O que os brasileiros pensam ser
necessário para que se tenha um padrão
de vida digno em seu país? Estudo piloto
na cidade de São Paulo
What brazilian’s think about the necessities of life and acceptable living
standards: a pilot study in São Paulo city
Lo que piensan los brasileños sobre las necesidades de la vida y los niveles
de vida aceptables: un estudio piloto en la ciudad de São Paulo
Flávia Uchôa de Oliveira¹
Shailen Nandy²
Gabriela Fraga Fernandez³
Victor Del Vecchio
4
Ana Elisa Spaolonzi Queiroz Assis
5
Luis Renato Vedovato
6
RESUMO
Este artigo apresenta os resultados do estudo piloto, realizado na cidade de São Paulo, que teve
por objetivo a formulação e a aplicação de um questionário voltado à compreensão da natureza
e da extensão da pobreza multidimensional no Brasil, a partir da Abordagem Consensual. O
questionário foi elaborado a partir de trabalho de campo desenvolvido anteriormente, com
grupos focais para a discussão das percepções dos brasileiros sobre as necessidades básicas para
um padrão de vida digno. A aplicação do questionário foram possibilitadas por uma ferramenta
online, considerando o acesso virtual para manutenção das regras de distanciamento durante a
pandemia. A amostra final inclui as respostas de 155 participantes em três bairros da capital
paulista. Os resultados apresentam o que é socialmente percebido como necessidade para um
padrão de vida digno, além de indicar o nível de privação encontrado nos três bairros, com
destaque para o cenário de insegurança alimentar. Ainda, os resultados demonstram alternativas
para medir a pobreza de forma democrática no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Pobreza Multidimensional; Abordagem Consensual; Necessidades
Socialmente Percebidas; Privação; Insegurança Alimentar
ABSTRACT
This paper presents the results of a pilot study, carried out in the city of São Paulo, aiming at
understanding the nature and extent of multidimensional poverty in Brazil, using the Consensual
Approach. A survey was developed from previous fieldwork with focus groups that discussed the
perceptions of Brazilians regarding the basic needs for a decent standard of living. An online tool
made possible to run the survey while maintaining the social distancing rules during the
pandemic. The final sample includes 155 respondents from three favelas in the city of São Paulo.
The results present what is socially perceived as needs for a decent standard of living in Brazil.
Also, they indicate the level of deprivation found in the three favelas, with emphasis on food
insecurity. This pilot study and its results demonstrate alternative ways to democratically
measure poverty in Brazil.
KEYWORDS: Multidimensional Poverty; Consensual Approach; Socially Perceived Needs;
Deprivation; Food Insecurity
RESUMEN
Este artículo presenta los resultados de un estudio piloto, realizado en la ciudad de São Paulo,
con el objetivo de comprender la naturaleza y el alcance de la pobreza multidimensional en Brasil,
utilizando el Enfoque Consensual. Se desarrolló una encuesta a partir del trabajo de campo previo
con grupos focales que discutieron las percepciones de los brasileños sobre las necesidades
2
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OLIVEIRA, Flávia U. de; NANDY, Shailen; FERNANDEZ, Gabriela F.; VECCHIO, Victor Del; ASSIS, Ana Elisa S. Q.; VEDOVATO, Luís
Renato. O que os brasileiros pensam ser necessário para que se tenha um padrão de vida digno em seu país? Estudo piloto na
cidade de São Paulo. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-27, 2021.
básicas para un nivel de vida digno. Una herramienta online hizo posible realizar la encuesta
manteniendo las reglas de distanciamiento social durante la pandemia. La muestra final incluye
155 encuestados de tres favelas de la ciudad de São Paulo. Los resultados presentan lo que se
percibe socialmente como necesidades para un nivel de vida digno en Brasil. Asimismo, indican
el nivel de privación que se encuentra en las tres favelas, con énfasis en la inseguridad
alimentaria. Este estudio piloto y sus resultados demuestran formas alternativas de medir
democráticamente la pobreza en Brasil.
PALABRAS CLAVE: Pobreza multidimensional; Enfoque consensual; Necesidades socialmente
percibidas; Privación; Inseguridad alimentaria.
INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta os resultados do estudo piloto, realizado na cidade de São Paulo,
que teve por objetivo a formulação e a aplicação de um questionário voltado à compreensão
da natureza e da extensão da pobreza multidimensional no Brasil, a partir da Abordagem
Consensual. O questionário foi desenvolvido a partir de trabalho de campo desenvolvido
anteriormente, na cidade de Campinas, com grupos focais para a discussão das percepções e
compreensões dos brasileiros sobre as necessidades básicas para um padrão de vida digno
1
.
Para além das percepções sobre necessidades básicas, as questões formuladas incluíram
temas como segurança alimentar, condições de moradia, acesso a ou propriedade de bens e
itens variados e, ainda, condição de trabalho dos participantes.
Cabe salientar que o projeto teve aprovação no Comitê de Ética (CAAE
35208820.5.0000.8142). Os dados aqui apresentados foram coletados durante a pandemia da
COVID-19, ao longo de setembro de 2020, quando as regras de distanciamento físico
limitaram a movimentação das pessoas nas cidades e alteraram suas rotinas. Dessa forma, a
elaboração e a aplicação do questionário foram possibilitadas pela ferramenta online KoBo
Toolboxuma ferramenta para coleta de dados online, considerando o acesso virtual, para
manutenção das regras de distanciamento. A amostra final inclui as respostas de 155
participantes em três comunidades da capital paulista.
1
GOMES, Janaína Dantas Germano et al, A pobreza numa sociedade polarizada e desigual diante da mobilidade
e da pandemia, in: Migrações Internacionais e a pandemia de COVID-19, [s.l.]: NEPO/ Unicamp, 2020; GOMES,
Janaína Dantas Germano et al, Pensando a Pobreza entre Crianças no Brasil: relatório de aplicação de grupos
focais a partir da metodologia da Abordagem Consensual, Pesquisa & Debate. Revista do Programa de Estudos
Pós-Graduados em Economia Política, v. 32, n. 1(57), 2020.
3
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Antes de passarmos à apresentação e discussão dos dados, é necessário explicar que
este estudo piloto é resultado da cooperação entre a Universidade de Cardiff e a Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), com o financiamento do Global Challenges Research Fund
(GCRF). Um dos produtos dessa cooperação foi o evento International Workshop on
Multidimensional Poverty”, que reuniu 19 pesquisadores da América Latina e do Reino Unido,
realizado na cidade de Campinas, em janeiro de 2020. Após esse evento e com o início da
pandemia, a equipe de pesquisadores da Unicamp foi chamada para auxiliar o Ministério
Público do Trabalho (MPT) em diversas atividades realizadas nas comunidades de Brasilândia,
Paraisópolis e Vila Vietnã.
A partir dessas atividades essenciais a essas comunidades em meio à crise sanitária, o
MPT propôs o desenvolvimento de uma pesquisa que pudesse informar sobre a natureza e a
extensão da pobreza multidimensional, na busca por atender os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS), dos quais o Brasil é signatário. Tal pesquisa proporcionou
uma oportunidade para operacionalizar em formato de questionário o uso da Abordagem
Consensual para o estudo da pobreza no Brasil
2
.
1. Metodologia
A Abordagem Consensual é uma metodologia de pesquisa estabelecida e validada
internacionalmente. É endossada, por exemplo, pelo grupo de especialistas em estatística
sobre pobreza da Organização das Nões Unidas (ONU)conhecido como “Grupo do Rio
, no Compêndio de Melhores Práticas em Pesquisa sobre Pobreza, publicado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística
3
.
Nessa metodologia, os participantes são convidados a expor o que pensam ser as
necessidades básicas para que se tenha um padrão de vida digno em seu país. Estabelecidas
2
BAENINGER, Rosana; VEDOVATO, Luis Renato; NANDY, Shailen (Orgs.), Migrações Internacionais e a pandemia
de COVID-19, Campinas: NEPO/ Unicamp, 2020.
3
IBGE, Compendium of best practices in poverty measurement, Rio de Janeiro: Expert Group on Poverty
Statistics (Rio Group), 2006.
4
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essas necessidades básicas, o próximo passo é a identificação dos indivíduos e grupos que
forçosamente não têm acesso a este padrão de vida digno. Isto é, indivíduos e grupos que não
possuem recursos suficientes para alcançar ou manter esse padrão
4
.
Ao perguntar ao público o que eles consideram como necessidades básicas para um
padrão de vida digno, essa metodologia se torna um meio efetivo de definir
democraticamente o que é pobreza e o que deve ser considerado para sua mensuração. Em
2017, o Relatório intitulado Monitoring Global Poverty” (Monitorando a Pobreza Mundial
[tradução livre]), do Banco Mundial indicou que
[...] somente por meio de uma melhor representação e compreensão do que
é pobreza o que inclui compreender quem é pobre... e como se vivencia a
pobreza poderemos enfrentar os desafios para eliminá-la em todas as suas
dimensões e reduzir as desigualdades, sem deixar ninguém para trás
5
.
Nesse mesmo Relatório, afirma-se que a pobreza é constituída “por muitas dimensões
integradas, dentre as quais a falta de comida, saúde debilitada e doença; falta de acesso aos
bens públicos; e falta de poder são julgados aspectos mais importantes que a pobreza
monetária”
6
. Vale ressaltar que essa metodologia tem sido utilizada com sucesso ao redor do
globo: em diversos países da União Europeia; na América Latina, recentemente utilizado no
México e na Argentina; em países e territórios das Ilhas do Pacífico; e em diversos países em
África como África do Sul, Uganda, e Benin
7
.
4
GORDON, David, Measuring poverty: Breadline Britain in the 1990s, in: Breadline Britain in the 1990s,
Aldershot: Ashgate Publishing, 1997, p. 5–47; MACK, Joanna; LANSLEY, Stewart, Poor Britain, London ; Boston:
G. Allen & Unwin, 1985; TOWNSEND, Peter, The Concept of Poverty, London: Heinemann, 1970; TOWNSEND,
Peter, Poverty in the United Kingdom, Harmondsworth: Penguin Books Ltd, 1979.
5
ATKINSON, A., Monitoring Global Poverty: Report of the Commission on Global Poverty, [s.l.]: Washington,
DC: World Bank, 2017.
6
ATKINSON, A., Monitoring Global Poverty: Report of the Commission on Global Poverty, [s.l.]: Washington,
DC: World Bank, 2017.
7
ABE, Aya; PANTAZIS, Christina, Comparing Public Perceptions of the Necessities of Life across Two Societies:
Japan and the United Kingdom, Social Policy & Society, v. 13, n. 1, p. 6998, 2014; CATALÁN, Héctor E. Nájera;
GORDON, David, The Importance of Reliability and Construct Validity in Multidimensional Poverty Measurement:
An Illustration Using the Multidimensional Poverty Index for Latin America (MPI-LA), The Journal of
Development Studies, v. 56, n. 9, p. 17631783, 2020; GUIO, Anne-Catherine et al, Improving the measurement
of material deprivation at the European Union level, Journal of European Social Policy, v. 26, n. 3, p. 219333,
2016; LANAU, Alba; MACK, Joanna; NANDY, Shailen, Including services in multidimensional poverty
measurement for SDGs: modifications to the consensual approach, Journal of Poverty and Social Justice,
5
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Renato. O que os brasileiros pensam ser necessário para que se tenha um padrão de vida digno em seu país? Estudo piloto na
cidade de São Paulo. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-27, 2021.
Conforme mencionado, o questionário elaborado para este estudo piloto teve como
base um estudo anterior, com oito grupos focais realizados na cidade de Campinas, em
meados de 2019. Antes, portanto, do início da pandemia. Seguindo a Abordagem Consensual,
nesses grupos focais, foi pedido aos participantes que discutissem o que compreendem sobre
pobreza e que chegassem ao consenso, por meio de uma lista de itens e atividades
(apresentada na Tabela 1), do que seria necessário para alcançar e manter um padrão de vida
digno no Brasil de hoje. Os participantes puderam categorizar os itens e atividades da lista em
três categorias: uma categoria das atividades e itens considerados como necessidades; outra
para aqueles considerados desejáveis; e, uma terceira, para aqueles considerados não
necessários.
Tabela 1. Lista de Itens e Atividades
1. Ter itens de higiene pessoal para tomar banho todos os dias (por exemplo, sabonete)
2. Poder colocar todas as crianças na escola
3. Ter acesso a água e eletricidade
4. Ter os recursos para usar o transporte público para o trabalho
5. Ter dois conjuntos de roupas
6. Ter mesas e camas em casa
7. Comer três refeições por dia
8. Ter moradia (própria ou alugada)
9. Comprar medicamentos quando necessário
10. Ter pelo menos dois pares de sapatos
11. Poder comer arroz / massa (carboidrato / amido) todos os dias
12. Ter dinheiro suficiente para consertar um vazamento no teto das salas principais
13. Pagar os custos da educação de todas as crianças (taxas, uniformes, livros, materiais)
p. (Early access), 2020; NOBLE, M.; RATCLIFFE, A.; WRIGHT, G., Conceptualizing, Defining and Measuring Poverty
in South Africa - An Argument for a Consensual Approach, Oxford: Centre for the Analysis of South African Social
Policy, 2004; POMATI, Marco; NANDY, Shailen, Measuring multidimensional poverty according to national
definitions: operationalising target 1.2 of the sustainable development goals, Social Indicators Research, v. 148,
p. 105126, 2020; SAUNDERS, Peter, Down and out: poverty and exclusion in Australia, Bristol, U.K. ; Portland,
OR: Policy Press, 2011; WRIGHT, Gemma; NOBLE, Michael, Does Widespread Lack Undermine the Socially
Perceived Necessities Approach to Defining Poverty? Evidence from South Africa, Journal of Social Policy, v. 42,
n. 1, p. 147165, 2013.
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OLIVEIRA, Flávia U. de; NANDY, Shailen; FERNANDEZ, Gabriela F.; VECCHIO, Victor Del; ASSIS, Ana Elisa S. Q.; VEDOVATO, Luís
Renato. O que os brasileiros pensam ser necessário para que se tenha um padrão de vida digno em seu país? Estudo piloto na
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14. Poder comer vegetais todos os dias
15. Ter um rádio ou televisão
16. Poder comer carne / frango / porco / peixe todos os dias
17. Poder comemorar em ocasiões especiais (por exemplo, aniversários de crianças)
Ainda, nos grupos focais, foi perguntado aos participantes se eles tinham acesso ou
possuíam cada item e atividade da lista. Caso não possuíssem alguns dos itens ou não tivessem
acesso às atividades, os participantes indicavam se não os tinham por falta de recursos, por
escolha pessoal ou por qualquer outro motivo.
Cabe ressaltar que, na Abordagem Consensual, o consenso dá-se entorno dos itens e
atividades percebidos como necessidades pela metade (ou mais) dos participantes do grupo
focal. Essas necessidades são nomeadas de “Necessidades Socialmente Percebidas” NSP
(Socially Perceived Necessities SPNs). Aqueles que indicam não ter acesso ou não possuir tais
Necessidades porque não têm recursos suficientes para tê-las são identificados como privados
forçosamente das NSP devido à falta de recursos. O número total de Necessidades das quais
esses indivíduos são privados formam um índice de privação. Quanto maior o número nesse
índice, maior o nível de privação. Esse índice também demonstra a multiplicidade de
privações, o que, por sua vez, reflete a extensão da pobreza multidimensional
8
.
2. Apresentação de resultados e discussão
2.1. Descrição geral da amostra
Os resultados apresentados nas linhas a seguir buscam resumir os dados obtidos ao
longo de Setembro de 2020, em três bairros de São Paulo: Brasilândia, Paraisópolis e Vila
Vietnã. Esses três locais foram escolhidos tendo em vista a conveniência das atividades de
caráter essencial promovidas pelo MPT durante a crise sanitária e a possibilidade de condução
do estudo, respeitando o distanciamento físico, sem expor os participantes e as equipes de
8
NANDY, Shailen; GORDON, David, Policy relevant measurement of poverty in low, middle and high income
countries, Poverty and Inequality in Middle Income Countries. Policy Achievements, Political Obstacles, 2015.
7
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Renato. O que os brasileiros pensam ser necessário para que se tenha um padrão de vida digno em seu país? Estudo piloto na
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pesquisa. A coleta foi realizada ao longo de três semanas, por meio da ferramenta de acesso
virtual, utilizando majoritariamente os computadores de entidades de apoio e,
eventualmente, os celulares dos participantes. Buscaremos abordar em mais detalhes esse
trabalho de campo em publicação posterior.
Sobre a escolha dos participantes, é necessário indicar que foram escolhidos por terem
mais de 18 anos, serem moradores de uma das três comunidades mencionadas, e estarem
engajados nas atividades realizadas pelo MPT. A amostra total foi de 155 participantes, sendo
34% moradores da Brasilândia, 34% moradores de Paraisópolis e 32% moradores da Vila
Vietnã. Os participantes eram em sua maioria mulheres, 65% da amostra total. Em relação à
raça e cor, utilizando o padrão de autodeclaração do IBGE, 65% dos participantes são pardos
e pretos, 31% brancos, 4% amarelos e indígenas. Sobre a idade dos participantes, a maioria
tem entre 20 e 39 anos, o que corresponde a 67% do total da amostra.
Ainda, 9% dos participantes têm de 18 a 20 anos, outros 9% tem mais de 50 anos e 2%
não responderam a essa questão. Ao examinar o nível de escolaridade dos participantes, 40%
tem o Ensino Médio completo, 14% tem o Ensino Médio incompleto, 13% tem o Ensino
Fundamental incompleto, 12% tem o Ensino Superior completo, 9% tem o Ensino Superior
incompleto, 8% tem Ensino Fundamental completo, 1% tem Pós-graduação e 2% não tem
nenhum nível de escolaridade. Estabelecido esse panorama da amostra, passamos nas linhas
abaixo a discorrer sobre os principais resultados encontrados, em especial, aqueles ligados às
NSP e à privação forçada. Vejamos.
2.2. As Necessidades Socialmente Percebidas (NSP)
Tabela 2. Percepção das Necessidades
Itens e
atividades
Percepção dos participantes (%)
Consenso sobre os itens considerados necessários por bairro, gênero e entre pobres e
não pobres (%)
Desejável
Não
necessário
Necessário Brasilândia Paraisópolis Vila Vietnã Feminino Masculino Pobres
Não
Pobres
1. Ter itens
de higiene
pessoal para
tomar banho
todos os dias
(por
1 0 99 100 100 98 99 100 99 100
8
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exemplo,
sabonete)
2. Ser capaz
de colocar
todas as
crianças na
escola
2 2 96 90 100 100 97 93 96 96
3. Ter acesso
a água e
eletricidade
3 1 96 96 100 92 98 93 93 100
4. Ter os
recursos para
usar o
transporte
público para
o trabalho
5 1 94 96 100 90 96 91 92 98
5. Ter dois
conjuntos de
roupas
9 0 91 81 98 98 90% 93 89 94
6. Ter mesas
e camas em
casa
8 2 89 85 94 92 91 86 86 94
7. Comer três
refeições por
dia
11 0 89 92 90 84 93 80 89 89
8. Ter
moradia
(própria ou
alugada)
12 1 87 85 96 80 86 88 84 89
9. Compre
medicament
os quando
necessário
12 2 86 82 100 80 85 89 80 93
10. Ter pelo
menos dois
pares de
sapatos
15 0 85 75 85 96 85 86 83 88
11. Ser capaz
de comer
arroz / massa
(carboidrato
/ amido)
todos os dias
16 0 84 88 88 84 85 84 80 89
12. Ter
dinheiro
suficiente
para
consertar um
vazamento
no teto das
salas
principais
19 2 79 77 90 80 80 79 76 83
13. Ser capaz
de pagar os
custos da
educação de
todas as
19 3 78 69 85 82 79 75 81 74
9
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Renato. O que os brasileiros pensam ser necessário para que se tenha um padrão de vida digno em seu país? Estudo piloto na
cidade de São Paulo. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-27, 2021.
crianças
(taxas,
uniformes,
livros,
materiais)
14. Poder
comer
vegetais
todos os dias
18 4 77 87 71 82 79 73 78 76
15. Ter um
rádio ou
televisão
20 4 76 75 59 94 79 69 85 66
16. Ser capaz
de comer
carne /
frango /
porco / peixe
todos os dias
25 4 71 75 71 80 70 70 72 69
17. Ser capaz
de
comemorar
em ocasiões
especiais
(por
exemplo,
aniversários
de crianças)
38 12 50 47 35 80 54 45 65 33
Na Tabela 2, apresenta-se um panorama das NSP, isto é, os itens e atividades que para
mais da metade dos participantes são considerados essenciais para alcançar e manter um
padrão de vida digno no Brasil de hoje. Para cada item da lista, são apresentados os
percentuais dos participantes que os classificaram como Desejáveis, como Não Necessários, e
como Necessidades. Cabe assinalar que a diferença entre “Necessidade” e “Desejável” é
importante, já que os participantes devem indicar aquilo que é imprescindível para um padrão
de vida digno (Necessidade) e aquilo que seria em algum nível importante, porém prescindível
(Desejável). Nessa tabela, também é possível observar os percentuais por bairro, por gênero
e por status socioeconômico, considerados pobres e não pobres, de acordo com a
identificação dos indivíduos forçosamente em maior e menor privação.
Para facilitar a interpretação da Tabela, os percentuais estão coloridos como um mapa
de calor: os percentuais mais próximos de 100 estão coloridos em tons de vermelho; em tons
de laranja e amarelo aparecem os percentuais abaixo de 95%; em tons de verde estão os
percentuais de 50% para baixo. Considerando a totalidade da amostra e a quantidade de itens
em vermelho, laranja e amarelo, é possível indicar que a maioria dos itens listados são
10
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considerados como NSP. Os percentuais entre os itens quando recortados por local, gênero e
status econômico, de maneira geral, indicam que mais de ¾ dos participantes consideram
quinze dos dezessete itens listados como Necessidade. Ainda, é possível observar as
diferenças entre os bairros daquilo que é considerado como Necessidade. Por exemplo, o item
“Ter um Rádio ou Televisão” é considerado uma Necessidade para 94% dos participantes da
Vila Vietnã, enquanto que na Brasilândia esse percentual diminui para 75%, chegando a 59%
em Paraisópolis. De forma geral, na Vila Vietnã, quando colocada em perspectiva com os
outros dois bairros, os participantes tendem a perceber mais itens como necessidades.
As diferenças percentuais entre os gêneros, apesar de não se mostrarem tão marcadas,
trazem alguns pontos de distinção. Por exemplo, o item “Comer três refeições por dia” é
considerado Necessidade para 93% das mulheres, o que está treze pontos acima do
percentual de homens que consideram esse item como Necessidade. Outro ponto que merece
observação é a diferença de percentuais entre pobres e não pobres em diversos itens. Por
exemplo, o item “Ter mesas e camas em casa” aparece como Necessidade para 94% dos
pobres e para 86% dos não pobres. Já o item “Ter um Rádio ou Televisão” é considerado
Necessidade para 86% dos não pobres e para 66% dos pobres. Para 65% dos não pobres, “Ser
capaz de comemorar em ocasiões especiais” é um item percebido como Necessidade,
enquanto que para apenas 33% dos pobres esse item seria imprescindível.
Diferenças percentuais entre pobres e não pobres mostram-se similares em países em
desenvolvimento. Nesses contextos, os indivíduos considerados pobres tendem a identificar
mais itens como Necessidades se comparados com os indivíduos não pobres. Isso desafia o
pressuposto de uma “preferência adaptativa”, no qual os pobres ajustam para baixo suas
expectativas em relação ao que é um padrão digno de vida, o que acabaria por afetar a
compreensão “social” do que seria um padrão de vida decente. Como pode ser observado,
essa “preferência adaptativa” é observada de maneira sutil se compararmos pobre e não
pobres, algo que foge ao padrão encontrado em países em desenvolvimento. No entanto, é
preciso cautela para que verificar ou confirmar essa tendência já que considerando apenas a
localização, no bairro com maior nível de privação (como veremos mais à frente), a Vila Vietnã,
os participantes tendem a considerar mais itens como necessidades. Faz-se necessária a
11
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realização de uma pesquisa com amostra mais representativa para que esse aspecto possa ser
melhor analisado.
2.3. Privação
Verificado o consenso entre a maioria dos participantes sobre os itens e atividades
consideradas como Necessidades, é possível verificar também a porcentagem da amostra que
está forçosamente privada das Necessidades Socialmente Percebidas. Ou seja, é possível
identificar o percentual de participantes que não conseguem ter acesso a determinados itens
por não terem recursos. A Tabela 3 apresenta o percentual de participantes que dizem ter
(Sim) ou não ter acesso a esses itens (Não).
Nessa Tabela, é possível também observar o percentual dos participantes que
respondem não ter acesso a esses itens por não os desejar, por não ter recursos financeiros
ou por outra razão. Mais uma vez, para facilitar a interpretação da Tabela, esses percentuais
estão coloridos como um mapa de calor. Os percentuais mais altos em relação a privação
forçada isto é, os percentuais de participantes que dizem não ter acesso ao item por falta
de recursos são apresentados em tons de vermelho. Em verde, são apresentados os menores
percentuais de privação forçada.
Tabela 3. Privação forçada das Necessidades Socialmente Percebidas
Itens e
atividades
Percentual de respostas dos
participantes
Percentual de participantes que indicam não poderem pagar pelo item
ou atividade por bairro, gênero e entre pobres e não pobres
Sim
Não,
porque
não
quero
Não,
por
outro
motivo
Não,
porque
não
posso
pagar
Brasilândia Paraisópolis
Vila
Vietnã
Feminino Masculino
Pobres
Não
Pobres
1. Pagar os
custos da
educação de
todas as
crianças
(taxas,
uniformes,
22 0 5 73 81 39 100 77 65 86 53
12
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OLIVEIRA, Flávia U. de; NANDY, Shailen; FERNANDEZ, Gabriela F.; VECCHIO, Victor Del; ASSIS, Ana Elisa S. Q.; VEDOVATO, Luís
Renato. O que os brasileiros pensam ser necessário para que se tenha um padrão de vida digno em seu país? Estudo piloto na
cidade de São Paulo. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-27, 2021.
livros,
materiais)
2. Consertar
um
vazamento no
teto das salas
principais
27 0 2 71 75 35 100 78 55 93 45
3. Comemorar
em ocasiões
especiais (por
exemplo,
aniversários
de crianças)
21 8 5 66 69 40 96 71 54 87 41
4. Comer
carne / frango
/ porco / peixe
todos os dias
37 6 1 56 65 17 94 63 39 84 23
5. Comprar
medicamentos
quando
necessário
39 2 4 55 67 14 98 62 41 80 25
6. Comer
vegetais todos
os dias
38 7 2 53 65 14 94 59 39 82 19
7. Ter recursos
para usar o
transporte
público para o
trabalho
63 0 2 36 44 12 62 43 20 57 11
8. Comer arroz
/ massa
(carboidrato /
amido) todos
os dias
65 1 2 32 42 10 54 34 27 52 10
9. Comer três
refeições por
dia
72 4 3 22 37 4 28 25 14 37 4
10. Colocar
todas as
crianças na
escola
78 0 2 20 37 4 14 24 10 25 13
11. Ter mesas
e camas em
casa
80 1 1 18 25 2 28 17 20 31 4
12. Ter pelo
menos dois
pares de
sapatos
82 0 1 17 41 2 10 21 11 28 5
13. Ter itens
de higiene
pessoal para
tomar banho
87 0 0 14 18 0 25 17 7 21 5
13
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todos os dias
(por exemplo,
sabonete)
14. Ter um
rádio ou
televisão
87 1 0 13 16 6 20 12 14 22 2
15. Ter dois
conjuntos de
roupas
88 0 0 12 29 0 10 16 5 21 2
16. Ter acesso
a água e
eletricidade
91 0 0 9 14 0 14 10 7 16 1
Na Tabela 3, merece destaque que mais de 50% dos participantes indiquem não
conseguir comer proteína animal nem vegetais todos os dias por não terem recurso para isso,
enquanto que, para mais de 60%, carboidratos são consumidos diariamente. Esses dados
apontam para um cenário de insegurança alimentar e junta-se à impossibilidade de 55% dos
participantes não conseguirem comprar medicamentos quando necessário, o que denota
impactos na saúde e no acesso a tratamentos de saúde. Ainda, custos de educação, custos
com reparos na moradia e atividades de socialização (celebrar aniversário, por exemplo) são
os itens de maior privação forçada para a maioria dos participantes.
Por outro lado, acesso à água e à eletricidade é limitado ou impossibilitado para apenas
9% dos participantes. Vestimentas, eletrônicos, higiene pessoal, transporte público e aceso à
educação básica também surgem como itens de menor privação. Cabe ressaltar que 37% dos
pobres indicam não consumir três refeições diárias, enquanto que isso é indicado por apenas
4% dos não pobres. A diferença entrenero nesse item também merece destaque, 24% das
mulheres indicaram não consumir três refeições diárias, o que foi respondido por apenas 14%
dos homens. Adicionalmente, nessa Tabela, as disparidades entre bairros tornam-se
evidentes, indicando alta privação forçada especialmente na Vila Vietnã e na Brasilândia.
Se usarmos a média de privações forçadas para comparar os bairros, fica evidente que
Vila Vietnã e Brasilândia são “mais pobres” que Paraisópolis, como apresentado na Figura 1.
Paraisópolis, por sua vez, é o bairro com menor número de privações forçadas. Examinar as
diferenças entre bairros e zonas das cidades torna-se uma possibilidade que também
demanda uma amostra mais representativa em pesquisa futura.
14
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Renato. O que os brasileiros pensam ser necessário para que se tenha um padrão de vida digno em seu país? Estudo piloto na
cidade de São Paulo. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-27, 2021.
Figura 1. Média de privações forçadas por bairro
Fonte: Elaboração própria
Em diferentes contextos, estudos demostram que há certos tipos de famílias mais
vulneráveis à pobreza. Sabe-se que famílias com crianças são particularmente vulneráveis.
Uma alta proporção de crianças por adultos nessas famílias significa uma maior taxa de
dependência e menor taxa de trabalhadores em potencial
9
. Os dados coletados neste estudo
piloto confirmam a maior vulnerabilidade à pobreza das famílias com crianças nos três bairros
estudados. A média de privações forçadas é maior em famílias com crianças do que entre
famílias sem crianças. Tal padrão é esperado também em uma pesquisa com amostra mais
representativa. Para aqueles que formulam políticas públicas, evidências como essa reforçam
a necessidade de assegurar que famílias com crianças sejam o foco de programas sociais e de
transferência de renda como, por exemplo, tem sido no Bolsa Família.
9
NANDY, Shailen; MAIN, Gill, Mobilizing critical research for preventing and eradicating poverty, CROP, p. 4,
2015.
15
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Renato. O que os brasileiros pensam ser necessário para que se tenha um padrão de vida digno em seu país? Estudo piloto na
cidade de São Paulo. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-27, 2021.
Figura 2. Média de privações forçadas por famílias com e sem crianças
Fonte: Elaboração própria
Emprego e trabalho são meios de proteção contra a pobreza, contudo, não são
garantias dessa proteção
10
. Muito empregos não pagam o suficiente para que os indivíduos
estejam efetivamente protegidos. Estudos sobre pobreza demostram que indivíduos pobres
estão empregados ou trabalham em mais de uma atividade
11
. Sabe-se também que as
condições de trabalho para os pobres tendem a ser mais instáveis e incertas, o que é
confirmado pela amostra aqui apresentada, particularmente, se considerarmos o
aprofundamento da crise do emprego e do trabalho durante a pandemia. No Brasil, a taxa de
10
ABRAMO, Laís, Uma década de promoção do trabalho decento no brasil: uma estratégia baseada no diálogo
social, Genebra: OIT, 2015; RODGERS, Gerry, El trabajo decente como una meta para la economía global, Boletín
Cinterfor, v. 153, p. 20, 2002; STANDING, Guy, De las Encuestas sobre la Seguridad de las Personas al índice de
trabajo decente, Revista Internacional del Trabajo, v. 121, n. 4, p. 487501, 2002.
11
POMATI, Marco; NANDY, Shailen, Measuring multidimensional poverty according to national definitions:
operationalising target 1.2 of the sustainable development goals, Social Indicators Research, v. 148, p. 105126,
2020.
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Renato. O que os brasileiros pensam ser necessário para que se tenha um padrão de vida digno em seu país? Estudo piloto na
cidade de São Paulo. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-27, 2021.
desemprego atingiu 14,4% em agosto, sendo essa a maior das taxas registradas na série
histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), iniciada
no ano de 2012
12
.
Na Figura 3, é possível observar que a maior média de privação forçada está entre os
trabalhadores informais, seguidos pelos desempregados e pelos aposentados. Por essa Figura,
é possível indicar que os trabalhadores em condições desreguladas de trabalho, postos na
informalidade, tem uma média de privação forçada das NSP similar a dos desempregados. Ao
mesmo tempo, os trabalhadores informais estão próximos do nível de privação encontrado
entre os aposentados. O que indica que a seguridade social, ao menos nessa amostra, não
protege os indivíduos da privação forçada. É possível observar ainda que os trabalhadores
empregados com mais ou menos 40 horas de trabalho por semana, seguidos pelos
trabalhadores autônomos, têm as menores médias de privação forçada das NSP.
Figura 3. Média de privações forçadas por situação de trabalho
Fonte: Elaboração própria.
12
IBGE, Desemprego chega a 14,4% no trimestre encerrado em agosto, Agência de Notícias - IBGE, disponível
em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/29321-
desemprego-chega-a-14-4-no-trimestre-encerrado-em-agosto. Acesso em: 6 nov. 2020.
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Renato. O que os brasileiros pensam ser necessário para que se tenha um padrão de vida digno em seu país? Estudo piloto na
cidade de São Paulo. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-27, 2021.
A partir desses primeiros resultados, observa-se que determinados grupos vivenciam
maior privação forçada das NSP. No entanto, faz-se necessário discutir com mais profundidade
como, na Abordagem Consensual, é possível estabelecer um patamar que distinguem
“pobres” de “não pobres”, especialmente, considerando a amostra deste estudo piloto em
três bairros pobres da cidade de São Paulo. Nesses bairros, os participantes podem ser
considerados relativamente “pobres” se comparados com a população brasileira em geral.
Nesse sentido, estabelecer um patamar do que constitui pobreza nesta amostra tornou-se um
desafio.
2.4. Quantas privações constituem pobreza”?
A maneira mais usual para estabelecer um patamar do que constitui pobreza é verificar
em que nível de acesso a recursos (renda e outros bens materiais) há o crescimento da
experiência de privação forçada. O que se pressupõe é que, por exemplo, famílias com renda
suficiente e com acesso a outros bens materiais estariam protegidas da privação forçada. Se
essa renda é (ou se torna) insuficiente e não há acesso a outros bens materiais, as famílias
passam a vivenciar mais e mais privações. Estudiosos, como Peter Towsend, demonstram que
abaixo de determinado nível de acesso a recursos, a experiência de privação aumenta
drasticamente, e a partir desse nível seria possível estabelecer cientificamente uma linha da
pobreza
13
. O que quer dizer que acima dessa linha os indivíduos estariam protegidos de
privações, porém, se abaixo dela, a vulnerabilidade desses indivíduos à privação aumentaria
exponencialmente. A Figura 4 ilustra esse argumento.
13
TOWNSEND, Peter, The Concept of Poverty, London: Heinemann, 1970; TOWNSEND, Peter, Poverty in the
United Kingdom, Harmondsworth: Penguin Books Ltd, 1979.
18
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Renato. O que os brasileiros pensam ser necessário para que se tenha um padrão de vida digno em seu país? Estudo piloto na
cidade de São Paulo. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-27, 2021.
Figura 4. Privação por Renda, na perspectiva de Peter Townsend
Fonte: Towsend, 1979, p. 261
Na amostra aqui analisada, é possível observar um padrão entre o índice de bens
materiais, no qual quanto maior a pontuação, maior o acesso a recursos materiais, e o índice
de privação, no qual quanto menor a pontuação, menor o nível de privação. Essa relação está
ilustrada na Figura 5. Os participantes com maior pontuação no índice de bens materiais
reportam menor nível de privação forçada, o que está em consonância com o modelo de
Townsend.
Em uma inspeção geral dos dados, encontra-se um ponto de inflexão entre 5 e 6
privações, no qual pequenas diferenças no índice de bens materiais se traduzem em um
significativo número de privações.
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cidade de São Paulo. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-27, 2021.
Figura 5. Média do índice de bens materiais por número de privações
Fonte: Elaboração própria.
Reagrupando os dados da amostra nas categorias apresentadas na Figura 6, é possível
visualizar essas diferenças com maior nitidez. Os participantes dos dois últimos grupos,
aqueles com cinco ou mais privações forçadas, possuem os menores números no índice de
bens materiais. Dessa forma, uma maneira de estabelecer uma linha da pobreza pode estar
na distinção entre os dois primeiros grupos, aqueles indivíduos com até quatro privações
forçadas, e os dois últimos grupos, aqueles indivíduos com cinco ou mais privações forçadas.
Nesse estudo piloto, uma linha de pobreza estaria posta a partir do grupo que vivencia cinco
ou mais privações forçadas.
20
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cidade de São Paulo. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-27, 2021.
Figura 6. Índice de bens materiais por agrupamentos de número de privação forçadas
Fonte: Elaboração própria.
A Figura 7 ilustra estimativa das taxas de pobreza multidimensional nos três bairros
estudados, considerando as múltiplas privações nessas localidades. Mais uma vez, é preciso
levar em consideração que nessa amostra a distinção entre pobres e não pobres é
problemática. Tendo isso em vista, é possível verificar que as diferenças entre os bairros são
acentuadas. A Vila Vietnã possui o maior percentual de múltiplas privações, com todos os seus
respondentes indicando que experenciam cinco ou mais privações forçadas. Lá, mais de 40%
dos participantes experenciam 9 ou mais privações forçadas, como ilustrado na barra
vermelha. Em contraste, em Paraisópolis mais de 60% dos participantes indicou não
experenciar nenhuma privação (barra na cor verde).
Este tipo de análise será possível com diferentes grupos populacionais, buscando
destacar quais deles estariam mais vulneráveis à pobreza. O que este apanhado de dados
indica, sobretudo, é a possibilidade de estabelecer mensurações da pobreza de maneira
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democrática no Brasil, o que, por sua vez, mostra a possibilidade de acompanhar o progresso
do país de acordo com o que é requerido nos ODS (ONU).
Figura 7. Percentual de múltiplas privações por bairro
Fonte: Elaboração própria.
Como já mencionado, famílias com crianças são mais suscetíveis à pobreza do que
aquelas sem crianças. Tal disparidade é apresentada com mais detalhes na Figura 8. Dentre as
famílias sem crianças, a proporção de participantes que não vivenciam nenhuma privação é
de mais de 35%, como ilustrado na barra de cor amarela. As famílias com crianças que não
vivenciam nenhuma privação, por sua vez, é de apenas 12%. O percentual de famílias sem
crianças que vivenciam mais de 9 privaçõesalgo que indica extrema pobreza, é de 8%. Já
22
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Renato. O que os brasileiros pensam ser necessário para que se tenha um padrão de vida digno em seu país? Estudo piloto na
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nas famílias com crianças, 31% delas vivencia mais de 9 privações, o que demonstra um
significativo aprofundamento da pobreza para esse grupo.
Figura 8. Percentual de múltiplas privações por famílias com e sem crianças
Fonte: Elaboração própria.
Para além da discussão sobre as NSP, das privações forçadas e do estabelecimento de
uma linha de pobreza na amostra estudada, outro aspecto merece discussão pormenorizada
dada sua gravidade neste estudo: a Insegurança Alimentar.
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cidade de São Paulo. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v. 4, p. 1-27, 2021.
2.5. Insegurança Alimentar
A Insegurança Alimentar (IA) é uma problemática reconhecida em todo o mundo,
sendo mais duramente vivenciada pelos pobres. Essa terminologia significa tanto a falta de
acesso à comida, quanto a falta de acesso à comida saudável e de qualidade
14
. A Organização
das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) agência especializada do
Sistema ONU que trabalha no combate à fome e à pobreza por meio da melhoria da segurança
alimentar e do desenvolvimento agrícola desenvolveu a Escala de Vivência da Insegurança
Alimentar (FIES - Food Insecurity Experience Scale) que mensura o acesso à comida de famílias
e indivíduos
15
. Essa Escala mede a severidade da Insegurança Alimentar por meio das
respostas dadas a questões sobre a acesso à comida suficiente e de qualidade.
Na Tabela 4, os resultados da amostra aqui estudada são apresentados por bairro, por
gênero e por famílias com e sem crianças. Mais uma vez, a tabela é apresentada como um
mapa de calor, em que as células coloridas em tons de vermelho demonstram a gravidade do
problema. Famílias com crianças e mulheres reportaram vivenciar Insegurança Alimentar, o
que indica que esses grupos estão mais sujeitos à fome e aos impactos na saúde da privação
forçada de comida saudável e de qualidade. Aqui, voltamos a destacar essa Insegurança a
partir de outro dado apresentado mais acima, na Tabela 3. Como mencionado, metade dos
participantes da amostra indicam não conseguir comer proteína animal nem vegetais
regularmente. Esse cenário ilustra a Insegurança Alimentar, principalmente, na
impossibilidade de acesso à comida in natura, o que impacta na prevalência da obesidade e
de doenças crônicas não transmissíveis associadas à dieta rica em processados e
ultraprocessados
16
.
14
SMITH, Michael D.; KASSA, Woubet; WINTERS, Paul, Assessing food insecurity in Latin America and the
Caribbean using FAO’s Food Insecurity Experience Scale, Food Policy, v. 71, p. 4861, 2017.
15
CAFIERO, Carlo; VIVIANI, Sara; NORD, Mark, Food security measurement in a global context: The Food
Insecurity Experience Scale, Measurement, v. 116, p. 146152, 2018.
16
MINISTÉRIO DA SAÚDE, Guia alimentar para a população brasileira, n. 2, p. 158, 2014.
24
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Tabela 4. Insegurança Alimentar
No último mês, o entrevistado…
Insegurança Alimentar por bairro, por gênero e por famílias com e sem
criança (%)
Brasilândia Paraisópolis
Vila
Vietnã
Feminino Masculino
Sem
criança
Com
criança
…estava preocupado por não ter
comida suficiente por falta de
dinheiro ou outros meios
70 31 100 72 51 48 75
…não conseguiu ter uma
alimentação saudável e nutritiva
por falta de dinheiro ou outros
meios
69 24 100 69 46 48 70
…comeu apenas alguns tipos de
alimentos por falta de dinheiro
ou outros meios
75 31 100 76 48 51 76
…parou de comer, porque não
havia dinheiro ou outro meio de
obter alimentos
54 12 100 64 38 39 65
…comeu menos do que pensava
que deveria, por falta de
dinheiro ou outros meios
65 20 100 69 41 44 70
…ficou sem comida em sua casa
por falta de dinheiro ou outros
meios
54 8 100 59 35 34 60
…sentiu fome, mas não comeu,
porque não tinha dinheiro ou
outro meio de obter alimentos
46 14 100 59 38 39 59
…ficou um dia inteiro sem comer
por falta de dinheiro ou outros
meios
46 8 98 55 33 33 56
Conclusões
Apesar de não se fundamentarem em uma amostra representativa e da
excepcionalidade em que esses dados foram produzidos em plena crise sanitária, as análises
iniciais apresentadas aqui permitem afirmar que o questionário aplicado é uma possibilidade
científica e democrática para a mensuração da pobreza multidimensional no Brasil.
Apesar de ser um passo inicial, este estudo demonstra nítido consenso entre os
participantes nos três bairros sobre quais os itens e atividades necessários para que se alcance
e se mantenha um padrão de vida digno no Brasil. Essas necessidades não são apenas
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materiais, mas também estão relacionadas ao acesso a atividades e costumes sociais, o que
reforça a importância da criação e inclusão dos indivíduos nos espaços de interação social e
simbólica.
Como ilustrado nas figuras e tabelas, as privações forçadas são reportadas em todos
os bairros estudados, o que já era esperado tendo em vista que os três locais são considerados
bairros pobres da capital paulista. Apesar do limitado número da amostra, este estudo
confirmou aspectos importantes estabelecidos em outros estudos, como a maior
vulnerabilidade de determinados grupos famílias com crianças e mulheres, principalmente
a múltiplas experiências de privação forçada.
Esses achados iniciais apontam que a Abordagem Consensual é uma ferramenta
importante para os formuladores de políticas públicas no que diz respeito ao desenho das
políticas, e também para outros atores sociais interessados na relação entre os direitos sociais
e econômicos previstos na Constituição brasileira e a satisfação das necessidades básicas para
um padrão de vida digno no país. Nesse sentido, a Abordagem Consensual permite que se vá
além da descrição da pobreza, apontando o que deve ser feito para superá-la
17
.
Referências
ABE, Aya; PANTAZIS, Christina, Comparing Public Perceptions of the Necessities of Life across Two
Societies: Japan and the United Kingdom, Social Policy & Society, v. 13, n. 1, p. 6998, 2014.
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diálogo social, Genebra: OIT, 2015.
BAENINGER, Rosana; VEDOVATO, Luis Renato; NANDY, Shailen (Orgs.), Migrações Internacionais e a
pandemia de COVID-19, Campinas: NEPO/ Unicamp, 2020.
CAFIERO, Carlo; VIVIANI, Sara; NORD, Mark, Food security measurement in a global context: The
Food Insecurity Experience Scale, Measurement, v. 116, p. 146152, 2018.
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17
NANDY, Shailen; MAIN, Gill, Mobilizing critical research for preventing and eradicating poverty, CROP, p. 4,
2015.
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Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política, v. 32, n. 1(57), 2020.
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