As plataformas digitais de transporte e o lugar do negro no mercado de trabalho: o racismo nas configurações institucionais do trabalho no Brasil do século XXI


The digital plataforms of transport and the place of the black in the labor market: racism in the institucional configurations of labor in the 21st

Century in Brazil

Las plataformas digitales de transporte y el lugar del negro em el mercado laboral: racismo em las configuraciones

institucionales del trabajo em el Brasil del siglo 21


Eneida Maria dos Santos Grupo de Pesquisa Trab21 - Trabalho no Século XXI Lattes: http://lattes.cnpq.br/3330487236471924 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0927-8880


Rodrigo de Lacerda Carelli Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Lattes: http://lattes.cnpq.br/6162675542648709 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5504-1198



RESUMO

O presente trabalho estudou as plataformas digitais de transporte de pessoas e mercadorias a partir do prisma dos trabalhadores negros. Por meio de dados empíricos levantados em pesquisa, argui-se a disparidade de oportunidade, tratamento e rendimento no mercado de trabalho entre negros e brancos nestas modalidades de trabalho por plataformas digitais. O uso da ferramenta tecnológica, como mais um instrumento de labor, não descaracteriza o trabalho como precário e informal, o qual é ofertado ao negro como forma de continuar segregado no mercado de trabalho brasileiro, sendo-lhe reservado um lugar subalterno. Descobriu-se que os negros se encontram sobrerrepresentados nas plataformas em relação ao mercado geral de trabalho. Verificou-se que se trata de um trabalho mal remunerado, com jornadas estafantes, sem folgas e sem direitos. Em uma análise comparativa com os profissionais brancos, mesmo dentro das plataformas digitais, os negros estão em piores condições e recebem menos. O estudo defende que o Direito do Trabalho, com instrumental adequado, pode assumir o desafio de lidar com o desenho institucional do trabalho em plataforma digital que, diante da ausência de direitos trabalhistas, reforça as desigualdades raciais existentes no mercado de trabalho.


PALAVRAS-CHAVE: Plataforma digital de transporte de passageiros e mercadoria. Negro. Racismo estrutural. Precariedade. Uberização.

ABSTRACT

The present work studied digital platforms of transport of people and goods from the perspective of black workers. Through empirical data collected in research, the disparity of opportunity, treatment and income in the labor market between black and white people in these modalities of work by digital platforms is addressed. The use of technological tool, as another instrument of labor, does not mischaracterize work as precarious and informal, which is offered to the black as a way to remain segregated in the Brazilian labor market, being reserved a subordinate place. It turned out that blacks are overrepresented on the platforms in relation to the general labor market. It was found that it is a low-paying job, with exhausting working hours, without breaks and without rights. In a comparative analysis with white professionals, even within digital platforms, black people are in worse condition and earn less. The study argues that labor law, with appropriate instruments, can take on the challenge to deal with the institutional design of work on a digital platform that, in view of the absence of labor rights, reinforces the racial inequalities existing in the labor market.


KEYWORDS: Digital platform for the transport of passengers and goods. Black people. Structural racism. Precariousness. Uberization.


RESUMEN

El presente trabajo estudió las plataformas digitales de transporte de personas y mercancías desde la perspectiva de los trabajadores negros. A través de datos empíricos recogidos en la investigación, se aborda la disparidad de oportunidades, tratamiento e ingresos en el mercado laboral entre negros y blancos en estas modalidades de trabajo por plataformas digitales. El uso de la herramienta tecnológica, como otro instrumento de trabajo, no caracteriza erróneamente el trabajo como precario e informal, que se ofrece al negro como una forma de permanecer segregado en el mercado laboral brasileño, reservándose un lugar subordinado. Resultó que los negros están sobrerrepresentados en las plataformas en relación con el mercado laboral general. Se comprobó que es un trabajo mal pagado, con jornadas exhaustivas, sín descanso y sin derechos. En un análisis comparativo con los profesionales blancos, incluso dentro de las plataformas digitales, los negros están en peores condiciones y reciben menos. El estudio sostiene que el derecho laboral, con instrumentos adecuados, puede asumir el reto de abordar el diseño institucional del trabajo en una plataforma digital que, ante la ausencia de derechos laborales, refuerce las desigualdades raciales existentes en el mercado laboral.


PALABRAS-CLAVE: Plataforma digital para el transporte de pasajeros y mercancías. Negro. Racismo estructural. Precariedad. Uberización.

INTRODUÇÃO1


As relações de trabalho entre trabalhadores e empresas que realizam transporte de passageiros e entregas de alimentação e mercadorias utilizando-se de plataformas digitais passaram a ser uma das questões mais discutidas nos estudos sobre o trabalho. Essas empresas apresentam-se como novas e revolucionárias, argumentando ser mera solução tecnológica a permitir a realização de serviços ofertados a uma multidão de trabalhadores considerados autônomos e empreendedores de si mesmos.2 Por outro lado, estudos começaram a demonstrar o quão precário é esse trabalho,3 no qual persiste o modelo do emprego em que estão presentes os requisitos previstos em lei para a sua caracterização, sendo as plataformas digitais uma forma de burlar os direitos trabalhistas.4

O projeto Fairwork, desenvolvido pela Universidade de Oxford e pelo Centro de Ciências Sociais de Berlim, visando constatar as condições de trabalho realizado por meio de plataforma digital, realizou pesquisa em que foram entrevistados os trabalhadores, os executivos das plataformas e analisados determinados documentos. O primeiro relatório da pesquisa, realizada em 2021, examinou se estas empresas observam os cinco princípios relacionados ao trabalho decente e, no Brasil, de seis empresas, nas quais se incluem as de transporte de passageiros e entrega de mercadorias e alimentos, duas tiveram nota dois quanto à observação do trabalho



1 O presente artigo apresenta parte dos resultados de pesquisa realizada no âmbito do Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

2 BRITO FILHO, José Claudio Monteiro; SILVA, Poliana Ferreira da; RODRIGUES, Sofia Pereira Récio. Ausência de vínculo empregatício nos contratos com a empresa Uber: uma análise fático-normativa do Acórdão Número 1000123.89.2017.5.02.0038. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v. 6, n. 12, p. 98390-98405, dez. 2020.

3 FILGUEIRAS, Vítor; ANTUNES, Ricardo. Plataformas digitais, uberização do trabalho e regulação no capitalismo contemporâneo. Revista Contracampo, v. 39, n. 1, 2020.

4 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. O trabalho em plataformas e o vínculo de emprego: desfazendo mitos e mostrando a nudez do rei. In: CARELLI, Rodrigo de Lacerda; CAVALCANTI, Tiago Muniz; FONSECA, Vanessa Patriota da (Org.). Futuro do trabalho: os efeitos da revolução digital na sociedade. Brasília: ESMPU, 2020; OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio; ASSIS, Anne Karolline Barbosa de; COSTA, Joelane Borges. O direito do trabalho (des)conectado das plataformas digitais. Teoria Jurídica Contemporânea, v. 4, n. 1, jan./jun. 2019; PRASSL, Jeremias. Humans as a service: The promise and perils of work in the gig economy. Oxford: Oxford Press, 2018.

decente, uma obteve nota um e as demais não pontuaram em uma escala de zero a dez5.

Durante a pandemia, as atividades dos entregadores obtiveram destaque, tendo sido inclusive consideradas essenciais pelo poder público, todavia sofreram redução na remuneração. Segundo pesquisa realizada pela Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (Remir Trabalho) da Unicamp, 68,9% dos entregadores foram impactados com a diminuição de renda. Antes das medidas de isolamento da população, 17% dos profissionais recebiam um salário mínimo, tendo dobrado esse percentual posteriormente, o que levou à intensificação do trabalho para receber o mesmo montante de outrora6.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE, em 2020, por meio da Pnad Covid-19, constatou que os negros são a maioria dos trabalhadores em plataforma de transporte de passageiros e entrega de mercadorias. No primeiro caso, 60% dos profissionais são negros em comparação a 38,5% dos brancos e, para entregadores, não há diferença expressiva, sendo representados por 59,2% de negros e 40% de brancos7.

O presente estudo pretende verificar a relação de trabalho dos negros com as plataformas digitais de transporte de passageiros e entrega de mercadorias. A utilização de trabalhadores negros para o transporte de pessoas e o carregamento de mercadorias não é novidade no país. É conhecida a realidade dos escravos de ganho, nas cidades brasileiras no século XIX, em que a mão de obra das pessoas negras era empregada pelos seus proprietários em serviços urbanos. Ao trabalhador



5 Os cinco princípios de trabalho decente que foram levados em conta pelo projeto Fairwork são: remuneração justa, condições justas de trabalho, contratos justos, gestão justa e representação justa. O relatório completo do projeto Fairwork realizado no Brasil pode ser encontrado no site do grupo de pesquisa. Disponível em: https://fair.work/wp-content/uploads/sites/131/2022/03/Fairwork-Report-Brazil-2021-PT-1.pdf . Acesso em: 27 maio. 2022.

6 ROCHA, Rosely. Queda na renda de 68% dos entregadores por aplicativo motiva greve da categoria. Central Única dos Trabalhadores, 23 jun. 2020. Disponível em: https://www.cut.org.br/noticias/queda-na-renda-de-68-dos-entregadores-por-aplicativo-motiva-greve-da-categoria-bbef. Acesso em: 5 abr. 2022.

7 IPEA; MINISTÉRIO DO TRABALHO. Mercado de trabalho: conjuntura e análise. Brasília: Ipea; Ministério do Trabalho, 2021. p. 5. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10658/1/bmt_71_trabalho.pdf. Acesso em: 5 abr. 2022.

permitia-se apenas reter pequena quantia pelo serviço para custear futuramente sua alforria ou sua sobrevivência quando já libertos. A prática naquele momento histórico não foi muito diversa da atual, uma vez que já existia o aluguel de cadeirinhas para transporte de pessoas as quais eram carregadas por escravos.8

Assim, as plataformas digitais seriam mera continuação desta situação ou representam uma oportunidade de melhoria na condição dos trabalhadores negros, que passariam de subordinados a donos de si mesmos? Para esta reflexão, dividiu-se o estudo em duas partes, utilizando-se o método indutivo.

A primeira parte é a apresentação de pesquisa empírica realizada na cidade do Rio de Janeiro que buscou, a partir de entrevistas junto aos trabalhadores, verificar o espaço que o negro ocupa dentro das plataformas digitais de transporte, comparando-o com sua posição geral no mercado de trabalho brasileiro. Busca-se ainda identificar qual o perfil do profissional, em que condições cumpre seus afazeres, se há um reconhecimento pelo labor desempenhado e se o trabalho foi uma escolha pessoal ou a oportunidade que lhe foi oferecida pela posição que ocupa na sociedade.

A segunda parte, a partir das discussões raciais e do racismo estrutural, procura interpretar os elementos encontrados na pesquisa empírica, a fim de compreender o local do negro no mercado de trabalho no Brasil. O referencial teórico busca elucidar os motivos pelos quais pretos e pardos são sobrerrepresentados em profissões precárias e informais, como nas de serviço de transporte por meio de plataforma digital, e recebem, para a mesma função, renda inferior aos profissionais brancos.


8 CARELLI, Rodrigo de Lacerda. Há relação entre coronavírus, ganhadeiras da viradouro, domésticas e trabalhadores de app? Jota, 8 abr. 2020. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/ha-relacao-entre-coronavirus-ganhadeiras-da-viradouro-domesticas-e-trabalhadores-de-app-08042020. Acesso em: 3 abr. 2022.

  1. O TRABALHO EM PLATAFORMAS DIGITAIS DE TRANSPORTE – UM LEVANTAMENTO EMPÍRICO


    Os dados levantados e apresentados neste trabalho baseiam-se em 55 entrevistas realizadas pelos pesquisadores do Grupo de Pesquisa Trabalho no Século XXI, vinculado à Pós-Graduação da Faculdade Nacional de Direito (FND) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mediante a apresentação de questionário semi-estruturado com 28 perguntas durante os anos de 2018, 2019 e 2020, na cidade do Rio de Janeiro. Acrescentam-se à pesquisa duas entrevistas realizadas, em março de 2020, durante o período de quarentena imposto pelo poder público como medida de controle de contaminação pelo coronavírus, em que foram adicionadas perguntas específicas para o momento vivenciado, visando-se conhecer as condições laborativas e o tratamento dado a tais profissionais durante tal época. Estas entrevistas foram utilizadas com o propósito de análise qualitativa, tendo em vista a particularidade do confinamento e do enquadramento da atividade como essencial, não tendo sido incluídas nas estatísticas quantitativas que serão apresentadas a seguir.

    As entrevistas foram precedidas da indagação de consentimento em participar da pesquisa realizada pelo grupo de trabalho indicado. Todas as questões estão registradas em arquivo de áudio e foram transcritas posteriormente. Algumas transcrições foram fiéis literalmente ao que foi respondido pelos entrevistados e outras possuem as informações gerais para indicação dos dados objetivos da pesquisa. Para aquelas transcrições parciais, no presente estudo, resgatou-se o áudio, especialmente, naqueles relatos qualitativos, para que não se perdesse qualquer informação relevante.

    Os entrevistados foram escolhidos aleatoriamente e a enquete realizada em turnos diversos, para os motoristas, e, em turnos da tarde e da noite, para os entregadores, tendo em vista ser o momento em que há maior demanda, sendo possível encontrar profissionais para se apresentarem as perguntas. O método escolhido para o questionário permitiu que o depoente se sentisse à vontade em responder de modo informal e como bem entendesse, tendo sido favorável aos

    participantes do grupo de pesquisa que tiveram a oportunidade de, em algumas ocasiões, ir além das 28 perguntas elaboradas para obter mais detalhes das vivências dos trabalhadores investigados. Como consequência, algumas entrevistas foram concisas e duraram em média quatro minutos, já outras foram mais longas, durando um pouco mais de dez minutos.

    Primeiramente, cumpre esclarecer algumas dificuldades verificadas na interlocução com os entrevistados que podem refletir na análise das respostas, quando se examinarão os dados estatisticamente. Para o serviço de transporte de pessoas, as entrevistas ocorreram informalmente durante o trajeto de uma chamada solicitada pelo entrevistador ou pela entrevistadora, em que se indagava ao motorista se ele se incomodava em responder ao questionário enquanto dirigia. O elemento surpresa do diálogo no meio da prestação do serviço pode ter gerado desconforto a alguns motoristas, além do fato de ter sido realizado conjuntamente com a direção do veículo automotor, podendo ter levado a algumas respostas imprecisas por parte de alguns entrevistados, as quais abordaremos adiante.

    Quanto aos entregadores de mercadorias, o grupo de pesquisa fez abordagem aos profissionais em pontos de encontro predominantemente nos bairros cariocas de Botafogo e Catete enquanto aguardavam chamado para a realização de novo serviço de entrega. Os profissionais se encontravam na calçada ou nas ruas próximas ao comércio e restaurante que comumente demandam seus serviços. Quando da elaboração das perguntas, constatou-se uma inquietação dos participantes, seja pela abordagem direta de questões laborais enquanto estavam à disposição dos tomadores de serviço, seja pela imprevisão da entrevista naquele local e naquele momento, o que acarretou respostas vagas e contraditórias por parte de alguns entrevistados.

    Ademais, cabe esclarecer que, quanto aos entregadores de mercadorias, para efeitos estatísticos, procurou-se dialogar com profissionais que se utilizam tanto de motocicleta como de bicicleta, a qual em alguns casos não era de propriedade do trabalhador, mas alugada pontualmente em postos de coleta e entrega de bicicletas que se encontram espalhados pela cidade do Rio de Janeiro.


    1. O perfil dos entrevistados


      Quanto à identificação do gênero do trabalhador, de 55 entrevistados, somente um era mulher, que exercia o labor de entrega de mercadorias por meio de bicicleta alugada pelo aplicativo Bike Rio Itaú, sendo os demais do gênero masculino. Conclui-se, portanto, que há uma divisão sexual do trabalho em plataforma de transporte de pessoas e entrega de mercadorias. Como adiante irá se verificar, possuindo o trabalho de transporte junto à plataforma digital características de precariedade e intensidade de labor que exigem do seu prestador condições físicas aptas a suportar não somente elevada carga horária, mas, como no caso de transporte de mercadorias, sobrecarga sobre o próprio corpo, a mulher acaba sendo excluída de tal mercado, seja por ser, tradicionalmente, responsável pelos trabalhos doméstico e de cuidado, seja pela sua condição física, que acaba sendo desfavorável para o trabalho que exija maior esforço físico. Outrossim, o fato de o trabalho ser desempenhado na rua acarreta maior exposição a variados riscos, inclusive os de natureza sexual, o que pode explicar o labor ser efetuado predominantemente por homens.

      No tocante ao nível de formação educacional, a maioria dos entrevistados possui segundo grau completo, seguido do segundo grau incompleto e do primeiro grau completo. Apenas 7% dos entrevistados possuem nível superior completo.


      Gráfico 1 – Nível de formação acadêmica dos trabalhadores de transporte de pessoas e mercadorias por meio de plataforma digital



      Fonte: Elaboração própria - Grupo de Pesquisa Trab21 da FND da UFRJ.


      Todavia, se o estudo for realizado apenas considerando profissionais com veículo automotor, permanece a maioria com segundo grau completo, sendo 41% dos entrevistados, havendo 18% com nível superior incompleto e 17% com nível superior completo. Nesta modalidade, houve um profissional com pós-graduação, categoria inexistente quando da análise da atividade por bicicleta ou moto.

      Desse modo, deduz-se que o perfil do profissional de plataforma é homem com nível médio de escolaridade.


    2. A cor dos entrevistados


      Inicialmente, cumpre fazer um esclarecimento: quando se indagou ao entrevistado sobre sua cor, na maioria dos casos, o entrevistador teve que repetir a questão, explicitando que se tratava de uma pergunta referente ao enquadramento racial. Em alguns casos, houve desconforto com a pergunta, em outros, dúvidas quanto ao que responder, ou seja, poucos se sentiram à vontade de declarar a cor em que se enquadravam. Desconhecem-se os motivos reais de cada entrevistado para tal comportamento, mas houve a sensação de que muitos preferiram se autodefinir como pardo, para se caracterizar como miscigenados.

      Como, por exemplo, na entrevista com o motorista de aplicativo Leonardo, em 2019, quando se perguntou qual era a sua cor, ele respondeu: “cor de quê?”. E o entrevistador teve que esclarecer: “cor de pele”. No final, foi respondido: “branco”. Já para o motorista Ian, em entrevista realizada no mesmo ano, quando se fez a mesma pergunta, foi respondido: “eu acho que sou, me identifico como pardo”. A mesma dúvida foi relatada pelo motorista Ivair, em 2020, quando falou “acho que é pardo”. Em entrevista em 2018, o motorista Rodrigo questionou: “cor, como assim?”. E o entrevistador repetiu: “a sua cor”. Finalmente respondeu: “negro”.

      O entregador de mercadorias por meio de motocicleta Araoni, em 2019, para a mesma pergunta, autodeclarou-se mais de uma opção existente na presente pesquisa: “sei lá, sou branco, pardo, não sei...”. Para o motociclista Iran, em 2019,

      demandou-se: “cor, autoidentificação?”. E respondeu: “é, é, é... como é que fala mesmo?”. E elucidou-se: “pardo, branco, negro”. E finalmente respondeu: “negro”. Quanto ao entregador de mercadorias por meio de bicicleta Anderson, em

      2019, respondeu: “cor, como assim?”. A entrevistadora esclareceu: “branco, pardo, negro...”. E finalmente respondeu: “não sei, moreno, sei lá!”. Já o ciclista Fausto, no mesmo ano, assim respondeu: “sou moreno, pardo, sei lá!”.

      A dificuldade de autodemarcação de cor, tendo inclusive alguns se definido como morenos, retrata o desafio de se estabelecer um critério preciso de distinção entre negros e brancos. A definição de cor foi mera transcrição da autodefinição de cada entrevistado, não se adotando as categorias utilizadas pelo IBGE ou por qualquer instituto de pesquisa, acolhendo-se uma classificação racial interna, isto é, a forma como o indivíduo identifica-se com a raça em oposição a como os outros o veem. Não foi feita qualquer interferência quanto a tal dado, respeitando-se a construção de identidade racial de cada um, sem qualquer ponderação fenotípica ou social,9 o que levou a se considerar na categoria de cor a declaração de que um trabalhador se identificou como “branco, pardo” e outro como “moreno, pardo”, ou seja, manteve-se a dupla classificação em respeito ao declarado pelo entrevistado.

      O IBGE mistura cor e raça, tendo sido adotada tal classificação pelo Estatuto da Igualdade Racial, a Lei n.º 12.288, de 20 de julho de 2010, que define, como população negra, no art. 1º, inciso IV, “o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga”.10 Com base em tal critério, o IBGE, no ano de 2018,11 constatou que a população brasileira encontra-se dividida entre 43,1% de brancos, 9,3% de pretos, 46,5% de pardos e 1,1% de amarelos ou indígenas. Pretos e pardos, portanto, são a maioria da


      9 SANTOS, Ana Lúcia. Des-fazendo raça: a auto-definição racial em Rachel Dolezal. Estudos de Sociologia, v. 21, n. 41, p. 303-320, 2016. p. 304-307.

      10 ANJOS, Gabriele. A questão “cor” ou “raça” nos censos nacionais. Indicadores Econômicos FEE, v. 41, p. 103-118, 2013. p. 112-113.

      população com 55,8% de brasileiros. No Rio de Janeiro, essa proporção é de 45,2% de brancos, 13,4% de pretos, 40,8% de pardos e 0,6% de amarelos ou indígenas.12

      Em relação ao mercado de trabalho, o órgão oficial constatou que negros e pardos encontram-se mais desocupados e em profissões informais em relação aos brancos, com 64,2% de desocupados e 47,3% de trabalhadores em profissões informais em confronto com 34,6% de brancos laborando informalmente.13 Os dados oficiais apontaram ainda que enquanto a taxa de desocupação e subutilização de pessoas de 14 anos ou mais para os brancos é de 9,5% e 18,8% respectivamente, para os negros e os pardos, tal percentual é de 14,1% e 29%.14

      Quanto à pesquisa em si realizada pelo Grupo de Pesquisa Trab21 na cidade do Rio de Janeiro, no que se refere à cor dos entrevistados, 36% autodeclararam-se pardos e 16% negros, ou seja, a maioria dos trabalhadores são negros e pardos, dado este similar ao informado pelo IBGE, em pesquisa realizada no ano de 2018 e 2020, conforme relatado anteriormente.


      12 IBGE. Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2018. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/25844-desigualdades-sociais-por-cor-ou-raca.html?=&t=resultados. Acesso em: 3 abr. 2022.

      13 AGÊNCIA IBGE NOTÍCIAS. Pretos ou pardos estão mais escolarizados, mas desigualdade em relação aos brancos permanece. Rio de Janeiro: Editoria Estatísticas Sociais, 13 nov. 2019. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/25989-pretos-ou-pardos-estao-mais-escolarizados-mas-desigualdade-em-relacao-aos-brancos-permanece#:~:text=Em%202018%2C%2043%2C1%25,total%20de%20moradores%20do%20pa%C3%ADs. Acesso em: 3 abr. 2022.

      14 IBGE. Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2018. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/25844-desigualdades-sociais-por-cor-ou-raca.html?=&t=resultados. Acesso em: 3 abr. 2022.

      Gráfico 2 – Distribuição racial dos trabalhadores de transporte de pessoas e mercadorias de acordo com a autoidentificação do entrevistado



      Fonte: Elaboração própria – Grupo de Pesquisa Trab21 da FND da UFRJ.


      Quando se restringe a análise para motociclistas, a proporção de não brancos cresce um pouco, sendo 40% pardos, 20% negros, 20% brancos, 10% morenos e 10% branco/pardo. Quanto aos ciclistas, 36% autodeclararam-se pardos, 25% negros, 18% morenos, 10% brancos e 11% sem resposta, resultado este similar ao encontrado pela associação Aliança Bike, em sua pesquisa realizada na cidade de São Paulo, em 2019, junto aos entregadores de mercadoria por meio de empresas de plataforma digital que utilizam bicicleta como meio de locomoção na qual 71% se autodeclararam negros.15

      Vale destacar, todavia, que, no labor por meio do uso de veículo automotor, essa proporção inverte-se e passa a ter 47% dos entrevistados autodeclarados brancos, 35% pardos, 6% morenos, 6% moreno/pardo e 6% cor clara. Não houve entrevistado que se autodeclarasse negro ou preto. Verifica-se assim que, aumentando o custo da ferramenta do trabalho, constata-se uma presença maior de brancos no mercado de trabalho.

      O trabalho em plataforma, em geral, mas mais especificamente o relacionado com a entrega de mercadorias, portanto, é realizado predominantemente por


      15 ALESSI, Gil. Jornada maior que 24 horas e um salário menor que o mínimo, a vida dos ciclistas de aplicativo em SP. El País, São Paulo, 7 ago. 2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/06/politica/1565115205_330204.html. Acesso em: 4 abr. 2022.

      negros, sendo essa proporção cada vez maior quanto menor o custo da ferramenta de trabalho (carro, motocicleta ou bicicleta).


    3. As características do trabalho


      Os questionários apresentados aos trabalhadores permitiram que se traçassem algumas características do labor empreendido por aqueles que trabalham por meio de plataformas digitais. Para o objetivo do presente estudo, são importantes os dados obtidos a partir de questões sobre média de remuneração semanal, média de gastos, horas de trabalho executadas e horário do labor.

      Quando perguntado aos entrevistados “quanto tirou na última semana?”, o montante variou dependendo da espécie de transporte realizada e do meio de locomoção. Para os entregadores de bicicleta, 32% relataram que receberam entre 100 e 200 reais, 32% que ganharam entre 201 e 400 reais, 18% que conseguiram entre

      500 e 650 reais, 11% auferiram até 100 reais e 7% não responderam.


      Gráfico 3 – Média de remuneração obtida na última semana por trabalhadores de transporte de mercadorias que utilizam a bicicleta como meio

      de locomoção



      Fonte: Elaboração própria - Grupo de Pesquisa Trab21 da FND da UFRJ.


      Os entregadores que utilizam a motocicleta como meio de locomoção declararam montante superior: 50% receberam entre 700 e 900 reais e 20% entre

      1.000 e 1.500 reais. Já os motoristas, 47% narraram que receberam entre 1.000 e

      1.500 reais, obtendo média superior aos profissionais com outros meios de locomoção.


      Gráfico 4 – Média de remuneração obtida na última semana por trabalhadores de transporte de mercadorias que utilizam a motocicleta como

      meio de locomoção



      Fonte: Elaboração própria - Grupo de Pesquisa Trab21 da FND da UFRJ.


      Gráfico 5 – Média de remuneração obtida na última semana por trabalhadores de transporte de pessoas que utilizam o carro como meio de

      locomoção



      Fonte: Elaboração própria - Grupo de Pesquisa Trab21 da FND da UFRJ.


      Todavia, o valor da renda deve ser analisado conjuntamente com os gastos mensais, visando-se verificar o montante real auferido pelos trabalhadores no final de sua jornada de trabalho. Assim, os entregadores de bicicleta têm um gasto mensal entre 150 e 250 reais em média para 25% dos entrevistados, seguido de outros valores, conforme gráfico a seguir, chegando-se à conclusão de que poucos ciclistas ganham líquido mais de um salário mínimo por mês.

      Gráfico 6 – Média de gastos mensais por trabalhadores de transporte de mercadorias que utilizam a bicicleta como meio de locomoção



      Fonte: Elaboração própria - Grupo de Pesquisa Trab21 da FND da UFRJ.


      Já os motociclistas, 50% informaram que investem entre 300 e 450 reais mensais em gastos e 30% entre 450 e 600 reais. Quanto aos motoristas, em virtude do maior custo com a manutenção do veículo e com combustível, 30% relataram que gastam entre 1.000 e 1.500 reais, 29% não responderam e 29% informaram que desembolsam mais de 1.500 reais.


      Gráfico 7 – Média de gastos mensais por trabalhadores de transporte de mercadorias que utilizam a motocicleta como meio de locomoção



      Fonte: Elaboração própria - Grupo de Pesquisa Trab21 da FND da UFRJ.

      Gráfico 8 – Média de gastos mensais por trabalhadores de transporte de pessoas que utilizam o carro como meio de locomoção

      Fonte: Elaboração própria - Grupo de Pesquisa Trab21 da FND da UFRJ.


      Porém, como já se ressalvou, as informações quanto a valores são imprecisas, uma vez que falam sobre custos variáveis, havendo incerteza quanto a gastos reais em si. Verifica-se a imprecisão da informação como, por exemplo, no depoimento do motorista Leonardo, autodeclarado branco, que paga 48 parcelas de financiamento de carro de 1.000 reais e adiciona aos gastos as despesas correntes, conforme relata: “manutenção é muito difícil a gente falar; combustível é geralmente uns 80 reais por dia, 90. Manutenção é muito difícil, depende muito do carro”. E o entrevistador argui: “o Senhor calcula por exemplo óleo?”. E responde: “óleo é 100 pratas a cada dois, três meses. Muito difícil, manutenção é muito complicado”. E continua o questionamento: “e o Senhor fica prestando atenção na depreciação do carro?”, ao que ele responde: “claro”. O entrevistador complementa: “mas o Senhor coloca isto na ponta do papel?” e o motorista finaliza:


      [...] não, a gente fica olhando né? A gente vai vendo como está, por exemplo, tive um problema, bati um pouquinho aqui, como o meu seguro hoje em dia é, como já tive problema com seguradora eu coloquei em cooperativa então já fiz a lanternagem e não pintei para o carro não ficar tão bonito para roubo, entendeu? Lá atrás encostou e soltou a tinta. Também não vou pintar porque eu não quero um carro muito bonito entendeu? Meu outro carro era muito bonito. Então, eu já ando meio que largado agora, aí quando for vender, se eu for vender um dia aí eu vou dar uma geral no carro. Mas depreciar, deprecia sempre o carro, não tem jeito. Carro muito rodado né?


      A transcrição anterior retrata que os valores relatados pelos profissionais ao responderem ao questionário são imprecisos, já que os custos de manutenção do

      veículo, da moto e da bicicleta são variáveis pela sua natureza e pelas intercorrências que podem acontecer durante a jornada de trabalho, sendo todos os desembolsos e os prejuízos às custas do trabalhador. O dado é considerável para se concluir que a renda auferida pelos entregadores e pelos motoristas é desfalcada com gastos de preservação da ferramenta utilizada para se trabalhar, fazendo com que a remuneração por tarefa que obtêm das empresas de plataforma seja depreciada por despesas relativas ao meio de produção em si.

      Quanto à quantidade de horas de trabalho, verificou-se que 33% declararam que trabalham acima de 60 horas semanais, enquanto 24% laboram entre 48 e 60 horas por semana. Portanto, a maioria dos trabalhadores pesquisados expende mais horas de trabalho do que o previsto constitucionalmente como adequado ao exercício do direito social ao trabalho digno, conforme previsto no art. 7º, XIII da Constituição Federal.


      Gráfico 9 – Média de horas trabalhadas por semana por trabalhadores de transporte de pessoas e mercadorias por meio de plataforma digital

      Fonte: Elaboração própria - Grupo de Pesquisa Trab21 da FND da UFRJ.


      A intensificação do labor de tais atividades é confirmada pelo relato de 80% dos entrevistados que trabalham aos finais de semana e 74% que executam trabalho noturno.

      Cumpre ainda destacar que, apesar de 89% dos entrevistados considerarem-se autônomos, eles continuam a executar labor sem identidade profissional. Assim, dos entrevistados, ao se perguntar a profissão anterior que exerciam antes da nova atividade, a maioria já tinha profissão ou, quando havia, inexistia identidade

      profissional, com exceção de um entrevistado que disse ser engenheiro, de um técnico em comunicações, de um do ramo da siderurgia e de dois eletricistas, os demais declararam que foram ajudante de obra, ajudante de pedreiro, ajudante de cozinha, auxiliar de serviços gerais, guardião de piscina, jardineiro, motorista e supervisor de segurança, por exemplo.

      Os trabalhadores que realizam serviço de transporte de mercadorias e passageiros, conforme os números anteriores, acreditam na narrativa de que são empreendedores de si mesmo e de que o sucesso ou o fracasso depende apenas da disposição em laborar. Esse discurso persiste mesmo diante da realidade em que eles desconhecem a clientela, não têm acesso a seu cadastro, não ficam com o total do serviço cobrado e ainda podem ser penalizados caso não atuem de acordo com a política da empresa da plataforma digital. O motorista Ivair, autodeclarado pardo, em 2020, relata como funciona a dinâmica com a empresa de aplicativo:


      Eu participo de um grupo de... se você cancelar muita corrida, eles punem o motorista um dia, doze horas... é... normalmente, quando a pessoa cancela muita corrida, primeiro começa com doze minutos de punição aí vai... de acordo que vai aumentando a taxa de desempenho, aumentando não, diminuindo, melhor dizer, tanto na Uber como na 99 que são as duas mais famosas no Rio de Janeiro, a 99 até eu vejo que tem punição mais severa que a própria Uber... é... é aquela situação que falei para a Senhora, se a gente pegar uma corrida a preferência vai ser sempre do passageiro e não do motorista, o motorista está aqui para servir o passageiro e a pessoa que cancela muita corrida, ela toma advertência em forma de suspensão de minutos e até dias.


      Pela exposição anterior, depreende-se que o trabalho não é compulsório, mas, uma vez iniciada a jornada de trabalho, o profissional deve seguir os comandos e as políticas da plataforma digital sob pena de lhe ser cerceada a oportunidade de trabalhar temporária ou definitivamente.

      As características do trabalho de motorista e entregador por meio de plataforma digital afetam a saúde e segurança do trabalhador diante da elevada carga horária e da exposição a riscos que não estão cobertos por contrato de trabalho e pela previdência social, salvo para aqueles que voluntariamente se registraram como microempreendedores individuais. Um exemplo disto ocorreu durante o estado

      de quarentena em que, diante do aumento da demanda dos serviços, a atividade foi considerada como essencial pelo poder público. Todavia, houve o descaso das empresas de plataforma digital, que delegaram aos profissionais a responsabilidade com os custos da higienização do meio de produção e de equipamentos de proteção do próprio trabalhador.

      A plataforma, segundo relato do motorista Audir, sem autoidentificação de cor, deu sugestão de combate ao coronavírus, meras orientações, mas não forneceu qualquer equipamento de proteção e não aumentou a remuneração:


      A plataforma deu sim umas orientações especiais de como deve trabalhar em tempos do vírus, sim... a plataforma dá aquelas recomendações que a gente vê, né, o quê? Manter os vidros abertos, sem ligar o ar condicionado, independente do tempo que esteja, é óbvio que se tiver numa chuva como já aconteceu, não tem jeito se não vai molhar tudo por dentro; você deixa um pouco o vidro aberto. Eu consegui álcool gel, eu utilizo álcool gel no momento em que o meu cliente entra eu ofereço álcool gel a ele, eu peço que passe na mão, para a segurança dele, para minha, para a dele, para a nossa segurança, mas ele abre a maçaneta, na hora em que ele sai, eu tento higienizar um pouco o carro, tenho álcool líquido, meu álcool gel está acabando, está difícil encontrar, então você fica naquele meio a meio, mas a plataforma sim deu recomendação.


      A essa situação soma-se o fato de que, mesmo continuando a trabalhar, o motorista ou o entregador não manteve a sua renda. O trabalho just in time levou à diminuição do montante auferido, conforme relato do mesmo motorista:


      Nos dias de hoje, não tenho saído, a semana para mim começou ontem, ontem de 6 horas da manhã até meio dia e quarenta eu fiz uma única corrida pelo aplicativo 99 que deu R$ 15. E eu com ¼ de gasolina já que o meu carro é um carro de combustível líquido, eu não tinha dinheiro para colocar combustível como eu não tenho ainda e aí eu preferi parar achando que eu poderia pegar o resto do combustível e fazer corridas para que eu pudesse botar combustível para no outro dia tentar.


      Cumpre destacar que, somente em 2022, por meio da Lei n.º 14.297, foi previsto legalmente algum direito ao entregador de plataforma de modo a lhe assistir financeiramente caso infectado pelo coronavírus, assegurando-lhe renda durante o

      período de afastamento e seguro contra acidentes. Os entregadores ficaram quase dois anos descobertos de qualquer tipo de proteção por exposição de sua saúde durante o exercício de atividade laborativa, já que não é reconhecido o vínculo empregatício entre eles e as empresas de plataforma que os consideram meros colaboradores autônomos.

      Portanto, o modelo de organização do trabalho de transporte de pessoas e mercadorias é caracterizado pela intensificação da jornada de trabalho, exposição a risco da saúde e segurança do trabalhador, baixa remuneração e inexistência de direitos trabalhistas.


        1. As discriminações sofridas pelos trabalhadores


          No presente tópico, serão expostas informações relativas à interação do trabalhador com estabelecimentos que necessitam do serviço de entrega de seus produtos, a própria plataforma e o consumidor. A partir da pergunta “Você já se sentiu discriminado de alguma forma por algum cliente ou pela plataforma?”, colheram-se testemunhos em que alguns desses trabalhadores citaram situações nas quais foram tratados de forma desrespeitosa, outras em que foram enquadrados na posição de subalternos, vivências estas nas quais lhes é furtada sua dignidade como trabalhador e como ser humano.

          No relato do motociclista Araoni, em 2019, autodeclarado “branco, pardo”, entrevistado já citado de exemplo quanto à ausência de autoidentificação de cor, mencionou que, na zona sul do Rio de Janeiro, normalmente as pessoas associam sua imagem à de alguém com poucos atributos, quando responde à pergunta se já sofreu discriminação: “geralmente, ainda mais o povo aqui da zona sul, eles tratam o trabalhador como se fosse um marginal, coisa que, não sei...”.

          Em outros relatos, percebe-se que ainda está presente no comportamento da sociedade uma distinção social na qual há demarcação de espaços que eles entendem não devam ser ocupados por todos.

          Assim, o motociclista Rodrigo, autodeclarado pardo, em 2019, ao redarguir à pergunta sobre discriminação, expôs: “não, talvez até um pouquinho pelos

          restaurantes, porque na verdade a gente tem que ir lá ou então ficar aguardando lá do lado de fora, a gente não pode entrar, na maioria das vezes a gente não pode entrar, entendeu?”. O relato de Rodrigo é o mero depoimento do que foi retratado anteriormente em que se evidenciou que os trabalhadores pesquisados se aglomeravam nas ruas, ficando disponíveis aos empreendedores sem qualquer resguardo.

          O ciclista Tiago, pardo, em 2019, narrou que o mesmo tratamento lhe é conferido quando se apresenta no estabelecimento para coletar o produto para transporte: “Só a questão de certos lugares você não pode entrar, não sei se é a vestimenta, não se é a bag, aí tem que ficar esperando o pedido na porta”. Tiago sente-se discriminado, tentando encontrar uma justificativa objetiva, como a roupa e o acessório de trabalho, para esclarecer o motivo pelo qual não pode aguardar dentro das instalações da empresa.

          O mesmo procedimento de deslocamento do profissional de plataforma para um lugar que o distingue e o classifica como servil pela simples natureza da sua função é atestado pelo motociclista Rafael, autodeclarado pardo, em 2019, quando disse que:


          [...] pela plataforma não, assim, discriminado não, mas às vezes você chega no condomínio, no prédio para fazer uma entrega e às vezes ocorre tipo a questão assim: “ah, tem um elevador ali na sua frente pra você subir, aí a pessoa te manda dar volta para ir lá por trás no elevador de serviço e tipo assim eu sei que às vezes é a regra do condomínio ali do prédio mas pô é algo que às vezes deixa a gente meio chateado por isto, pelo tratamento da questão do condomínio assim, as regras do lugar onde você vai entregar.


          Rafael nega que exista discriminação pelos clientes, mas confessa que nos restaurantes ocorre o mesmo comportamento: “nos restaurantes é a mesma coisa. Têm alguns restaurantes que às vezes o atendente lá, a pessoa que não sabe lidar com a pessoa, meio ignorante, ou às vezes vê que a gente é entregador, aí manda a gente esperar, ‘ah, fica lá fora’ e tal, entendeu?”.

          Já quanto aos trabalhadores que transportam passageiros, depõem que muitas vezes o cliente trata o profissional nos moldes de uma relação doméstica. O motorista Ivair, autodeclarado pardo, por exemplo, em 2020, relatou que:


          [...] às vezes a gente se sente discriminado porque a pessoa entra aqui, acha que é dona do nosso veículo, é dona do... mas às vezes esquece que é um trabalho, a gente trata da melhor forma possível o cliente mas o cliente tem que tratar a gente bem e não pensar que a gente é um cachorro, um capacho.


          A mesma sensação foi relatada pelo motorista Renan, autodeclarado pardo, em 2020, que afirma já ter se sentido discriminado porque “a pessoa achar que a gente é motorista, empregado particular”. Ao que a entrevistadora questionou: “mas isto foi uma vez ou é uma coisa frequente?”. Ao que Renan informou: “algumas vezes”; e continuou “acham que você é um motorista particular que tem que fazer o que eles querem, não seguem a norma do próprio aplicativo”.

          Um terceiro depoimento de motorista, em 2020, ocorreu no mesmo sentido. O motorista Audir Lima, que não autodeclarou sua cor, mais uma vez destacou que alguns clientes o tratam como se existisse uma relação pessoal subordinada com o motorista, desconsiderando que se está pagando pelo serviço de um profissional que segue regras da plataforma digital:


          Já, claro que já. Como já falei. Você pega diversos, diversas pessoas. Tem umas que são absurdamente ignorantes, te acham, como é que eu vou falar, usar um termo certo, te diminui achando que você é o motorista particular, é como se ele fosse o teu dono e você tem que fazer o que eles pedem. Já me senti... e a própria plataforma, ela tem uma discriminação, porque no momento que você faz uma denúncia do cliente e você sabe que este cliente não vai ser punido e só você vai ser punido, porque a plataforma dá ouvido ao cliente, não dá ouvido ao motorista, eu nunca soube de um caso do cliente ser punido, nunca soube e você pode fazer uma pesquisa e vai ver que nenhum cliente é punido, mas o motorista claro que é punido, sempre.


          O agravante de tal discriminação é o fato de que, conforme Audir falou anteriormente, o trabalhador não é tratado de forma isonômica em relação ao

          passageiro. Caso o motorista ou o entregador pretenda realizar alguma reclamação à plataforma, o registro dá-se pela avaliação da nota do solicitante, mas punição alguma acontece formalmente com o consumidor, comparando-se com as alternativas que ocorrem com o profissional que pode ser advertido, suspenso ou até excluído da plataforma. Existem ainda plataformas em que não há tal canal e o profissional não pode registrar sua nota sobre o cliente, ficando neste caso totalmente desprotegido.

          Ademais, as avaliações proferidas pelos usuários nem sempre refletem apenas a qualidade do serviço desempenhado. A cada chamado, quem realiza o labor recebe uma avaliação de quem se beneficiou do serviço. A dúvida que surge é: como saber se a nota foi emitida com base em mero critério estético ou subjetivo que não tem qualquer relação com o serviço prestado em si?

          O motorista Ivair, autodeclarado pardo, quando questionado se sentia-se pressionado pelas notas dos clientes, respondeu negativamente, mas complementou: “a gente tenta fazer a melhor forma possível para fazer a melhor forma possível do atendimento ao cliente e às vezes o cliente não gosta porque você é careca, ou porque você é gordo, ou porque você deu um ‘bom dia’ e ele não querer ouvir o seu ‘bom dia’”.


        2. As distinções entre brancos, negros e pardos


      As entrevistas permitiram evidenciar que de fato há diferenças quanto ao perfil do trabalhador, da remuneração e da carga horária, quando analisados sob o viés racial. Partindo-se do parâmetro “cor”, o qual foi definido pela autodeclaração do entrevistado, serão trazidos dados estatísticos que atestam que há distinções entre brancos, negros e pardos no mercado de trabalho de plataforma digital. Cumpre apenas destacar que, nesta análise, optou-se por fazer diferenciações com base nas categorias branco, pardo, preto e negro. Os que se autoidentificaram como de cor clara, morena ou sem resposta foram excluídos do exame, a fim de que o resultado do estudo não tivesse intervenção subjetiva por parte do pesquisador em

      enquadrar as referidas cores em categorias específicas que poderiam não representar a forma como se identificavam racialmente os entrevistados.

      Quanto à renda auferida, conforme constatado em pesquisas do IBGE,16 no ano de 2018, os brancos, para a mesma atividade, recebem rendimento mensal 73,9% maior que os pretos e pardos. Na pesquisa realizada pelo grupo Trab21, no Rio de Janeiro, para 24% dos entrevistados negros e pardos, a última remuneração semanal foi entre 100 e 200 reais, seguida de 17% entre 201 e 400 reais, 14% entre 500 e 650

      reais, 14% entre 700 e 900 reais e 14% entre 1.000 e 1.500 reais. Apenas um entrevistado declarou ter recebido mais de 1.500 reais.


      Gráfico 10 – Média de remuneração obtida na última semana por trabalhadores negros e pardos de transporte de pessoas e mercadorias por meio

      de plataforma digital



      Fonte: Elaboração própria - Grupo de Pesquisa Trab21 da FND da UFRJ.


      Os brancos, todavia, em sua maioria, receberam entre 1.000 e 1.500 reais na última semana, seguidos de 23% com remuneração entre 201 e 400 reais e de 15% com renda entre 700 e 900 reais. Neste parâmetro, similarmente apenas uma pessoa mencionou ter recebido mais de 1500 reais, sendo relevante, porém, a

      predominância de pessoas caucasianas com remuneração muito superior aos pretos e pardos.


      Gráfico 11 – Média de remuneração obtida na última semana por trabalhadores brancos de transporte de pessoas e mercadorias por meio de

      plataforma digital




      Fonte: Elaboração própria - Grupo de Pesquisa Trab21 da FND da UFRJ.


      Por conseguinte, o trabalho em plataforma digital é mais uma espécie de labor em que o negro recebe remuneração inferior para a mesma atividade. A média da remuneração mensal do negro, descontados os custos com a manutenção da ferramenta de trabalho, na atividade por meio de plataforma digital, pode ser inclusive inferior à média informada pelo IBGE em relação a 2018: R$ 2.796,00 para brancos e R$ 1.608,00 para pretos ou pardos.17

      Esse dado surpreende, pois, teoricamente, as chances de remuneração seriam iguais entre estes trabalhadores. Uma hipótese plausível é de que haja uma discriminação na distribuição dos encargos pelo algoritmo, o que é constatado por pesquisas que demonstram como este pode estar enviesado, reproduzindo comportamentos e julgamentos racistas existentes em sociedade, caso abastecido


      17 IBGE. Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil. Estudos e Pesquisas: Informação Demográfica e Socioeconômica, Rio de Janeiro, n. 41, 2019. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf. Acesso em: 3 abr. 2022.

      com dados que distinguem e hierarquizam perfis de acordo com a distinção racial.18 Todavia, para se obter mais elementos sobre os motivos pelos quais profissionais negros recebem menos que brancos nos serviços de transporte prestados por meio de plataformas digitais, há a necessidade de uma maior investigação em que se analise a influência ou não dos artifícios tecnológicos na reprodução de inequidades.

      As desigualdades raciais persistem no transporte de pessoas e mercadorias por meio de plataforma, indicando os dados que, na verdade, talvez ocorra uma acentuação de discriminações, uma vez que, neste modelo de organização de trabalho realizado sob demanda por uma multidão de trabalhadores, trabalha-se mais para ganhar menos e os negros são sobrerrepresentados nesse tipo de serviço informal, precário, mal remunerado e com ausência de direitos trabalhistas.


  2. RACISMO ESTRUTURAL E O LUGAR DO NEGRO


    O estudo sobre o negro e a relação de trabalho pode se desenvolver sob a ótica do Direito do Trabalho, em que se pretende identificar a existência ou não de divisão racial do trabalho e discriminações baseadas em distinções de raça, cor e etnia. O assunto, todavia, também é objeto de análise de pesquisadores dos ramos das Ciências Sociais e da Antropologia, visando compreender as dinâmicas social, política, histórica e econômica que atingem e prejudicam a inserção do negro no mercado de trabalho no Brasil.

    Sob este prisma, o estudo sobre o negro no mercado de trabalho é pesquisa empreendida especialmente por alguns sociólogos no Brasil, desde meados do século XX, que, amparados em dados estatísticos produzidos por órgãos de pesquisa, como o IBGE e o DIEESE, realizaram um mapa do mercado de trabalho no Brasil. Nos diversos estudos, as conclusões convergem para a constatação de que aos negros são


    18 BENJAMIN, Ruha. Race after technology: Abolitionist tools for the New Jim Code. Cambridge/Medford: Polity Press, 2019; NOBLE, Safiya U. Algorithms of oppression: How search engines reinforce racism. New York: New York University Press, 2018. AJUNWA, Ifeoma. Race, labor, and the future of work: Oxford handbook of race and law. SSRN, Rochester, New York, Aug. 2020. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3670785. Acesso em: 27 maio 2022.

    oferecidas as profissões mais precárias, subalternas e que não exigem qualificação. Ademais, os negros possuem carga horária superior à dos brancos, maior instabilidade ocupacional e menor retorno financeiro ocupacional, comparativamente aos brancos, quando investem em educação19.O mito da democracia racial foi desmascarado pelos dados dessas pesquisas, ao retratar a dificuldade da inserção do negro no mercado de trabalho e, quando nele enquadrado, a dificuldade de mobilidade social ascendente20.

    O mercado de trabalho, na contratação e na promoção ocupacional, utiliza-se de critérios objetivos de seleção, como os relacionados à instrução, à experiência e a habilidades, o que não exclui a ponderação sob uma ótica subjetiva. Elementos subjetivos relacionados a estereótipos, preconceitos e discriminação interferem na dinâmica de mobilidade ocupacional, sendo alguns preteridos de oportunidades no ambiente de trabalho por questões alheias à sua competência, mas por pertencer a algum grupo socialmente estigmatizado para o qual lhe reservam as funções subalternas21.

    Silvio Almeida22 entende que o vocábulo “raça” é “um conceito relacional e histórico”, embutido de conotações variáveis e manipuláveis ao longo do tempo por aqueles que disputam espaços de poder. A raça é um critério de classificação dos seres humanos socialmente criado, que almeja hierarquizar e desprestigiar determinados grupos. Segundo o mesmo autor, dependendo da forma e de quem o manifesta, o racismo pode ser classificado em individualista, institucional e estrutural.

    O primeiro seria uma manifestação patológica de indivíduos e grupos, em que o foco é o comportamento a ser combatido no campo civil e criminal. Esta percepção é limitada, razão pela qual é relevante o entendimento do conceito do racismo


    19 BENTO, Maria Aparecida Silva. Igualdade e diversidade no trabalho. In: BENTO, Maria Aparecida Silva (org.). Ação afirmativa e diversidade no trabalho: desafios e possibilidades. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2020.

    20 HASENBALG, Carlos. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Belo Horizonte, MG: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2005. p. 215.

    21 BENTO, Maria Aparecida Silva. Igualdade e diversidade no trabalho. In: BENTO, Maria Aparecida Silva (org.). Ação afirmativa e diversidade no trabalho: desafios e possibilidades. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2020.

    22 ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018. p. 19.

    institucional, que reproduz, no cotidiano, como as instituições políticas, sociais e econômicas interagem com a raça. O racismo individualista existe porque previamente “as instituições são hegemonizadas por determinados grupos raciais que utilizam mecanismos institucionais para impor seus interesses políticos e econômicos”23. Nesta espécie de racismo, a raça é um critério eleito pelos grupos dominantes para categorizar, excluir e criar um opoente para que possam se manter no poder.

    Essa interação entre raça, racismo e poder é estudada pelos adeptos da Teoria Crítica da Raça,24 que acreditam que o racismo se tornou “the usual way society does business”,25 ou seja, predominante. Refletem ainda que o sistema de ascendência de cor branca, como padrão normativo, é uma construção social que atende a interesses diversos do grupo opressor dominante, razão pela qual é necessário que o enfrentamento de tal realidade surja a partir dos relatos e das experiências vividas pelas minorias.26

    Cheryl I. Harris,27 uma das autoras da Teoria Crítica Racial, entende que ser branco, por si só, é garantidor de direitos, propriedade e possibilidade de dominar e explorar o não branco. A autora defende o conceito de “branquitude como propriedade”, indicando suas origens no período escravocrata em que apenas escravos eram explorados e considerados como propriedade. A constatação de que brancos não eram escravos, só se admitindo tal condição a negros, induz a uma supremacia branca em que a branquitude livra os sujeitos de serem escravizados e se tornarem propriedade. Ao se adjetivar um indivíduo como branco, não se está apenas racializando, mas lhe conferindo privilégios que podem se manifestar por meio da possibilidade de segregar e subordinar negros.


    23 ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018, p. 30.

    24 FERREIRA, Gianmarco Loures; QUEIROZ, Marcos Vinícius Lustosa. A trajetória da Teoria Crítica da Raça: história, conceitos e reflexões para pensar o Brasil. Teoria Jurídica Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 3, p. 201-229, jan./jun. 2018. ISSN 2526-0464.

    25 DELGADO, Richard; STEFANCIC, Jean. Critical Race Theory: An introduction. New York: New York University Press, 2012, p. 7.

    26 Sobre a potencialidade do uso Storytelling como método a desconstruir as narrativas raciais, ver os estudos de Richard Delgado e Jean Stefancic (DELGADO, Richard; STEFANCIC, Jean. Critical Race Theory: An introduction. New York: New York University Press, 2012, p. 7-8 e p. 43-55).

    27 HARRIS, Cheryl I. Whiteness as property. In: CRENSHAW, Kimberlé et al. (ed.). Critical Race Theory: The key writings that formed the movement. New York: The New Press, 1995, p. 276-286.

    A referida jurista ainda indica que, no aspecto laboral, trabalhadores brancos identificam-se preliminarmente como brancos, antes de se definirem como profissionais, uma vez que a branquitude lhes assegura vantagens, acesso a espaços públicos e privados, em que, nas relações de poder, há a dinâmica de que o branco é o detentor de autoridade e o negro o subordinado e explorado.28

    Já o racismo estrutural seria o resultado dos racismos individualista e institucional, isto é, racismo não é uma questão meramente patológica ou institucional, mas a procriação de uma realidade em que o racismo é um processo social que se naturalizou. Aqueles seriam reflexo da própria estrutura social, que se estabelece por meio de relações sociais, políticas e econômicas nas quais o “racismo é regra e não exceção”.29

    O racismo estrutural pode se manifestar inclusive por políticas públicas revestidas de todo aparato legal regular, quando na realidade buscam categorizar e delimitar os espaços ocupados pelo negro. Angela Davis,30 ao dissertar sobre o sistema penitenciário norte-americano, explica o porquê de a população carcerária ser racialmente demarcada no complexo prisional nos Estados Unidos. Entendendo que o racismo se manifestou ao longo do tempo pela prática da escravidão, do linchamento e da segregação, extintas a escravidão e a servidão involuntária, a partir da Décima Terceira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, encarcerar a população negra foi o meio de se valer da permissão constitucional de trabalho forçado, que somente o permitia como punição por crime pelo qual tivesse sido justamente condenada.

    Como não foi mais possível ser proprietário de escravos e tendo sido extinta a segregação que permitia distinguir negros e brancos, delegando àqueles trabalhos desqualificados, já que eram considerados “cidadãos de segunda classe”, modificou-se o sistema criminal norte-americano ao se criar uma nova forma de trabalho gratuito. Criminalizaram-se pequenos delitos, os quais foram imputados aos negros muitas vezes sem provas, para que, sob a estrutura prisional, continuassem a ser


    28 HARRIS, Cheryl I. Whiteness as property. In: CRENSHAW, Kimberlé et al. (ed.). Critical Race Theory: The key writings that formed the movement. New York: The New Press, 1995, p. 286-287.

    29 ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018, p. 38-39.

    30 DAVIS, Angela. Estarão as prisões obsoletas? 4. ed. Rio de Janeiro: Difel, 2019, p. 23-30.

    subordinados e servis e executassem o labor sem a justa remuneração. Conforme conclui a autora, há similitude entre escravidão e penitenciária, já que ambas subordinam os sujeitos à vontade de outros, encarcerados, coagidos a trabalhar por longos períodos e sem justa retribuição.31

    Ronaldo Laurentino Sales Junior32 apresenta ainda uma distinção quanto à discriminação racial, que pode se manifestar sob a forma ostensiva ou por meio de demarcação racial. O autor subdivide o racismo ostensivo entre aquele que surge por meio da segregação racial ou pela domesticação, que sucede pelo adestramento do grupo considerado inferior, de modo que os indivíduos fiquem dóceis “e não ultrapassem as fronteiras próprias à sua condição de inferioridade”.33 Já a demarcação racial ocorre por meio de estereótipos raciais e microagressões, criando-se territórios econômico-sociais a serem ocupados pelos negros a partir da crença de que o estereótipo define o lugar de cada um.

    De acordo com Sales Junior,34 o racismo ostensivo fundamenta-se em teorias em que “as diferenças sociais são determinadas por fatores biológicos”. Já o racismo por demarcação social seria caracterizado pelo raciocínio dedutivo de que determinadas características e condições seriam típicas de negros. No primeiro caso, então, afirmar-se-ia que “são assim, pois são negros”,35 já na segunda hipótese, pensar-se-ia que “se um negro aparece dirigindo um Mercedes Benz, provavelmente é motorista de alguma “madame” ou, então, roubou o carro; ou se entra numa loja


    31 DAVIS, Angela. Estarão as prisões obsoletas? 4. ed. Rio de Janeiro: Difel, 2019, p. 25-29.

    32 SALES JUNIOR, Ronaldo Laurentino de. Raça e justiça: o mito da democracia racial e o racismo institucional no fluxo de justiça. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006, p. 11-14.

    33 SALES JUNIOR, Ronaldo Laurentino de. Raça e justiça: o mito da democracia racial e o racismo institucional no fluxo de justiça. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006, p. 12.

    34 SALES JUNIOR, Ronaldo Laurentino de. Raça e justiça: o mito da democracia racial e o racismo institucional no fluxo de justiça. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006, p. 12-13.

    35 SALES JUNIOR, Ronaldo Laurentino de. Raça e justiça: o mito da democracia racial e o racismo institucional no fluxo de justiça. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006, p. 12.

    para comprar um paletó, dificilmente será um advogado, mas, provavelmente, um evangélico ou vendedor”.36 Independentemente da espécie de racismo, este é comumente associado à categoria de classe, a qual não deve ser naturalizada, seja por questões biológicas, seja por fatores ideológicos, sob pena de um “reducionismo econômico”, mascarando-se a real causa da discriminação que tem motivações eminentemente raciais.37

    As ferramentas que se utilizam da tecnologia do Big Data e dos algoritmos, por serem um espelho do conjunto de dados compilados da vida real, não somente reproduzem os comportamentos e as percepções de uma sociedade racista, como reforçam o preconceito, já que atuam a partir de uma tendência que inclui associação a estereótipos. Tal fato foi noticiado pelo jornal El País, aludindo que o Google, por meio de inteligência artificial, associava as buscas de pessoas negras a gorilas, macacos e chimpanzés. A mesma conexão racista ocorreu com o Flickr “ao etiquetar negros como macacos”.38 Portanto, o desempenho do trabalho por meio de artifícios tecnológicos não resguarda o negro de situações nas quais é preterido ou prejudicado na relação de trabalho pelo simples pertencimento a um grupo socialmente discriminado, porque a técnica não está desvencilhada dos valores de uma sociedade que a produz.

    No presente estudo, a fim de se compreender o local ocupado pelo negro no espaço laborativo, observa-se que a delimitação do negro a profissões servis, motivada por questões raciais, é a manifestação de uma prática racista não meramente individual e institucional, mas estrutural. O próprio governo brasileiro, em 1995, após denúncia à Organização Internacional do Trabalho por violação à Convenção n.º 111, reconheceu oficialmente a existência de desigualdades raciais


    36 SALES JUNIOR, Ronaldo Laurentino de. Raça e justiça: o mito da democracia racial e o racismo institucional no fluxo de justiça. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006, p. 12-13.

    37 SALES JUNIOR, Ronaldo Laurentino de. Raça e justiça: o mito da democracia racial e o racismo institucional no fluxo de justiça. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006, p. 18.

    38 SALAS, Javier. Google conserta seu algoritmo “racista” apagando os gorilas. El País, 16 jan. 2018. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/14/tecnologia/1515955554_803955.html. Acesso em: 7 abr. 2022.

    nas relações de trabalho no Brasil, assumindo o compromisso de desenvolver políticas públicas de valorização da população negra e facilitar sua inserção de forma mais justa no mercado de trabalho39.

    Verifica-se, assim, que há um lugar servil delimitado para o negro: um trabalho mal remunerado, com longas e estafantes jornadas, sofrendo tratamento discriminatório por clientes, sem verdadeira autonomia e sem direitos. Mesmo nesse espaço servil o negro ainda se encontra em pior situação, devido a estruturas empresarial e algorítmica que perpetuam e incrementam a situação vivida pelos negros. Assim, percebe-se claramente a existência de um racismo estrutural que é replicado e aumentado pela lógica das plataformas digitais: o trabalho empreendedor de si mesmo e que nega o Direito do Trabalho.

    Tal situação não é unicamente brasileira. De acordo com Niels van Doorn, em conclusão preliminar de pesquisa realizada em Nova Iorque, Berlim e Amsterdam sobre trabalho de plataforma, “o trabalho de plataforma é trabalho de migrante e de minorias”.40 As atividades de limpeza, entrega de comida, bem como outros serviços típicos da Gig Economy sempre foram preteridos por homens e mulheres brancos, sendo tais funções as que são ofertadas ao público negro. A presente pesquisa, no entanto, identificou inclusive que, nos mesmos espaços, o negro é pior remunerado do que o branco.


  3. CONSIDERAÇÕES FINAIS


As plataformas digitais, segundo os dados levantados, são um lugar em que há excesso de horas de trabalho, ausência de folgas e trabalho mal remunerado, condição que se torna ainda mais precária diante da ausência de reconhecimento de vínculo de emprego entre elas e os trabalhadores que são considerados autônomos.


39 BENTO, Maria Aparecida Silva; DIAS, Jussara. Medidas compensatórias e reparação frente a violação dos direitos da população negra. In: BENTO, Maria Aparecida Silva; CASTELAR, Marilda. Inclusão no trabalho: desafios e perspectivas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. p. 27-29.

40 GROHMANN, Rafael. O trabalho de plataforma é trabalho de minorias: entrevista com Niels van Doorn. DigiLabour, 20 jun. 2019. Disponível em: https://digilabour.com.br/2019/06/20/niels-van-doorn-trabalho-de-plataforma/. Acesso em: 3 abr. 2022.

Os dados, todavia, não confirmam a referida autonomia, tendo em vista a não interferência do profissional na escolha do consumidor e na fixação de preço, sendo punido em situações nas quais prioriza a sua vontade em detrimento da escolhida pela plataforma.

Os dados empíricos demonstram que as plataformas digitais de transporte de pessoas e mercadorias são um lugar em que os negros estão sobrerrepresentados, corroborando dados estatísticos oficiais relatados ao longo do texto. Essa sobrerrepresentação é ainda maior quanto menor for o custo do meio de transporte realizado para desempenhar o trabalho para a plataforma.

Ademais, a pesquisa empírica demonstrou que, para o mesmo serviço, comparativamente aos brancos, negros recebem menor remuneração, inexistindo benefícios no uso da tecnologia para o combate de iniquidades no mercado de trabalho.

Pelo quadro teórico manuseado, verifica-se que o local subordinado para o negro no mercado de trabalho no Brasil é delimitado socialmente pela manifestação do racismo estrutural, sendo o por meio de plataformas digitais mais uma modalidade de labor precário e informal desempenhado por minorias41. O racismo que afeta o negro no ambiente ocupacional, fazendo com que ocupe as piores funções e com menor remuneração, comparativamente aos brancos, é um fenômeno mais abrangente do que o racismo individual.

A configuração institucional do trabalho em plataformas digitais, a partir de seu próprio desenho e execução de labor precário e sem direitos, reproduz e perpetua o racismo estrutural existente na sociedade brasileira. O Direito do Trabalho, como instrumento adequado para humanizar as técnicas e regular as relações de trabalho, a partir de uma perspectiva direcionada a corrigir assimetrias entre os entes contratantes, pode ser utilizado como ferramenta de proteção de direitos a sujeitos ditos empreendedores.



41 ABÍLIO, Ludmila Costhek. Plataformas digitais e uberização: globalização de um Sul administrado?

Revista Contracampo, Niterói, v. 39, n. 1, p. 12-26, abr./jul. 2020.

O racismo estrutural revela-se no mercado de trabalho ao delegar profissões precárias, mal remuneradas e sem direitos trabalhistas aos negros, sendo o reconhecimento de direitos e a proteção trabalhista medidas a serem estimuladas e implementadas, seja por meio de previsão legal, seja por meio do reconhecimento jurisprudencial, no combate a desigualdades raciais no ambiente laborativo.


REFERÊNCIAS


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Eneida Maria dos Santos

Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trab21 - Trabalho no Século XXI. Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Procuradora Federal. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3330487236471924. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0927-8880. E-mail: eneida.santos@gmail.com



Rodrigo de Lacerda Carelli

Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Coordenador do Grupo de Pesquisa Trab21 -Trabalho no Século XXI. Procurador do Trabalho no Rio de Janeiro. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6162675542648709. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5504-1198. E-mail: rodrigolcarelli@gmail.com