mercado de trabalho. Frequentemente, os
métodos de controle são muito explícitos, sendo praticados como tradicionalmente fazem os
empregadores. É muito comum, por exemplo, ver empresas clientes impondo nos contratos
que elas possam escolher quem são os trabalhadores terceirizados. A citação a seguir, dos
termos e condições de contratação de um trabalhador terceirizado no setor de limpeza
britânico, oferece um bom exemplo desta situação:
Seu emprego conosco está sujeito à aceitação contínua por parte do nosso
cliente, que tem o direito de recusar a sua admissão de acordo com as
premissas. Caso isto ocorra, a Companhia reserva-se o direito de mudar o
seu local de trabalho, disponibilizando-o em uma distância razoável do
presente local de trabalho. (Tradução do autor).
Em outros casos, diferentes métodos de gestão são adotados, tais como o pagamento
por atividade, a imposição de prazos, o monitoramento on-line, a realização de espécies de
13
Por exemplo, MERCANTE, Carolina Vieira. A terceirização na indústria de confecções e a reincidência do
trabalho análogo ao escravo. XIV Encontro Nacional da ABET. Campinas, setembro de 2015; FILGUEIRAS, Vitor
Araújo. Estado e direito do trabalho no Brasil: regulação do emprego entre 1988 e 2008. Salvador, Tese de
Doutoramento do Programa de Pós-graduação em C. Sociais/FFCH/UFBA, 2012; FILGUEIRAS, Vitor Araújo.
Novas/Velhas formas de organização e exploração do trabalho: a produção “integrada” na agroindústria. Revista
Mediações. Londrina, UEL, 2013; FILGUEIRAS, Vitor Araújo. Terceirização e trabalho análogo ao escravo:
coincidência? 2014C. Disponível em:
http://indicadoresderegulacaodoemprego.blogspot.com.br/2014/06/terceirizacaoe-trabalho-analogo-ao.html.
Acesso em: 20 abr. 2021; FILGUEIRAS, Vitor Araújo. Terceirização e os limites da relação de emprego:
trabalhadores mais próximos da escravidão e morte. Revista do V Congresso internacional de direito do
trabalho e processo do trabalho de Santa Maria, 2014. v. 3. p. 20; DUTRA, Renata Queiroz. Do outro lado da
linha: Poder Judiciário, regulação e adoecimento dos trabalhadores em call centers. São Paulo: LTr, 2014;
FILGUEIRAS, Vitor Araújo; DRUCK, M. G. A epidemia da terceirização e a responsabilidade do STF. Revista do
Tribunal Superior do Trabalho, v. 80, p. 106-125, 2014; FILGUEIRAS, Vitor Araújo; CAVALCANTE, Sávio.
Terceirização: um problema conceitual e político. Le Monde Diplomatique, 2015. Disponível em:
http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1799. Acesso em: 20 abr. 2021.
7
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leilões entre subcontratantes etc. Entretanto, de fato, eles têm o mesmo propósito e atingem
os mesmos objetivos. Nas últimas décadas, a tecnologia tem ajudado bastante a implantar
estas maneiras menos óbvias de gerenciar trabalhadores, ainda que, às vezes, sejam até mais
atuantes do que a gestão tradicional. Certamente, em muitos casos, elas são utilizadas de
forma intencional, uma vez que as empresas tentam evitar a legislação trabalhista, por
exemplo.
A Toyota, paradigma e precursora do processo de terceirização contemporâneo, era
dona de pequenas empresas subcontratadas nas quais o seu mecanismo de terceirização foi
desenvolvido,
14
, e este não é um caso isolado no setor automotivo
15
. Estivemos,
pessoalmente, em uma fábrica de automóveis onde os trabalhadores terceirizados que
construíam os veículos eram diretamente selecionados e geridos pela empresa
automobilística, que realizava um tipo de leilão entre os intermediários para conseguir a mão
de obra mais barata
16
.
O setor de vestuário é outro bom exemplo que revela o que a terceirização realmente
é. As principais marcas explicitamente argumentam que elas não produzem as mercadorias,
apenas compram as roupas de fornecedores, sobre os quais elas não têm controle. Entretanto,
algumas das maiores empresas de moda do mundo foram flagradas usando trabalho análogo
14
HIRATA apud DRUCK, Graça. 1999. Terceirização: (des)fordizando a fábrica: um estudo do complexo
petroquímico. São Paulo: Boitempo, 1999.
15
MARCELINO, Paula Regina. Honda: terceirização e precarização: a outra face do toyotismo. In: ANTUNES.
Ricardo (org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2007.
16
Para este e outros exemplos de diferentes acordos no setor automotivo, veja FILGUEIRAS, Vitor Araújo; SOUZA,
Ilan Fonseca. Criatividade do capital e exploração do trabalho no bojo da acumulação flexível: o esquema de
intermediação da força de trabalho numa fábrica de veículo. Encontro nacional da ABET. João Pessoa, setembro
2011. Mas também é comum em outros setores, por exemplo: “Em uma ponta da cadeia, uma ou mais camadas
de contratados fazem os produtos para uma marca, geralmente em outros países. A marca ou varejista principal
impõe controles de preços que tornam quase impossível para os contratantes pagar aos trabalhadores que
produzem bens na base da cadeia. Então, à medida que os produtos avançam na cadeia, o controle rígido do
varejista sobre os preços coloca os subcontratados de licitações uns contra os outros, criando locais de trabalho
inseguros e mal pagos em armazéns, portos e outros centros de distribuição de logística.”. (RUCKELSHAUS,
Catherine et al., Who’s the Boss: Restoring Accountability for Labor Standards in Outsourced Work, National
Employment Law Project, May 2014. Disponível em:
http://www.nelp.org/page/-/Justice/2014/Whos-the-Boss-
Restoring-Accountability-Labor-Standards-Out-Outsourced-Work-Report.pdf?nocdn=1). Acesso em: 20 abr.
2021. (Tradução do autor).
8
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ao escravo no Brasil. Em todos os casos, as investigações do Estado detectaram que a
produção era controlada pelo contratante principal
17
.
O controle imposto pelo contratante principal no processo de trabalho e produção é
também visto em acordos como os de franchising, como aponta Ruckelshaus et al.:
Franquias tipicamente ditam os termos dos acordos com seus franqueados,
incluindo a cobrança de taxas exorbitantes pelo direito de operar seus
negócios. Empresas líderes podem exercer um controle significativo sobre as
operações diárias de seus franqueados. Os franqueadores podem ditar
quantos trabalhadores são empregados em um estabelecimento, as horas
que eles trabalham, como eles são treinados e como eles atendem ao
telefone. Enquanto as marcas alegam que elas não têm qualquer influência
sobre os salários pagos aos trabalhadores, elas controlam os salários
fiscalizando todas as outras variáveis do negócio, exceto os salários. Recentes
reportagens afirmam que os computadores do McDonald’s rastreiam dados
das vendas, balanços, e custos laborais, calculam a necessidade de mão de
obra dos franqueados, estabelecem e fiscalizam seus horários de trabalho,
inspecionam as revisões salariais dos franqueados e monitoram quanto
tempo leva para os empregados atenderem ao pedido de cada cliente
18
.
Além disso, o McDonald’s supostamente atua como um agenciador de mão de obra
com poder de dispensar os empregados formais de suas franquias. O autor também afirma
que a Domino’s Pizza monitora o tempo de entrega dos empregados formais de seus
franqueados, mantendo-os nos padrões da marca.
Até mesmo nos casos mais notórios e geograficamente fragmentados de
terceirização, nos quais o intermediário pode apresentar lucros absolutos consideráveis, a
produção é claramente controlada pela empresa contratante. Há relatórios detalhando como
este esquema funciona: a marca famosa visa impor até a qualificação e o número de
17
Mercante mostra detalhes em MERCANTE, Carolina Vieira. A terceirização na indústria de confecções e a
reincidência do trabalho análogo ao escravo. XIV Encontro Nacional da ABET. Campinas, setembro de 2015.
18
RUCKELSHAUS, Catherine et al., Who’s the Boss: Restoring Accountability for Labor Standards in Outsourced
Work, National Employment Law Project, May 2014. Disponível em:
http://www.nelp.org/page/-
/Justice/2014/Whos-the-Boss-Restoring-Accountability-Labor-Standards-Out-Outsourced-Work-
Report.pdf?nocdn=1). Acesso em: 20 abr. 2021. (Tradução do autor).
9
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trabalhadores necessários, no prazo e no modo que ela estipula
19
. Há uma hierarquia evidente
no processo, totalmente regulada pela empresa contratante.
Portanto, a produção pode ser formalmente fragmentada e até mesmo
geograficamente fragmentada, mas, de fato, a empresa contratante permanece no controle.
Ela dirige o trabalho e o processo de produção e absorve a maior parte da riqueza social
produzida.
No Reino Unido, o panorama não parece ser diferente. O setor de construção, por
exemplo, apresenta uma boa visão do processo. Este setor, provavelmente, é um dos mais
terceirizados. Há diferentes acordos de terceirização na construção, tais como contratar
trabalhadores como autônomos através de agências, ou usando empresas de intermediação
de força de trabalho. O que eles, finalmente, têm em comum é que a força de trabalho ainda
é dirigida fundamentalmente pelo contratante principal. A diferença central entre os
trabalhadores é apenas o modo como eles são contratados.
Em um local de construção que visitamos em Londres, e aparentemente não diferia
da maioria das áreas de construção no Reino Unido
20
, havia 90 homens trabalhando, mas
apenas 5 eram diretamente contratados pelo empreiteiro principal: 10 eram eletricistas,
formalmente empregados por uma empresa terceirizada, 15 eram contratados como
19
“Em 2007, pouco mais de um mês antes do iPhone ser planejado para aparecer nas lojas, o Sr. Jobs chamou
um punhado de tenentes para um escritório (…) O Sr. Jobs ergueu furiosamente seu iPhone, inclinando-o para
que todos pudessem ver as dezenas de pequenos arranhões que estragavam sua tela de plástico (…) Não vou
vender um produto que fica arranhado”, disse ele tenso. A única solução era usar um vidro não quebrável.
“Quero uma tela de vidro e a quero perfeita em seis semanas.” (…) Quando uma equipe da Apple visitou, os
proprietários da fábrica chinesa já estavam construindo uma nova ala. (…) Os proprietários disponibilizaram
engenheiros quase sem custo. Eles construíram dormitórios no local para que os funcionários estivessem
disponíveis 24 horas por dia. (…) “Eles poderiam contratar 3.000 pessoas durante a noite”, disse Jennifer Rigoni,
que era gerente de demanda de fornecimento mundial da Apple (…). “Qual unidade dos EUA pode encontrar
3.000 pessoas durante a noite e convencê-las a morar em dormitórios?” (…) Em meados de 2007, após um mês
de experimentação, os engenheiros da Apple, finalmente, aperfeiçoaram um método para cortar vidro reforçado
para que pudesse ser usado na tela do iPhone. (…) Outra vantagem crucial para a Apple era que a China fornecia
engenheiros em uma escala que os Estados Unidos não podiam igualar. Os executivos da Apple estimaram que
cerca de 8.700 engenheiros industriais eram necessários para supervisionar e orientar os 200.000 trabalhadores
da linha de montagem, eventualmente envolvidos na fabricação de iPhones. Os analistas da empresa previram
que levaria até nove meses para encontrar tantos engenheiros qualificados nos Estados Unidos”. Ver, por
exemplo, DUHIGG, Charles; BRADSHER, Keith. How the U.S. Lost Out on iPhone Work. New York Times, New
York, January 21, 2012. Disponível em:
http://www.nytimes.com/2012/01/22/business/apple-america-and-a-
squeezed-middle-class.html?_r=0. Acesso em: 20 abr. 2021. (Tradução do autor).
20
De acordo com dois engenheiros entrevistados no local de construção, aquela empresa era uma das poucas
no setor que ainda empregava funcionários diretamente nos locais.
10
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funcionários de agências e 60 eram contratados como autônomos via agências. Alguns destes
trabalhadores “autônomos”, contratados através de agências, haviam trabalhado por quatro
anos consecutivos para o empreiteiro principal. Aqueles que eram diretamente contratados
eram, precisamente, os engenheiros e supervisores no topo da hierarquia no local de
construção. Em outras palavras, aquelas pessoas que decidiam o que, onde, quando e como
o trabalho deveria ser feito. Então, os operadores de guindaste, por exemplo, contratados
como autônomos via agências, eram obrigados pelo contratante principal a trabalhar 10 horas
por dia, ao invés do limite legal de 4 horas.
2. A essência da terceirização
A essência da terceirização é colocar alguma entidade entre trabalhadores e o capital,
que lucra através do suor deles. Portanto, a terceirização é, especificamente, um fenômeno
do mercado de trabalho. Não é uma questão de parcerias entre empresas diferentes, cada
qual administrando seu próprio negócio, determinando suas próprias regras e maneiras de
gerir a força de trabalho, trocando produtos ou serviços fora do mercado laboral (tal como na
parceria entre um fornecedor de energia e uma fábrica de produtos químicos). Terceirização
é sobre como a empresa organiza a sua própria mão de obra adotando uma forma diferente
de contratar pessoal.
Outro aspecto da terceirização é que as empresas contratantes quase sempre detêm
o know-how relevante, relativo às atividades. Isto porque estas atividades são parte de seu
trabalho e processo de produção, e manter o know-how ajuda a impedir que o intermediário
se torne o capital principal ou efetivo durante o processo. Isto também ocorre porque as
posições-chave no controle e na hierarquia são ocupadas pela empresa contratante.
Em suma, a terceirização é uma estratégia de contratação de pessoal através de um
intermediário, que é uma entidade interposta entre um trabalhador e um gestor efetivo do
trabalho e da produção.
A configuração que a terceirização pressupõe pode variar de uma folha papel, como
um documento declarando que o empregado é, agora, a “sua própria empresa”, a entidades
11
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legais que podem formalmente empregar milhares de trabalhadores. No máximo, e em
apenas muito poucos casos, o intermediário pode ser um sócio minoritário em um negócio
controlado pela empresa cliente
21
. Em quaisquer circunstâncias, o controle da produção
pertence à empresa dominante
22
,
23
.
As razões pelas quais o capitalista individual adota a terceirização podem diferir um
pouco em cada caso, mas a principal intenção, diretamente calculada ou não, é aumentar os
lucros, reduzindo as chances de a força de trabalho limitar a exploração. Assim, a terceirização
tende a:
- Reduzir a resistência individual: A grande instabilidade e insegurança que
caracterizam estes contratos tornam improvável que trabalhadores confrontem ordens e
reclamem a respeito de qualquer questão. Ao mesmo tempo, também aumentam a
subsunção do trabalho ao capital, já que os trabalhadores, muitas vezes, nem mesmo se
reconhecem como parte do processo de produção do maior ou único beneficiário de seu
trabalho.
- Minar ações coletivas: a terceirização normalmente dificulta aos trabalhadores a
construção de identidades comuns com tipos diferentes de contrato, aumentando os
obstáculos para uni-los. É também comum encontrar barreiras legais para realizar ações
coletivas envolvendo empregados diretos e trabalhadores terceirizados.
- Enfraquecer a eficácia da regulamentação institucional: conforme o intermediário
emerge como o suposto empregador, a responsabilidade geralmente não recai sobre a parte
21
Em alguns casos, os intermediários mais fortes foram utilizados para terceirizar, como no processo de produção
"integrado" no setor agrário brasileiro. A força dos intermediários para gerenciar sua própria produção e
enfrentar as empresas contratantes como iguais arruinou o arranjo. (FILGUEIRAS, Vitor. Novas/Velhas formas de
organização e exploração do trabalho: a produção “integrada” na agroindústria. Revista Mediações. Londrina,
UEL, 2013).
22
Obviamente, o intermediário pode se tornar um capital efetivo em algum momento da relação. Nestes casos,
já não falamos mais em terceirização, mas nas trocas mútuas de diferentes capitais que sempre ocorreram em
sociedades capitalistas.
23
Em alguns acordos, os trabalhadores são “fornecidos” por intermediários para diferentes contratantes,
possibilitando que o trabalhador trabalhe para empresas diferentes, através do mesmo intermediário. Nestes
casos, não importa para a companhia quem vai fazer o trabalho, já que a maneira como os trabalhadores estão
integrados no processo tem um papel fundamental em discipli-los. Os intermediários são uma peça no jogo
das empresas contratantes, e trocar um intermediário por outro é um dos principais movimentos neste jogo.
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principal, encarregada da situação dos trabalhadores, deixando a empresa contratante em
uma posição confortável.
Nestas condições, as consequências da terceirização, que possibilitam que as
empresas aumentem seus lucros, são geralmente as mesmas:
- Diminuir os custos: cortando salários, minando direitos trabalhistas, evitando ou
reduzindo questões legais e relacionadas a sindicatos, tornando mais flexível e barato o
gerenciamento de pessoal (demiti-los, deslocá-los, etc.).
- Aumentar a produtividade: os trabalhadores tendem a envidar mais esforços para
atenuar suas condições precárias
24
, sendo menos propensos a fazer greves ou tirar qualquer
tipo de folga do trabalho (tais como licença médica, intervalos de descanso no trabalho e
descanso semanal).
3. Precarização e terceirização “verdadeira” ou “falsa”
A precariedade causada pela terceirização é conhecida no mundo todo. Empregos
terceirizados são piores do que antes (quando eram feitos contratos diretos), e piores em
comparação à situação das pessoas diretamente empregadas que permanecem realizando as
mesmas atividades.
Para exemplificar, de acordo com Thebaud-Mony:
Vários trabalhos de pesquisa na Europa (Appay, Thébaud-Mony, 1997;
Thébaud-Mony, 2000; BTS / Saltsa, 2000; Seillan; Morvan, 2005; Hery, 2009),
Canadá (Lippel, 2004), Austrália (Quinlan, Mayhew, 1999, 2001) e Brasil
(Druck; Franco, 2009) relatam o impacto do uso da terceirização e do
trabalho temporário na saúde dos trabalhadores, a efetividade dos
dispositivos de prevenção e a reparação de acidentes de trabalho e doenças
ocupacionais
25
.
24
A situação dos entregadores é um bom exemplo deste processo. Contratados como autônomos, eles
geralmente não têm salário fixo; são pagos por “taxas” de entrega, que podem chegar a ser menos do que o
salário-mínimo, a depender do número de entregas. Ao precarizar, diminuir e desestabilizar completamente os
salários, a empresa faz com que os entregadores tentem amenizar esta situação (ao menos, para sobreviver)
trabalhando cada vez mais intensamente.
25
THEBAUD-MONY, Annie. Precarização social do trabalho e resistências para a (re) conquista dos direitos dos
trabalhadores na França. Caderno CRH, Salvador, v. 24, n. spe 01, 2011. (Tradução do autor).
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Até a Organização Internacional do Trabalho (OIT) expressou preocupação sobre a
ligação entre terceirização e acidentes no trabalho. A título de exemplo, observe a pesquisa
citada pela OIT:
Outros estudos indicam que a mão de obra empregada através de
subcontratantes não é tratada da mesma forma que a mão de obra
diretamente empregada, no que diz respeito à saúde e segurança. Pesquisas
em nove grandes empresas de alto nível do setor de engenharia do Reino
Unido identificaram um tratamento muito diferente para a mão de obra
empregada através de subcontratantes, em comparação àqueles que foram
empregados pelo contratante principal (Gyiet al., 1999). Sete das nove
empresas prometeram exames admissionais para seus empregados
(geralmente trabalhadores administrativos), mas apenas uma prometeu
para os empregados de seus subcontratantes (sobretudo operários). Seis das
empresas monitoravam a saúde de seus empregados, mas apenas duas
monitoravam a saúde dos empregados de seus subcontratantes, e depois,
apenas em projetos muito grandes. Somente um contratante principal
assumiu que era responsável pelo pessoal empregado por subcontratantes
26
.
De acordo com o HSE Health and Safety Executive, pesquisas demonstram “as
implicações negativas para a segurança que emergem dos acordos de terceirização na
indústria. Isto leva a problemas com responsabilidades indefinidas e dificuldades de
comunicação entre um contratante e outro
27
.
Em 2015, como parte de uma pesquisa no Reino Unido, inspecionamos dúzias de
locais de construção em Londres, Leeds, Cardiff e Edinburgh para conferir as condições de
segurança e saúde. Os locais normalmente tinham banheiros e instalações seguras, por
exemplo, com proteção das bordas e andaimes bem estruturados. Havia situações de alta
periculosidade em apenas 8 de 105 inspeções, e todos estes casos, sem exceção, envolviam
trabalhadores terceirizados: eles não tinham proteção de altura, não tinham cordas, não
tinham cintos de segurança; alguns deles não estavam nem usando capacetes. Ao mesmo
tempo, grande número de trabalhadores no setor de construção era contratado através de
26
ILO. The construction industry in the twenty-first century: Its image, employment prospects and skill
requirements. Tripartite Meeting on the Construction Industry in the Twenty-first Century: Its Image,
Employment Prospects and Skill Requirements. Geneva, 2001, p. 36. (Tradução do autor).
27
HSE. Causal factors in construction accidents. Prepared by Loughborough University and UMIST for the Health
and Safety Executive, 2003, p. 69. (Tradução do autor).
14
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intermediários, como autônomos
28
, sendo impedidos de ter seus direitos trabalhistas
respeitados e trabalhando em atividades muito instáveis e inseguras.
O cenário delineado pela terceirização também é precário para trabalhadores do
setor de logística no Reino Unido. Empresas contratantes (tais como grandes bancos) realizam
um tipo de leilão para conseguir os trabalhadores mais baratos, através de intermediários,
reduzindo os salários ao mínimo. Falamos com vários trabalhadores de 6 intermediários
diferentes, vimos documentos e equipamentos, e a situação parece ser ainda pior do que no
setor de construção. Praticamente todos os trabalhadores são contratados como autônomos,
impedindo-os de desfrutar de seus direitos trabalhistas (tais como licença médica e férias
remuneradas), obrigando-os a pagarem taxas aos intermediários e, frequentemente,
trabalharem sem nenhuma garantia mínima de pagamento.
Condições muito ruins de trabalho foram constatadas no setor de vestuário no Reino
Unido. De acordo com pesquisas recentes realizadas pela Universidade de Leicester, há
evidências consideráveis de que as estratégias de negócios no setor “são associadas a severas
violações dos direitos trabalhistas”, tais como o não pagamento de salários de acordo com o
Salário nimo Nacional. “Estes problemas são endêmicos na indústria: relatórios,
consistentemente, colocam o salário médio em £3 por hora e afirmam que isto se aplica de
75-90% dos trabalhos no setor”. Além disso, uma gama de violações, “de práticas de trabalho
que resultam em problemas de saúde, padrões de saúde e segurança inadequados, abuso
verbal, bullying, ameaças e humilhações, e a falta de intervalos para ir ao banheiro, entre
outros.”
29
Nos setores alimentício e de agricultura, o “retorno dos gangmasters
30
tem sido o
modo predominante de terceirização, e parece ter aumentado a precariedade do trabalho e
as formas mais extremas de exploração. Após a tragédia da Baía de Morecombe, a criação da
28
Em março de 2013, 39.2% de toda a mão de obra da construção estava registrada como autônoma, grande
parte contratada através de intermediários. (UK. Employment Status report. Office of tax simplification. March,
2015, p. 22).
29
UK. Employment Status report. Office of tax simplification. March, 2015, p. 10. (Tradução do autor).
30
ROGALY, Ben. Intensification of Workplace Regimes in British Horticulture: The Role Of Migrant Workers.
Department Of Geography, Population, Space And Place, University Of Sussex, Vol. 14, 2008, p. 497-510.
(Tradução do autor).
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Gangmaster License Authority (GLA) pareceu poder reduzir as más condições de trabalho.
Entretanto, ao focar no intermediário, a GLA preservou o principal agente do processo (a
empresa contratante), facilitando, desta maneira, a exploração contínua
31
. Até mesmo, a GLA
admite que condições de trabalho análogas à escravidão aumentaram no Reino Unido nos
últimos anos
32
.
No sentido de enfrentar a crítica, é muito comum ouvir defensores da terceirização
dizendo que é necessário distinguir a terceirização legítima da falaciosa (ou a verdadeira da
falsa). Para apoiar este argumento, eles também defendem a conceituação convencional,
argumentando que, na terceirização genuína, o intermediário é especializado. Nesta
perspectiva, o problema da precariedade laboral surgiria da terceirização falaciosa.
Contudo, pesquisas mostram que, se realizado legalmente ou ilegalmente, por
empresas pequenas, médias, grandes ou gigantes, oferecendo empregos formais ou
informais, empregos terceirizados têm condições inferiores de trabalho e são responsáveis
pela grande maioria dos piores casos de exploração e acidentes de trabalho fatais
33
.
A questão mais expressiva deste debate está relacionada à divisão do trabalho. Ao
afirmar que a terceirização é o aprofundamento da divisão do trabalho, o conceito tenta fazer
com que o fenômeno pareça inexorável. A divisão do trabalho entre empresas sempre existirá
em qualquer economia capitalista, onde empresas diferentes trocam bens e obtêm o
excedente de seus próprios trabalhadores. Na verdade, se a terceirização fosse apenas o
aprofundamento da divisão do trabalho capitalista, não haveria nada de substancialmente
novo para dizer.
Entende-se, portanto, que o problema seria como a terceirização é executada, não o
fenômeno em si. De fato, quão difícil é criticar e lutar contra a crescente produtividade
31
FILGUEIRAS, Vitor Araújo; LIMA FILHO, Raymundo. 2015. O Ministério Púbico do Trabalho e a regulação do
direito do trabalho no setor sucroalcooleiro de Sergipe. Anais do Encontro Nacional da ABET. Campinas, 2015.
32
GLA. Strategy for Protecting Vulnerable and Exploited Workers: 2015-2018. 2015.
33
FILGUEIRAS, Vitor Araújo. Terceirização e os limites da relação de emprego: trabalhadores mais próximos da
escravidão e morte. Revista do V Congresso internacional de direito do trabalho e processo do trabalho de
Santa Maria, 2014. v. 3; FILGUEIRAS, Vitor Araújo. Terceirização e trabalho análogo ao escravo: coincidência?
2014. Disponível em:
http://indicadoresderegulacaodoemprego.blogspot.com.br/2014/06/terceirizacaoe-
trabalho-analogo-ao.html. Acesso em: 20 abr. 2021; FILGUEIRAS, Vitor Araújo. Terceirização: debate conceitual
e conjuntura política. Revista da ABET (Impresso), v. 14, p. 15-36, 2015.
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derivada da divisão do trabalho e da especialização, se ela não necessariamente causa danos
aos trabalhadores? A questão é que a precarização não é uma contingência, mas parte do
processo, se entendermos a terceirização como uma estratégia de gestão para reduzir os
limites à exploração.
4. Contradições do conceito convencional de terceirização
Conforme o argumento supracitado, no que diz respeito à inconsistência empírica,
do conceito convencional de terceirização, há, pelo menos, duas contradições no discurso
dominante que lançam luz sobre o real fenômeno.
Primeiramente, se a terceirização é o aprofundamento da divisão do trabalho, então
os mercados deveriam ter se fragmentado, e agora estar divididos em companhias menores.
Vamos tomar o Reino Unido como exemplo. Entre 2000 e 2014, o número de
empresas empregando 250 ou mais funcionários (consideradas como grandes), que são
principalmente as empresas contratantes, cairam 6%. Enquanto isso, o número total de
empresas cresceu em 51%, e o número de empresas sem empregados cresceu em 68%. Este
aumento da quantidade de empresas não empregadoras está muito relacionado às taxas de
autônomos e às empresas não empregadoras, que estão diretamente associadas à
terceirização. Consequentemente, no início de 2014, as pequenas empresas (0-49
funcionários) representavam 99.3% das empresas existentes no Reino Unido.
No início dos anos 90, mais de 50% dos empregos no Reino Unido estavam em
grandes empresas
34
. Mas, em 2011, de acordo com a ONSOffice of National Statistics (UK),
pequenas empresas (até 49 funcionários) representavam 46.2% dos empregos, em
comparação a 41.2% no caso de grandes empresas (mais de 250 funcionários). Em 2014, estes
dados eram 47.9% e 39.9%, respectivamente. Então, aparentemente, a fragmentação da
produção é exatamente o que tem, de fato, acontecido durante a expansão da terceirização.
34
De acordo com OECD, Database em SME statistics; Eurostat (1996), 53% dos empregos no Reino Unido, em
1991, estavam em empresas contratantes de mais de 100 empregados.
17
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Uma maior proporção de pequenas empresas na população empresarial está empregando
uma maior porcentagem de trabalhadores no mercado de trabalho.
Mas, apesar deste cenário, nas últimas décadas, o mundo tem visto, exatamente, o
oposto acontecer. No Reino Unido, embora seja uma pequena minoria crescente de empresas
registrando taxas de emprego cada vez mais baixas, as grandes empresas aumentaram os
índices de faturamento entre 2011 e 2014 de 51.2% para 53.2%. No mesmo período,
pequenas empresas viram seu faturamento cair de 34.9% para 33.2%.
Como é possível explicar este processo aparentemente contraditório?
Pode-se dizer que: “Isso ocorre porque as empresas maiores aumentaram sua
produtividade em comparação às menores”. No entanto, um elevado número de
trabalhadores registrados por empresas pequenas trabalha precisamente para empresas
grandes através de intermediários. Inclusive, a responsabilidade das pequenas empresas
sobre estes empregos aumentou à medida que a terceirização cresceu, então, mais pessoas
são classificadas como funcionárias de pequenas empresas, embora continuem trabalhando
para as grandes empresas.
A questão é que, enquanto são terceirizadas, estas pessoas continuam a ser,
efetivamente, parte da força de trabalho das empresas para as quais elas continuam
trabalhando, ou para as quais começaram a trabalhar. Em ambos os casos, como mão de obra
subcontratada, independentemente do panorama apresentado pelo intermediário.
Em muitos casos, estamos falando exatamente das mesmas pessoas, nos mesmos
trabalhos, trabalhando para a mesma empresa
35
. Então, os dados nos permitem reafirmar
nossas hipóteses de que a terceirização não é apenas uma estratégia para gerenciar a força
de trabalho, mas uma estratégia para gerenciar a força de trabalho que tende a amplificar a
absorção da riqueza social produzida.
Neste sentido, é valido pensar sobre a questão a respeito dos trabalhadores
autônomos, que em muitos casos são contratados por empresas através de terceirização
36
.
35
SEELY, Antony. Self-employment in the construction industry. BRIEFING PAPER Number. 000196, 8 July 2015,
p. 23-24.
36
Atualmente, a chamada economia GIG prefere chamar os trabalhadores de autônomos em vez de usar figuras
intermediárias.
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Se a maioria das pessoas classificadas como trabalhadores autônomos fosse, efetivamente,
independente como agentes do mercado, negociando com outras empresas, elas tenderiam
a aumentar seus índices na renda nacional (em comparação à situação prévia de empregados
subordinados). No entanto, a OIT mostra que a participação deles na renda nacional de países
ricos tem caído nos últimos anos. Diferentes fontes corroboram este indicador em relação ao
Reino Unido, observando que a renda média do trabalhador autônomo é menor do que a
renda dos trabalhadores empregados, e que esta diferença tem aumentado. Além disso, os
autônomos têm ganhado menos fora do trabalho ultimamente
37
.
Portanto, este processo de migração da produção de grandes empresas para
pequenos negócios e do status de empregado para autônomo contratado (frequentemente
através de intermediários) não parece ocorrer na prática, mas é a apresentação formal de uma
estratégia subjacente.
Se há uma centralização de capital, o conceito de terceirização como externalização
do conceito de produção (aprofundando a divisão do trabalho) não resiste.
A segunda contradição do conceito tradicional de terceirização é ainda mais óbvia: se
a terceirização é uma estratégia de gestão para focar no negócio principal e aumentar a
especialização, como podem as empresas contratantes tentar terceirizar todos os seus
trabalhadores? No Reino Unido, por exemplo, muitas empresas não têm funcionários
38
. Em
que elas se especializam? E o mesmo procede para os intermediários: se, em muitos casos,
eles não têm funcionários, então, em que eles são especializados?
As empresas líderes continuam “encolhendo” seus “negócios principais” porque
querem fazer com seus empregados diretos remanescentes o que fazem com os terceirizados,
ou seja, gerir os trabalhadores como se eles não fossem funcionários.
37
O aumento da renda do autônomo vindo apenas do trabalho: autônomo com renda de investimento, i.e.
propriedade, juros, dividendos: 2000= 63%; 2013= 35%.
38
De acordo com a pesquisa citada por por Drahokoupil, no Reino Unido 23% de todas as empresas usam
terceirização. Destas empresas, 49% terceirizam completamente suas atividades. (DRAHOKOUPIL, Jan. The
outsourcing challenge: organizing workers across fragmented production networks. (2015), Brussels: European
Trade Union Institute, ISBN 978-2-87452-366-3). (Tradução do autor).
19
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A retórica contraditória revela o real teor da polêmica sobre o conceito terceirização,
que é provavelmente a principal estratégia de gestão de mão de obra na atual fase do
capitalismo.
5. O avanço da terceirização no Brasil: controvérsias jurídicas
Também na América Latina os debates conceituais sobre a terceirização persistem,
havendo significativa discussão a respeito das terminologias aplicáveis ao fenômeno. Persiste
nas legislações dos países latino-americanos dissenso quanto ao emprego das expressões
intermediação de mão de obra, subcontratação de produtos e serviços e subcontratação de
mão de obra, como apontam Uriarte e Colotuzzo, havendo critérios e consequências jurídicas
diversas para o enquadramento de fenômenos similares
39
.
Os autores entendem externalização, categoria genérica mais ampla, como todas
aquelas formas de organização do trabalho em que a empresa recorre a trabalhadores que
são real ou ficticiamente externos. Reconhecem os autores, a partir do arcabouço teórico e
jurídico verificado na América Latina, que as dificuldades de uniformização conceitual tendem
a inviabilizar a produção de normatização internacional sobre o tema, bem como tendem a
aprofundar o caráter precarizante do fenômeno
40
.
Segundo eles, um dos elementos fulcrais para o crescimento das formas de
contratação terceirizadas, ao lado da crise do modelo tradicional de empresa, das demandas
por competitividade e da sua vinculação ao crescimento da economia informal (tão típica dos
países latino-americanos), seria justamente o ambiente ideológico jurídico, no qual se percebe
uma certa preferência pelas formas de contratação assemelhadas ao direito civil, em
detrimento dos sistemas de proteção trabalhistas
41
.
39
URIARTE, Ermida; COLOTUZZO, Natalia. Descentralización, tercerización, subcontratación. Lima: OIT, Proyecto
FSAL, 2009. p. 202.
40
URIARTE, Ermida; COLOTUZZO, Natalia. Descentralización, tercerización, subcontratación. Lima: OIT, Proyecto
FSAL, 2009. p. 202.
41
URIARTE, Ermida; COLOTUZZO, Natalia. Descentralización, tercerización, subcontratación. Lima: OIT, Proyecto
FSAL, 2009. p. 202.
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Portanto, na raiz da abertura para a terceirização está o papel de uma vertente
ideológica muito específica, a de colocar os sistemas jurídicos a serviço da privatização do
direito laboral. Isso se afirma numa perspectiva mais ampla, que tem se concretizado mais
recentemente com a absorção da figura do empreendedorismo e das falsas prestações de
serviços autônomas por aplicativos, mas que teve sua manifestação original desde a década
de 1990, com foco na permissividade de modos mais amplos de terceirização e seu
consequente afastamento dos parâmetros protetivos do direito do trabalho.
No Brasil, a figura fora pautada desde o final da década de 1980 por ideólogos do
liberalismo, que a definiam como forma de especialização das empresas para incremento de
sua eficiência: a proposta atenderia a uma suposta tendência à proliferação de empresas
pequenas, com poucos trabalhadores, e à reconhecida redução dos custos laborais promovida
pela terceirização
42
. Para esses autores, a atuação das empresas em rede e a divisão de tarefas
e atividades entre elas não necessariamente poderia ser encaixada nos critérios distintivos de
atividades acessórias e principais, razão por que vinham criticando o critério adotado pela
jurisprudência brasileira na década de 1990, consubstanciado na permissividade da
terceirização de atividades-meio e vedação das terceirizações de atividades-fim (Súmula nº
331 do TST).
Nessa linha, duas questões parecem ser relevantes para a análise do caso brasileiro:
primeiro, a centralidade da categoria do emprego para qualquer possível aferição da
compatibilidade da terceirização com a ordem jurídica, elemento que, em verdade, justificou
a adoção dos critérios da atividade fim e meio na década de 1990 e que, por isso mesmo,
subsiste à sua derrogação pelo STF no julgamento da ADPF nº 324.
Segundo, o fato de que a categorização realizada no direito brasileiro sobre
terceirização de atividade-fim e meio conviveu com outras categorizações que passaram ao
largo do padrão regulatório estabelecido, de modo que, longe de encerrar a questão, abriu
margem para que possibilidades tangentes fossem praticadas sem incidência da regulação
protetiva ou com incidência diversa: nessa linha, os contratos de empreitada e os contratos
42
Por todos: PASTORE, José. Terceirização: uma realidade desamparada pela lei. Rev. TST, Brasília, vol. 74, no 4,
out/dez 2008, p. 117-135.
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de facção, que, embora promovam arranjos triangulares de trabalho, foram entendidos como
assimiláveis a figuras do direito civil e do direito empresarial, respectivamente, adquirindo
posição refratária à tutela protetiva trabalhista, consubstanciada no contrato de trabalho.
Nessa segunda chave, é interessante perceber, por um lado, a seletividade da
argumentação favorável ao uso das formas jurídicas civilistas e empresariais e, por outro, a
recusa à juridicização dos caracteres ordinários da terceirização, permitindo aos defensores
dessa prática o uso de expressões como “terceirização boa” e “terceirização ruim”, de modo
a tratar os dados concernentes à precarização promovida pela contratação terceirizada (já
citados nesse artigo e consolidados na literatura) como externalidades acidentais e não
inerentes ao fenômeno, e, por isso mesmo, afastadas das preocupações centrais do fenômeno
jurídico.
Para enfrentar a primeira questão, é importante ter em mente, para além das ideias
de “divisão do trabalho” ou especialização empresarial, o fato de que a terceirização promove
uma dissociação entre a relação econômica de trabalho e a relação jurídica que lhe
corresponde
43
. A partir dessa conceituação, e tendo em vista que a categoria central do
emprego definida na legislação brasileira e referência central para a aplicabilidade de todos
os demais institutos do direito do trabalho, define-se, por opção legislativa, aferindo-se, a
partir da primazia da realidade (e, portanto, a despeito de outras formalidades), a presença
de pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica na prestação de
serviços, pode-se depreender limites legais ao fenômeno.
Estava dado, dessa forma, o limite legal à dissociação entre a relação econômica e a
relação jurídica correspondente: ainda que a jurisprudência pretendesse uma reinterpretação
da legislação apta a promover a abertura para a terceirização, esta somente poderia caminhar
nas hipóteses em que os elementos do emprego direto não se perfizessem. Daí desdobraram-
se os conceitos de atividade-meio e atividade-fim, muito logicamente, eis que identificada a
dificuldade (ou impossibilidade) de efetivação de terceirização de atividades-fim em algum
nível de controle e poder (contrafaces da subordinação) por parte do tomador de serviços.
43
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2019.
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Desse modo, quando declarado pelo STF em 2018 que “É lícita a terceirização ou
qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas,
independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade
subsidiária das empresas contratantes”
44
, se, por um lado, resultam suprimidos os óbices
jurisprudenciais quanto à natureza das atividades que poderiam ser terceirizadas (antiga
redação da Súmula nº 331 do TST), por outro, evidentemente que a tutela jurídica dessa assim
denominada “divisão do trabalho” deve respeitar os enquadramentos jurídicos trabalhistas e
empresariais que persistem em vigor na ordem jurídica.
Vale perceber que os pressupostos e a forma de aferição da relação de emprego não
foram alterados pela reforma trabalhista de 2017 (Leis nº 13.429 e 13.467), que alargou as
hipóteses de terceirização. Portanto, é novamente a subordinação jurídica, em suas releituras
consentâneas com as transformações pelas quais passaram o mundo do trabalho após a
reestruturação produtiva pós-fordista, o elemento apto a definir a incidência da proteção
trabalhista. Nesse ponto, insustentável a contradição de absorver o fenômeno da
terceirização com base na argumentação de que as relações de produção se transformaram e
que o direito do trabalho precisa se renovar para absorvê-las, e o mesmo não ser feito em
relação aos institutos que podem vir a indicar vetores de proteção, a fim de pensar novas
dimensões objetivas, reticulares e estruturais da subordinação.
Nessa mesma linha, o fenômeno da subordinação jurídica e sua contraface, que é o
exercício do poder empresarial, tem sido considerado nas novas arquiteturas produtivas e de
mercado para produção de diversos efeitos jurídicos. Sobretudo para efeito da preservação
das relações concorrenciais e da segurança das transações capitalistas, tem-se observado no
campo empresarial o reconhecimento de sujeitos de direitos que decorrem dos novos
arranjos empresariais, ainda que sem a correspondente formalização societária. Ana Frazão
observa, por exemplo, o reconhecimento jurídico de prerrogativas e responsabilidades para
as denominadas joint ventures contratuais, que constituem arranjos empresariais firmados
44
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de descumprimento de preceito fundamental nº 324. Recurso
Extraordinário (RE) nº 958.252. Relator: Ministro Roberto Barroso. Pesquisa de Jurisprudência, Acordãos, 31
agosto 2018. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15341024987&ext=.pdf
.
Acesso em: 20 abr. 2021.
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DUTRA, Renata Queiroz; FILGUEIRAS, Vitor Araújo. A polêmica sobre o conceito de terceirização e sua regulação. Revista Jurídica
Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-31, 2021.
por meio de contratos, que aparecerem justamente em face da realidade econômica de
esgotamento (hollowing-out) da grande empresa e a importância cada vez maior da
desverticalização, da terceirização (outsourcing), das redes entre empresas (networks), bem
como da precedência dos mecanismos de mercado sobre os movimentos de internalização e
integração das grandes estruturas burocráticas”
45
.
Assim, observa a autora que, no âmbito do Direito Empresarial, a figura jurídica das
joint ventures, enquanto aglomerados empresariais ligados por relações contratuais, tem sido
reconhecida para efeitos de atuação conjunta no mercado e em relação à possibilidade de
responsabilização e assunção de obrigações, a partir da identificação dos seus centros de
controle e comando
46
.
Outrossim, o mesmo fenômeno se impõe como desafio no âmbito das relações de
trabalho estabelecidas a partir desses novos arranjos: observam Uriarte e Colottuzo, que a
consequência mais importante da terceirização no âmbito trabalhista é reconhecer que não
há mais coincidência entre empresa e empregador, colocando-se o desafio de identificar o
real empregador entre as diversas empresas integrantes de uma cadeia produtiva, a despeito
de quem figure enquanto empregador formal
47
.
No âmbito do direito do trabalho, novos instrumentos, inclusive chancelados e
ampliados pelas reformas trabalhistas, como o reconhecimento de grupos econômicos por
coordenação, com responsabilização solidária dos integrantes das cadeias produtivas e
aptidão para reconhece-los como um empregador único, caminham no mesmo sentido já
trilhado pelo direito empresarial no sentido de entender que a mera “divisão do trabalho”
entre empresas, configurando novos arranjos produtivos em rede, configuram concentração
de poder e comando empresarial em conglomerados, e não alternância de empregadores.
Igualmente, não podem se dissociar do binômio poder-responsabilidade, forma jurídica tão
eficiente na preservação das relações concorrenciais entre capitais
48
.
45
FRAZÃO, Ana. Joint ventures contratuais. RIL Brasília a. 52 n. 207 jul./set. 2015 p. 187-211.
46
FRAZÃO, Ana. Joint ventures contratuais. RIL Brasília a. 52 n. 207 jul./set. 2015 p. 187-211.
47
URIARTE, Ermida; COLOTUZZO, Natalia. Descentralización, tercerización, subcontratación. Lima: OIT, Proyecto
FSAL, 2009, p. 202.
48
FRAZÃO, Ana. Grupos societários no direito do trabalho e a reforma trabalhista. Rev. TST, São Paulo, vol. 83,
no 4, out/dez 2017.
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DUTRA, Renata Queiroz; FILGUEIRAS, Vitor Araújo. A polêmica sobre o conceito de terceirização e sua regulação. Revista Jurídica
Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-31, 2021.
Assim, ficam evidenciadas as contradições do próprio discurso jurídico quando se
demonstra que os novos arranjos ora são assimilados para transações capitalistas seguras, ora
são convenientemente apontados como óbices à atribuição de responsabilidades trabalhistas
ou mesmo culpabilizados pelo nível de emprego, como aventado na decisão do STF que
declarou a permissividade de toda e qualquer terceirização. Isto é, para além das distorções
conceituais entre a realidade e o discurso dos defensores da terceirização, tem-se, ainda, as
importantes contradições reveladas no próprio discurso jurídico.
Por último, vale observar que a realidade empírica reiteradamente detectada em
pesquisas, quanto ao aprofundamento da precarização do trabalho promovido pela
terceirização, tem sido refutada no seio do discurso jurídico que chancela a terceirização: para
a argumentação hegemônica, a terceirização não seria um mal em si. Do contrário, seria o seu
mal-uso o responsável pelas situações de desrespeito aos direitos trabalhistas verificadas
entre os trabalhadores terceirizados. Em verdade, com desfaçatez, os defensores da
terceirização costumam narrar situações hipotéticas ou excetivas em que a terceirização é
vantajosa para os trabalhadores
49
.
Daí porque a relevância de juridicizar os indicadores produzidos pela terceirização, e
que são consensuais nos estudos sociológicos, inclusive naqueles promovidos pelos
organismos internacionais de proteção ao trabalho.
Nesse sentido, é válido reconhecer o esforço Gabriela Neves Delgado e Helder Amorim
quando passam a atribuir à terceirização aquilo que denominaram de rarefação dos direitos
trabalhistas. É que, embora o arranjo jurídico promotor da terceirização assegure a
persistência de uma relação de emprego entre a empresa prestadora de serviços e o
trabalhador, tal arranjo não é suficiente para evitar que os direitos trabalhistas que decorrem
do vínculo de emprego sofram uma depreciação ou esmaecimento, seja em seu valor material,
seja na sua própria exequibilidade
50
.
O percurso conceitual da literatura revela seu acerto sobretudo porque, se na década
de 1990, os discursos favoráveis à terceirização se construíam com amparo na ideia de
49
PASTORE, José. Terceirização: uma realidade desamparada pela lei. Rev. TST, Brasília, vol. 74, no 4, out/dez
2008, p. 117-135.
50
DELGADO, Gabriela Neves; AMORIM, Helder. Os limites constitucionais da terceirização. São Paulo: LTr, 2014.
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externalização de atividades acessórias, tendo por objetivo o incremento do desempenho das
empresas em suas atividades principais ou finalísticas (o chamado core business), garantindo
especialização e competividade no mercado global, essa construção argumentativa se esvaiu
como uma cortina de fumaça quando o discurso empresarial que dominou o Congresso
Nacional em 2017 com sua agenda foi o de que as empresas, para serem realmente eficientes
e competitivas, precisariam terceirizar todas as suas atividades, inclusive aquelas principais e
finalísticas, nas quais, duas décadas atrás, pretendiam se concentrar.
O interesse empresarial na terceirização fica escancarado: é a redução de custos, a
diminuição dos níveis de responsabilidade e a flexibilidade que se alcança, em matéria de
contratação, desligamento e gestão da força de trabalho, o que realmente interessa no
arranjo terceirizante.
De fato, é isso que os dados têm insistentemente demonstrado: a terceirização
aparece como forma de gestão de trabalho por aquele que supostamente terceiriza.
Intensifica-se a dominação, duplica-se a subordinação (agora exercida pela empresa tomadora
e pela empresa prestadora de serviços), forja-se um consentimento do trabalhador em relação
a práticas cada vez mais predatórias (que o tornam mais descartável, mais vulnerável, mais
suscetível aos comandos patronais); ao passo que se reduzem custos e responsabilidade
daquele que, sem deixar de exercer as prerrogativas de empregador, se blinda dos ônus
jurídicos daí decorrentes.
A lógica de flexibilidade que orientou o regime de acumulação após a reestruturação
produtiva e a racionalidade neoliberal que o preside encontram na terceirização um
instrumento apto à concretização de sua agenda: trabalhadores reduzidos, da condição de
sujeitos de contratos de trabalho, a objetos silenciosos de contratos empresariais de
prestação de serviços, alheados de seus coletivos de trabalho, fragilizados em suas
identidades, pertencimentos e vínculos de solidariedade: portanto, mais vulneráveis do que
nunca a esse poder patronal que se multiplica.
Mais que isso, a lógica da terceirização banaliza e naturaliza seu mecanismo perverso:
com o tempo, os não terceirizados passam a entender que a precariedade e a descartabilidade
do trabalho terceirizado é inevitável, e as responsabilidades morais, políticas, econômicas,
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dialógicas e até jurídicas pela degradante condição desses empregados pertence sempre a
quem não está visível, a quem está fora do alcance, de modo a encerrar ou adormecer os
conflitos coletivos de trabalho.
Para o direito do trabalho, a narrativa é de um alheamento desse grupo de
trabalhadores em relação ao seu manto protetivo, que, aliás, tem sido cada vez mais restrito.
Enfrentar a terceirização enquanto categoria jurídica paradoxal e contraditória em relação aos
percursos institucionais já trilhados pelo direito do trabalho, explorando alternativas para os
comandos disruptivos dela emanados pressupõe um enfrentamento conceitual que,
assimilando o fenômeno, permita trazê-lo para a regulação do trabalho a partir de
ferramentas que os próprios sistemas jurídicos já oferecem.
Nesse sentido, a conclusão recorrente das pesquisas sociológicas de que não se
verifica empiricamente a prática da terceirização sem a manutenção de algum nível de
subordinação entre trabalhadores e empresa principal torna insuperável a contradição entre
o padrão de regulação jurídica brasileiro, que permitiu a terceirização de atividades-fim ao
mesmo tempo em que preservou o seu conceito original de relação de emprego
(employment). Sendo irreal a prática de terceirização de atividade-fim sem algum nível de
subordinação e sendo a subordinação o elemento central para a definição da relação de
emprego direta, a ordem jurídica brasileira se coloca em franca contradição ao legitimar a
terceirização exatamente naquelas hipóteses em que a afirmação da relação empregatícia
direta é imperativa.
Conclusões
Definimos outsourcing, subcontratação e terceirização como um conceito único: uma
estratégia de contratação de trabalhadores através de um intermediário, que é uma entidade
interposta entre um trabalhador e o gestor efetivo do trabalho e do processo de produção.
Este, por sua vez, pode ser formalmente nomeado de várias formas, mas é geralmente
apresentado como uma empresa.
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No que se refere a cada empresa individualmente, razões muito específicas para
adotar a terceirização podem variar um pouco a cada caso. Mas, a principal intenção,
diretamente calculada ou não, é aumentar os lucros, reduzindo as chances de a força de
trabalho limitar a exploração. Isto ocorre porque terceirização e piores formas de exploração
do trabalho estão fortemente relacionadas.
A terceirização não é um mecanismo para aprofundar a divisão social do trabalho.
Como demonstrado ao longo deste artigo, o aumento da terceirização não corresponde a uma
efetiva atribuição de tarefas a terceiros, tampouco a uma distribuição de capital em empresas
menores. Na verdade, pesquisas mostram que empresas terceirizadas mantêm o controle e,
consequentemente, a subordinação direta dos trabalhadores, assim como o aprofundamento
do fenômeno da terceirização corresponde a um reforço à atuação e à concentração de capital
em empresas maiores.
De fato, o falso argumento da divisão social do trabalho, que orientou a decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito da terceirização, tem criado confusão nas
discussões sobre trabalho em relação a outros temas além da terceirização. Ele tem sido
invocado, por exemplo, para justificar arquiteturas jurídicas fraudulentas impostas pela
economia GIG, que desrespeitam os direitos trabalhistas e não obedecem a compromissos
fiscais, simulando a contratação de trabalhadores autônomos, sob o pretexto de externalizar,
ou não diretamente realizar, suas atividades econômicas principais.
Isso é o que a Uber faz: enquanto vendem-se como uma empresa de logística, a maior
empresa de transporte não se reconhece como uma empresa de transporte, mas como uma
mera mediadora da relação entre consumidores e motoristas autônomos, não arcando com
as responsabilidades que figuram um vínculo empregatício. Também não diz respeito à divisão
social do trabalho, mas à sua distorção como uma maneira de driblar a legislação. Cabe
mencionar que a economia GIG normalmente se difere da terceirização (ela apenas terceiriza
se o “app” utilizar intermediários para contratar trabalhadores), embora se baseie no discurso
de divisão do trabalho para minar as uniões de trabalhadores e seus direitos.
Outra abordagem conceitual para terceirização é urgentemente necessária para
aqueles buscam promover um trabalho digno. Com base no conceito convencional de
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terceirização, instituições tendem a direcionar o foco regulamentar nos intermediários e
deixar as empresas principais em uma posição confortável para administrar despoticamente
sua mão de obra, sistematicamente, perpetuando condições deploráveis de trabalho.
Referências
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